DEFICIÊNCIA FÍSICA E TRABALHO COM PINTURA: POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO Rafael Fernando da Costa Raphael Manzini Thamiris de Paula Pereira Leonardo Bruno da Silva Graziele Thomasinho de Aguiar Maria Amélia Almeida Márcia Duarte Galvani Universidade Federal de São Carlos Eixo Temático: Aspectos sociais das deficiências 1. Introdução Segundo o decreto nº 5296/04 (BRASIL, 2001), a deficiência física é a alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física. Porém, o mesmo decreto traz a necessidade de conscientizar a sociedade sobre as potencialidades desses indivíduos, inclusive com relação à inclusão no mercado de trabalho. Nesse aspecto, a realização de artes plásticas atua como uma forma de expressão e tem potencial para agir como facilitadora para que a socialização de pessoas com deficiência física ocorra (ATTACK, 1995). Com a produção de suas próprias obras de artes, a pessoa com deficiência física, além de expor seus pensamentos e sentimentos, pode se tornar um dos colaboradores da renda familiar ao comercializar seus quadros, gerando autonomia para si e sua família. Essa possibilidade permite romper com o estigma de ter um corpo que não é apto para o trabalho e, portanto, excluído do sistema de produção (LEAL, MATTOS e FONTANA, 2013).
2. Objetivos O objetivo deste trabalho foi investigar a inclusão de pessoas com deficiência física no mercado de trabalho por meio da realização e comercialização de pinturas. 3. Método Participaram da pesquisa oito pessoas, sendo: quatro com deficiência física (cadeirantes e/ou com atrofia nas mãos), duas mulheres (A1 e A2) e dois homens (A3 e A4), todos com mais de 40 anos, que trabalham com a comercialização de pinturas há pelo menos dois anos; e quatro familiares (F1, F2, F3 e F4), um familiar por artista, todas mulheres com mais de 50 anos e mais de 15 anos de convivência com o artista. O critério de exclusão da participação dos artistas foi o diagnóstico de qualquer outra deficiência (visual, auditiva, intelectual). O recrutamento dos participantes se deu por consulta via internet de artistas com deficiência física que expõe seus quadros na web, com posterior contato via e-mail e/ou telefone. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética para pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de São Carlos sob o CAAE 47086015.9.0000.5504. Os locais de realização foram três cidades do interior do Estado de São Paulo, nas respectivas casas dos participantes. Como materiais, foi utilizado computador, telefone, um gravador de voz, folhas em papel sulfite com o roteiro da entrevista e Termo de consentimento livre e esclarecido. Perante o aceite do participante, via e-mail ou telefone, e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi realizada uma entrevista semiestruturada áudiogravada com o artista com deficiência física e com um de seus respectivos familiares, individualmente e separadamente, com duração de até uma hora. A entrevista constou de 16 perguntas abertas como, por exemplo, Qual a importância da arte na sua vida profissional hoje?, De que maneira a pintura a insere na sociedade?, Quais os apoiadores do seu trabalho artístico?, Você comercializa suas obras?. O áudio da entrevista de cada participante foi transcrito integralmente em ordem cronológica das falas. A partir das transcrições, foi realizado o procedimento de Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) para a obtenção de descrições sistemáticas e qualitativas,
identificando conteúdos recorrentes intra e entre os entrevistados. Com isso, realizou-se uma interpretação dos conteúdos que continham uma síntese dos significados dos pontos principais de interesse deste trabalho. 4. Resultados e Discussão Considerando todos os participantes, pode-se notar que a realização e comercialização das pinturas possibilitaram a inserção dos artistas com deficiência física entrevistados como pessoas produtivas no mercado de trabalho, já que a pintura foi uma maneira de gerar autonomia financeira e uma forma de organização psicológica. Com relação à visão dos artistas sobre sua atividade de pintura enquanto profissão, todos apontaram a pintura como única forma de trabalho que se poderia enquadrar o mais próximo possível de um trabalho formal na vida atual deles. Como renda, sabe-se que A1 e A3 são aposentados por invalidez e A2 é aposentada por tempo de trabalho (professora). A4 não citou outra fonte de renda além do dinheiro ganho pela venda de suas obras, aliás, ele citou dificuldades financeiras inclusive para compra de material de trabalho. É importante informar que A4 não participa de nenhuma instituição que o ajude a divulgar suas pinturas. Diferente de A1, A2 e A3, que participam da Associação de pintores com a boca e os pés, fundada em 1956. A1, A2 e A3 reconhecem o valor da associação em suas vidas já que esta permite que suas obras sejam expostas, ganhando reconhecimento, inclusive internacional, ajudando-os em suas vendas. A2 até explicitou que se sente uma funcionária formal quando se refere à sua relação com a referida associação. Os artistas ainda citaram que não conseguem fazer uma diferenciação de vida pessoal e profissional com relação às artes. Há consenso entre os artistas, que entre a realização pessoal em fazer pintura e o descrédito atribuído a deficiência, o ganho monetário é um aspecto muito importante que influencia seu trabalho, conforme comentam em suas respostas:... ganho meu dinheiro que me sustenta, tenho independência financeira. (A3); Meu único meio de ganhar um trocado é com meus pincéis... (A4). Com relação aos familiares, todos salientaram a importância financeira do trabalho artístico para a família. Por exemplo, F2 e F3 afirmaram que a inclusão social de seus familiares ocorre por meio dos recursos financeiros provenientes da pintura, pois é por meio de sua obra que os artistas conseguem dinheiro para suprir a maioria de suas necessidades.
Apesar de caracterizarem o trabalho dos artistas positivamente, os familiares tem um conhecimento limitado quanto ao aspecto profissional ou de sentido técnico das pinturas. Por exemplo, F1, apesar de usar o termo profissional, não dá detalhes de quais são suas percepções acerca do exercício da pintura. F4 apenas indicou compreender a pintura como uma possível profissão de A4 devido à quantidade de clientes deste artista, já que houve um aumento no número de pessoas frequentando a moradia de A4 para comprar suas obras de arte. 5. Conclusões O objetivo deste trabalho foi investigar a inclusão de pessoas com deficiência física no mercado de trabalho por meio da comercialização de pinturas plásticas a partir de entrevistas realizadas com quatro pessoas com deficiência física que comercializam suas obras de arte e seus respectivos familiares. Constatou-se que todos os participantes consideraram a comercialização das obras de arte como um trabalho importante na vida dos artistas entrevistados, pois, além da realização pessoal, tal trabalho gera renda familiar. Os artistas encararam que a renda advinda das pinturas lhes ajuda a manter o trabalho, como para a compra de pincéis e tintas, além de se inserirem em diferentes espaços da comunidade, inclusive, da comunidade internacional. Os familiares também incentivaram o trabalho dos artistas devido à renda e à possibilidade dessas pessoas se engajarem no mercado produtivo da sociedade e serem reconhecidos pelas pessoas. Com relação às implicações desta pesquisa, pode-se dizer que os resultados mostraram a real colocação de pessoas com deficiência física no mercado de trabalho por meio de pinturas, gerando inclusão social. Porém, a investigação deste objetivo poderia revelar, ainda, algumas dificuldades enfrentadas na inclusão de pessoas com deficiência física no mercado artístico quando não há uma instituição de apoio, a exemplo de A4, que não está associado a nenhuma instituição e tem muitas dificuldades financeiras para continuar realizando seu trabalho. Pensando também que o desenvolvimento de habilidades artísticas pode se revelar como uma forma de engajamento em um trabalho rentável e de inclusão social, as escolas que recebem essa população deveriam se atentar quanto à formação artística de pessoas com deficiência física, não apenas como uma possível medida terapêutica, mas como possibilidade de auto expressão e renda.
A principal limitação da pesquisa foi a dificuldade de encontrar participantes com disponibilidade de realizar a entrevista, o que demonstra a necessidade de continuação das investigações, com esforços de ir ao encontro destes artistas em diferentes realidades do Brasil. Referências ATACK, S. M. Atividades artísticas para deficientes. Campinas, SP: Papirus, 1995. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977 BRASIL. Decreto Lei nº 3.956, de 8 de Outubro de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm Acesso em: 22 de Junho de 2015. BRASIL. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 2ª edição, Brasília: MTE, SIT, 2007. LEAL, D. R.; MATTOS, G. D.; FONTANA, R. T. Trabalhador com deficiência física: fragilidades e agravos auto referidos. Revista brasileira de enfermagem. [online]. v.66, n.1, pp. 59-66. ISSN 0034-7167, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n1/v66n1a09.pdf Acesso em: 22 de junho de 2015.