Fraturas diafisárias do fêmur por projetil de arma de fogo tratamento imediato utilizando a técnica da placa em ponte relato de dois casos Glaucus Cajaty dos Santos Martins 12 Luiz Felippe dos Santos Martins Filho 3 Marcos Britto da Silva Hospital Municipal Lourenço Jorge Resumo Relatam-se 2 casos de fratura de fêmur por projétil de arma de fogo, os quais foram tratados nas primeiras 6 horas com limpeza mecânico-cirúrgica e osteossíntese, utilizando-se a técnica da placa em ponte. Os casos evoluíram para a consolidação sem complicações. O método se mostrou eficaz e factível. Utilizou-se material de síntese de fácil acesso na maior parte dos serviços (placa DCP 4.5). Unitermos - Fratura de fêmur; fratura por projétil de arma de fogo; placa em ponte Summary We present two cases of shotgun fractures of the femur. They were treated in the first six hours after the accident with lavage with fisiologic solution and débridement. The fractures were internally fixed utilizing the technique of bridge plate. The fractures healed without complications in the post operative period. The method is useful and feasible, and it utilizes a relatively cheap material (4.5 DCP plate). Key words - Femur fracture; shotgun fracture; bridge plate Introdução A técnica da placa em ponte se baseia na fixação interna da fratura sem o descolamento de partes moles e sem a desperiostização ao nível do foco fraturário. Este método promove uma consolidação mais rápida e biológica (5, 14, 17, 19). Em nosso meio esta técnica tem sido usada com sucesso nas fraturas altamente cominutivas e fechadas pela sua eficácia, reprodutibilidade e fácil acesso ao material de síntese (placas e parafusos) (4, 13, 18). 1 glaucusc@terra.com.br 2 Trabalho realizado no Hospital Municipal Lourenço Jorge (HMLJ) - Serviço do Prof. Paolo Chimisso. 3 Médico do Serviço de Ortopedia do HMLJ, Membro Titular da SBOT.
Apresentamos 2 casos em que esta técnica foi utilizada no tratamento imediato (nas primeiras 6 horas) em caso de fratura por PAF (projetil de arma de fogo) de baixa velocidade. Técnica cirúrgica Com o paciente em decúbito dorsal, feita lavagem, desbridamento de tecido necrótico e ressecção dos orifícios do PAF. Realizadas duas incisões com cerca de 12 cm, uma proximal e outra distal ao foco, com dissecção por planos, abertura da fáscia lata, descolamento do vasto lateral a partir do septo lateral e visualização da diáfise. Através destas duas incisões palpamos e eventualmente visualizamos o foco fraturário, porém procurando realizar o menor descolamento possível de partes moles. A estes níveis é feita lavagem exaustiva com soro fisiológico (10 litros). Após a lavagem é realizada tração do membro, obtendo-se comprimento e alinhamento rotacional adequados, comparando-se com o membro contralateral, o qual é utilizado como parâmetro de redução. A placa é introduzida de proximal para distal subvastolateral, sendo realizada fixação com parafusos nas extremidades da placa. Utiliza-se placa DCP 4.5 larga de comprimento adequado, fixando-se com parafusos, pelo menos oito corticais em cada extremidade da placa, não se preenchendo com parafusos os orifícios ao nível do foco. Após a fixação é feito fechamento por planos anatômicos com colocação de dreno de sucção por 24 a 48 horas. No primeiro dia de pós-operatório já se começa a fisioterapia, inicialmente com contrações isométricas do quadríceps. Assim que haja diminuição da dor pósoperatória são indicados exercícios de flexo-extensão do joelho e quadril sem carga. Não é permitido apoio com carga no membro operado até serem visualizados sinais de consolidação radiológica. Relato de casos CASO 1 - Homem, 62 anos, negro, deu entrada no hospital com quadro de fratura de fêmur direito por PAF, no dia 23.12.96 (fig. 1). O grau de cominuição pela classificação de WINQUIST foi identificado como tipo III (entre 50 a 100% da superfície do foco fraturário está cominuída). Administrada Vacina Antitetânica (ATT) intramuscular (IM), iniciada antibioticoterapia com Cefazolina IV (intravenosa). Realizada limpeza mecânico-cirúrgica (LMC) e fixação com placa em ponte, utilizando-se placa DCP 4.5 larga. Não foi realizada hemotransfusão. O intervalo entre o acidente e a cirurgia foi de 6 horas, realizada a antibioticoterapia IV durante 4 dias. Alta em 27.12.96.No pós-operatório, evoluiu sem intercorrências. A consolidação radiológica ocorreu com 17 semanas (fig. 2 e fig. 3). Na última avaliação ambulatorial (27º mês de pós-operatório) apresentava amplitude normal de movimentos no quadril e joelho em comparação ao lado não acometido.
CASO 2 - Homem, 28 anos, pardo, atendido no setor de emergência por apresentar fratura do fêmur esquerdo por PAF em 26.02.97 (fig. 4). Quanto à intensidade da cominuição foi classificada como WINQUIST tipo III. Administrados cuidados iniciais tais como: antibioticoterapia IV com Cefazolina e ATT IM. Realizada LMC mais fixação por osteossíntese com placa DCP 4.5 larga em ponte. Não foi necessária transfusão sanguínea. O intervalo entre o acidente e a cirurgia foi de 4 horas, realizada a antibioticoterapia IV durante 5 dias. Alta em 03.03.97. No pós-operatório, evoluiu sem intercorrências. A consolidação radiológica ocorreu com 16 semanas (fig. 5 e fig. 6). Na última avaliação ambulatorial (25º mês de pós-operatório) apresentava arco de movimento no quadril e joelho com amplitude similar ao do lado normal (fig. 7 e fig. 8). Discussão As fraturas do fêmur por PAF (projétil de arma de fogo) devem ser tratadas como fraturas expostas, embora haja autores (1, 8) que considerem as fraturas por PAF de baixa velocidade como fraturas fechadas, podendo ser tratadas sem maiores cuidados de limpeza do foco fraturário. As fraturas expostas devem ser tratadas preferencialmente até 6 horas após o acidente, com a finalidade de diminuir o risco de infecção. Deve ser feita a profilaxia do tétano e iniciada antibioticoterapia. A limpeza mecânico-cirúrgica aliada à colocação de tração esquelética juntamente com antibioticoterapia para posteriormente, em segundo tempo, ser realizada a osteossíntese com placa ou haste intramedular é uma opção de tratamento. No entanto, a utilização da técnica da placa em ponte nas primeiras 6 horas permitiria a estabilização precoce da fratura, o que diminuiria o tempo de internação e os gastos hospitalares, além de evitar as complicações decorrentes do uso da tração esquelética, tais como: atrofia do quadríceps e diminuição do arco de movimento do joelho. Caso seja utilizada técnica clássica (15) de osteossíntese com placa e parafusos, na qual é feita abertura do foco de fratura, haverá maior desvitalização dos fragmentos fraturários, o que torna necessária a enxertia óssea, além de aumentar a possibilidade de retardo de consolidação e pseudo-artrose (2). O maior descolamento de partes moles também poderá provocar maior perda sanguínea no ato cirúrgico. A utilização do método de fixação externa juntamente com a LMC (3) mostrouse eficaz no tratamento de fraturas por PAF, porém há relatos importantes de limitação do movimento do joelho (16) e de infecção de pinos em algumas casuísticas, em até 50% dos casos (2). Segundo alguns autores haveria índices maiores de pseudo-artrose com o uso de fixação externa (16). Atualmente, a primeira indicação para fixação de fratura de fêmur é a utilização da haste intramedular bloqueada (2), fresada ou não, a qual, infelizmente, em nosso meio, está restrita a poucos serviços (7,13,18).
Segundo Levy (12) e Wright (20), nos casos de fratura por PAF o uso de haste intramedular a foco fechado deve ser imediato e apresentaria índice de infecção semelhante a fraturas fechadas. Nos casos de PAF de alta energia (fuzis AR15, AK 47) ou tiros à queima roupa, o grau de destruição de partes moles seria maior, não estando de início indicada osteossíntese, seja por placa ou haste. Nestes casos deveriam ser realizadas LMC e fixação externa ou colocação de tração para posterior fixação interna, após melhora das partes moles (2). Segundo alguns autores do Grupo AO (10, 11), a indicação ideal da placa em ponte seria em fraturas cominutivas proximais do fêmur (subtrocanteriana) e distais (supracondílea), sendo no caso de fraturas diafisárias indicada a haste intramedular. Em nosso país, a placa em ponte nas diáfises femorais, especialmente em casos cominutivos, tem sido utilizada com sucesso (4, 6, 13, 18). Nos 2 casos relatados foi realizada fixação da fratura nas primeiras 6 horas, após realização de LMC, utilizando-se a técnica da placa em ponte. De acordo com a teoria da placa em ponte (15) e devido ao fato de haver fixação apenas nas extremidades, esta permitiria micro movimentos ao nível do foco, representando uma forma de osteossíntese estável (9), diferente da osteossíntese com placa e redução anatômica, a qual, por não permitir movimentação do foco, seria rígida (9, 15). A melhor indicação seria nos casos de fraturas cominutivas, pois formaria calo fraturário com maior volume, de forma que a micro movimentação não seria suficiente para destruir a coesão das células do tecido de reparação que se forma ao nível do foco de fratura (9, 15). Já no caso de fratura transversa, o calo possuiria volume menor, havendo menor tolerância por parte dos tecidos de reparação do calo fraturário em relação à micro movimentação (9, 15). Neste caso, portanto, a placa em ponte estaria contraindicada. A placa em ponte confere estabilidade suficiente para realizar-se a fisioterapia com movimentação precoce, porém sem apoio de carga. O apoio com carga no membro operado só deverá ser feito de preferência quando se observar a consolidação radiográfica. Houve a impressão, a partir destes 2 casos, de que a preservação das partes moles, principalmente do periósteo e inserções musculares ao nível do foco de fratura, o qual procuramos não descolar, associada à colocação adequada da placa, foram fundamentais para o processo de consolidação. A fixação precoce com placa em ponte nas primeiras 6 horas em fraturas de fêmur ocasionadas por PAFs de baixa velocidade apresenta uma série de vantagens teóricas (6, 19): a) disponibilidade de placas DCP na maior parte dos serviços de ortopedia; b) facilidade de realização do método; c) a não necessidade de aparato radiológico complexo ou de mesas ortopédicas especiais; d) boa possibilidade de consolidação, seguindo-se a técnica adequada;
e) menor necessidade de transfusão sanguínea; f) a não necessidade de enxertia óssea; g) realização de apenas um ato cirúrgico; h) diminuição do tempo de internação; i) fisioterapia precoce. Conclusão Acreditamos que a fixação interna utilizando a técnica da placa em ponte em fraturas diafisárias de fêmur por PAF deva ser realizada preferencialmente em casos com cominuição importante, fraturas por PAF de baixa velocidade e o mais precocemente possível, de preferência nas primeiras 6 horas. Trata-se de método factível que promove a formação de bom calo ósseo e permite uma recuperação mais célere. Agradecimentos Agradecemos à Dra. Claudia Teixeira Bizarro sua inestimável contribuição para a confecção deste trabalho. Referência bibliográfica 1. Brav, E. A: Further evaluation of the use of intramedullary nailing in the treatment of gunshot fractures of the extremities. J. Bone Joint Surg [Am] 39:513-520, 1957. 2. Bucholz, R. W. & Brumback, R.J.: Fractures of the shaft of the femur. In Rockwood and Green s fractures in adults, pp 1827-1910. Philadelphia, Lippincot-Raven, 1996. 3. Dabinzies, E.J., D Ambrosia, R. & Shoji, H.: Fractures of the femoral shaft treated by external fixation with the Wagner device. J.Bone Joint Surg [Am] 66: 360-367, 1984. 4. Falavinha, R.C.: Fixação biológica das fraturas multifragmentárias do fêmur. Rev Bras Ortop 31:449-456,1996. 5. Farouk, O., Kretter, C., Miclau, T., et al: Minimally invasive plate osteosynthesis and vacularity: preliminary results of a cadaver injection study. Injury vol 28, suppl nº 1:7-12, 1997. 6. Fernandes, H.J., Baldy, F.R. et al: Tratamento das fraturas diafisárias instáveis do fêmur pelo método da placa em ponte. Rev Bras Ortop 33: 417-425, 1998. 7. Fernandes, H.J.A., Reis, F.B., Köberle, G., et al: Tratamento das fraturas diafisárias instáveis do fêmur com haste intramedular bloqueada. Rev Bras de Ortop 32: 418-424, 1997. 8. Howl, W.S.Jr. & Ritchey, S.J.: Gunshot fractures in civilian practice. Na evaluation of the results of limited surgical treatment. J.Bone Joint Surg 53A: 47-55,1971.
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