DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL PROVA ACADÉMICA 2ª CHAMADA GRUPO 1 Alínea A) - (1,5 valores) Lei Penal aplicável aos factos praticados por A e C Na medida em que o candidato deve ficcionar que as leis penais portuguesa e alemã são exatamente iguais e tendo os factos praticados por ALBERTO e CARL ocorrido em território alemão, a lei deste país será desde logo aplicável artigo 4º n.º 1 do Código Penal Alemão independentemente da nacionalidade do agente. Contudo, a lei portuguesa pode também ser aplicável, sem prejuízo do que a este propósito se dispõe no artigo 6º, n.º 1, nos termos da alínea e), do n.º 1, do artigo 5º, do Código Penal Português, ou seja, e verificado que está o requisito da dupla incriminação, sempre que os agentes forem encontrados em Portugal e os tribunais portugueses decidam pela sua não entrega em execução de mandado de detenção europeu emitido pelo Estado Alemão relativamente a tais factos. Alínea B) - (3 valores) NA ALEMANHA responsabilidade penal de A e B Ao administrar-lhe a vacina em três ocasiões diferentes, ALBERTO preenche por três vezes um crime de ofensas à integridade física qualificada na pessoa de BERTA (143º n.º 1 e 145º n.º 1 alínea a) e 2, com referência às alíneas i) e j) do artigo 132º). Serão valorizadas as respostas dos candidatos que discutam a questão da unidade ou pluralidade de infrações face ao comportamento descrito. CARL é co-autor do citado ilícito, aderindo ao plano de ALBERTO num momento posterior ao início da respetiva execução. Numa dada perspetiva, o seu silêncio parece tornar-se essencial ao prosseguimento do plano criminoso de ALBERTO sendo tal facto entendido por este da mesma forma sendo inegável, numa outra perspetiva, que possui o domínio positivo e negativo do facto criminoso.
Alínea C) Responsabilidade penal de Daniel, Ernesto e Gonçalo - (7, 5 valores) 1. NO CAMINHO (4, 5 valores) Ao recusar-se a transportar BERTA, depois de se ter apercebido de que a mesma carecia de urgente assistência médica, ERNESTO comete o crime de omissão de auxílio (artigo 200 n.º 1) já que não parece configurar-se que sobre ele recaia qualquer obrigação de garante. Ao obrigar ERNESTO a transportar BERTA ao hospital mediante o aperto do pescoço, a ameaça de ofensas físicas mais graves e a utilização por ele próprio do táxi, DANIEL comete os crimes de ofensas à integridade física (143º, n.º 1) e coação (154º, n.º 1) que se mostram justificados atenta a verificação dos pressupostos do estado de necessidade justificante (artigo 34º). Quem radique o fundamento da justificação de tal conduta face à ordem jurídica em legítima defesa de terceiros (artigo 32º) ante a omissão pura e ilícita de ERNESTO (artigo 200º n.º 1) deverá justificar as razões que o levam a considerar que uma omissão pura é suscetível de ser considerada como uma agressão ilícita para efeitos de legítima defesa. No acidente de tráfego causado por ERNESTO, por circular a velocidade superior à permitida e violando a regra de prioridade num cruzamento, poderá existir um crime de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º, n.º 1, alínea b)) doloso ou negligente (n.º 3)) se configurados os restantes elementos do tipo. Do mesmo acidente resultaram ferimentos nas pernas de ERNESTO e FRANCISCO. Pratica assim ERNESTO, também um crime de ofensas à integridade física por negligência (artigo 148º, n.º 1) por não ser crível que tivesse previsto a ocorrência desse resultado ou, prevendo-a, que se tivesse conformado com a sua hipotética concretização. Admite-se, contudo, a invocação de uma causa de exclusão da culpa relativamente ao cometimento destes dois últimos ilícitos estado de necessidade desculpante do artigo 35º - em virtude de ERNESTO estar a agir sob coação de DANIEL, sendo, nessas circunstâncias, um mero instrumento daquele. Ao forçar ERNESTO a adotar tais comportamentos, DANIEL é autor mediato dos aludidos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário (artigo 291º, n.º 1, alínea b)) doloso ou negligente (n.º 3) e ofensas à integridade física por negligência (artigo 148º, n.º 1). Não parece verificar-se na conduta de DANIEL uma exclusão da ilicitude relativamente à prática dos ilícitos referidos por força de um direito de necessidade (artigo 34º) na medida em que parece não haver uma sensível superioridade do interesse a salvaguardar (integridade física de BERTA) face aos que com essa ação são colocados em crise (segurança das comunicações e bens pessoais potencialmente suscetíveis de lesão em caso de acidente).
Já não assim quanto ao estado de necessidade desculpante (artigo 35º) na medida em que a conduta ilícita prosseguida é adequada a afastar o perigo atual e não removível de outro modo para a integridade física de BERTA. 2. NO HOSPITAL (3 valores) GONÇALO, em virtude de assumir funções profissionais de assistência a pessoas que dela carecem, assume uma verdadeira posição de garante que o vincula quer perante ERNESTO quer perante FRANCISCO. É à luz desta perspetiva que deve ser analisado o seu comportamento subsequente. Ao não proceder a um exame atento de ambos os pacientes, GONÇALO atua negligentemente, embora também se aceite a alegação de dolo eventual. Por outro lado, sendo médico, não pode deixar de estar ciente nas consequências da falta de assistência que poderiam resultar para qualquer um dos pacientes. Nestes termos, tendo decidido não assistir ERNESTO, o resultado (amputação da perna) é-lhe objetivamente imputável. Na medida em que ERNESTO estava mais gravemente ferido do que FRANCISCO, exclui-se a possibilidade de configuração de um conflito de deveres do artigo 36º. Contudo, GONÇALO configura a existência de uma situação que, a verificar-se, redundaria na existência desse conflito. Há pois um erro de suposição da verificação de um estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude (artigo 16º, n.º 2). É irrelevante a circunstância de o agente se encontrar erroneamente convencido que tem perante FRANCISCO uma posição de garante. Na configuração da situação tal como o agente a representou, o dolo encontra-se excluído 16º, n.º 2 e, ressalvada a punibilidade a título de negligência ele é punido pelo artigo 10.º n.º 1 e 2 e 148º, n.º 3, com referência ao artigo 144º, alínea a), no que concerne às ofensas à integridade física sofridas por ERNESTO. DANIEL é punido por um crime de homicídio privilegiado do artigo 133º. ALBERTO e CARL não são responsabilizados criminalmente pelas deformações provocadas no feto.
GRUPO II - (8 valores) a) (2 valores) Sim, esta decisão é recorrível, pois de acordo com o disposto no art. 219º, nº 1, do CPP, da decisão que aplicar uma medida de coação cabe recurso. Deve existir sempre a possibilidade de um grau de recurso, ou seja, a possibilidade de ver uma decisão de aplicação inicial de medida de coação sindicada. Ora, se é o TR que decreta a medida, está a funcionar como um primeiro decisor, recaindo sobre a quem a decisão se dirige o direito de a ver sindicada, pelo menos num grau de recurso. b) (2 valores) Não compete ao TR aplicar uma medida de coação que não se encontra expressamente controvertida em primeira instância e se remete para decisão superior. Essa aplicação extravasaria o objeto do recurso que é delimitado pela questão a decidir, a saber: é aplicável ao caso, por ser suficiente e adequada, a medida de coação de caução em lugar da de obrigação de permanência na habitação? c) (2 valores) O objeto deste requerimento de abertura de instrução não se conforma com o disposto no art. 286º, CPP submeter ou não a causa a julgamento. O que se pretende é uma alteração da qualificação jurídica que, contudo, não logra atingir a referida finalidade. Admite-se que a instrução vise a alteração da qualificação jurídica se e quando ela tiver repercussões ao nível da submissão da causa a julgamento por exemplo, se um crime que é público passar a semipúblico, possibilitando subsequentemente a desistência de queixa. No caso, não se vislumbra utilidade afim na requerida instrução, pois ainda que o JIC considerasse que a responsabilidade penal do arguido se subsumia à figura do cúmplice, tal circunstância não obviaria a que fosse submetido a julgamento. d) (2 valores) Constatado o vício da falta de notificação nos termos legais 92º, nº 2 e 113º, nº 10, do CPP, deve o juiz remeter os autos para o MP competente, que proferiu a acusação, a fim de que a mesma seja notificada ao arguido devidamente traduzida para a língua francesa. Só então se poderá considerar o arguido devidamente informado sobre os factos que lhe foram imputados, com a efetivação do direito de defesa art. 32º, da CRP, art. 61º, n.º 1, c) e g), do CPP -, devendo correr, então, o prazo para a abertura da instrução.