O REZ-DE-CHAUSSÉE NO JORNAL: NOTAS DE PESQUISA



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Transcrição:

HISTÓRIA CULTURAL: ESCRITAS, CIRCULAÇÃO, LEITURAS E RECEPÇÕES Universidade de São Paulo USP São Paulo SP 10 e 14 de Novembro de 2014 O REZ-DE-CHAUSSÉE NO JORNAL: NOTAS DE PESQUISA Patrícia Trindade Trizotti * O objetivo do presente texto consiste em fazer um balanço acerca do rodapé, do jornal O Estado de S. Paulo, destacando a rubrica folhetim, presente desde sua fundação em 1875 até a década de 1940, momento em que o Estado descontinuou sua publicação. Cabe destacar que o rez-de-chaussée, o rodapé dos jornais, tem sido alvo de interesse dos pesquisadores nas últimas décadas em várias partes do mundo. No caso do Brasil, consultas rápidas a dicionários da primeira metade do século XIX, revelaram que o verbete folhetim era ausente dessas obras de referência, pelo menos na década de 1830. O termo rodapé existia, mais era utilizado para definir algo bem diferente da posição ocupada no jornal. Tratava-se de uma sanefa que cobria a cama em roda pelos pés. 1 Segundo Jeferson Cano, a primeira referência no Brasil ao folhetim foi realizada pelo jornal O Chronista, do Rio de Janeiro, em 05 de outubro de 1836, ocasião em que Justiniano José da Rocha apresentou aos leitores a novidade francesa. De início, houve uma apresentação material do termo, no qual se afirmava que o folhetim era um espaço físico estabelecido no rodapé da primeira página e separado por um risco dos demais textos. Sua importância era tamanha que traçava ao mesmo tempo uma divisão Página1 * Aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em História da Unesp/Assis. 1 O significado atribuído no texto foi extraído de PINTO, Luiz Maria da Silva. Dicionário de Língua Portuguesa. Ouro Preto: Tipografia Silva, 1832.

no campo da imprensa. Em seguida tratou-se do conteúdo do folhetim francês, no qual explicou que seus temas eram distintos das demais colunas restantes do jornal. 2 No entanto, o espaço folhetim ganhou notoriedade no Brasil com a publicação do romance Edmundo e sua Prima, no Jornal do Comércio, em 04 de janeiro de 1839. Outros títulos eram adotados pelos jornais da época como o termo variedades, mas foi o Jornal do Comércio um dos primeiros a utilizar o nome folhetim. Além de Variedades, Maria do Socorro Nóbrega sugeriu outra denominação utilizada pelos jornais antes do nome definitivo de folhetim. Tratava-se da rubrica Miscelânea, inclusive encontrada no rodapé do mesmo Jornal do Comércio de 01 de outubro de 1828, o que já representaria uma importação precoce de outras variantes do folhetim na imprensa francesa. Segundo Nóbrega, a década de 1850 representou o surgimento do chamado folhetim de imprensa que tinha como matéria básica os fatos cotidianos e que originou a crônica. Os textos produzidos então documentariam todo o quadro de mudanças econômicas e sociais ocorridos no Rio de Janeiro desde o início do XIX. 3 Enquanto o verbete folhetim não figurava nos dicionários do século XIX, os termos que antecederam o uso da palavra folhetim, tais como miscelânea e variedades foram incorporados nos compêndios consultados. A definição então de miscelânea era uma mistura ou confusão de muitas coisas, ou mesmo uma coleção de obras de diferentes assuntos. No que diz respeito a variedades, seria uma multiplicidade de coisas diversas. 4 Possivelmente essas palavras foram escolhidas para figurar nos jornais, justamente por seu sentido genérico, o que permitia enquadrar textos de ordem diversa. O FOLHETIM EM SÃO PAULO A historiografia sobre o folhetim em São Paulo ainda é deficiente e necessita de várias pesquisas que ajudem a resolver os hiatos que envolvem a rubrica. Um dos motivos para o desinteresse no tema, talvez seja o fato da imprensa na província, até meados de 1850, ter sido prejudicada pela carência de custos para sua manutenção. Outro fator que Página2 2 CANO, Jefferson. Literatura, Imprensa e a conformação de uma esfera pública no Rio de Janeiro do século XIX. Acesso em 26 fev. 2014. Disponível em: http://ifcs.ufrj.br/~nusc/cano.pdf 3 NÓBREGA, Maria do Socorro. A criação do Folhetim de Imprensa no Brasil: - os textos de Francisco Otaviano. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/6o-encontro- 2008. Acesso em: 15 out. 2014. 4 PINTO, Luiz Maria da Silva. Op. cit.

talvez corrobore para o descaso seja a ausência nos acervos de boa parte das folhas que circularam em solo paulista no século XIX. A falta de exemplares prejudica até mesmo uma possível definição dos primeiros jornais que incorporaram o folhetim sob os moldes do Jornal do Comércio, modelo copiado até então. Do pouco que resta, podem-se fazer análises preliminares, mas não com muita profundidade para a primeira metade do século oitocentista. A imprensa em São Paulo começou tardiamente se comparada a outros lugares do país. Em 1823, O Paulista, primeiro jornal artesanal foi produzido, enquanto o formato impresso, surgiu seis anos depois em 1829, com O Farol Paulistano. Dentre o conjunto de jornais que circularam em São Paulo na primeira metade do XIX e que apresentaram o folhetim ou referências sobre o termo, encontra-se O Piratininga, lançado em 19 de julho de 1849, com vistas a fazer parte do debate sobre as eleições políticas que aconteceriam em breve. Segundo seu programa a discussão leal da atualidade era sua meta, embora também objetivasse publicar notícias nacionais e internacionais de interesse geral. Outra dimensão seria dada aos trabalhos literários a fim de trazer a tona alguns talentos tão ricos de vida e fulgor, que entre nós pululam desconhecidos, sem o alto apreço a que tem direito. Em seu programa havia a promessa de trazer aos leitores o folhetim, no entanto, apenas se conseguissem remover algumas dificuldades tipográficas que o impediam de adotar um formato maior e, portanto, dar espaço aos diversos trabalhos, que empreendemos e que destinaremos algumas linhas do periódico para um folhetim. No entanto, não se sabe até quando circulou O Piratininga e nem se esse viabilizou realmente seu projeto de estabelecer um folhetim para os leitores. Uma das primeiras folhas a veicular efetivamente o folhetim foi O Comercial, fundado em 04 de novembro de 1851 e que segundo seu programa, sairia todas as terçasfeiras. O jornal pretendia registar os atos do governo, os trabalhos do júri, da assembleia provincial, além de publicar textos de interesse comercial e industrial, notícias da corte e do exterior. O jornal também tencionava fazer uma revista dos periódicos, se ocupar de artigos de literatura, variedades, anedotas e reservaria uma parte sob o título de folhetim, para nela se fazer análise dos espetáculos públicos da capital e publicar romances, comprometendo-se a preferir as obras dos romancistas mais conceituados. A ideia era adquirir na província o mesmo crédito e aceitação que possuía o Jornal do Comercio no Rio de Janeiro. Para esse fim era necessário se dedicar totalmente a folha, sobretudo, pois como afirmava o jornal, até aqui em São Paulo só tem sido Página3

favorecida a imprensa política. Em sua primeira edição, O Comercial não estampou o nome de seu redator, colaboradores e muito menos de seus proprietários. No entanto, publicou a rubrica folhetim no rodapé da primeira página, em três colunas, separada do conteúdo por um traço. A escolha para inaugurar o espaço foi o conto O Vampiro, de Lord Byron, que teria continuidade na próxima edição. No entanto não há dados que comprovem a duração de O Comercial e acredita-se que esse tenha desaparecido na década de 1880. Mas o fato de anunciar em seu primeiro exemplar que o folhetim teria por alvo romances e crítica teatral revela a concepção dos redatores na época sobre o conteúdo que deveria ser publicado na rubrica. Na segunda metade do século XIX, a imprensa paulista se tornou um pouco mais consolidada e foi momento em que jornais de circulação significativa foram criados. O primeiro destaque cabe ao Correio Paulistano, lançado em 26 de junho de 1854 por Joaquim Roberto de Azevedo Marques, proprietário da Tipografia Imparcial. Seu primeiro redator foi Pedro Taques de Almeida Alvim, que já havia trabalhado anteriormente no Clarim Saquarema e no Azorrague. 5 Em seu prospecto, o Correio criticava os outros jornais que não advogavam pelos interesses reais da província paulista e a missão da nova folha seria justamente oferecer uma imprensa livre, já que a sociedade e o governo tem grande interesse no conhecimento da verdade. Em seu programa, aspirava ser imparcial e levar aos seus leitores todas as informações com uma linguagem franca e leal. A seguir, apresentava em suas quatro páginas preços dos produtos para exportação, notícias da Câmara dos deputados, da Faculdade de Direito, publicações do Ministério do Governo, preços dos produtos de exportação e colunas como Variedades e Fatos Diversos da qual faziam parte observações sobre falecimentos, apresentações teatrais, festividades religiosas e outras informações sobre a vida cotidiana da cidade. Por fim, a edição fechava com o esclarecimento de que a redação do jornal queria oferecer aos leitores um formato maior, mas devido as dificuldades iniciais isso não teria sido possível. Também pedia para aqueles que haviam recebido a folha, que a prestigiassem e se tornassem assinantes e os que não teriam interesse a devolvessem. 6 Página4 5 FREITAS, Affonso de. A Imprensa Periódica de São Paulo desde seus primórdios em 1823 até 1914. São Paulo: Tip. do Diário Oficial, 1915. 6 Idem.

A rubrica folhetim não apareceu nessa primeira edição do Correio, o que viria só acontecer no dia seguinte, 27 de junho, quando o jornal a publicou em sua primeira página, a três colunas, separadas por um traço grosso do restante do conteúdo. No entanto, esse primeiro texto não era um romance e sim a apresentação do Telégrafo, título no qual seu autor nomeou os ensaios que seriam publicados na rubrica folhetim. Segundo seu articulista, o Telégrafo teria a necessidade real e indeclinável de publicar artigos hebdomadários, onde se faça um judeu de tudo quanto for ocorrendo por ai e além. Após esclarecer que seu programa ainda não estava assentado e seria o que der a sorte e a pena, embora não professasse opinião política, tal qual um telégrafo de verdade, comentou os acontecimentos da semana, sem no fim assinalar seu nome. A menção a política é importante, pois o folhetim tinha a concepção de figurar textos de interesse mais geral e que não estivesse preso a notícias oriundas desse campo. No entanto, o que se nota na maioria dos jornais é que ao desenvolver os textos na rubrica, no estilo denominado hoje por crônica, seus escritores comentavam sim a respeito dos últimos fatos políticos do país, ainda que de maneira rápida, bem humorada ou até sarcástica. Em seguida, o Correio Paulistano inaugurou dentro do folhetim o titulo Revista Teatral em 22 de julho de 1854. Na ocasião também foi realizada uma explanação dos propósitos do autor em relação aos assuntos que seriam veiculados na rubrica. A ideia era que a Revista Teatral tratasse daquilo que pertencer a economia e política do teatro, porém com a vara da justiça. Em seguida, fez sua análise do drama Joana de Flandres, representado três dias antes na capital, bem como das pessoas que foram assistir ao espetáculo. Nota-se que nesse momento inicial, o folhetim do Correio Paulistano publicou apenas textos com temáticas voltadas para o cotidiano da cidade, críticas teatrais e ensaios. Os romances foram introduzidos apenas em janeiro de 1855, com Joanita, de Casimiro Henricy, em três colunas. Ao longo dos anos posteriores, o Correio continuou a publicar romances de escritores famosos como Camilo Castelo Branco, mas sem deixar de apresentar aos seus leitores outras seções que tratavam dos mais diversos assuntos. Quando em 1875, A Província de S. Paulo foi lançada, o Correio Paulistano deu uma nota a seu respeito, informando aos leitores que um jornal em grande formato havia saído a luz. Teceram-se largos elogios aos redatores, Américo de Campos e Rangel Pestana, pela notória firmeza de caráter desses dois pensadores severos e estilistas primorosos. Mas não se perdeu a oportunidade de lembrar que os mesmos Página5

redatores elogiados, já haviam trabalhado para o Correio anteriormente, ainda que no fim da nota desejassem uma vida longa e próspera ao novo matutino criado. 7 A decisão de se fundar um jornal de cunho republicano em São Paulo foi tomada num congresso realizado em 1874. Uma vez que se conseguiu capital para seu fomento junto aos cafeicultores do chamado Oeste Paulista, o escritório do novo jornal foi instalado na Rua do Palácio nº 14 e o administrador escolhido foi José Maria Lisboa, que havia deixado a pouco tempo o Correio Paulistano. Assim nasceu o jornal A Província de S. Paulo, que ainda circula nos dias atuais com o nome de O Estado de S. Paulo. O número inicial saiu atrasado, pois se pretendia começar a circulação já no primeiro dia do ano de 1875, mas devido a problemas técnicos, o jornal foi lançado apenas em 04/01/1875, data oficial de sua fundação. A Província, assim como as outras folhas que lhe eram contemporâneas, trazia notícias sobre o café, política, fatos do dia-a-dia, além de exortações em prol da compra de assinaturas. Logo na edição de estreia, o jornal apresentava no rodapé um espaço denominado Folhetim, no qual arrolava um romance a cinco colunas alocadas no rodapé da primeira página, separadas do resto do jornal, por um traço bem marcado e que estampavam Magdalena, do escritor francês Jules Sandeau, grafado como Julio Sandeau. 8 Ao fim do trecho, o leitor deparava-se com a informação continua, ou seja, seguia-se à risca a fórmula empregada pelos modelos franceses, qual seja, fatiar a história em diversos pedaços e oferecê-los, diariamente aos leitores. Cabe destacar que já nesse primeiro folhetim, existiam alguns traços peculiares que marcaram a história de tal gênero jornalístico como a linha divisória muito bem delineada que separava o espaço-folhetim do restante do conteúdo e que por vezes vinha pontilhada, a fim de induzir o recorte, a dobragem e a mesma a encadernação doméstica do romance publicado, de modo a se formar uma espécie de livro caseiro. 9 Com o tempo Página6 7 Correio Paulistano. 05 jan. 1875. 8 A adaptação do nome do escritor de Jules para Julio, era um ato praticado não só pelos jornais brasileiros, mas também pela imprensa de outros países. Seu uso permite questionar se as traduções eram realizadas direto do original francês ou de exemplares traduzidos para línguas nativas. Sabe-se que houve uma forte hispanização do romance-folhetim francês e de seus autores na Espanha, por isso há registros de Pablo Feval, Alejandro Dumas, Javier de Montepin e Les Misterios de Londres. Tal adaptação indica uma forma de nacionalizar os escritores estrangeiros mais estimados pelo público. (MOLLIER, 2008, p. 94). 9 TINHORÃO, José Ramos. Os romances em folhetins no Brasil: 1830 à atualidade. São Paulo: Duas Cidades, 1994.

foi introduzido o número do fascículo ao lado do título, de modo que o leitor não confundisse a sequência da publicação. Em seu primeiro ano de vida, A Provincia publicou cerca de cinco romances, todos com duração inferior a quatro meses. Fig. 1. Jornal A Província de São Paulo de 04/01/1875 No entanto, não foram só romances que figuraram no rodapé do jornal durante o século XIX. Colaboradores se revezaram na publicação de crônicas e comentários sobre os fatos da semana, utilizando, sobretudo, pseudônimos como Dom Gigadas, Selvico e L. A dúvida que permanece é se realmente eram três pessoas distintas que escreviam ou se era apenas uma que se revezava nos pseudônimos. Nos anos posteriores, o jornal publicou no rodapé textos de ordem variada alocados na rubrica folhetim como poesias, críticas teatrais, contos, biografias, resenhas de livros etc. Muitos apresentavam uma espécie de sumário antes do texto principal, de modo a orientar o leitor sobre o conteúdo do folhetim do dia. No último decênio do século XIX, prevaleceram no rodapé do jornal os romances e aos poucos os demais tipos de textos publicados até então deixaram de aparecer nas páginas do matutino. Dentre os textos elencados no Folhetim, alguns eram sessões que apareciam assiduamente dentro da própria rubrica. Destaca-se, por exemplo, A Semana Fluminense, assinada por Luiz de Andrade, publicada entre 16/07/1878 e Página7

16/03/1880, A princípio, A Semana aparecia às terças-feiras e depois começou a apareceu as quartas, para ser vinculada posteriormente as quintas, sábados e domingos. Ao realizar uma catalogação do conteúdo publicado pelo jornal na rubrica folhetim percebe-se que entre a fundação do matutino e o final do século XIX, não há predominância de um gênero específico. Os vários tipos de textos dividem o mesmo espaço do rodapé e a publicação do folhetim é quase diária. Em certos momentos, o jornal chegou a publicar dois folhetins simultâneos, que incluíam dois romances ou um romance e uma crônica, uma poesia, uma biografia, um ensaio etc. A maior parte era publicada em português, mas houve também alguns textos escritos em francês. Em relação a posição ocupada pelo folhetim no jornal, durante muitos anos, esse esteve na primeira página. Por volta de 1897 começou a emigrar para as outras páginas do matutino e pode-se assinalar que ocupou praticamente todas as páginas do exemplar até ser abandonado pelo jornal na década de 1940. Ao que parece, o jornal na medida do possível sempre procurou deixar seus leitores atualizados com as publicações além-mar. O romance Minha irmã Jeanne, da francesa George Sand, por exemplo, foi lançado na França em 1874 e no ano seguinte era apresentado aos seus leitores pela Província. Já o romance Os Maias, de Eça de Queiros, publicado em livro na cidade do Porto em 1888, apareceu no mesmo ano, nas páginas do jornal. Acredita-se que nesse ano, seu diretor, Julio Mesquita tenha ficado doente e ao viajar para Portugal a fim de se tratar, tenha trazido um exemplar do escritor português para ser publicado no folhetim. Outro aspecto interessante que cabe ressaltar é a ligação dos romances com as práticas de premiação do referido jornal. A obra A mulher do vestido escuro, de George Ohnet, figurou no folhetim entre abril e julho de 1895 e foi oferecida em dezembro como brinde de fim de ano aos assinantes do Estado. Aqueles que não assinavam o jornal poderiam adquirir o livro, conforme grande reclame exibido em 07 de novembro de 1895. Bastava se dirigir as dependências do jornal e pagar a quantia de $3.000 réis. Quem não pudesse ir pessoalmente, poderia comprar o volume de 256 páginas nitidamente impresso, pelo correio, ao preço de $3.500. Outros livros também ao fim de sua publicação no folhetim, foram reunidos em volumes únicos para em seguida serem ofertados em anúncios, como o de novembro de 1897, que informava a venda de O Alfinete cor de rosa, de Fortuné du Boisgobey, Titio e o sr. Vigário, de Jean de la Bréte e a Duquesa de Nala, de Julio Piccini. Página8

Quanto ao formato da rubrica folhetim, adotada pelo Estado, os romances publicados até 01 de dezembro de 1912 tinham a mesma configuração desde 1875, eram publicados na horizontal, a cinco colunas. Entretanto, a partir de 11 de dezembro de 1912, ao apresentar aos leitores o romance Coração de criança, de Carlos de Vitis, seu padrão foi alterado. Ele não era mais horizontal e sim vertical, em duas colunas e seu contorno se assemelhava muito a uma página de livro. Inclusive em alguns momentos havia uma parte toda em branco de modo a formar uma contracapa ou mesmo separar os capítulos publicados. Diferente do que tenha sido apresentado ao leitor até aquele ano, o folhetim passou também a contar com a publicação de imagens junto ao texto. Esse formato livro durou até 24 de maio de 1928, quando voltou a publicar o folhetim na horizontal com o mesmo padrão anterior, só que dessa vez a seis colunas e não a cinco. Na França, ao que parece, apenas o jornal Le Constitutionnel publicou o romance Cousine Bette nesse formato de livro entre 08 de outubro e 03 de dezembro de 1846. No caso da imprensa brasileira, alguns jornais que circularam no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul também apresentaram o folhetim nesse formato diferenciado. Em algumas oportunidades, os romances eram acompanhados de ilustrações, que a partir dessa data também cessaram. Fig. 3. Alteração no formato do folhetim em 1912 e formato de livro em 1945 Página9

Nota-se também a presença de resenhas, raras no século XIX e constantes no século XX. Durante esse último, eram publicadas com o título de Livros Novos. Sua primeira aparição no folhetim se deu em 1928 quando Sud Mennuci fez a resenha do livro Calculo dos principiantes, de José Ferraz de Campos, lançado no mesmo ano pela editora Irmãos Ferraz. Sud que morava em Piracicaba, havia sido convidado por Julio de Mesquita em 1925 a trabalhar na redação do Estado, o que acabou o incentivando a se mudar para São Paulo. A sessão Livros Novos era publicada de duas a três vezes por mês até 1930, ano que deixou de existir. Um aspecto interessante sobre essas resenhas era o fato que só eram nomeadas de folhetim quando Sud resenhava. Quando era Plinio Barreto que o fazia, elas não recebiam tal nomenclatura, apesar de figurar no rodapé do jornal. Plinio na época era seu redator-chefe e uma das possíveis explicações para seu nome não ser associado ao folhetim era o fato do gênero ser visto como menor por muitos na época. Na década de 1930, a censura imposta pelo governo Vargas examinava todos os dias as provas tipográficas do que seria publicado nos jornais. Essas eram devolvidas em seguida com um visto de autorização ou então, retalhadas com tinta vermelha nos trechos que deveriam ser cortados. Muitas vezes essas interdições eram feitas em artigos inteiros, o que prejudicava a disposição interna do matutino. A equipe administrativa dos periódicos também passou a ser alvo do governo. No primeiro trimestre de 1940, a redação do O Estado de S. Paulo foi invadida por soldados da Força Pública, já que era o único veiculo que não havia cedido a pressão imposta pelo Estado Novo. Depois de Página10

permanecer certo tempo, a polícia foi embora, mas voltou dois dias depois e após vasculhar a redação e as oficinas, teriam encontrado duas armas. O jornal ficou fechado durante nove dias e depois foi reaberto, com nova direção, escolhida pelo Governo Vargas e cujo cargo de diretor coube a Abner Mourão, diretor designado pelo Conselho Nacional de Imprensa O jornal só seria devolvido a família Mesquita em dezembro de 1945, após o presidente do Supremo Tribunal Federal na época, José Linhares, assinar o decreto que devolvia a folha aos seus antigos proprietários. Assim que reassumiram seus postos, Julio e Francisco decidiram que retomariam a numeração dos exemplares, a partir da data em que o matutino foi tomado pelo governo, desprezando deste modo, os cinco anos em que o jornal esteve sob a tutela de Vargas. Para retomar o ritmo quebrado anos antes, novas seções foram criadas no jornal como a Página Infantil, que continha histórias, desenhos, curiosidades, quebra-cabeças, concurso e colaborações de leitores. Posteriormente em substituição a essa, criou-se a Seção Infantil, localizada no rodapé da página e bem mais simples do que sua antecessora, com apenas duas ou três histórias e quase sem ilustração. Em relação ao folhetim, O Estado de S. Paulo fechou os anos de 1930 sem publicar qualquer tipo de folhetim, fosse romance ou resenha de livro. O último havia sido Os dois garotos, do francês Pierre Decourcelle, traduzido por Luiz da Silva e publicado entre 21 de novembro de 1931 e 05 de junho de 1937. O Estado só voltou a apresentar novamente o folhetim com a estreia de Madame Sansgene, romance extraído da peça teatral de Sardou, por Edmond Lepelletier, em 03 de novembro de 1940, quando o jornal já se encontrava acerca de oito meses administrado pelo governo Vargas. A trama de Lepelletier foi publicada por dois anos, quando foi substituída em 11 de abril de 1942, por A mulher do realejo, de Xavier de Montepin, com tradução realizada novamente por Luiz da Silva. O último romance em folhetim publicado pelo jornal na década de 1940 foi A casa Soturna, de Charles Dickens entre 19 de agosto de 1945 e 03 de fevereiro de 1946. Cabe destacar que apesar de Dickens ser um escritor do século XIX e criador de personagens famosos como Oliver Twist e David Copperfield, ainda não havia sido publicado pelo jornal. O ano de 1947 não trouxe nenhum tipo de publicação que possa ser elencada no rol dos folhetins do Estado, nem como romance e nem como outro tipo de texto. No ano seguinte, por algumas vezes, O Estado de S. Paulo publicou na parte comercial, no alto da página e não no rodapé, o folhetim Ao Correr da Pena, em duas ou Página11

três colunas, assinada por Paulo Silveira e reproduzida do Jornal do Comércio sempre um ou dois dias após sua publicação no impresso original. Nas décadas posteriores, sabe-se que não só o Estado, mas outros jornais voltaram com a publicação de obras de ficção em capítulos, notadamente em seus suplementos literários e cadernos de cultura, mas sem as mesmas características do folhetim do século XIX. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREITAS, Affonso de. A Imprensa Periódica de São Paulo desde seus primórdios em 1823 até 1914. São Paulo: Tip. do Diário Oficial, 1915. MEYER, Marlyse. As mil faces de um herói-canalha e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998. MOLLIER, Jean-Yves. A leitura e seu público no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008 PILAGALLO, Oscar. História da Imprensa Paulista: jornalismo e poder de D. Pedro I a Dilma. São Paulo: Três Estrelas, 2012. TINHORÃO, José Ramos. Os romances em folhetins no Brasil: 1830 à atualidade. São Paulo: Duas Cidades, 1994. Página12