A FORMAÇÃO DO EDUCADOR E O JORNAL DE PESQUISA



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Transcrição:

A FORMAÇÃO DO EDUCADOR E O JORNAL DE PESQUISA Joaquim G. Barbosa Doutor em História e Filosofia pela PUC/SP Prof. do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo Prof. do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar O resumo enviado para este encontro havia denominado de professor-educador-pesquisador o profissional ao qual estarei me referindo para discorrer sobre sua formação e o jornal de pesquisa como instrumento importante nesse processo. Em várias oportunidades anteriores já me referi deste modo composto professor-educador 1 ; educador-pesquisador 2 e administrador-educadorpesquisador 3 num esforço de recuperar o conceito de educador para além dos diferentes papéis em que atua como professor, administrador, orientador, coordenador... Tendo em vista os labirintos de nossa história educacional por onde se esvaiu a idéia, o sentido do educador na perspectiva da alteração do outro e de si próprio em relação, me faz pensar que A especialidade a ser recuperada é, definitivamente, a de educador. Todos aqueles que atuam no campo da educação, seja lecionando, administrando, orientando, supervisionando, coordenando, terão de se apresentar formados para realizarem o ato educativo em toda sua complexidade e em qualquer uma destas situações, pois, em cada uma delas, estará sempre presente uma relação entre sujeitos 4. Até por conta dos inúmeros sentidos que no decorrer da história educacional brasileira a idéia de professor, administrador e pesquisador foram se alterando e ao mesmo tempo se cristalizando é que precisamos de duas ou mais palavras para expressar uma idéia nova ou recolocar no tempo atual um conceito já esmaecido pelo tempo social. Assim ao referir-me professor-educadorpesquisador não significa referir-se a três personagens distintos mas sim, a um profissional que, no desempenho dos diferentes papéis no interior da instituição educativa como o trabalho com conteúdos da ciência na sala de aula; o estabelecimento de processos coletivos no sentido da produção de resultados; a realização conjunta de um processo indagativo e interrogativo da realidade em que atua incluindo-se neste campo de atuação pois se trata de interrogar e interpretar uma realidade da qual faz parte... Enfim: em todas estas perspectivas pode-se inferir o olhar e o atuar do profissional da educação, esta entendida como o caminho percorrido pelo sujeito para construção de sua própria autoria enquanto sujeito no mundo. 5 Entendendo a educação nos termos acima e ainda, considerando que nós educadores precisamos ser reeducados, tendo em vista que nossas aprendizagens anteriores não dão conta, nem de nossas angústias atuais enquanto cidadãos e ser humano deste tempo muito menos da complexidade de nossas tarefas como profissionais da educação, é que proponho recuperar um pouco do caminho percorrido por mim enquanto autor desse meu processo formativo, lembrando que educador e educando ambos fazem parte de um mesmo processo no qual o educador é o profissional com condições teóricas e existenciais para enxergar e lidar com estes dois sujeitos um perante o outro. Inicio registrando que as reflexões aqui apresentadas se enraízam em uma experiência datada que foi a realização de minha tese de doutorado De professor a ator social: os andaimes de uma 1 BARBOSA, J.G. Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998, p. 9. 2 BARBOSA, J.G. Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar, 1998. 3 BARBOSA, J.G. Administrador-educador-pesquisador: uma idéia possível. HISPECI&LEMA, Bebedouro, v.2,1977, p.31 a 35. 4 BARBOSA, J.G. Multirreferencialidade nas ciências... p. 9. 5 BARBOSA, J.G. Autores cidadãos: a sala de aula na perspectiva multirreferencial. São Carlos: São Paulo EdUFSCar, EdDUMESP, 2000, p. 88

construção, em 1992. 6 Já pelo título é possível identificar três preocupações centrais que desde aquele momento me acompanham até o presente. A primeira delas, a questão da autoria. Neste texto da tese a que me refiro, por um lado, considero o professor enquanto ator corrigido pelos próprios membros da banca examinadora que me alertavam com a afirmação de que, navegando pelo texto na forma apresentada, tratava-se muito mais de autor e de sujeito social do que ator e, por outro lado, também está presente o tempo todo a dimensão do pesquisador em seu esforço de se tornar sujeito de sua produção quando propõe dar conta desse processo de investigação de fora e de dentro de si; o imbricamento da dimensão cidadã com a de pesquisador e vice-versa, ou a não dicotomia entre o processo de construção da autoria acadêmica, da autoria social-existencial do pesquisador. Ao se realizar uma pesquisa acadêmica é preciso não se separar o exercício desta do sujeito social que a realiza. Realizando uma pesquisa exercitamos a cidadania, ou seja, autor de um texto, de uma reflexão, é também autor de uma forma de expressão no social. A escrita é uma forma de ver-se e expressar-se socialmente. Não realizamos uma pesquisa, uma dissertação ou uma tese de doutorado para contribuir com a educação amanhã ou noutro lugar. Nós nos constituímos e nos formamos educadores hoje, pela forma como vivemos nossos processos sociais de vida, seja numa sala de aula, seja dirigindo uma escola ou, ainda, realizando uma pesquisa. Conclui aquele meu trabalho de tese, referindo-me a reconstrução histórica do se fazer professor-trabalhador-sujeito naquele espaço e tempo social, dizendo que é possível não diferenciar a busca de autonomia (acadêmica) por parte do autor, da busca de autonomia (social) dos atores (autores) na medida em que, na raiz, trata-se de um mesmo processo de autorização 7. Em resumo, trata-se de avançar para um exercício de se politizar não só a dimensão econômica ou salarial, ou ainda, política no sentido restrito enquanto inscrição num partido ou sindicato, mas está em jogo o desafio de se politizar a própria existência incluindo as diferentes e múltiplas formas de ser e de se expressar. Em outras palavras, é preciso não descuidar da necessidade da atuação no campo da política e na dimensão econômica da vida como, também, da necessidade de se voltar para a lucidez na vida social e da vida subjetiva, não perdendo de vista que continuamos portadores de inconscientes e, como tal, altera-se muito. Outra questão já presente no título de grande importância é a questão do movimento, do processo, sem o que não é possível compreender a educação nem a pesquisa em educação. No texto da tese me expresso: de professor a ator social. Tanto no texto da tese quanto aqui poderíamos gastar inúmeras páginas e tempo para falar sobre a presença deste personagem professor no decorrer da história; a passagem de uma identidade quase religiosa e mítica para uma presença marcante enquanto força de trabalho e ativamente presente fazendo a história da educação e do ensino nas diferentes regiões deste país. Na época, já afirmava que meu único desejo era mostrar o professor da escola pública de Mato Grosso, no seu movimento de existir, tal como se produz e se destrói (...) no seu micro espaço de cidadania e trabalho 8. Naquela oportunidade inicio a pesquisa, preocupado com o professor enquanto trabalhador e sua inserção na estrutura social enquanto tal, e o concluo muito mais preso às sutilezas do mundo próximo a si, relacional, onde este ator/autor/sujeito social se debate e procura dar sentido para sua própria existência enquanto sujeito e cidadão. A esta altura de meu texto incluo o conceito de implicação por ter sido minha porta de entrada no estudo da perspectiva multirreferencial que, posteriormente, viria a trabalhar tendo como referência à produção de pesquisadores e pensadores da Universidade de Paris VIII. Resumidamente, implicado significa permitir-se inserido no objeto das ciências humanas e, como conseqüência, o desvelamento deste objeto somente ocorre não ignorando o sujeito observador, mas com sua inclusão. Naquele momento tinha conhecimento do trabalho de Devereux 9 6 BARBOSA, J.G. De professor a ator social: os andaimes de uma construção. Estudo sobre a luta política dos professores da escola pública em Mato Grosso, de 1979 a 1989.Tese de doutorado, São Paulo: PUC, 1992. 7 BARBOSA, idem, p. 152. 8 BARBOSA, J. G. De professor a ator social... p. 252. 9 DEVEREUX, G. De la ansiedad al método en las ciências de comportamento.méxico: Siglo Veintiuno, 1985.

quando afirma que nas ciências sociais, o fundamental é o que ocorre dentro do observador, ou seja, suas próprias reações contratransferenciais enquanto ser humano concreto. Para ele discutir a questão da objetividade e da subjetividade nas ciências sociais, biológicas e humanas, é iludir-se quando se pensa desenvolver filtros cada vez mais sofisticados para eliminar as interferências do observador. A questão se coloca não a partir da eliminação dos filtros, mas eliminação da ilusão de que eles suprimem toda a subjetividade e neutralizam por completo a angústia do pesquisador. Para o autor, os dados nas ciências do comportamento são de três ordens: a) o comportamento do sujeito pesquisado; b) o contexto onde ocorre a observação e c) o comportamento do observador, suas angústias, suas manobras de defesa, suas estratégias de pesquisas, suas decisões. Tendo como referência as idéias deste autor e também aquelas apresentadas por Renè Barbier quando, didaticamente, apresenta o conceito de implicação a partir de três níveis o psico-afetivo, o histórico-existencial e o estrutural-profissional, concluía para mim que os resultados de nossas pesquisas, queiramos ou não, se apresentam profundamente marcados pela história psíquica-afetiva do pesquisador, sua personalidade mais profunda, seus impulsos libidinais, sua história de vida, sua formação profissional e sua inserção na estrutura social. Nesta direção de entendimento que, logo no inicio do texto da tese já alertava o leitor para o que iria encontrar, ou seja, o resultado de duas aventuras e dois processos o tempo todo se sobrepondo, diferenciando e se alternando: aquele vivido pelos professores da escola básica do Estado de Mato Grosso e o meu enquanto professor/pesquisador. Concluía que deveríamos caminhar teoricamente, numa concepção de educação na direção de dar conta do simbólico, do imaginário, do inconsciente presentes no terreno movediço das relações cotidianas que ocorrem no interior de uma escola. Para tanto a questão que se colocava para mim é um entendimento teórico e metodológico que possibilite e insira o profissional da educação em sua realidade histórica considerada numa perspectiva de práxis. Trata-se do esforço contínuo de entender a complexidade e a dialeticidade que se põe no instituído, com o propósito de descobrir e explorar os descaminhos, os desvios, os momentos instituintes de uma nova realidade. A terceira idéia é a de andaimes. A idéia é simples: ao falarmos de construção necessariamente temos que falar de andaimes. É através deles que se torna possível construir. Na pesquisa não nos colocamos sensíveis em darmos conta do aparato que dará sustentação às nossas afirmações e conclusões. De novo, às voltas com os conceitos de contratransferência e o de implicação mencionados acima. Mais, ainda uma outra coisa. Ao nos referirmos aos andaimes, aquilo que dá sustentação à construção e que será dispensado depois dela pronta, há também os restos de materiais, os pedaços de madeira, os monturos... Tudo aquilo que será dispensado e descartado e que, todos nós, fazemos questão de ocultarmos e darmos um fim para que não macule nossa construção. Depois da tese concluída, aprendi com Castoriadis e apreciei muito: Ao contrário da obra de arte, aqui não há edifício terminado e por terminar, tanto e mais que os resultados, importa o trabalho de reflexão e talvez seja, sobretudo isto que um autor pode oferecer, se é que ele pode oferecer alguma coisa. A apresentação do resultado como totalidade sistemática e burilada, o que na verdade ele nunca é (...) só reforça no leitor a ilusão nefasta para a qual ele, como todos nós, já tende naturalmente, de que o edifico foi construído para ele e doravante basta habitá-lo se assim lhe apraz. Construir catedrais ou compor sinfonias não é pensar. A sinfonia, se existe sinfonia, deve o leitor criá-la em seus próprios ouvidos. 10 Logo de início da tese, em meus objetivos, já anunciava que me propunha não só apresentar este movimento de construção de uma identidade profissional por parte daquele professor em questão mas, também, tentar demonstrar, no retorno, as conseqüências e as implicações da prática política sobre a prática pedagógica 11. Meu propósito apresentava uma segunda face que era verificar o que e em que sentido muda, na escola e na sala de aula, a atuação desse profissional 10 CASTORIADIS, A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 12 11 BARBOSA, J.G. De professor a ator social... p.11.

que se fez novo e diferente enquanto sujeito no cenário social e político. Neste sentido é interessante a fala da professora Maria da Conceição D Incao, componente da banca examinadora, por entender que ela sintetizou de forma límpida o que estou pretendendo destacar aqui. Em suas palavras: Acho que o caminho é insistir nessa coisa da relação. Você chega tranqüilamente nessa proposta quando propõe entender o professor, e é muito bonito, como um sujeito que se faz no próprio trabalho. A questão da educação, da comunicação, propriamente dita, do saber ou se o trabalho pedagógico apresenta uma característica que é só dele e que pode ser desalienador ou não. Se eu entendi, você traz para o debate é como esse saber é apropriado, isto é, não é o saber que é alienado ou alienante, é a forma de apropriação do saber que pode ser alienadora. Assim, você chega em sua proposta de sala de aula, de educação e penso que a partir daí, do momento em que começa a pensar a educação como uma relação e o professor como um sujeito que se constitui nesse processo reconstruindo, porque já existe um saber construído, a questão é como ele se apropria desse saber. 12 A partir de percurso assim percorrido me vi apaixonado por estudar o micro espaço da sala de aula e da formação acadêmica tendo em vistas estes pressupostos ou, melhor dizendo, os pressupostos da perspectiva multirreferencial já que neste período posterior a tese a partir de 1992, já foi possível ter acesso a um conhecimento um pouco mais aprofundado ou através de textos ou por meio de intercâmbio com os profissionais de Paris VIII iniciando com a vinda de Renè Barbier (1992), depois Alain Coulon (1995), Jacques Ardoino (1995 e 1998) e Guy Berger (2000). Como resultado desse processo de intercâmbio acadêmico fomos nos constituindo em um grupo interinstitucional de pesquisa. 13 O que apresento a seguir são três processos formativos realizados com alunos da graduação e pós-graduação na Universidade Federal de São Carlos. 1. Complexidade e heterogeneidade na sala de aula No primeiro semestre de 1999 fui o responsável pela disciplina Princípios e métodos do trabalho acadêmico científico junto à turma ingressante ao curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos. Tratava-se de alunos recém saídos do segundo grau, de diferentes cursinhos preparatórios para vestibular enfim, de alunos que pisavam pela primeira vez numa geografia de universidade. A primeira questão que me colocava era como fugir do padrão, já um tanto consagrado, de desenvolver a disciplina na forma de como se fazer resenhas, de como estudar as técnicas do trabalho, dito científico. Decidi que seria pouco conduzir a disciplina nesta perspectiva e não colocar o aluno em contato com questões importantes que a ciência tem enfrentado no interior de si mesma quando palavras de ordem como paradigma, mudança de paradigma, complexidade, modernidade, pós-modernidade, se fizeram presentes. Em um primeiro momento foi desenvolvido o que denominamos de "matematização da representação do mundo" com o objetivo de colocar o aluno em contato com a ciência que se estabeleceu a partir das contribuições decisivas de Descartes e Newton e cujo principal legado, no dizer de John Henry, foi "a ascensão da abordagem matemática na busca de compreensão do mundo natural desde o século XVI até o final do século XVII". 14 Autores como CAPRA 15, NÓBREGA 16 e DAMÁSIO 17 se fizeram presentes. 12 Conferir BARBOSA, J.G. Autores cidadãos... p.16. 13 Grupo Interinstitucional de Estudos e Pesquisas Multirreferenciais em Educação (GRIME), envolvendo as Universidades Federais de São Carlos, Salvador, Maceió e de Brasília além da Universidade Metodista de São Paulo,, tem realizado seu trabalho em três direções: intercâmbio com profissionais da Universidade Paris VIII; publicação de livros (BARBOSA, 2000 e 1998(a)e(b) ; BORBA (1997) e MACEDO (2000) ver bibliografia e orientações de dissertações e teses nos diferentes programas de pós-graduação. 14 HENRY, J. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p.34.

No contraponto a esta primeira parte propus uma segunda, denominada paradigma da complexidade, onde autores como MORIN 18 e PELLANDA &PELLANDA 19 estiveram também presentes trazendo para o centro do debate sobre a ciência e o conhecimento, a idéia da complexidade das ciências humanas e do sujeito observador nela incluído: A subjetividade marca profundamente o novo paradigma. Isto tem conseqüências epistemológicas profundas. A ciência fin de siècle nos alerta, cada vez mais, para a autoorganização e para o papel do sujeito na construção da realidade. 20 Por último, concluídas estas duas unidades propus a discussão da perspectiva multirreferencial. Para trabalhar esta perspectiva foram debatidos autores como Jacques Ardoino, Cornelius Castoriadis, Renè Barbier, todos presentes na coletânea coordenada por BARBOSA 21 e também autores nacionais como Sérgio Borba, João Martins, Roberto Macedo e Teresinha Fróes, também presentes em outro trabalho organizado por mim 22. É importante destacar que conceitos como implicação, autorização, negatricidade, multirreferencialidade, bricolagem dentre outros, foram debatidos com os alunos com o esforço de uma compreensão também subjetiva e existencial do estudado. A idéia central desse processo era a de que se formar na escola significa formar-se enquanto pessoa e cidadão ao mesmo tempo. Tratava-se de exercitar a não dualidade da formação versus instrução que para Castoriadis como se pode formar alunos como seres autônomos no sentido verdadeiro e pleno do termo, se esses seres não aprendem a amar o saber, portanto, se eles não aprendem. É quase uma tautologia" 23. No início do curso propus aos alunos que fizessem o jornal de pesquisa anotando idéias, relações e percepções, que fossem surgindo no decorrer da leitura e da discussão em sala. Depois de um período de aula, no final do primeiro bimestre, solicitei que me entregassem um pequeno texto organizado a partir das próprias anotações. Este texto foi lido por mim, comentado e devolvido aos alunos. No final do segundo bimestre, portanto, final do semestre letivo, propus que o trabalho final se constituísse de três partes: a) texto do primeiro bimestre reelaborado a partir dos comentários do professor e da releitura dos textos quando fosse o caso; b) texto que apresentasse um diálogo entre os autores lidos no segundo bimestre tendo em vista o propósito do curso e c) o desenvolvimento de um item apresentando possíveis relações entre os autores estudados em sala e aqueles estudados em outras disciplinas cursadas no semestre. Foi marcada uma data na qual todos os alunos puderam entregar seus trabalhos levando em conta as regras de organização do trabalho acadêmico e científico, a esta altura, também debatido em sala através das normas da ABNT, com a presença de uma profissional do curso de Biblioteconomia e Ciências da Informação da UFSCar. Depois de concluído o curso e de ter avaliado os trabalhos apresentados, solicitei a três alunos do programa de pós-graduação em educação, para que fizessem uma leitura e uma apreciação 24. O resultado de tudo este esforço de aprendizagem encontra-se no prelo para publicação. 15 CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix,1995; principalmente as páginas 54-56 A máquina do mundo newtoniana. 16 NÓBREGA, C. Em busca da empresa quântica. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996; principalmente as páginas 38-57. 17 DAMASIO, A R. O erro de Descartes: emoração, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; principalmente as páginas 276 a 283. 18 MORIN, E.. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. 19 PELLANDA, N.M.C.&PELLANDA, L.E.C. Psicanálise hoje: uma revolução do olhar.petrópolis: Vozes, 1996. 20 Idem, p.17 21 BARBOSA, J.G. Multirreferencialidade nas ciências... 1998. 22 BARBOSA, J. G. Reflexões em torno da multirreferencialidade... 1998. 23 CASTORIADIS in BARBOSA, J.G. Multirreferencialidade nas ciências... p. 67 24 Os pós-graduandos a que me refiro são: Alex Fabiano Correia Jardim (formação em Filosofia); Francisca Romana Giacometti Paris (formada em Pedagogia) e Francisco Amaro Monteiro Junior (sociólogo); os três mestrandos do Programa de Pesquisa e Pós Graduação da UFSCar, área de Fundamentos.

2. Estágio pesquisa Nesta segunda experiência proponho apresentar o trabalho realizado com alunas e alunos formandas(os) na Habilitação em Administração Escolar do curso de Pedagogia da UFSCar. Nesta experiência as mesmas idéias fundantes que venho colocando em destaque até aqui, se entrelaçam e se processam simultaneamente: a idéia de processo, de pesquisa, de reflexão e de formação. 25 O eixo norteador desta proposta de estágio tem a formação para a pesquisa como estratégia formativa de um profissional capaz de se sintonizar com as demandas atuais da realidade educacional brasileira e ousar propor interpretações e encaminhamentos possíveis para os problemas identificados. Nesse sentido, a pesquisa não é entendida pelo seu caráter simplesmente formalista enquanto exercício de regras de montagem e aplicação de questionários, mas na perspectiva de problematização da realidade educacional, criação de propostas indagativas e interpretativas com o propósito de ir além de uma realidade escolar endurecida e tão natural como a nossa e, ao mesmo tempo, o exercício de se ver enquanto sujeito social capaz de propor respostas criativas e criadoras para o seu fazer cotidiano. A experiência prática do que venho denominando estágio-pesquisa, iniciou-se em 1996. Naquele ano, o grupo de alunas, num total de vinte e três, se definiu por este encaminhamento do estágio e os passos que se seguiram foram: definição do problema a ser pesquisado de interesse do aluno(a); elaboração do projeto de estágio na forma de pesquisa; ida à campo para coleta dos dados e elaboração do relatório. No segundo semestre daquele ano, na disciplina Tópicos especiais em administração escolar, aprofundamos o trabalho realizado durante o estágio e produzimos, em conjunto, um texto relatando a experiência 26. Algo semelhante ocorreu com as turmas posteriores concluintes do curso de Pedagogia, resultando também em textos elaborados a partir da observação e reflexão sobre a experiência de estágio 27. O estágio-pesquisa tem apresentando dois aspectos fundamentais: um pedagógico, quando se constitui numa experiência diferente de se aproximar e conhecer a escola; de se exercitar nas tarefas de como se construir um projeto de pesquisa, dentre outros, e um aspecto de formação administrativa quando o aluno decide desde o problema que propõe pesquisar, as estratégias, os encaminhamentos, os redirecionamentos... Enfim: exercita a tomada de decisões, a qualidade do processo, dos resultados e a integração de seu trabalho com a vida da escola e dos profissionais que lá trabalham. 3. A sala de aula e formação para autoria Aqui proponho apresentar a experiência realizada com os alunos da pós-graduação em educação da UFSCar, no decorrer do segundo semestre de 1999. Também se referiu a uma disciplina desenvolvida durante aquele semestre cuja bibliografia básica eram os textos sobre multirreferencialidade tentando uma aproximação com a formação do administrador educacional. O nome da disciplina era Estudos avançados em administração educacional. Fazia parte também do grupo de alunos aqueles interessados em se prepararem para ingressarem no Programa, os chamados alunos especiais que, como os regulares cumpriam todas as tarefas para futuro aproveitamento dos créditos caso fossem aprovados dentro de um período de dois anos. 25 O trabalho a que me refiro foi realizado no período de 1996 a 2000, incluindo três turmas de formandos da Pedagogia da UFSCar. Tratava-se de um trabalho que envolvia duas disciplinas Estágio Supervisionado em Administração Escolar e Tópicos Avançados em Administração Escolar no decorrer de um ano letivo. 26 A experiência estágio-pesquisa foi realizada com os formandos em 1996; 1998 e 2000. Este texto a que me refiro, organizado pela turma que se formou em 1966, encontra-se publicado in: BARBOSA, J.G. Estágio pesquisa: uma experiência formativa. HISPECI&LEMA, Bebedouro, 1998, v.3, p.34-39. 27 Inúmeros destes trabalhos foram apresentados em congressos científicos tanto na UFSCar quanto fora.

Desta experiência toda ela registrada no livro Autores cidadãos: a sala de aula na perspectiva multirreferencial 28, faço um destaque especial para o jornal de pesquisa. Duas eram as condições para participação do curso: de um lado, a necessidade de se trabalhar um problema de pesquisa e, de outro, o desenvolvimento do próprio jornal de pesquisa. Quanto a primeira condição, para aqueles alunos especiais não envolvidos com pesquisas de dissertação ou tese, dediquei uma hora por dia no final de cada aula, para que cada aluno estabelecesse uma aproximação a um determinado tema com o objetivo de problematizá-lo e, assim, poder participar do curso. A idéia era criar a oportunidade para que pudessem vivenciar conceitos como implicação, bricolagem, autoria, relacionando-os a um problema de pesquisa, a fim de que pudesse experienciar a própria formação a partir da angústia do pesquisador diante de uma realidade distante por um lado e próxima, por outro, na medida que a problematiza. No caso específico da disciplina em questão, o jornal de pesquisa foi colocado como instrumento de avaliação em uma dupla perspectiva. Em um sentido, foi solicitado ao aluno que no final do curso apresentasse o próprio jornal de pesquisa, como foi elaborado, respeitando a cronologia de como foi produzido e, em outro sentido, que o aluno entregasse um ensaio a respeito de seu problema de pesquisa, evidentemente, aproveitando, naquilo que fosse possível, seu jornal de pesquisa. Houve um acompanhamento por parte do professor no processo de anotações, angústias e inseguranças, vivido pelos alunos. Em um curso programado para ser realizado em quinze encontros, no décimo terceiro, todos já se encontravam com os próprios textos concluídos e prontos para serem debatidos com os colegas de turma, o que aconteceu nos dois últimos encontros. Assim, a publicação Autores cidadãos, possibilitou socializar todo um processo individual e coletivo de elaboração do jornal de pesquisa, o qual se inicia com uma escrita pessoal e se conclui com a publicação e socialização da mesma 29. A seguir, um pouco do meu jornal de pesquisa de então. Com pequenas correções o objetivo é apresentar minha angústia enquanto professor ao por em prática um processo com estas características. 23/08/99. Combinei com os alunos que todos deveriam realizar o seu jornal de pesquisa e como instrumento de avaliação teríamos no final do curso dois textos: o jornal de pesquisa e um ensaio a partir do vivido no decorrer do curso e do material registrado no próprio jornal de pesquisa.o curso teve seu inicio no dia 19 de agosto de 1999. Hoje quando escrevo é 23 de agosto, uma segunda feira, dia em que ocorreu a qualificação do João Batista sobre o tema multirreferencialidade e educação. 30 São 20:20. Decidi que também faria o jornal de pesquisa e também me proponho construir os dois textos: o jornal e o ensaio. Por que? Estou bastante apreensivo com a proposta que fiz aos alunos do curso. Algumas das razões: Em primeiro lugar trata-se de uma traição aos próprios alunos e aos meus colegas de departamento quando pensam que estaria oferecendo um conteúdo um tanto clássico sobre administração educacional e eu me enveredo por este caminho exposto no programa da disciplina. Em segundo lugar, trata-se de um referencial um tanto recente o qual vem sendo debatido a partir de 1992, mais propriamente a partir de novembro de 1995 quando vem ao Brasil o professor Jacques Ardoino... Portanto, um referencial epistemológico novo colocado perante um grupo de estudos como este traz, no mínimo, algumas implicações: a) há uma tensão de minha parte quanto à responsabilidade de condução de um processo acadêmico desta natureza, ao menos razoável, no tocante a apresentação dos conceitos e principalmente no tocante a apropriação e, se posso dizer, a 28 BARBOSA,J.G. Autores cidadãos: a sala de aula.... 29 Nesta perspectiva de socialização do jornal de pesquisa é preciso registrar o trabalho de Karla Paulino Tônus (1999), que traz em anexo ao seu trabalho de dissertação o jornal de pesquisa realizado no decorrer do processo. (Ver bibliografia). 30 Trata-se da defesa de tese de doutorado de MARTINS, João Batista. Abordagem multirreferencial: contribuições epistemológicas e metodológicas para o estudo dos fenômenos educativos. São Carlos: UFSCar, 2000. Tese defendida em 20 de março de 2000.

(re)criação (para si) dos conceitos: b) há, sem dúvida, um desdobramento no que se refere ao entendimento de práticas até então com outro sentido e significado como, por exemplo, a própria concepção de aula, de aprendizagem, de professor, de aluno, de relação professoraluno, etc. Daí o desafio: como encarar uma teoria e uma prática de cara nova? Além de considerar que o grupo, inclusive eu professor, trazemos algumas marcas bastante profundas construídas na relação social, cujas marcas, enquanto nos possibilita uma identidade para atuarmos no social, para integrarmos nossa individualidade talvez, por isso mesmo, nos impõe obstáculos (ou contra-pontos) quanto à apropriação do diferente... Algumas questões me ocorrem: será que conseguiremos nos apropriarmos da relação em ato, aquela que ocorre na sala de aula e, por nos apropriarmos dela, será que conseguiremos pensá-la e realiza-la de forma que seja prazerosa ao mesmo tempo em que produtiva? Vou parar por aqui hoje. Confesso que estou tenso, inseguro, ao mesmo tempo em que, desafiado a propor esta reflexão conjunta em ato... 24/08/99 Ainda estou preso no que registrei ontem em meu jornal de pesquisa. Faltou colocar com maior clareza o que decidi e porque decidi. Decidi cumprir o ritual proposto como qualquer um dos alunos realizando o jornal de pesquisa, o texto e apresentar o meu problema para pesquisa. De uma proposição assim já é possível compreender o entendimento diverso que estou tendo do que seja ser professor, do que seja ser aluno. Todos cumprimos as mesmas tarefas... O meu papel preponderante é o de construtor e de condutor de processos... O problema que proponho pesquisar poderia ser resumido mais ou menos da seguinte forma: como seria na prática a implantação de uma proposta diferente como a idéia da pesquisa se constituir em processo formativo? Neste sentido proponho entender esta sala de aula enquanto objeto de estudo para refletir as implicações, os encontros e desencontros de uma prática diferenciada do que comumente se entende enquanto tal. Há muitas idéias inovadoras na literatura pedagógica brasileira, o desafio é como transformá-las em recursos práticos de intervenção na realidade... Estou um pouco confuso pensando em muitas coisas ao mesmo tempo. Neste momento quero interromper estas anotações e pensar de forma mais sistematizado esta minha proposta de pesquisa... 26/08/99 Hoje aconteceu a segunda aula. O meu sentimento maior é o quanto de maturidade e competência é necessário para introduzir um debate com temas novos como sensibilidade, subjetividade, coisas da pessoa, e também, a partir de uma abordagem nova como a multirreferencialidade. Estou tentando caminhar com muito cuidado e segurança (O que seria entender como segurança neste momento?) não só pensando nos resultados, mas tentando apreender e refletir sobre este processo novo para todos nós. Em nosso debate na sala rolou algo semelhante a isso quando alguém observou temas como estes não cabem na escola. Normalmente o professor diria, após uma conversa semelhante nestes termos: Bem, agora voltemos à aula! É como se isso não pudesse ser considerado aula. Fiquei pensando: esta nossa escola resultado de uma forma de pensar a partir do paradigma cartesiano do penso, logo existo, nesta nossa escola por não permitir tais temas acaba por negar espaço para a pessoa humana. É uma escola desumana neste sentido. Mais do que psicanalizar o professor, ou algo semelhante, é preciso reconsiderar a ciência pedagógica, aquela que sustenta esta escola desumana que aí está e, à luz de psicanálise e dos novos conhecimentos da ciência, incorporar o sujeito desejante e complexo além do sujeito pensante cartesiano. Estou gostando muito de fazer este meu jornal de pesquisa!

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