ASPECTOS RÍTMICOS E MELÓDICOS DA PEÇA A INÚBIA DO CABOCOLINHO DE CÉSAR GUERRA-PEIXE

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1383 ASPECTOS RÍTMICOS E MELÓDICOS DA PEÇA A INÚBIA DO CABOCOLINHO DE CÉSAR GUERRA-PEIXE Alexandre Johnson dos Anjos UFRJ Mestrado em Música SIMPOM: Subárea de Teoria e Prática da Execução Musical Resumo: Este artigo tem como objetivo evidenciar os elementos rítmicos e melódicos da música dos cabocolinhos, empregados na peça A Inúbia do Cabocolinho, de Cesar Guerra- Peixe, para flauta transversal e piano. O conhecimento dos referidos elementos poderão fornecer subsídios aos instrumentistas e aos músicos de uma maneira geral, para uma melhor compreensão e interpretação desta obra. Palavras-chave: A Inúbia do Cabocolinho, gaita dos cabocolinhos, folclore, Cesar Guerra- Peixe. Abstract: This article aims to show the melodic and rhythmic elements of the cabocolinho s music, employed in the piece A Inúbia do Cabocolinho, from Cesar Guerra-Peixe, for flute and piano. The knowledge of these elements could provide subsidies to instrumentalists and musicians in general, for a better understanding and interpretation of this work. Keywords: A Inúbia do Cabocolinho, gaita from the cabocolinhos, folklore, Cesar Guerra- Peixe. A carreira de Cesar Guerra-Peixe como compositor de música brasileira de concerto está dividida em três fases: inicial, dodecafônica e nacional. Depois de seus primeiros estudos com Newton Pádua, a quem atribui importância decisiva em sua formação, e de experiências dodecafônicas posteriores sob as orientações de Joachim Koellreutter, Guerra-Peixe adere à estética nacionalista em sua terceira e última fase, influenciado pelos direcionamentos estéticos de Mário de Andrade (MIGUEL, 2006). Dentro desta nova estética composicional, Guerra-Peixe decide aceitar um convite de uma rádio pernambucana para trabalhar como arranjador e como regente, funções estas que lhe permitiriam, nas horas vagas, estudar com profundidade o folclore do Nordeste. Realiza, então, extensivas pesquisas de campo, colhendo um vasto e riquíssimo material dos principais gêneros da música folclórica pernambucana, dentre os quais, o frevo, o maracatu e os cabocolinhos, escrevendo inúmeros artigos e estudos musicológicos (MARIZ, 1983). Este profícuo material colhido pelo compositor em início de 1950 e fins de 1952, junto às diversas manifestações folclóricas de Pernambuco, seria utilizado posteriormente em muitas de suas obras, de forma literal ou estilizada, segundo as necessidades criativas do próprio compositor.

1384 Guerra-Peixe foi provavelmente o primeiro compositor brasileiro a utilizar, em uma obra de concerto, os elementos rítmicos, melódicos e tímbricos da música dos cabocolinhos. 1 Composta em 1955, A inúbia do Cabocolinho é fruto de suas pesquisas junto aos referidos grupos. Como o próprio nome sugere, está baseada na inúbia, termo utilizado antigamente para as atuais gaitas dos cabocolinhos. Trata-se de um pequeno instrumento de sopro de sonoridade extremamente aguda, feito, originalmente, de taquara ou bambu, e atualmente pode ser encontrada em alumínio, bronze. Seu tamanho é de aproximadamente 40 centímetros de comprimento, com um diâmetro de 10 a 15 milímetros. Tocada verticalmente pelo executante, seu princípio acústico é o mesmo que caracteriza todos os instrumentos pertencentes à família das flautas: a corrente de ar emitida pelo instrumentista bate contra uma margem afiada de um orifício lateral, produzindo o som (BROWN, 1980, p. 665). Buscando um instrumento que pudesse reproduzir nesta peça a mesma sonoridade aguda da gaita, Guerra-Peixe escreve-a inicialmente para flautim com acompanhamento de orquestra, adaptando-a posteriormente para violino, flauta transversal e clarinete, com acompanhamento de piano. 2 De fato, o flautim é o instrumento que mais se aproxima da sonoridade da gaita, pois ambos atuam em uma mesma região escalar e possuem timbres muito próximos. 3 A Inúbia do Cabocolinho está estruturada na forma livre e tem a duração aproximada de três minutos. Curiosamente não está em compasso binário, que é uma das principais características da música dos cabocolinhos e sim, em compasso quaternário. A música dos cabocolinhos, destituída do elemento harmônico, se caracteriza por uma linha melódica executada pela gaita, sustentada por instrumentos de percussão - um par de caracaxás, também conhecidos como ganzás ou mineiros e um ou dois tambores. Observou-se que nesta peça, Guerra-Peixe explora bem estas características tanto na parte da flauta quanto na do piano. Na parte da flauta, há trechos com predomínio do elemento melódico, onde o autor busca inspiração nos toques das gaitas, e trechos predominantemente 1 Cabocolinhos são grupos de pessoas simples (homens, mulheres e crianças), que se vestem com suntuosos trajes indígenas (cocares coloridos, saiotes emplumados, pulseiras nos braços e tornozelos) e munidos com arcos. e flechas, saem em época de carnaval pelas ruas do Recife, pulando e fazendo evoluções através de vigorosas coreografias, tendo como base rítmica, os instrumentos de percussão e a pancada das flechas nos arcos, integrados ao som da gaita. (REAL, 1990). 2 Infelizmente esta primeira versão não chegou a ser gravada, publicada ou editada, razão pela qual não se pode fazer uma apreciação mais aprofundada. 3 Lembremos a recente gravação desta peça na interpretação da flautista Beth Ernest Dias, que optou por gravála com o flautim.

1385 rítmicos, remetendo-nos aos instrumentos de percussão. Na parte do piano, o elemento rítmico sobrepuja o melódico, com este último aparecendo apenas em alguns trechos. 4 Em seu aspecto melódico, a peça caracteriza-se pela presença de dois pequenos temas construídos no modo dórico. O primeiro é introduzido pela flauta a partir do compasso 5. Este tema aparece ainda nos seguintes compassos: flauta - compassos 5-18, 26-27, 54-61; piano - compassos 24-25 (mão direita), 36-38 (duas mãos), 45-47 (mão direita). Exemplo musical 1. Guerra-Peixe "A Inúbia do Cabocolinho", parte da flauta - compasso 5. Embora não possamos afirmar que seja uma citação literal, é possível que o mesmo tenha se originado a partir de um fragmento melódico colhido pelo próprio compositor em Recife, junto aos Cabocolinhos Paranaguás, e que na peça foi modificado de acordo com as necessidades criativas do autor. Exemplo musical 2. Trecho do toque 'baiano' executado pelos Paranaguás, coletado por Guerra-Peixe. (Guerra-Peixe, 1966, p. 156). O motivo do tema usado por Guerra-Peixe no exemplo musical 1, tem uma ligadura de frase que não deve ser respeitada. Como a execução dos gaiteiros é bastante articulada, recomenda-se para uma maior aproximação com a música dos cabocolinhos, executá-la com a seguinte articulação. Exemplo musical 3. sugestão de articulação para A inúbia do cabocolinho, parte de flauta - compasso 5. 4 Por não existir harmonia na música dos cabocolinhos, optou-se por não tecer maiores comentários sobre o elemento harmônico.

1386 A partir do compasso 70, em andamento mais rápido, Guerra-Peixe introduz o segundo tema, que se estende até o final da peça, com acréscimo de variações rítmicas e melódicas. Exemplo musical 4. Guerra-Peixe "A Inúbia do Cabocolinho", parte da flauta - compasso 70-71. Trata-se na verdade, de um pequeno fragmento melódico colhido de um grupo de cabocolinhos desconhecido, com o modo, a rítmica e a fórmula de compasso, alterados. Exemplo musical 5. Fragmento colhido por Guerra-Peixe de um regresso anotado na rua, executado por um grupo não identificado. (Guerra-Peixe, 1966, p. 157). Do mesmo modo que no tema anterior, para que sua execução se aproxime com a dos gaiteiros de cabocolinhos, deve-se desconsiderar a ligadura de frase, articulando-a da seguinte forma: Exemplo musical 6. Sugestão de articulação para "A Inúbia do Cabocolinho", parte de flauta - compasso 70-71. O elemento rítmico da peça está baseado em um dos três principais ritmos da música dos cabocolinhos conhecido como guerra, com ambos os instrumentos (flauta e piano) reproduzindo em diversos momentos, os padrões dos três instrumentos de percussão surdo, tarol e caracaxás.

1387 Exemplo musical 7. Toque de percussão dos Tupinambás, coletado por Guerra-Peixe. (Guerra-Peixe, 1966, p. 154). O padrão rítmico do surdo é executado logo nos primeiros compassos pela mão esquerda do piano, estendendo-se até o compasso 14. Exemplo musical 8. Guerra-Peixe "A Inúbia do Cabocolinho", parte de piano - compasso 1-2. Este padrão é explorado por ambos os instrumentos em vários trechos da peça: flauta - compassos 47-48, 64-65; piano - compassos 1 ao 14, 19, 34, 52-53, 55, 57, 59, 61, 63, 87, 89, 91-92 e 94. O segundo padrão rítmico utilizado pelo compositor é o dos caracaxás. Na peça, ele é utilizado através de repetições de notas em uma mesma altura ou grupos de notas em terças, quintas e sextas, ascendentes ou descendentes. Aparece pela primeira vez, a partir do compasso 15, com a mão esquerda do piano executando um grupo de colcheias em intervalos de quintas, simulando o ritmo da mão esquerda do caracaxá. A mão direita em contratempo remete à pancada das flechas nos arcos (preacas).

1388 Exemplo musical 9. Guerra-Peixe "A Inúbia do Cabocolinho", parte de piano - compasso 15. Este grupo de colcheias aparece também nos seguintes compassos: flauta - compassos 66-68; piano - compassos 15-18. Na parte da flauta, o padrão rítmico dos caracaxás é refletido através de grupos de semicolcheias em terças, que se movimentam ascendentemente até a nota mi. Exemplo musical 10. Guerra-Peixe "A Inúbia do Cabocolinho", parte da flauta - compassos 19-24. A alusão aos caracaxás se faz igualmente a partir do compasso 28, quando a flauta executa uma série de semicolcheias em staccato duplo. Em seguida, inicia uma sequência de terças em movimento descendente até a nota mi com apojaturas. Exemplo musical 11. Guerra-Peixe "A Inúbia do Cabocolinho", parte da flauta - compassos 28-39.

1389 Conclusão Embora a peça não ofereça grandes dificuldades técnicas para o flautista, devido ao andamento rápido sugerido pelo compositor, semínima igual a 152 batidas por minuto, alguns trechos exigem bastante cuidado quanto à perfeita execução de certas passagens, como nos mostra o exemplo musical 11. Sugere-se então que se trabalhe lentamente cada trecho e vá gradativamente aumentando a velocidade até que se chegue ao andamento desejado. Nesta obra, observou-se que no aspecto melódico, Guerra-Peixe cria suas ideias a partir de dois fragmentos colhidos junto aos grupos de cabocolinhos recifenses, modificandoos melódica e ritmicamente de acordo com suas necessidades criativas. Além da opção de utilização do flautim ou piccolo para a parte da flauta, é importante observar que, como a execução dos gaiteiros é bastante articulada, devem-se desconsiderar as ligaduras de frases e ligaduras muito extensas, substituindo-as por ligaduras mais curtas. O elemento rítmico que perpassa toda a peça está baseado no tradicional ritmo de guerra dos cabocolinhos, com ambos os instrumentos (flauta e piano) reproduzindo em diversos momentos, os padrões dos instrumentos de percussão. Deste modo, estes padrões devem ser executados por ambos os instrumentistas, flautista e pianista, como efeitos percussivos para que se possa adquirir uma interpretação mais condizente com o universo musical dos cabocolinhos. Referências BROWN, Howard Mayer. Flute. In: The New Grove of Music and Musician. London: McMillan, 1980. DIAS, Beth Ernest. AQUINO, Francisca. CD A Inúbia do Cabocolinho. Música brasileira e portuguesa do século XX. Gravação independente, Ano 1999. GUERRA-PEIXE, César. "Os Cabocolinhos do Recife". In: Revista Brasileira do Folclore. Rio de Janeiro: 1966. GUERRA-PEIXE, Cesar. http://www.guerrapeixe.com/ acesso em 30 de Julho de 2012. MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. MIGUEL, Randolf. A estilização do folclore na composição de Guerra-Peixe. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2006. REAL, Katarina. O folclore no carnaval do Recife. 2 edição, Recife: Massangana, 1990.