Diagnóstico sorológico de infecção por human lymphotropic cell-t vírus types 1 and 2 (HTLV) em pacientes com malária



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REVISÃO / REVIEW PAPER / REVISIÓN Diagnóstico sorológico de infecção por human lymphotropic cell-t vírus types 1 and 2 (HTLV) em pacientes com malária Serological diagnosis of infection for human lymphotropic cell-t vírus types 1 and 2 (HTLV) in patients with malaria Diagnóstico serológico de infección por HTLV-1 / 2 en pacientes con malaria Fabiana Teixeira de Carvalho Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (UFPA) e Doutoranda em Engenharia Biomédica (Unicastelo). Aline Barreto dos Santos Mestre em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (UFPA). Rita do Socorro Uchôa da Silva Doutora em Biologia de Agentes Infecciosos e Parasitários (UFPA). Ricardo Ishak Pós-Doutor pela London School Of Hygiene And Tropical Medicine. Professor da Universidade Federal do Pará, UFPA. Antonio Carlos R. Vallinoto Biomédico. Pós-Doutor University of Miami Miller School of Medicine. Professor da Universidade Federal do Pará, UFPA RESUMO Esse estudo investigou a eficácia de dois testes sorológico para HTLV-1 e HTLV-2 em pacientes com malária do tipo falciparum e vivax no município de Cruzeiro do Sul, Acre, onde as amostras foram coletadas de 136 pacientes atendidos no Hospital do Juruá, Posto de Saúde Igarapé Preto e Maternidade Pública de Cruzeiro do Sul. Amostras de sangue foram coletadas em tudos contendo EDTA como anticoagulante, para a extração do plasma e leucócitos (PBMC). As amostras de plasmas foram testadas para a presença de anti-htlv-1/2, usando um ensaio imunoenzimático (ELISA), que foi confirmado pelo Western blot. Apenas 1 (0,7%) dos 136 sujeitos foram positivos para HTLV, enquanto outros 7 apresentaram valores de densidade óptica próximo ao valor de cut-off. Os resultados do Western blot indicaram que duas amostras tinham o perfil sorológico de HTLV-2. Uma amostra apresentou um perfil de co-infecção de HTLV-1/HTLV-2, duas foram indeterminadas e três foram negativas. Os resultados do presente estudo indicam que embora o ELISA seja o teste de triagem, faz-se necessário a realização de testes confirmatórios e discriminatórios para infecção por HTLV-1/2, como o Western blot. Descritores: Diagnóstico sorológico. HTLV. Malária. ABSTRACT This study investigated the effectiveness of two serological tests to HTLV-1 and HTLV-2 in patients with falciparum and vivax malaria in the municipality of Cruzeiro do Sul, in the Brazilian state of Acre, where samples were collected from 136 patients at the Juruá Hospital, Igarapé Preto health center and the Public Maternity Unit. Blood samples were collected in tubes containing EDTA as an anticoagulant, for the extraction of plasma and leukocytes (PBMC). Plasma samples were tested for the presence of anti-htlv-1/2, using an enzyme immunoassay (ELISA), which was confirmed by Western blot. Only one (0.7%) of the 136 subjects was positive for HTLV, while seven others presentd values of optical density close to the cut-off value. The results of the Western blot indicated that two samples had the serological profile of HTLV-2. One sample presented a profile of HTLV-1/HTLV-2 co-infection, two were indeterminate and three were negative. The results of the present study indicate that although the ELISA is a screening test, it is necessary to conduct confirmatory and discriminatory tests for HTLV-1 / 2, as the Western Blot. Descriptors: Serological diagnosis. HTLV. Malária. RESUMEN Submissão: 16.03.2010 Aprovação: 14.09.2010 Este estudio investigó la eficacia de dos pruebas serológicas de la infección por HTLV-y HTLV-2 en pacientes con paludismo por P. falciparum y el tipo vivax en Cruzeiro do Sul, Acre, donde se colectaron muestras de 136 pacientes atendidos em el Hospital dejuruá Tour Salud y educación de los hijos ricos Negro PúblicaCruzeiro do Sul. Las muestras de sangre fueron recogidas en los estudios que contiene EDTA como anticoagulante para la extracción de plasmay leucocitos (CMSP). Las muestras de plasma se analizaron para detectar la presencia de anticuerpos anti-htlv-1 / 2, mediante uninmunoensayo enzimático (ELISA), que fue confirmada por Western blot. Sólo 1 (0,7%) de 136 suje- 63

Carvalho, F. T. ; et al. tos fueron positivos para HTLV,mientras que otros 7 presentaron valores de densidad óptica valorcerca de la corte. Los resultados de Western blot mostraron quedos muestras tenían un perfil serológico del HTLV-2. Una de las muestras mostraron un rango de HTLV-1/HTLV-2 co-infección,dos no estaban seguros, y tres fueron negativos. Los resultados de este estudio indican que aunque la prueba ELISA es la prueba de detección, es necesario llevar a cabopruebas de confirmación y discriminatorio a HTLV-1 / 2, como elwestern blot. Descriptores: Diagnóstico serológico. HTLV. La malaria 1 INTRODUÇÃO Os retrovírus HTLV-1 e HTLV-2 integram a família Retroviridae, subfamília Orthoretrovirinae, gênero Deltaretrovirus. Estes retrovírus têm sido classificados nessa família baseados em seqüências genéticas e homologias estruturais, caracterizando-se por serem os únicos vírus diplóides de polaridade positiva (BURKE, 1997; LEMOS et al., 2006). A transmissão do HTLV-1 ocorre, principalmente, por três vias: a) a sexual, sendo a infecção mais freqüentemente transmitida do homem para a mulher. Presume-se que a infecção adquirida através da atividade sexual seja conseqüente dos linfócitos infectados presentes no sêmen e na secreção vaginal; b) vertical (da mãe para o filho), caracterizada por transmissão transplacentária, durante o parto e pela amamentação; e c) parenteral, ocorrendo através da transfusão de sangue contaminado e seus produtos, bem como do uso de seringas contaminadas (SANTOS et al., 2005). A infecção por HTLV-2 transmite-se pelos mesmos mecanismos. Destaca-se nesse caso a veiculação do agente pelo uso comum de seringas e agulhas contaminadas (HALL et al., 1992). A região amazônica brasileira é endêmica tanto para a malária quanto para infecções por HTLV-1/2 (BRASIL, 2005; ISHAK et al., 1995; VALLINOTO et al., 2002). Estudos anteriores mostraram a ocorrência atípica de padrões sorológicos para o HTLV-2 em populações locais (ISHAK et al., 2007). O diagnóstico sorológico do HTLV está baseado na detecção de anticorpos específicos para o vírus, que estão presentes nos fluidos do corpo e são gerados de uma resposta imune dirigida contra antígenos codificados por genes estruturais e reguladores (BRASIL, 2004). Na investigação da infecção pelo HTLV-1/2, o teste ELISA (Ensaio imununoenzimático) é o mais utilizado, especialmente na triagem sorológica em bancos de sangue; porém, apesar da alta sensibilidade, tem baixa especificidade e reatividade cruzada entre os tipos 1 e 2 do vírus. Devido a tais características é observado um grande número de resultados falso- -positivos (BRADY et al., 1987). Uma vez que os métodos de triagem sorológica para HTLV e os ensaios imunoenzimáticos apresentam freqüentes reações falso-positivas (CATERINO-DE-ARAÚJO et al., 1998; POIESZ et al., 2000), o imunodiagnóstico dessa retrovirose depende de confirmação da sororreatividade, através de WB (Western-Blot) ou PCR (Reação em Cadeia da Polimerase). Assim, o presente estudo investigou a eficácia de dois testes sorológicos para infecção por HTLV-1 e HTLV-2 em pacientes com malária, em Cruzeiro do Sul, Acre. 2 MATERIAL E MÉTODO O estudo foi do tipo transversal e a análise dos dados foi descritiva, com a contagem direta dos números de casos com o cálculo das freqüências. Analisou-se uma amostra de 136 indivíduos portadores de malária, sendo 72 homens e 64 mulheres, atendidos no setor de Endemias do Posto de Saúde do Igarapé Preto, do Hospital do Juruá e da Maternidade Pública de Cruzeiro do Sul - Acre, com idades acima de 12 anos. O Projeto foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa (CEP) da Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre) e aprovado sob o parecer final nº 125/2008, de acordo com a Resolução nº 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Todos os pacientes foram informados acerca do projeto e, posteriormente, assinaram um termo de consentimento livre esclarecido e responderam um formulário. Coletou-se amostras de sangue (5 ml) de 136 indivíduos com diagnóstico de malária através da gota espessa, as quais foram obtidas em um sistema de colheita a vácuo, em tubos contendo EDTA como anticoagulante, para a obtenção do plasma e de leucócitos (PBMC). Os espécimes foram estocados a 20º C, primeiramente, no Hemonúcleo de Cruzeiro do Sul, posteriormente no Hemoacre, em Rio Branco e, posteriormente, foram transportadas para o Laboratório de Virologia da UFPA, Belém PA, para a análise das amostras. Realizou-se a coleta das amostras no período de 12 de agosto à 10 de setembro de 2008. Dos 136 participantes, 106 tinham malária por P. vivax, 29 por P. falciparum e 1 apresentou infecção mista. Incluiu-se na pesquisa pacientes portadores de malária, que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Excluiu-se da pesquisa pacientes que não tinham diagnóstico confirmado de malária, crianças menores de 12 anos, grávidas, pacientes que se declararam HIV positivos, pacientes indígenas (pois possuem uma Legislação própria para a participação em pesquisas) e pacientes que fizeram uso de anti-maláricos nos últimos 7 dias anteriores a coleta. As amostras de soro foram testadas para a presença de anticorpos anti-htlv-1 e anti-htlv-2, por meio do uso de um ensaio imunoenzimático, ELISA (HTLV-1/2 Ab-Capture ELISA Test System, Ortho Diagnostic Systems Inc., USA), no Laboratório de Virologia da UFPA, em Belém - PA. As amostras soropositivas e as que ficaram na zona cinza do cut- -off (20% acima ou abaixo do cut-off ) foram submetidas a confirmação por meio de um Western blot (HTLV Blot 2.4, GeneLab diagnostics Ltd.,Singapore) que permite a confirmação de sororreatividade e a discriminação entre HTLV-1 e HTLV-2 O critério discriminatório do Western blot seguiu as recomendações do fabricante de reatividade para p19, p24 e para os peptídeos sintéticos adicionados ao Kit, que reage especificamente com o HTLV-1 (MTA, rgp 46-I) e HTLV-2 (K55, rgp 46-II). 3 RESULTADOS Um total de 136 amostras de pacientes portadores de malária (106 do tipo vivax, 29 do tipo falciparum e 1 por infecção mista) foi analisado objetivando demonstrar a eficácia de dois testes sorológicos para infecção por HTLV-1/2. Dos 136 pacientes, 72 eram do sexo masculino, com faixa etária entre 12 e 72 anos (média de 30,90 anos) e 64 eram do sexo feminino, com idades entre 12 e 72 anos (média de 29,42 anos) totalizando uma faixa etária geral de 30,16 anos. Todas as amostras foram testadas para a presença de anticorpos anti-htlv-1 e anti-htlv-2 (Tabela 1), por meio de um teste imunoenzimático tipo ELISA. Das 136 amostras, apenas uma (#21014) foi positiva (0,7%) e sete apresentaram valores de densidade óptica (D.O.) em uma faixa representativa de 20% abaixo do valor de Cut-off (0,263). 64

Diagnóstico sorológico de infecção por human lymphotropic cell-t vírus types 1 and 2 (HTLV) em pacientes com malária Tabela 1. Resultados dos testes ELISA e WB para a presença de anticorpos anti-htlv-1 e anti-htlv-2 *DO = Densidade Óptica da amostra Figura 1. Resultado do WB para a presença de anticorpos anti-htlv-1 e anti-htlv-2 Considerando que o objetivo do estudo que era o de verificar a eficácia de dois testes sorológicos, as oito amostras foram subseqüentemente submetidas à análise por Western blot. O resultado do Western blot (Figura 1) revelou que das oito amostras duas (#21019 e #21005) apresentavam perfil sorológico típico de infecção pelo HTLV-2, com a presença de reação imunológica para antígeno recombinante rgp46-ii, além de reação para GD21 e/ou p19. Uma das amostras (#21037) apresentou perfil raro de co-infecção HTLV-1/HTLV-2 ao revelar reação imune para rgp46-i e rgp46-ii, além de reatividade para GD21 e p24. A amostra #21006 apresentou reatividades sorológicas para GD21 e p24, e a amostra # 21014 revelou uma reação fraca para p19 e p24 o que é definido, em ambos os casos, como padrão indeterminado. Três amostras apresentaram perfil negativo, segundo critérios do fabricante do teste (Tabela 1). 65

Carvalho, F. T. ; et al. As análises de confirmação pelo WB demonstraram que as duas amostras positivas para anticorpos anti-htlv-2, eram ambas de pacientes portadores de P. falciparum, as duas amostvras negativas eram de um paciente portador de P. vivax e de outro com P. falciparum, as duas amostras com padrão indeterminado de pacientes portadores de P. vivax e P. falciparum, respectivamente, e duas amostras com padrão de co-infecção pelo HTLV-1 e HTLV-2, apresentando infecção pelo P. vivax e a outra por P. falciparum. A única amostra positiva no ELISA apresentou um padrão indeterminado no WB. No presente estudo investigou-se a eficácia de dois testes sorológicos para infecção por HTLV-1 e 2 em amostras de pacientes portadores de malária (P. vivax e P. falciparum) de uma população de Cruzeiro do Sul Acre, um município localizado a 650 km de Rio Branco, capital do Acre, onde a incidência de malária é a maior dentre os demais municípios do estado. 4 DISCUSSÃO O diagnóstico sorológico da infecção pelo HTLV baseia-se na detecção de anticorpos específicos contra o vírus. Nos hemocentros e nos serviços de hemoterapia nacionais, a triagem sorológica para HTLV-1 e HTLV-2 tornou-se obrigatória somente a partir de 1993, por meio da Portaria nº 1376 do Ministério da Saúde (POIESZ et al., 2000). Na investigação da infecção pelo HTLV-1/2, o teste ELISA (Ensaio imununoenzimático) é o mais utilizado, especialmente na triagem sorológica em bancos de sangue; porém, apesar da alta sensibilidade, tem baixa especificidade e reatividade cruzada entre os tipos 1 e 2 do vírus. Devido a tais características é observado um grande número de resultados falso- -positivos (BRADY et al., 1987). Uma vez que os métodos de triagem sorológica para HTLV e os ensaios imunoenzimáticos apresentam freqüentes reações falso-positivas, o imunodiagnóstico dessa retrovirose depende de confirmação da sororreatividade, através de WB (Western-Blot) ou PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) (POIESZ et al., 2000). Tem-se observado que alguns indivíduos com resultados positivos no ELISA apresentam uma reação incompleta de anticorpos contra antígenos do HTLV-1 ou HTLV-2; esses indivíduos são considerados terem um padrão soroindeterminado no WB. Demonstrou-se, também, que indivíduos negativos no ELISA poderiam ter padrão soroindeterminado no WB, o que sugere que a prevalência desse padrão pode ser maior do que tem sido estimado (BERINI et al., 2007). Dentre as causas de sorologia indeterminada para o HTLV são citadas as infecções por: cepas divergentes do HTLV, Vírus linfotrópicos de símios STLV e outros retrovírus, Plasmodium, bem como em outras condições biológicas (CATALAN-SOARES et al., 2001). Reações sorológicas cruzadas com P. falciparum tem sido proposta como um exemplo para os resultados soroindeterminado para HTLV-1/2 em áreas onde a malária é endêmica. Para a grande maioria das amostras indeterminadas originadas de áreas tropicais, supõe-se que a reatividade indeterminada é resultado de seqüências homólogas entre epítopos Gag do HTLV e outras proteínas ou causada por vírus relacionados ao HTLV-1 ou raros casos de infecção transitória por HTLV-1 (MAHIEUX et al., 2000). O Plasmodium falciparum é capaz de induzir anticorpos que reagem com proteínas do HTLV-1 e dar resultados falso-positivos no ensaio imunoenzimático e padrões indeterminado no Western blot. Esses anticorpos responsáveis pela reação-cruzada reconhecem um epítopo na proteína p19 do HTLV. A seqüência desse epítopo é similar a uma extensão de sete aminoácidos localizados na proteína Exp-1 do Plasmodium falciparum, sugerindo que essa proteína tem um papel na geração de anticorpos que realizam reação cruzada com HTLV-1. Contudo, como no presente estudo este padrão de reatividade, também, foi observado em outra amostra de paciente infectado pelo P. vivax, é possível sugerir assim a ocorrência, também, de similaridade da proteína Exp-1 ou de outro peptídeo desta espécie de plasmodium com o epítopo da proteína p19 (YAO et al., 2006). Estudos têm demonstrado uma possível correlação entre a ocorrência de reação cruzada para HTLV-1 em pacientes portadores de malária por P. falciparum, mas nenhuma correlação foi observada com o P. vivax, sendo esses resultados atribuídos a maior prevalência do P. falciparum. Em nosso estudo, a infecção por P. vivax foi mais prevalente do que por P. falciparum, contudo o padrão de reatividade no Western blot ocorreu em três portadores de P. falciparum e em apenas um de P. vivax, sugerindo assim poder não haver correlação com a prevalência espécie de plasmodium. Embora a maioria dos estudos que correlacionam a ocorrência de reação cruzada entre antígenos do HTLV-1 com o Plasmodium falciparum, os resultados aqui apresentados demonstram o predomínio do HTLV-2 em relação a presença do perfil para HTLV-1, fato este que poderia estar associado ao fato deste tipo viral ser o mais prevalente na região Amazônica (VALLINOTO et al., 2002). Assim sendo, é possível inferir que essa reação cruzada seja decorrente de uma similaridade de proteínas do Plasmodium falciparum com epítopos do HTLV-2, a semelhança do que tem sido descrito para a proteína Exp-1 desta espécie de plasmodium com o epítopo da proteína p19 do HTLV-1, considerando que os antígenos transmembrana do HTLV-1 e do HTLV-2 apresentam extensa homologia e apresentam elevado nível de reação cruzada, enquanto que as demais regiões representam epítopos tipo específico (POIESZ et al., 1980). Um ponto importante a ser destacado é que o resultado aqui apresentado refere-se à ausência de sororeatividade para infecção pelo HTLV- 1 pelo teste de ELISA, o qual é usado rotineiramente como método de triagem sorológica nos bancos de sangue. Em comparação ao observado por Ishak et al. (2007), os resultados aqui obtidos têm um impacto muito maior uma vez que o prognóstico da infecção pelo HTLV-1 é diferente daquele para o HTLV-2, visto que doenças neurodegenerativas (CASTRO- -COSTA et al., 1991) e linfoproliferativas (POIESZ et al., 1980) têm sido associadas ao estado de portador do HTLV-1 e, raramente, àqueles infectados pelo HTLV-2. Por fim, os resultados gerados no presente estudo reforçam a necessidade da realização de novos estudos que possam contribuir para um melhor conhecimento acerca da epidemiologia da infecção pelo HTLV, assim como da ocorrência de resultados sorológicos falso-positivos decorrentes de reações cruzadas com antígenos de outros patógenos comuns na região Amazônica e de falso-negativos relacionados a baixa sensibilidade dos testes sorológicos de triagem para a infecção. 5 CONCLUSÃO O teste sorológico ELISA é um teste sorológico de triagem para infecções por HTLV-1/2. No entanto, pode resultar em muitos resultados falso- -positivos. Uma vez que os métodos de triagem sorológica para HTLV e os ensaios imunoenzimáticos apresentam freqüentes reações falso-positivas, o imunodiagnóstico dessa retrovirose depende de confirmação da sororreatividade, através de WB (Western-Blot) ou PCR (Reação em Cadeia da Polimerase). 66

Diagnóstico sorológico de infecção por human lymphotropic cell-t vírus types 1 and 2 (HTLV) em pacientes com malária Os testes confirmatórios para infecção pelo HTLV podem ser realizados a partir de diferentes métodos sorológicos, dos quais, o mais utilizado é o Western Blot. Assim, já é possível a diferenciação entre os tipos 1 e 2 em muitos casos, mas resultados indeterminados, que não preenchem os critérios de positividade, ainda continuam existindo. O diagnóstico molecular de infecção por HTLV-1 ou HTLV-2 é indicado para o esclarecimento de casos inconclusivos aos testes sorológicos, quer seja por apresentarem resultados indeterminados ao WB ou mesmo quando este, embora positivo, seja incapaz de distinguir a infecção causada por HTLV-1 daquela causada por HTLV-2 (SANTOS et al., 2005). Embora a infecção por P. vivax fosse mais prevalente do que por P. falciparum, o padrão de reatividade no Western blot ocorreu em três portadores de P. falciparum e em apenas um de P. vivax, sugerindo assim poder não haver correlação com a prevalência espécie de plasmodium. REFERÊNCIAS BERINI, C. A. et al. Human T-Cell Lymphotropic Virus Types I and II (HTLV-I and -II) Infection Among Seroindeterminate Cases in Argentina. Journal of Medical Virology, Theran, v. 79, p. 69 73, 2007. BRADY, J. et al. Identification of p4ox-responsive Regulatory Sequences within the Human T-Cell Leukemia Virus Type I Long Terminal Repeat. Journal of Virology, Washington, v. 61, n. 7, p. 2175-81, 1987. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília: Ministério da Saude, 2005.. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Guia de Manejo Clínico do Paciente com HTLV. Brasília: Ministério da Saude, 2004. BURKE, D. S. Recombination in HIV: An important viral evolutionary strategy. Emergent Infectious Diseases, Atlanta, v. 3, p. 253-8, 1997. CASTRO-COSTA, C. M. et al. HTLV-I and tropical spastic paraparesis in Fortaleza (Northeastern Brazil). J Trop Geogr Neurol, Nova York, v. 1, p. 45-8, 1991. CATALAN-SOARES, B. C. et al. Os vírus linfotrópicos de células T humanos (HTLV) na última década (1990-2000) - Aspectos epidemiológicos. Rev Bras Epidemiolog, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 81-95, 2001. CATERINO-DE-ARAÚJO, A. et al. Sensivity of two enzymelinked immunosorbent assay tests in relation to Western blot in detecting human T-cell lymphotropic virus types I and II infections among HIV-1 infected patients from São Paulo, Brazil. Diagnostic Microbiology and Infectious Disease, Nova York, v. 30, n. 3, p. 173-82, 1998. HALL, W.W. et al. Multiple Isolates and Characteristics of Human T-Cell Leukemia Virus Type II. Journal of Virology, Washington, v. 66, p. 2456-63, 1992. ISHAK, R. et al. Identification of human T cell lymphotropic virus type IIa infection in the Kayapo, an indigenous population of Brazil. AIDS Res Hum Retroviruses, Nova York, v. 11, p. 813-21, 1995. ISHAK, R. et al. Molecular evidence for infection by HTLV-2 among individuals with negative serological screening tests for HTLV antibodies. Epidemiol Infect, Cambridge, v. 135, p. 604-9, 2007. LEMOS, J. A. R. et al. Carga Proviral do HTLV-1 e HTLV-2: um método simples através da PCR quantitativa em tempo real. Rev Socied Bras Med Trop., São Paulo, v. 39, n. 6, p. 548-52, 2006. MAHIEUX, R. et al. Human T-Cell Lymphotropic Virus Type 1 Gag Indeterminate Western Blot Patterns in Central Africa: Relationship to Plasmodium falciparum Infection. J Clin Microb, Washington, v. 38, n. 11, p. 4049 57, 2000. POIESZ, B. J. et al. Detection and isolation of type C retrovirus particles from fresh and cultured lymphocytes of a patient with cutaneous T-cell lymphoma. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, Stanford, v. 77, n. 12, p. 7415-9, 1980. POIESZ, B. J. et al. Comparative performances of an HTLV-I/II EIA and other serologic and PCR assays on samples from persons at risk for HTLV-I/II infection. Transfusion, Philadelphia, v. 40, n. 8, p. 924-30, 2000. SANTOS, F. L. N.; LIMA, F. W. M. Epidemiologia, fisiopatogenia e diagnóstico laboratorial da infecção pelo HTLV-I. J Bras Pat Med Laborat, São Paulo, v. 41, n. 2, p. 105-16, 2005. VALLINOTO, A. C. R. et al. Molecular epidemiology of human T-lymphotropic virus type II infection in Amerindian and urban populations of the Amazon region of Brazil. Hum Biol, London, v. 74, p. 633-44, 2002. YAO, K. et al. Human T Lymphotropic Virus Types I and II Westerns Blot Seroindeterminate status and its Association with Exposure to Prototype HTLV-I. The Journal of Infectious Diseases, Oxford, v. 193, p. 427 37, 2006. 67