ANÁLISE DE ERROS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS APRENDIZAGENS DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA



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Transcrição:

ANÁLISE DE ERROS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS APRENDIZAGENS DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA Marcos Rogério Neves Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil marcos_neves@uesc.br Diná da Silva Correia Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil dina@uesc.br RESUMO Neste trabalho analisamos as respostas para um problema de otimização, envolvendo área retangular, elaboradas por estudantes de 1º e 6º semestres do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Com base na Teoria Antropológica do Didático, discutimos as estratégias de resolução apresentadas e levantamos possibilidades que a investigação pode trazer para o acompanhamento da qualidade das aprendizagens realizadas no curso de Licenciatura em Matemática em nossa Universidade. Os dados analisados integram uma pesquisa interinstitucional com financiamento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), concluída em 2011, com abrangência dos dez cursos de Licenciatura em Matemática vigentes em campi das quatro Universidades Estaduais baianas. O objetivo principal da pesquisa foi ampliar a compreensão sobre os erros e dificuldades de aprendizagem de discentes destes cursos. Nela buscamos responder ao problema: que informações a análise das respostas dos estudantes de licenciatura a problemas de matemática pode fornecer para subsidiar o processo de avaliação da qualidade de suas aprendizagens no curso? Entre as estratégias identificadas nos dados da UESC, percebemos padrões que nos levam a questionar se as disciplinas acadêmicas tem afetado o cerne das dificuldades de aprendizagem trazidas da Educação Básica.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 2 Palavras-chave: avaliação de aprendizagem; análise de erros; formação de professores de matemática. ABSTRACT In this work we analyze the provided answers to an optimization problem, involving rectangular area, prepared by students of 1st and 6th semester course in Mathematics at Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Based on the Anthropological Theory of Didactics, we discussed strategies for resolutions and raise possibilities that research can bring to the monitoring of the quality of learning achieved in the Degree in Mathematics in our University. The analyzed data comprise an inter-institutional research funding by Foundations for Support Research in the State of Bahia (FAPESB), completed in 2011, with coverage of the ten courses in Mathematics existing campuses of four universities in Bahia State. The main objective of this research was to broaden the understanding about mistakes and learning difficulties of students in these courses. In it we seek to answer the problem: what information the analysis of the responses of undergraduate students to math problems can provide to support the process of assessing the quality of their learning in the course. Among the strategies identified in the UESC data, we realize patterns that lead us to question if the academic disciplines has affected the core of learning difficulties brought on Basic Education. Keywords: assessment of learning, error analysis, formation of mathematics teachers

1 Introdução No presente trabalho analisamos as respostas para um problema de otimização, envolvendo área retangular, elaboradas por estudantes de 1º e 6º semestre do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Estes dados foram produzidos como parte de uma pesquisa interinstitucional realizada entre 2008 e 2011, envolvendo estudantes dos cursos de Licenciatura em Matemática vigentes em nove campi 1 das quatro Universidades Estaduais baianas. Contando com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), a pesquisa intitulada Análise dos erros cometidos por discentes de cursos de Licenciatura em Matemática das Universidades Estaduais Baianas tinha como o objetivo geral ampliar a compreensão sobre os erros e dificuldades de aprendizagem de discentes destes cursos, tendo como hipótese que a análise da qualidade desses erros pode contribuir para a compreensão dos contextos e das causas dessas dificuldades (SILVA, et al., 2009). O problema que orientou essa pesquisa macro foi estruturado a partir das seguintes perguntas: Quais dificuldades os estudantes possuem referentes a conceitos matemáticos que deveriam ter sido construídos na Educação Básica? Como contribuir de forma a minimizar as dificuldades de aprendizagem de estudantes de cursos de Licenciatura em Matemática a partir da análise dos erros cometidos pelos estudantes? Como atuar na formação inicial do ingressante de modo a superar as dificuldades trazidas e assegurar uma matemática básica eficiente? Que diferenças existem entre os erros cometidos pelos estudantes novatos e veteranos? Para responder a estas perguntas foram coletados dados, sobretudo, a partir de dois testes, contendo problemas elaborados sobre conteúdos de Álgebra e Geometria, que permitiam a resolução com conhecimentos do Ensino Médio. O primeiro teste foi aplicado junto a estudantes do 1º e 6º semestres do curso de Licenciatura em Matemática identificados como estudantes em início e meio do curso, respectivamente. O segundo teste foi aplicado cerca de um ano após o 1º teste. Como 1 Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC): campus Ilhéus-BA; Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS): campus de Feira de Santana-BA; Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB): campi Jequié-BA e Vitória da Conquista-BA; Universidade do Estado da Bahia (UNEB): campi Teixeira de Freitas-BA, Caetité-BA, Barreiras-BA, Alagoinhas-BA, Senhor do Bonfim-BA e Paulo Afonso-BA.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 4 dados auxiliares aos testes foram utilizados um questionário para traçar perfil socioeconômico e também informações, sobre aprovação e reprovação em disciplinas cursadas (no caso de estudantes do 6º semestre), coletadas junto ao Colegiado do curso. Os dados da pesquisa macro foram categorizados pelos padrões de resposta e comparados com indicadores da Prova Brasil (BRASIL, 2008), para efeitos de analise geral e identificação das fragilidades que se propagaram até o ensino superior. Esta análise constitui um primeiro conjunto, no qual os dados de todas as instituições participantes foram submetidos aos mesmos parâmetros, utilizados para produção do relatório geral da pesquisa interinstitucional. Paralelamente, as equipes de pesquisa de cada instituição envolvida elaboraram análises complementares dos dados referentes a seus estudantes, com base nos referenciais teóricos que consideraram mais adequados aos seus objetivos específicos em relação a seus cursos, considerando as possibilidades de intervenção frente às dificuldades identificadas. Estas análises constituem um segundo conjunto, marcado pela diversidade teórico-metodológica. Neste contexto, os resultados que passaremos a discutir foram analisados com base na Teoria Antropológica do Didático, elaborada por Ives Chevallard (1999), com objetivo subsidiar as reflexões de nossa equipe de formadores sobre o sistema de avaliação permanente da qualidade das aprendizagens, que pretendemos implantar a partir do colegiado do curso em nossa instituição. Além de dados de outras fontes (como os disponíveis nos prontuários de registro e controle acadêmico), neste sistema de avaliação temos interesse em considerar as respostas dos estudantes às atividades propostas nas disciplinas do curso como fonte de informação fundamental. Estas necessidades particulares de nossa instituição nos levaram a orientar o presente trabalho para responder ao seguinte problema de pesquisa: que informações a análise das respostas dos estudantes de licenciatura a problemas de matemática pode fornecer para subsidiar o processo de avaliação da qualidade de suas aprendizagens no curso? Neste trabalho, abordamos esta questão tomando como base as respostas elaboradas pelos estudantes para um problema de otimização envolvendo área retangular. Esta opção visa permitir a exibição com mais detalhe dos padrões de resposta identificados, considerando as dimensões deste artigo. Ao discutirmos os resultados, identificamos possibilidades que a investigação pode trazer para o

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 5 acompanhamento da qualidade das aprendizagens realizadas no curso de Licenciatura em Matemática em nossa Universidade. 2 Por que nos importam as respostas dos estudantes? Nos últimos anos a frequência e o modo como as mídias passaram a noticiar os resultados de sistemas de avaliação, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), tem evidenciado as dificuldades dos estudantes brasileiros nas várias disciplinas do currículo escolar. É fato bastante conhecido que entre as disciplinas com piores resultados figura sempre a Matemática. Os resultados destas avaliações são noticiados quase sempre como vitrine dos efeitos do investimento de verbas públicas na educação, numa correlação direta e o enfoque dado aos erros cometidos por estudantes ressalta as dimensões negativas, como indicativos da precariedade, tanto de suas aprendizagens, quanto da formação de seus professores. Ainda que os erros cometidos por estudantes sejam preocupantes em relação aos objetivos da educação escolar, o senso comum acerca do erro nos parece limitado, uma vez que enfatiza o erro apenas como um produto final de todo trabalho realizado na escola, não levando em consideração os contextos e processos nos quais esses erros são produzidos. A fim de lançar luz sobre as causas dos erros e as dificuldades de aprendizagem que ficam obscurecidas por este olhar limitado, a análise dos erros cometidos por estudantes durante a realização de tarefas matemáticas tem se consolidado como uma forte vertente de pesquisa da Educação Matemática no Brasil. Em breve retrospectiva Cury (2008) nos mostra, logo no primeiro capítulo de seu livro, como os erros cometidos por estudantes foram problematizados a partir de diferentes enfoques, desde a abordagem behaviorista de Thorndike, nos primórdios da psicologia educacional no final do século XIX e início do século XX. Tendo sido explorada desde então, a análise de erros, segundo esta autora tem muitas contribuições a oferecer como abordagem de pesquisa e também como metodologia para o ensino. Como a autora, assumimos que o estudo dos erros pode trazer uma diversidade de informações acerca dos processos de aprendizagem e, de acordo com o enfoque teórico utilizado, evidenciar desde as habilidades e competências até a visão acerca dos conteúdos da Matemática que subsidiam a interação do estudante

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 6 com o problema a resolver. Assumimos também que as respostas aparentemente corretas dos estudantes também são fonte de informação sobre as aprendizagens (CURY, 2008; CURY e BISOGNIN, 2009; PINTO 2000). A Teoria Antropológica do Didático (CHEVALLARD, 1999) corrobora esta percepção ao introduzir a ideia de que mais de uma resposta correta podem ser fornecidas para uma tarefa, embora nem todas sejam consideradas adequadas e aceitas do ponto de vista institucional. Um estudante de Graduação em Matemática, por exemplo, pode fazer inferências sobre os pontos críticos de uma função utilizando estratégias aprendidas no Ensino Médio, enquanto seu professor, seu curso, sua universidade, seu livro de cálculo diferencial e integral, como instituições de referência, não consideram adequadas/válidas tais estratégias. Esta abordagem nos parece útil, uma vez que Cury (2008, p. 94), ao avaliar as produções dos seus alunos de 3º semestre do curso de licenciatura, notou que eles ainda cometiam alguns erros detectados nas soluções dos calouros. Neste sentido, diferentes autores (como CURY, 2008; PINTO, 2000; BORASI, 1996, entre outros) tem também caracterizado e discutido o papel heurístico do erro no interior das ciências e a maneira como estes erros não são evidenciados nos processos de sistematização e exibição dos resultados. Em particular, a noção bachelardiana de obstáculo epistemológico à inovação dentro das próprias ciências tem sido explorada na interpretação do conflito entre conteúdos aprendidos e conteúdos novos, que se estabelece no processo de aprendizagem da matemática, envolvendo seus pressupostos epistemológicos. Pinto (2000) destaca que o primeiro trabalho sobre obstáculos epistemológicos em Matemática foi apresentado por Guy Brousseau, ao qual credita a ideia de que o erro é o resultado de um conhecimento anterior, que teve seu interesse e seu sucesso, mas que agora se revela falso ou simplesmente inadaptado. Os erros desse tipo não são práticas errôneas e imprevisíveis: eles são constituídos de obstáculos. Assim, tanto na prática do professor como na do aluno, o erro é constitutivo do conhecimento adquirido (PINTO, 2000, p. 53). Embora a maioria dos professores não estranhe (e até defenda) a ideia de que o conhecimento algébrico escolar necessita ser gradativamente construído pelo estudante a partir do conhecimento aritmético aprendido nas séries iniciais do Ensino Fundamental, não são poucos os estudos revelando conflitos e dificuldades nesta passagem, a ponto de autores como Lins e Gimenez (1997) questionarem tanto esta necessidade, quanto a adequação desta visão.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 7 Resguardadas as diferenças entre cientistas e estudantes da educação básica, a noção de obstáculos epistemológico explorada na análise das respostas dos estudantes no mínimo nos leva a questionar a relação que o estudante estabelece entre conhecimentos novos aprendidos e seus conhecimentos anteriores. Em especial, é nossa responsabilidade como formadores de futuros professores: [...] quebrar essa cadeia de mal-entendidos e proporcionar aos futuros docentes de Matemática a oportunidade de olharem seus próprios erros para, com base em uma discussão sobre eles, retomarem os conteúdos nos quais apresentam dificuldades que, se não superadas, somente servirão para alimentar novas ocorrências de erros por parte de seus futuros alunos (CURY, 2008, p. 92). Assim, no presente trabalho exploramos estas noções, incorporadas às contribuições da Teoria Antropológica do Didático, que apresentamos a seguir. 3 Contribuições da Teoria da Antropologia do Didático (TAD) Com base nas contribuições de Chevallard (1999), consideramos que a abordagem antropológica dos processos de ensino e aprendizagem da matemática pressupõe levar em conta os contextos culturais nos quais os indivíduos interagem com os objetos do saber e as instituições às quais estes objetos pertencem. Dessa forma, as práticas de ensinar, de aprender e de realizar tarefas matemáticas são objetos de estudo que precisam ser observados de modo integrado, como produções culturais complexas, das quais os indivíduos, por um lado, participam/constroem; por outro lado, esses indivíduos se humanizam de maneira específica em instituições sociais. Ao pretendermos observar as estratégias de estudantes na resolução de tarefas matemática no contexto escolar, por exemplo, temos que ter em mente que certas estratégias são reconhecidas e privilegiadas pela instituição em determinados níveis de escolaridade. Chamamos esse reconhecimento de institucionalização - processo que se configura por meio do livro didático, dos programas de disciplinas e da organização e desenvolvimento da aula feita pelo professor (CHEVALLARD, 1999). Entre as contribuições que a TAD inicialmente nos fornece para o processo de análise dos erros cometidos por estudantes, destacamos a necessidade de se efetuar uma análise dos objetos do saber, os quais o estudante pôde ter acesso por meio das instituições em que ele interagiu. Isso envolve observar várias dimensões do saber, como conceitos, procedimentos, linguagens, notações, teoremas, assim como o modo que estes objetos são didaticamente organizados pelo professor em aula, nos livros, nas atividades solicitadas.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 8 Segundo Amouloud (2007) na TAD os objetos do saber são (ou deveriam ser) organizados e apresentados no processo didático como praxeologias completas, que são conjuntos ordenados compostos por: Tipo de tarefa (T) - identificado em uma praxeologia, contendo ao menos uma tarefa t; Técnica (τ) - maneira de fazer ou realizar um tipo de tarefa T; Tecnologia (θ) - discurso racional (logos) que tem por objetivo justificar a técnica τ, assegurando que esta permita realizar as tarefas do tipo T e; Teoria (Θ) - com a função de justificar e tornar compreensível uma tecnologia θ. Dependendo do meio em que o estudante tenha acesso ao objeto, a praxeologia pode se mostrar incompleta pela ausência, por exemplo, da Teoria (Θ). Também pode ocorrer que convenientemente este elemento seja apresentado apenas em certa etapa do processo. Na análise de cada organização praxeológica 2 é particularmente interessante observar a articulação dos blocos praxe [tarefa/técnica] e logos [tecnologia/teoria]. A maneira como estes elementos são ordenados e apresentados ao estudante (em aulas, em livros, etc.) define cada praxeologia de maneira peculiar. Em última instância, define culturalmente um modus operandi, uma lógica de organização das práticas em determinada instituição. Como exemplo, na praxeologia conhecida como tradicional, a ordem preferencial de organização desses elementos é: θ T Figura 1: praxeologia tradicional Observem que nesta organização a última etapa do processo de aprendizagem de objetos do saber da matemática escolar é a apresentação de uma Tarefa (T) ao estudante. Por outro lado, em situações de investigação, durante o curso de licenciatura em Matemática, o estudante é confrontado, por exemplo, com outra praxeologia que chamaremos de praxeologia modelada (HENRIQUES, ATTIE e FARIAS, 2007). Nesta praxeologia a ordem é oposta à da praxeologia tradicional, ou seja: T θ 2 Na TAD a análise da organização praxeológica nos remete aos modos institucionalmente ensinados de organização das atividades humanas institucionais.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 9 Figura 2: praxeologia modelada Assim, outra grande contribuição da TAD para a investigação sobre os erros é indicar que a análise das estratégias dos estudantes na resolução de tarefas matemáticas pode ser subsidiada pela análise da organização praxeológica das atividades propostas/realizadas, dos programas de disciplinas, dos livros didáticos, das aulas, das atividades, das provas/avaliações. De acordo com a TAD, uma implicação metodológica imediata dessas ideias seria assumir como tarefa do professor, como representante da instituição, proceder à análise praxeológica a priori no processo de preparação do objeto do saber a ser apresentado aos estudantes e também a análise a posteriori para verificar o modo como a interação com o objeto foi apreendida (ALMOULOUD, 2007). Como pressuposto estrutural, a TAD nos leva a analisar também a maneira como os objetos de saber são organizados institucionalmente em suas várias instâncias, nos remetendo a análise das diversas maneiras através das quais o currículo vai sendo construído de modo a situarmos os conhecimentos em questão e a consistência com a qual ele é tratado, considerando desde o Projeto Acadêmico Curricular do Curso até os planos de ensino e de aulas, os livros didáticos adotados e as tarefas propostas. É nesta articulação entre a resposta do estudante e todo o processo de produção do currículo que reside nosso interesse na exploração da TAD. Como formadores, buscamos unidades de análise que nos auxiliem na construção de explicações articuladas sobre os elementos que concorrem para produção de erros e dificuldades, de modo a fundamentar ações sistêmicas para sua superação. 4 Procedimentos de pesquisa Os dados analisados neste trabalho são referentes às respostas fornecidas por estudantes do curso de Licenciatura em Matemática de nossa instituição, sendo 29 estudantes de 1º semestre e 13 de 6º semestre. No âmbito da pesquisa interinstitucional da qual participávamos, tomamos como base para seleção dos conteúdos das questões utilizadas nos testes (instrumentos de coleta de dados) as provas de vestibulares das universidades envolvidas e documentos elaborados pelo governo, tais como Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), e livros didáticos de Matemática tanto do ensino médio quanto do superior. A ideia inicial foi detectar conteúdos relevantes em cada fonte, seja pela

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 10 qualidade do espaço institucional dedicado a eles (em livros e programas de ensino, por exemplo), seja pela frequência com a qual são exigidos em exames. Através deste princípio a equipe também procurou asseguram que os testes envolveriam conteúdos com grande probabilidade de terem sido vistos pelos estudantes na escolaridade básica. A perspectiva da equipe sobre cada questão do teste era tornar o erro observável, como nos sugere Pinto (2000). No que diz respeito aos blocos de conteúdos explorados optamos por: Funções e Geometria Plana - por serem assuntos trabalhados do ensino fundamental ao ensino superior; Análise de dados e probabilidade - por serem recomendados para todos os níveis da educação básica, em especial para o ensino médio; e Números e operações - por proporcionar aos estudantes uma diversidade de situações, de forma a capacitá-los a resolver problemas do quotidiano. O teste padrão, que contém o problema de otimização que analisamos, constituiuse de seis questões e foi o primeiro instrumento de coleta de dados aplicado no contexto da pesquisa interinstitucional. A discussão que empreendemos aqui envolve a análise das respostas ao primeiro problema deste primeiro teste, expresso nos seguintes termos: Um fazendeiro possui vinte metros de cerca e deseja construir um galinheiro de forma retangular aproveitando um muro já construído como um dos lados. Determine as dimensões do galinheiro de modo que a sua área seja máxima. A final de cada questão do teste padrão, perguntamos sobre a percepção do estudante acerca de sua resposta, de modo a indicar o grau de confiança na sua resolução, conforme indicado no Quadro 1. Quadro 1: Teste da percepção do estudando sobre sua resposta. Com relação à solução e resposta apresentada por mim a alternativa escolhida é: ( ) Estou seguro(a) que está correto; ( ) Acredito que está correto; ( ) Aposto 50% que está correto; ( ) Acredito que está incorreto; ( ) Estou seguro(a) que está incorreto. Assim, os dados que analisamos neste estudo se constituem tanto das respostas dos estudantes quanto da percepção que estes manifestaram sobre elas. 4.1 A análise das respostas sobre o enfoque praxeológico

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 11 Em nossa análise consideramos as características das estratégias matemáticas utilizadas pelos estudantes, buscando identificar elementos que indiquem as praxeologias associadas (tarefa-técnica; tecnologia-teoria). O termo praxeologia e seus derivados foram formulados no interior da Teoria Antropológica do Didático (TAD) por Yves Chevallard e se refere à análise dos tipos de conhecimento que se articulam nas situações práticas que envolvem conhecimentos matemáticos. Neste modelo teórico se compreende que indivíduos podem realizar tarefas de modo mecânico, sem demonstrar conhecimentos profundos. Isto porque toda aplicação prática de conhecimentos matemáticos envolve no mínimo dois elementos: a identificação de uma tarefa e a seleção de uma técnica que se julga adequada para resolvê-la. Porém, a realização de tarefas complexas que caracterizam um domínio mais substantivo de conceitos, métodos e estratégias de raciocínio da Matemática, revela outros dois elementos que estão associados às práticas matemáticas e que caracterizam a riqueza destas práticas, quais sejam: tecnologia (conhecimento que justifica a técnica) e teoria (que fornece substrato e heurística à tecnologia). Com base nos pressupostos da TAD, tomamos como objetivos da análise: Identificar nas respostas padrões praxeológicos consistentes, ainda que equivocados, ineficientes; Comparar os padrões encontrados com as respostas institucionais definidas pela equipe, sobretudo, no que diz respeito ao uso de elementos associados ao bloco praxeológico tecnologia-teoria (bloco logos). Começamos, analisando o problema proposto no teste diagnóstico e as respostas institucionais aceitas pela equipe. 5 Discussão dos dados 5.1 Análise a priori do problema proposto No contexto da pesquisa interinstitucional a equipe havia definido duas formas de resolução aceitáveis para o problema: Um fazendeiro possui vinte metros de cerca e deseja construir um galinheiro de forma retangular aproveitando, como um dos lados, um muro já construído. Determine as dimensões do galinheiro de modo que a sua área seja máxima. A razão de haver apenas duas resoluções consideradas adequadas é a exigência de que o estudante utilizasse conhecimentos associados ao conceito de função

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 12 (em particular, função polinomial de 2º grau) e enfocasse o problema como sendo um problema de otimização. Estas razões fundamentam e definem as duas praxeologias associadas às respostas institucionais aceitas. Passemos a analisá-las, explicitando os conjuntos de tarefas, técnicas e tecnologias 3 relacionadas a elas. A primeira resolução institucional aceita tem como referência a Matemática escolar da Educação Básica (EB) e consiste nas seguintes etapas: I. Tarefa: Selecionar modelo geométrico adequado ao fenômeno. Técnicas: Desenhar/idealizar o retângulo genérico que corresponde ao problema (considerando o muro como um dos lados), nomeando os lados p e q de modo facilitar a construção do modelo algébrico. Tecnologias: conceitos de área e perímetro, articulados de modo a fornecer heurística para o modelo algébrico; II. Tarefas: Descrever a equação do perímetro; selecionar a função adequada para avaliação de pontos críticos. Técnicas: Descrever a função A(p)=pq e utilizar a equação que descreve o perímetro cercado para descrevê-la apenas em função da variável p. Tecnologias: conceito de função para modelar a área; noção de sistema de equações, articulada com o conceito de perímetro para produzir uma relação entre p e q (equação), linearmente independente da área, isolar q e substituir na função; III. Tarefa: Analisar a função polinomial adequada e encontrar as coordenadas p v e q v do ponto de máximo. Técnicas: aplicar na equação de p v os valores dos coeficientes do polinômio da função A(p) e calcular esta coordenada; substituir p v na equação do perímetro e calcular q v. Tecnologias: forma geral das coordenadas do vértice da parábola; noção de sistema de equações e procedimento de substituição. A segunda resolução institucional tem como referência a Matemática da Educação Superior (ES) e também prevê o cumprimento das etapas I e II acima descritas e na etapa III introduz a seguinte variação: i. Tarefa: utilizando a função A(p), encontrar a abscissa do ponto crítico. Técnicas: derivar A(p); tomar A (p)=0 e encontrar a coordenada p do ponto crítico. Tecnologia: conceito de derivada; 3 Não mencionamos aqui o elemento Teoria que compõe o bloco conhecimento nas praxeologias completas porque a análise das resoluções dos estudantes não revelou elementos que nos permitam inferir sobre este nível de conhecimento.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 13 ii. Tarefa: utilizando A (p), avaliar a natureza do ponto crítico encontrado. Técnicas: derivar A (p); calcular o valor de A (p) para p=5 e verificar o sinal. Tecnologia: conceito de derivada; teste da 2ª derivada; iii. Tarefa: encontrar a ordenada do ponto crítico. Técnica: substituir o valor da abscissa encontrado no item III na equação do perímetro e resolvê-la para a incógnita q. Tecnologia: sistemas de equações. Analisando estas duas praxeologias, notamos que ambas se apoiam: no mesmo modelo geométrico inicial, voltado para modelagem algébrica que resolve efetivamente o problema; em conhecimentos algébricos associados aos conceitos de função e equação. Além da equivalência das praxeologias na abordagem inicial do problema, notamos que as técnicas e tecnologias fundamentadas na EB, utilizadas na resolução do problema, são aceitas integralmente e utilizadas na Matemática da ES. Vale lembrar que muitas praxeologias ensinadas na EB deixam de ser validas na ES, como plotar o gráfico de uma função utilizando um conjunto finito e discreto de pontos. No curso de Cálculo 1 o estudante aprende a utilizar ferramentas mais completas para análise do comportamento global da curva e seus pontos notáveis o que permite um olhar mais profundo e não discretizado como ocorre muitas vezes na EB. 5.2 Respostas dos estudantes Feitas essas observações, podemos passar a análise das respostas com foco nos objetivos que descrevemos. O conjunto de dados analisado, referente à 1ª questão do Teste I, consiste de 29 respostas de estudantes que cursavam o 1º semestre e 13 respostas de estudantes do 6º semestre do curso de Licenciatura em Matemática em nossa instituição. Neste conjunto, o total de respostas corretas e consistentes com as resoluções institucionais (definidas na seção anterior) nestes grupos foi respectivamente de NENHUM e UM (esta única resolução considerada adequada é consistente com a praxeologia relacionada à ES). Também houve a ocorrência de registros que foram considerados como sem resolução, totalizando respectivamente 3 e 4 para os referidos grupos. Nesta análise, nos interessa olhar com cuidado tanto as resoluções que adotaram praxeologias válidas e fracassaram na obtenção de respostas corretas, quanto as resoluções que pressupõe praxeologias diferentes das consideradas adequadas para o

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 14 teste proposto. No primeiro caso, o que nos instiga é a falta de consistência das praxeologias utilizadas pelos estudantes que optam por caminhos institucionalmente válidos, mas cometem falhas ou não conseguem completar a resolução das tarefas. No foco de nosso interesse está a necessidade de compreensão das aprendizagens que faltam para que consolidar a consistência das ações dos estudantes nestas praxeologias. Trataremos a estrutura desse padrão de resposta como praxeologias incompletas. No segundo caso, nos perguntamos sobre quais técnicas foram utilizadas e em quais conhecimentos (tecnologias) se fundamentam. Trataremos a estrutura desse padrão de resposta como praxeologias clandestinas. 5.2.1 Praxeologias incompletas Para o propósito da análise que ora tecemos, vamos considerar como praxeologias incompletas aquelas que pudermos identificar com partes das praxeologias definidas para as resoluções institucionais aceitas pela equipe de pesquisadores. Analisando as 26 resoluções dos estudantes do 1º semestre com vistas para as etapas que descrevemos da resolução institucional com referência na EB, notamos inicialmente que 2 cumpriram a etapa I da resolução, desenhando um retângulo adequado, considerando o muro e nomeando os lado de modo a favorecer o trabalho algébrico da etapa seguinte. Contudo, observamos também que 18 estudantes cumpriram esta tarefa de modo incompleto, desenhando retângulos para apoiar estratégias aritméticas, atribuindo valores aos lados ou indicando por incógnitas apenas um dos lados (geralmente o muro). Também há aqueles que desenharam retângulos aparentemente sem considerar o muro (4 estudantes). Quando observamos a etapa seguinte das resoluções dos estudantes, começam a se delinear as tendências que vão indicar as praxeologias escolhidas. Como nesta seção vamos nos ater às resoluções nas quais os estudantes escolheram caminhos próximos aos institucionalmente aceitos, observamos que na etapa II a tarefa de definir a equação do perímetro foi realizada apenas pelos 2 estudantes que construíram o modelo adequado. Um deles parou na definição da equação. O outro prosseguiu até isolar uma das duas variáveis. No que se refere às resoluções dos estudantes do 1º semestre, a baixa frequência com que decidiram se apoiar em estratégias algébricas que são a base da resolução

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 15 institucional de referência (EB) e o fato de não conseguirem ultrapassar o nível mais simples da modelagem necessária (associados à alta frequência de estratégias aritméticas) pode ser um indício que as aprendizagens consolidadas por estes estudantes não permitiram domínio operacional das praxeologias associadas aos conteúdos de álgebra. Analisando as 9 resoluções dos estudantes do 6º semestre com vistas para as etapas que descrevemos das resoluções institucionais com referência na EB e ES, notamos inicialmente que 7 cumpriram a etapa I da resolução, desenhando um retângulo adequado, considerando o muro e nomeando os lado de modo a favorecer o trabalho algébrico da etapa seguinte. Observamos que apenas 2 estudantes cumpriram esta tarefa de modo incompleto, desenhando retângulos para apoiar estratégias aritméticas, atribuindo valores aos lados. Mesmo considerando que o momento de aplicação de um teste (como o que serviu de fonte de dados para esta pesquisa) é uma situação bem diferente da aplicação de um teste no contexto de uma disciplina do curso ou do contexto da prática profissional docente, as características destes padrões de respostas levantam questões sobre a fragmentação dos conhecimentos matemáticos dos estudantes de licenciatura. Como formadores interessados em elaborar um sistema de avaliação processual da qualidade das aprendizagens, diante a frequência tão alta deste padrão de erro podemos questionar, por exemplo: por que aprendizagens que consideramos tão básicas parecem tão fragmentadas mesmo em estudantes do 6º semestre? Que condições seriam necessárias para que aprendizagens básicas (como a que se referem ao conteúdo em questão) tivessem qualidade e fossem retidas pelo estudante e mobilizadas em uma situação de teste como a que propusemos? 5.2.2 Praxeologias clandestinas Em meio ao conjunto de respostas ao problema que analisamos, surgiram duas nas quais os estudantes desenvolveram resoluções através de praxeologias não aceitas institucionalmente. Trata-se de praxeologias justificáveis, ainda que inadequadas. Embora estejamos analisando apenas dois casos, no conjunto das respostas a todas as 6 questões do teste, envolvendo os conteúdos descritos na Seção 4, este padrão de resposta volta a emergir na investigação de outras questões do teste e sua análise pode ser reveladora de aprendizagens relativamente consolidadas, fruto da interação do

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 16 estudante com objetos matemáticos mediados por alguma instituição de referência um produto cultural, produzido na instituição contra sua intencionalidade e cujas origens podem ser mapeadas com ajuda de pesquisas como a que realizamos. Vejamos exemplo: Figura 3: Resposta de estudante do 1º semestre Observando a Figura 3, notamos que o estudante desenvolveu uma estratégia para testar as possibilidades, baseada em um raciocínio algébrico simples que permite realizar um conjunto de operações aritméticas para acercar-se de um conjunto de valores. De modo semelhante ao que estudantes do Ensino Médio fazem quando observam uma tabela construída com os valores assumidos por uma função, conforme atribuem-se valores a x, o estudante percebe a variação da variável área e identifica o valor máximo alcançado. Em relação à percepção sobre sua resposta, o estudante indicou ter certeza de que estava correta. Vejamos outro exemplo:

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 17 Figura 4: Resposta de estudante do 6º semestre Observando a Figura 4, notamos estratégia semelhante, embora o registro escrito não explicite o modelo algébrico que serve de base pra simulação. O estudante em questão também indicou certeza na correção de sua resposta. No que diz respeito validade das estratégias, notamos que ambas foram possibilitadas pelo valor adotado para a quantidade de arame (20 metros), de modo que a facilitar a simulação. A percepção de simetria dos valores facilmente calculados indica intuitivamente aos estudantes que o valor máximo obtido é o ponto de máximo procurado, visto que antes e depois dele os valores além de menores são idênticos. Entre os pesquisadores da equipe, houve quem questionasse se uma alteração no valor adotado, dificultando com valores não inteiros (como 128,7m) motivaria os mesmos estudantes a tentar esta estratégia. Independente dos exemplos mostrarem que os estudantes encontraram o valor final correto para o problema e estavam certos disso, nosso referencial teórico nos leva a questionar a validade matemática de suas resoluções, no sentido de terem a Tecnologia (explicação da técnica), provavelmente inconsistente pelos padrões da instituição de referência ES, por não considerarem a continuidade do conjunto de pontos da função. Contudo, não podemos deixar de nos perguntar como esse modo de pensar por simulação/experimentação, rudimentarmente algébrico e profundamente aritmético, perpassa a Educação Básica e avança no interior de um curso superior de Matemática quase inalterado, enquanto as estratégias ensinadas na universidade não alcançam facilmente este status de confiabilidade entre os estudantes. E nosso questionamento se estende a outros conteúdos da formação do professor: que outras praxeologias se constituem, se consolidam, entre as aprendizagens dos futuros professores sem que nós formadores tomemos conhecimentos? Mesmo tendo mais perguntas do que respostas, estas contribuições deste estudo para a equipe e para nosso propósito foram muito interessantes. Os questionamentos levantados têm claras implicações para o processo de avaliação da aprendizagem no curso. 6 Elementos para avaliação da qualidade das aprendizagens matemáticas Com base nas análises que vimos tecendo, podemos formular respostas parciais para as perguntas: Assim, o problema de pesquisa que orienta o presente trabalho é: que

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 18 informações a análise das respostas dos estudantes de licenciatura a problemas de matemática pode fornecer para subsidiar o processo de avaliação da qualidade de suas aprendizagens no curso? A esse respeito, destacamos que na seção 5.2.1 levantamos questões sobre as lacunas nas aprendizagens institucionais dos estudantes tanto na EB quanto na ES que impedem tanto a mobilização adequada de conhecimentos algébricos, constituindo praxeologias incompletas, quanto afetam a confiança do estudante sobre as estratégias aprendidas. Na seção 5.2.2 identificamos estratégias de resolução que conduziram estudantes à obtenção de resultados corretos, através de praxeologias inadequadas aos parâmetros das instituições de referência (EB e ES), mas mais completas que as discutidas na seção 5.2.1. Notamos também que estas gozam de um status de confiabilidades que as praxeologias adequadas não alcançam entre os estudantes, fato que nos leva a questionar o tipo de relação que o estudante estabelece com os saberes aprendidos através das práticas vivenciadas. Através destes elementos que pontuamos, procuramos mostrar que os padrões de resposta dos estudantes de licenciatura podem nos fornecer elementos para compreensão da qualidade de suas aprendizagens, à medida que podem nos dar indícios: da consistência das aprendizagens praxeologias desenvolvidas no curso (ES); da resistência de praxeologias incompletas ou inadequadas. Para além dos padrões analisados, pudemos perceber ao longo do processo da pesquisa que, a despeito do currículo pensado em nossa universidade, as interações dos estudantes com os conteúdos das disciplinas do curso podem não modificar estratégias e conhecimentos que vem da educação básica. Os pressupostos da Teoria Antropológica do Didático nos exortam a assumir e nos comprometer como equipe, por um lado, com os resultados inadequados produzidos ou inalterados a partir das práticas proporcionadas currículo que desenvolvemos. Por outro lado, nos impele a investigar as condições associadas à produção dos erros pelos estudantes e elaborar um processo de avaliação que os envolva e promova a reflexão sobre concepções de currículo, de Matemática, de formação de professores que estamos construindo, que queremos construir condição imprescindível para construção de um currículo de qualidade em um processo colaborativo (LOPES e MUNIZ, 2010). Nesta trajetória seguimos levando essas reflexões de pesquisa para a equipe de

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 19 formadores que atua no curso de licenciatura em nossa universidade, a fim de subsidiar a elaboração de um sistema permanente de avaliação da qualidade das aprendizagens dos estudantes. Partindo da análise do conjunto completo dos dados da pesquisa que apresentamos aqui, procuramos fomentar na equipe reflexões que baseadas na análise das repostas, erradas ou não, com a finalidade de compreender como as dificuldades são geradas ou perpetuadas pelas práticas no interior das disciplinas do curso. Como frutos da pesquisa interinstitucional, na qual este estudo se insere, além das contribuições que pontuamos destacamos que outras questões, envolvendo a análise de respostas e a avaliação da qualidade das aprendizagens nos cursos de licenciatura, estão sendo problematizada por uma das autoras deste trabalho na construção de sua pesquisa para doutorado fato que testemunha a fertilidade desta temática para a formação inicial de professores, que tivemos a oportunidade de perceber ao longo do processo de investigação, enquanto coletivo de formadores-pesquisadores. Referências ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: Ed. UFPR, 2007. BRASIL. Plano de Desenvolvimento da Educação-PDE: matrizes de referência, tópicos e descritores. Brasília: MEC, SEB, Inep, 2008. BORASI, R. Reconceiving mathematical instructions: a focus in errors. Norwood- NJ: Ablex Publishing Corporation, 1996. CURY, H. N; BISOGNIN, E. Análise de Soluções de um Problema Representado por um Sistema de Equações. Bolema, Rio Claro-SP, Ano 22, nº 33, 2009, p. 1 a 22. CHEVALLARD, Y. L analyse des pratiques enseignantes en théorie anthropologique du didactique. Recherches en Didactique des Matématiques. Grenoble : La Pensée Sauvage-Éditions, v. 19.2, p. 221-265, 1999. CURY, Helena; BISOGNIN, Eleni. Análise de um problema representado por um sistema de equações. Bolema. Rio Claro-SP, 2009, ano 22, n. 33, p.1 a 22. CURY, Helena N. Análise de erros: o que podemos aprender com as respostas dos alunos. 1ª edição, 1ª reimpressão, BH: Autêntica, 2008.

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 20. Análises de Erros em Disciplinas Matemática de Cursos Superiores. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 3., 2006, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: SBM, 2006. CD-ROM. HENRIQUES, A.; ATTIE, J. P.; FARIAS, F. M. S. Referências teóricas da didática francesa: análise didática visando o estudo de integrais múltiplas com auxilio do software Maple. São Paulo: Revista Educação Matemática e Pesquisa-PUC, v.9.1, 2007. LOPES, C.E.; MUNIZ, M.I.S. O processo de avaliação nas aulas de Matemática. Campinas-SP: Mercado das Letras, 2010. LINS, R.C.; GIMENEZ, J. Perspectivas para aritmética e álgebra para o século XXI. 5ª edição, Campinas-SP: Papirus, 1997. PINTO, N. B., O erro como estratégia didática: estudo do erro no ensino da matemática elementar. Campinas, SP: Papirus, 2000. SILVA, C. V.; BORTOLOTI, R. D. M.; GUSMÃO, T. C. R. S. Análise Dos Erros Cometidos Por Discentes Do Curso De Licenciatura Em Matemática: Um Estudo De Caso Da Universidade Estadual Do Sudoeste Da Bahia Campus Jequié. In SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 4., 2009, Taguatinga. Anais... Taguatinga: SBM, 2009. CD-ROM. GT 4. ISSN: 2175-778X.