DOCUMENTO FINAL Seminário Técnico Frutas Nativas do Rio Grande do Sul: manejo, beneficiamento e comercialização No dia 06 de dezembro de 2010 ocorreu o Seminário Frutas Nativas do RS: manejo, beneficiamento e comercialização, no auditório da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre. O encontro contou com a participação de 95 pessoas, entre agricultores, técnicos representantes de órgãos governamentais e não governamentais, pesquisadores, estudantes de graduação e de pós-graduação, indígenas e demais interessados no tema. O evento foi promovido pelo Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica (DESMA/PGDR), o Grupo de Apoio à Reforma Agrária (GARRA), Grupo Uvaia de Agroecologia e Grupo Viveiros Comunitários (GVC), todos ligados à UFRGS, com apoio do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (DEFAP-SEMA). O objetivo do seminário foi discutir o papel estratégico do uso das frutas nativas relacionado à conservação da biodiversidade, segurança alimentar, inclusão social e geração de renda para agricultores familiares e populações locais. Considera-se que o uso sustentável das frutas nativas, cuja diversidade biológica totaliza mais de 180 espécies só no RS, e de seus produtos, tem um papel vital do ponto de vista ecológico, social e econômico no Estado do Rio Grande do Sul. Diversas iniciativas para discussão deste tema têm sido realizadas nos últimos anos por grupos de produtores e entidades ligadas à agroecologia. A necessidade de convergência e articulação destas ações para a busca de soluções práticas aos diversos problemas enfrentados por quem trabalha com frutas nativas, e justamente a sistematização destes principais entraves ao desenvolvimento da atividade, motivaram a realização deste seminário. O encontro de pessoas e entidades envolvidas nos mais diferentes aspectos da cadeia produtiva das frutas nativas representa um importante passo para o avanço do processo, de forma coesa e mais objetiva. Outro aspecto motivador do seminário relaciona-se à contradição entre o papel estratégico que assumem as frutas do ponto de vista da conservação e promoção da agrobiodiversidade, no Estado e no País, e o atual quadro desanimador de ausência
de políticas públicas que viabilizem estas atividades. De acordo com o proposto no seminário, a estratégia utilizada para a conservação da agrobiodiversidade deve ser focada na sua circulação, e esta vem sendo desestimulada de diversas formas, levando, muitas vezes, ao abandono de algumas práticas por parte dos agricultores. Portanto, sugere-se que as já existentes políticas voltadas à agricultura familiar e a conservação ambiental possam ser articuladas através de políticas como as de viabilização do manejo, beneficiamento e comercialização das frutas nativas. Apesar da demanda crescente por esses produtos, sua importância para o resgate cultural no contexto de populações locais e seu enorme potencial ecológico e econômico compatível com os sistemas agroecológicos, o tema apresenta um conjunto de lacunas que vão desde a área científica até a extensão, abrangendo também a legislação e os incentivos econômicos para atividades relacionadas. Considerando estes aspectos, os participantes do seminário avaliaram as dificuldades ligadas ao assunto, visando contribuir para o avanço do uso sustentável da agrobiodiversidade nativa. Como conclusão geral do seminário foi ressaltado o compromisso com a sustentabilidade. Nesse contexto, salientou-se a atenção aos preceitos da agroecologia em cada etapa da cadeia produtiva das plantas nativas (manejo, beneficiamento e comercialização). Também destacou-se o fato de que os agricultores familiares e os povos e comunidades tradicionais estão intimamente relacionados a todo este processo, cujos conhecimentos associados à biodiversidade devem ser protegidos e assegurados por políticas públicas afirmativas e de garantia de direitos sociais e culturais. Uma forma de proteger os produtos da agrobiodiversidade, incluindo as frutas nativas, seria fortalecer qualidades relacionadas à tradição, à cultura e ao sabor, associadas também ao modo familiar de produção. Assim, a valorização e o reconhecimento destas características por parte dos consumidores se fazem fundamentais. A viabilidade legal para cada etapa do processo, envolvendo esses produtos, é outro aspecto elementar. Verificou-se excesso de burocracia e desestímulo para a atividade de uso sustentável das frutas nativas e de seus produtos. Neste sentido, o tema e os atores sociais envolvidos no processo necessitam de uma atenção especial por parte dos governos e pelo conjunto de normas e leis, de forma a mudar este quadro atual. Caso contrário, o uso das frutas nativas pode ficar circunscrito à clandestinidade, perdendo seu potencial ecológico, de geração de renda e inclusão social.
A fim de garantir a proposição e execução de políticas públicas voltadas para essa temática, como encaminhamento do seminário propôs-se a articulação de um grupo de trabalho (GT) interinstitucional envolvendo as instituições competentes, em intercâmbio com a sociedade. Será estabelecida uma agenda de metas e ações prioritárias que, dentre outros objetivos, contemple identificar os itens de maior dificuldade quanto às legislações e apontar propostas de adequações. Alguns aspectos norteadores para este trabalho já puderam ser levantados no decorrer do seminário por grupos de discussão e plenária. Como proposições aos gestores públicos, foram sistematizadas em três tópicos, sendo estes o manejo, o beneficiamento e a comercialização, como seguem: I. Manejo - Incentivo governamental ao desenvolvimento de programas de pesquisa com frutas nativas e seus produtos, enfatizando a participação dos agricultores e assegurando os benefícios para sociedade como um todo. - Programas de esclarecimento e assistência técnica quanto às possibilidades de uso e manejo sustentável de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente, previstas no Código Florestal Federal (4.771/1965), no que se refere a interesse social relacionado a práticas agroflorestais, incluindo atividades com frutíferas nativas, conforme o Parágrafo 3o do Art. 16 da Medida Provisória 2.166-67/2001, Art. 11 da Resolução do Conama 369/2006 e Parágrafo 5 do Art. 5 da Resolução do Conama 429/2011. - Estímulo e valorização de práticas de manejo com base nos preceitos agroecológicos, tendo em vista a produção de frutas nativas: a) fomento a implementação de sistemas agroflorestais diversificados; b) estímulo à práticas que contribuam para a manutenção e a recuperação da variabilidade genética das espécies, tais como o incentivo a atividades viveiristas com espécies nativas; c) criação de marcos legais que viabilizem a sustentabilidade na condução das atividades de manejo de espécies nativas; c) reconhecimento e valorização do conhecimento científico e tradicional no que ambos possam acrescentar ao uso e conservação das frutas nativas; d) gestão compartilhada de cadeias produtivas
sustentáveis através do fortalecimento de redes de cooperação envolvendo comunidades, poder público, universidades e organizações não governamentais. - Adequação da legislação ambiental à realidade dos agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais, por meio da adoção de normas e procedimentos especiais que assegurem a estes grupos o acesso administrativo facilitado, gratuito e simplificado, bem como análise prioritária de seus pedidos, conforme previsto na Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica) e Decreto 6.660/2008 (Decreto que define utilização e proteção da Mata Atlântica). - Elaboração e implementação de campanhas e outras formas facilitadas e educativas de comunicação e difusão da legislação ambiental - em seus aspectos de coleta, manejo, cadastramento e licenciamento - fortalecendo a interlocução entre os órgãos ambientais e a sociedade, como forma de tornar seus procedimentos mais acessíveis. Sugere-se a diversificação de estratégias de comunicação pelos órgãos competentes, tais como: a) elaboração de cartilhas e outros materiais educativos e orientadores; b) inclusão de seus procedimentos em sítios eletrônicos institucionais; c) proposição de palestras e seminários locais; d) elaboração e divulgação de matérias em revistas especializadas; e) realização de cursos para a melhor qualificação e capacitação de municípios, sindicatos rurais, órgãos regulamentadores e de extensão no que diz respeito à implementação da legislação, entre outros. II. Beneficiamento: - Adequação da legislação sanitária às características da agricultura familiar, dos povos e comunidades tradicionais, respeitando e valorizando formas de saberes e fazeres locais e garantindo a segurança, qualidade e diversidade dos produtos oriundos das frutas nativas. - Proposição de políticas públicas de beneficiamento das frutas nativas, incluindo a facilitação para o registro dos produtos junto aos órgãos regulamentadores, linhas de crédito e estímulo ao desenvolvimento de tecnologias apropriadas para cada espécie de fruta. - Aperfeiçoamento da legislação e regulamentação mais facilitada para a construção de agroindústrias abrangendo a adequação do prédio, dos equipamentos e das medidas sanitárias.
- Fomento e fortalecimento de pequenas agroindústrias ligadas a estes produtos, por meio da criação de canais institucionais que assistam a estas iniciativas. -Fortalecimento das garantias trabalhistas e previdenciárias (em especial a aposentadoria) aos pequenos agricultores, povos e comunidades tradicionais, e demais trabalhadores, que lidam com o beneficiamento das frutas nativas e de outros recursos sustentáveis da biodiversidade. - Fomento ao diálogo entre os técnicos que atuam nas sanções relativas ao beneficiamento e que por vezes apresentam posições contraditórias acerca da mesma questão, sendo necessário um maior entendimento da legislação por todos. III. Comercialização - Normatização da legislação já existente, respeitando a ampla diversidade de produtos oriundos das frutas nativas e o contexto sociocultural de cada um deles. - Garantia de acesso a políticas públicas de comercialização para agricultores familiares, povos e populações tradicionais, a fim de facilitar a circulação das frutas e de seus produtos através de canais e mercados institucionais. Destacam-se aqui alguns programas que podem/devem estar associados: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). - Fortalecimento da integração entre a esfera estadual e federal no âmbito do Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade (MDA, MMA, MDS e CONAB), desenvolvendo ações conjuntas para promoção de cadeias de produtos da sociobiodiversidade do RS, tendo em vista a agregação de valor e consolidação de mercados sustentáveis. - Fortalecimento das feiras agroecológicas e demais espaços de comercialização e sensibilização em relação aos alimentos da agrobiodiversidade, como espaços de promoção da Economia Solidária, da transformação social e da educação alimentar e ambiental, articulando redes e integrando demandas. - Promoção de políticas públicas em todos os âmbitos (federal, estaduais e municipais) para o aproveitamento integral das frutas nativas, garantindo também a conservação das sementes, objetivando, prioritariamente, a produção, a comercialização e o plantio de mudas em sistemas agroecológicos.
- Viabilização de licença simplificada e facilitação do acesso ao cadastro florestal (DEFAP-SEMA) para o funcionamento de pequenos viveiros que objetivam a produção e comercialização de mudas nativas em pequena escala, promovendo, assim, práticas de viveirismo adequadas à realidade da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais.