Resultados da Pesquisa ITC-Brasil sobre Publicidade, Promoção e Patrocínio de Tabaco Felipe Lacerda Mendes; Cristina de Abreu Perez (Instituto Nacional de Câncer, Brasil), Mary McNally; Lorraine, Craig; Geoffrey T. Fong (Universidade de Waterloo, Canadá) Objetivo Esta análise descreve os principais achados do Projeto Internacional de Avaliação das Políticas de Controle do Tabaco no Brasil (Projeto ITC-Brasil) relacionados ao impacto de medidas adotadas para proibir a propaganda, promoção e patrocínio de produtos de tabaco. O Projeto ITC é o primeiro estudo de coorte internacional sobre o uso do tabaco, que acompanha os mesmos entrevistados por um período de tempo em vários países que integram a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), inclusive o Brasil. Seu objetivo é medir o impacto psicossocial e comportamental das principais políticas da CQCT nos países. O Projeto reúne mais de 20 países, representando mais de 50% da população mundial e 60% dos fumantes do mundo. Metodologia No Brasil, o Projeto ITC começou a ser desenvolvido em 2009, quando foi realizada a Onda 1 da Pesquisa. A Onda 2 foi realizada em 2012-2013. Em cada Onda foram entrevistados por telefone cerca de 1800 adultos (1.200 fumantes e 600 não fumantes) de três cidades brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A amostra foi reabastecida na Onda 2 para substituir os entrevistados da Onda 1 que foram perdidos durante o seguimento. Todas as pesquisas ITC são desenvolvidas utilizando os mesmos métodos, arcabouço conceitual e questionário. Este inclui mais de 150 perguntas diretamente relacionadas ao impacto das políticas de controle do tabaco, as quais são projetadas para serem idênticas ou equivalentes em todos os países do ITC, a fim de permitir comparações relevantes entre os resultados. A pesquisa fornece evidências para avaliar sistematicamente a eficácia das principais medidas, como advertências sanitárias, preço e taxação, promoção de ambientes 100% livres da fumaça do tabaco, proibição da publicidade e promoção, dentre outras, e assim subsidiar seus gestores sobre melhores práticas para sua implementação. A publicidade, promoção e patrocínio de tabaco no Brasil O Brasil implementou pela primeira vez restrições à publicidade e à promoção do tabaco em 1988, quando definiu horários para a veiculação de propagandas na televisão, cinema e teatro, acompanhadas de advertência sanitária. Em 1995, o governo recomendou que as emissoras de televisão evitassem transmitir imagens de celebridades fumando. As restrições ao patrocínio do tabaco ainda eram fracas, pois apenas recomendavam que os órgãos públicos não aceitassem financiamento da indústria do tabaco para as campanhas de saúde pública. Desde aquela época, o Brasil tem feito progressos contínuos. Em dezembro de 2000 foi adotada uma política abrangente, que proibiu a publicidade em todos os meios de comunicação (TV, rádio, jornais, outdoors), com exceção da propaganda dos pontos de venda. A mesma lei vetou o patrocínio de atividades esportivas e culturais nacionais ou internacionais por marcas de produtos de tabaco e também proibiu atividades promocionais como amostras 1
grátis e merchandising. Uma lei aprovada em 2003 exigiu que toda a publicidade no interior dos pontos de venda deveria conter em 10% do seu espaço as mesmas advertências sanitárias ilustradas existentes nas embalagens de cigarros. O mais recente avanço ocorreu em dezembro de 2011, quando toda a propaganda existente nos pontos de venda foi proibida, permitindo-se apenas a exibição das embalagens para venda. Esta medida depende de regulamentação pelo Poder Executivo, não tendo sido publicada até a realização da Onda 2. Na prática, bares, restaurantes, padarias e bancas de jornais ainda exibiam publicidade de produtos de tabaco. Resultados da Pesquisa ITC-Brasil A Pesquisa ITC Brasil foi realizada com uma amostra representativa aleatória de adultos (com 18 anos ou mais) fumantes e não fumantes residentes nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A Onda 1 (2009) da Pesquisa ITC Brasil foi realizada antes da proibição da publicidade nos pontos de venda de 2011, e a Onda 2 (2012-2013) ocorreu após esta proibição. Os entrevistados foram perguntados: Pensando sobre tudo o que aconteceu à sua volta nos últimos 6 meses - com que frequência você reparou em coisas que estimulam a fumar?. Como se observa na Figura 2, tanto os fumantes quanto os não fumantes apresentaram uma queda significativa na percepção da promoção do tabagismo entre as Ondas 1 e 2, com os fumantes apresentando uma queda mais acentuada dessa percepção do que os não fumantes. A porcentagem de fumantes que responderam frequente ou muito frequente a esta pergunta diminuiu de 42,8% na Onda 1 para 22,6% na Onda 2. A quantidade de não fumantes que responderam frequente ou muito frequente à percepção da promoção do tabagismo, diminuiu de 35,2% na Onda 1 a 24,9% na Onda 2. Porcentagem de fumantes e não fumantes, nas amostras combinadas, que perceberam coisas que frequentemente ou muito frequentemente estimulam a fumar nos últimos 6 meses, por onda* Os resultados da Pesquisa ITC demonstram claramente que as leis aprovadas no Brasil desde 2000 reduziram a percepção pública da publicidade, promoção e patrocínio do tabaco nos últimos 4 anos. No entanto, tem se observado que a indústria do tabaco modificou suas técnicas de publicidade, transformando as abordagens ostensivas de promoção em técnicas 2
mais sutis, tais como o uso do nome da empresa e de cores de marcas de seus produtos em eventos direcionados para a juventude. Outra estratégia foi adotada após a proibição da publicidade nos pontos de venda - os estabelecimentos comerciais passaram a expor as embalagens de cigarros em vitrines luminosas e atraentes, em muitos casos sem as advertências de saúde obrigatórias, tornando a exibição das embalagens uma nova forma de publicidade. Exemplo de exibição de embalagens de cigarros para venda num estabelecimento comercial do Rio de Janeiro A análise de documentos da indústria do tabaco demonstra que num contexto de restrições mais severas nos meios convencionais de promoção, as embalagens de cigarros tornaram-se uma estratégia relevante de marketing, mantendo a presença da marca nos pontos de venda. Os entrevistados também responderam à questão: Nos últimos seis meses, você viu ou ouviu falar sobre um esporte ou evento esportivo que fosse patrocinado ou conectado a empresas do tabaco, como Phillip Morris, Souza Cruz, ou outros?. Tendo em vista que a proibição do patrocínio de eventos esportivos foi implementada anos antes da pesquisa, entre 2000 e 2005, os resultados da pesquisa fornecem um retrato da eficácia desta proibição em longo prazo. Em geral, a percepção do patrocínio de eventos esportivos por companhias de tabaco nas três cidades é razoavelmente baixo: a porcentagem total que afirmou ter visto ou ouvido falar sobre este tipo de patrocínio foi menor que 10% em ambas as Ondas. Porcentagem de fumantes e não fumantes, nas amostras combinadas, que viram ou ouviram falar de um evento esportivo patrocinado por empresas do tabaco nos últimos seis meses, por onda* 3
Outra estratégia usada pela indústria do tabaco para promover seus produtos é a veiculação personagens fumantes e o aparecimento de elementos de marcas de cigarros em filmes, novelas e outros programas de televisão. A Pesquisa ITC investigou este aspecto na Onda 2 em algumas perguntas, como por exemplo Nos últimos seis meses, ao assistir novelas e outros programas televisivos, com qual frequência você viu atores fumando?. A análise mostrou que 12,5% dos fumantes e 18% dos não fumantes declararam ter visto um ator fumando frequentemente ou muito frequentemente em novelas e programas televisivos. Porcentagem de fumantes e não fumantes, das amostras combinadas, que perceberam a promoção do tabagismo ao assistir novelas ou outros programas televisivos nos últimos seis meses, Onda 2 (Outubro 2012- Fevereiro 2013) Conclusões Os resultados das Ondas 1 e 2 da Pesquisa ITC Brasil sugerem que, embora o governo brasileiro tenha um quadro legislativo abrangente de restrição da publicidade, promoção e patrocínio de tabaco, são necessários mais esforços para conter as violações da indústria de tabaco e para preencher as lacunas da legislação, incluindo regular as iniciativas de responsabilidade social corporativa, a exposição dos produtos nos pontos de venda e a promoção do tabagismo em filmes e na TV. 4
A pesquisa mostrou que fumantes e não fumantes são extremamente favoráveis a regulamentações mais rigorosas para os produtos de tabaco (mais de 80% concordam) e entendem que o governo deveria fazer mais para combater os danos causados pelo tabagismo (aproximadamente 90% estão de acordo). Portanto, há um contexto social favorável ao fortalecimento das medidas. A Pesquisa ITC-Brasil sugere que a população apoia regulamentações mais rigorosas para controlar a publicidade, promoção e patrocínio do tabaco. Por outro lado, a indústria do tabaco alega que tais medidas são uma restrição injusta à liberdade de expressão. A publicidade, promoção e patrocínio do tabaco tentam tornar seu consumo algo normal na sociedade e fazer com que os cigarros pareçam iguais a qualquer outro bem de consumo. Entretanto, os meios agressivos de burlar as restrições legais através de táticas de marketing indireto, especialmente para atrair os jovens para um produto que mata metade dos seus usuários, indicam que uma legislação forte e uma fiscalização efetiva dessas leis são fundamentais para proteger a saúde e os direitos da população. 5