Agentes bacterianos isolados de cães e gatos com infecção urinária: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos

Documentos relacionados
Anais do 38º CBA, p.2163

RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE BACTÉRIAS ISOLADAS DE AMOSTRAS DE CÃES E GATOS ATENDIDOS EM HOSPITAL VETERINÁRIO

Diagnóstico bacteriológico de diversas patologias de cães e gatos e verificação da suscetibilidade a antimicrobianos

MÚLTIPLA RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE BACTÉRIAS ISOLADAS DE MÃO PELADA (Procyon cancrivorus, CUVIER, 1798)

PERFIL DE RESISTÊNCIA AOS ANTIMICROBIANOS NA OCORRÊNCIA DE OTITE EM ANIMAIS NA REGIÃO DE CUIABÁ-MT

AVALIAÇÃO CLÍNICA DOS CASOS DE OTITE EXTERNA EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

RELATÓRIO CUMULATIVO DA SUSCETIBILIDADE DOS AGENTES DE INFEÇÃO URINÁRIA AOS ANTIMICROBIANOS

SUSCEPTIBILIDADE DOS AGENTES DE INFECÇÃO URINÁRIA AOS ANTIMICROBIANOS

Palavras-chave: Antibióticos, Otopatias, Resistência bacteriana. Keywords: Antibiotics, Otopathies, Bacterial Resistance

TÍTULO: PERFIL DE RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE ISOLADOS BACTERIANOS DE INFECÇÕES CLÍNICAS DO HOSPITAL VETERINÁRIO ANHEMBI MORUMBI

PERFIL DE SENSIBILIDADE DE AGENTES CAUSADORES DE MASTITE BOVINA NA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

Projeto de pesquisa realizado no curso de Medicina veterinária da Unijuí 2

Aluno do Curso de Medicina Veterinária da UNIJUÍ, bolsista de inciação científica PIBIC - UNIJUÍ, 3

RELATÓRIO CUMULATIVO DA SUSCETIBILIDADE DOS AGENTES DE INFEÇÃO URINÁRIA AOS ANTIMICROBIANOS

Ana Paula L. de Souza, Aluna do PPG Doenças Infecciosas e Parasitarias (ULBRA);

TÍTULO: INCIDÊNCIA DE INFECÇÃO URINÁRIA ENTRE HOMENS E MULHERES NO MUNICÍPIO DE AGUAÍ EM PACIENTES QUE UTILIZAM O SUS

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

Infeções do trato urinário na rede médicos sentinela dados preliminares de 2016

Prevalence and bacterial susceptibility of urinary tract infections in renal transplant patients attended in a school laboratory from 2011 to 2016.

CURSO DE OTOLOGIA DE CARNÍVOROS DOMÉSTICOS

CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE SUBÁREA: BIOMEDICINA INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VÁRZEA GRANDE

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

Infecções causadas por microrganismos multi-resistentes: medidas de prevenção e controle.

ESTUDO RETROSPECTIVO DE 267 AFECÇÕES POR PROTEUS MIRABILIS E PROTEUS VULGARIS EM CÃES (2003 A 2013)

ÍNDICE DE RESISTÊNCIA MÚLTIPLA AOS ANTIMICROBIANOS EM INFECÇÃO INCOMUM DO TRATO URINÁRIO DE TOURO POR SERRATIA MARCESCENS

Escherichia coli COM ELEVADO PERFIL DE RESISTÊNCIA AOS ANTIMICROBIANOS ISOLADA DA URINA DE UM CÃO COM CISTITE (RELATO DE CASO)

Administração uma vez ao dia

FREQUÊNCIA DE LEVEDURAS ENCONTRADAS EM URINA TIPO I DE PACIENTES DE UM HOSPITAL PRIVADO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS-SP

EMERGÊNCIA DE Salmonella RESISTENTE A QUINOLONAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO

ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA, IDENTIFICAÇÃO E PERFIL DE SUSCEPTIBILIDADE A ANTIMICROBIANOS ISOLADOS DE CÃES COM INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

1 Centro Universitário do Maranhão- UNICEUMA, São Luis, MA, Brasil 2 Estudante de enfermagem do UNICEUMA 3 Universidade Federal do Maranhão

CONSTRUÇÃO DE UM ARTIGO DE REVISÃO PARA AUXILIAR NA DISCIPLINA DE MICROBIOLOGIA CLÍNICA DO CURSO DE FARMÁCIA

OCORRÊNCIA DE INFECÇÃO URINÁRIA EM PACIENTES DE UTI (UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA)

Infecção do Trato Urinário (ITU) - uma das doenças infecciosas + frequentes no ser humano Afecta:

Suscetibilidade a antimicrobianos, de bactérias isoladas de diversas patologias em cães e gatos, nos anos de 2002 e 2003

Enterobacter sp. MULTIRRESISTENTE ISOLADO DE LAVADO TRAQUEAL DE EQUINO: RELATO DE CASO

A CORRELAÇÃO DAS UROCULTURAS E EAS DE URINA PARA O DIGNÓSTICO DE INFECÇÃO URINÁRIA

Tratamento da ITU na Infância

COMPARAÇÃO DE AGENTES INFECCIOSOS DO TRATO URINÁRIO DE PACIENTES AMBULATORIAIS VERSUS PACIENTES HOSPITALIZADOS

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Resistência bacteriana em trabalhadores de um hospital veterinário

Evento: XXV SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

AGENTES MICROBIANOS ISOLADOS DE OTITE EXTERNA EM CÃES 1

Escherichia coli. Escherichia coli ARTIGO ORIGINAL

ESTUDO DA EFICIÊNCIA DE ANTIBIOTICOS CONTRA BACTÉRIAS PATOGÊNICAS

INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

Histórias de Sucesso no Controle da Infecção Hospitalar. Utilização da informática no controle da pneumonia hospitalar

AVALIAÇÃO DA ROTINA DO LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA CLÍNICA. Palavras chaves: Isolamento, antimicrobianos, leite, resistência.

Coordenação de Controle de Infecção Hospitalar Hospital Universitário Clementino Fraga Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro

PREVALÊNCIA DE INFECÇÃO URINÁRIA EM IDOSOS DE UMA INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA PARA IDOSOS (ILPI) DE PONTA GROSSA, PARANÁ

Resumo. 36 mv&z CLÍNICA DE PEQUENOS ANIMAIS

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

INFECÇÕES URINÁRIAS REGISTRADAS EM UM LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS DO SERTÃO PARAIBANO.

STAPHYLOCOCCUS AUREUS RESISTENTES EM ANIMAIS DE COMPANHIA RESISTANT STAPHYLOCOCCUS AUREUS IN COMPANION ANIMALS

Prevalência e sensibilidade de microrganismos isolados em uroculturas no Espirito Santo, Brasil

PERFIL MICROBIOLÓGICO DO LEITE BOVINO ANALISADO NO LABORATÓRIO DE MICROBIOLOGIA VETERINÁRIA DA UNIJUÍ 1

Matheus Henrique Bragança Duarte 1 Isabella Gois Fontenele 2 Cássio Antonio Lanfredi dos Santos 3 INTRODUÇÃO METODOLOGIA

Alterações no Trato Urinário

PERFIL DE SENSIBILIDADE DE MICRORGANISMOS ISOLADOS EM UROCULTURAS DE PACIENTES COM INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO NA CIDADE DE PARANAVAÍ-PR

Isolamento bacteriano e suscetibilidade microbiana em amostras biológicas de cães

PERFIL DE SENSIBILIDADE E RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE Pseudomonas aeruginosa E Escherichia coli ISOLADAS DE PACIENTES EM UTI PEDIÁTRICA

PERFIL DA RESISTÊNCIA/SENSIBILIDADE À ANTIBIÓTICOS EM CEPAS DE Staphylococcus spp. ISOLADAS DE LEITES PROVENIENTES DE VACAS COM MASTITE

INFECÇÃO URINÁRIA EM ADULTO

Bactérias uropatogénicas identificadas de cistites não complicadas de mulheres na comunidade

PREVALÊNCIA DE INFECÇÃO URINÁRIA EM GESTANTES ATENDIDAS NO LABORATÓRIO MUNICIPAL DE ANÁLISES CLÍNICAS DO MUNÍCIPIO BAGÉ-RS

RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS: TESTES DE SENSIBILIDADE

ESTUDO RETROSPECTIVO DE 81 AFECÇÕES POR PROTEUS MIRABILIS E PROTEUS VULGARIS EM ANIMAIS DE PRODUÇÃO (2003 A 2013)

Campus Universitário s/n Caixa Postal 354 CEP Universidade Federal de Pelotas.

SENSIBILIDADE ANTIMICROBIANA DE STAPHYLOCOCCUS AUREUS ISOLADOS EM MASTITES BOVINAS NA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL 1

SUSCETIBILIDADE IN VITRO DE BACTÉRIAS CAUSADORAS DE MASTITE FRENTE A ANTIBIÓTICOS

EFEITO DE ANTIBIÓTICOS SOBRE A BACTÉRIA ESCHERICHIA COLI RESPONSÁVEL PELA CISTITE

Infecções do trato urinário (ITU) de cães e gatos: etiologia e resistência aos antimicrobianos 1

Título: Prevalência e perfil de susceptibilidade a antimicrobianos dos uropatógenos em pacientes atendidos no Instituto Lauro de Souza Lima/Bauru/SP

PERFIL DE RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE Escherichia coli ISOLADA DA CARNE DE FRANGO COMERCIALIZADA EM MERCADOS PÚBLICOS MARANHENSES

Resistência aos antibióticos em Staphylococcus spp. isolados de cães em uma clínica veterinária do Callao, Peru

PREVALÊNCIA BACTERIANA NAS INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO

3/23/17. n_antibiotics_don_t_work_any_more?language=en

Revista Paulista de Pediatria ISSN: Sociedade de Pediatria de São Paulo Brasil

Disciplinarum Scientia. Série: Ciências da Saúde, Santa Maria, v. 18, n. 2, p , Recebido em: Aprovado em:

USO RACIONAL DE ANTIBIÓTICOS EM GERMES MULTIRRESISTENTES

RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA DE BACTÉRIAS ISOLADAS DE AMOSTRAS DE ANIMAIS ATENDIDOS EM HOSPITAL VETERINÁRIO RESUMO

Anais do 38º CBA, p.0882

DETECÇÃO DE BETA-LACTAMASE DE ESPECTRO ESTENDIDO EM Escherichia coli ISOLADA DE Ursus arctos

IMPORTÂNCIA DA CITOLOGIA DIRETA ASSOCIADA À CULTURA MICROBIOLÓGICA EM CASOS DE OTITE EXTERNA CANINA

TÍTULO: PREVALÊNCIA DE MICRORGANISMOS E PERFIL DE SUSCEPTIBILIDADE ANTIMICROBIANA EM UROCULTURAS POSITIVAS DO LABORATÓRIO EVANGÉLICO DE ANÁPOLIS

Nitrofurantoína Prof. Luiz Antônio Ranzeiro Bragança Denis Rangel Monitor de Farmacologia Niterói, RJ 2º semestre de 2016

Aumento da freqüência de resistência à norfloxacina e ciprofloxacina em bactérias isoladas em uroculturas

ANÁLISE MICROBIOLÓGICA EM UNIDADES DE SAÚDE

O problema das resistências aos antimicrobianos em Portugal: causas e soluções

Aula Prática administrada aos alunos do 4º e 5º períodos do curso de graduação em medicina no Ambulatório de Ginecologia do UH-UMI.

31º episódio Podcast Urologia. Infecção Urinária e Tratamentos

Caracterização molecular de Enterococcus spp. resistentes à vancomicina em amostras clínicas, ambientes aquáticos e alimentos

PERFIL DE SENSIBILIDADE E RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA PARA INFECÇÃO DE TRATO URINÁRIO EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS

PREVALÊNCIA DE PARASITOS INTESTINAIS EM GATOS DOMÉSTICOS JOVENS COM DIARREIA PREVALENCE OF INTESTINAL PARASITES IN YOUNG DOMESTIC CATS WITH DIARRHEA

Infecções do trato urinário em pacientes não hospitalizados: etiologia e padrão de resistência aos antimicrobianos

SERVIÇO DE CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS DO INSTITUTO FEDERAL CATARINENSE - CÂMPUS CONCÓRDIA

Prevalência e perfil de susceptibilidade a antimicrobianos de uropatógenos em pacientes atendidos no Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP

Resistência antimicrobiana de bactérias do gênero Listeria spp. isoladas de carne moída bovina

Transcrição:

Volume 2, número 2 Maio/Ago. 2014 ISSN: 2357-7614 Agentes bacterianos isolados de cães e gatos com infecção urinária: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos Michelle Caroline Ferreira 1 ; Danielle Nobre 1 ; Maria Gabriela Xavier de Oliveira2; Mirela Caroline Vilela de Oliveira 2 ; Marcos Paulo Vieira Cunha 2 ; Márcia Cristina Menão 2 ; Deise Carla Aparecida Dellova 3, Terezinha Knöbl 4 * RESUMO O diagnóstico laboratorial das Infecções do Trato Urinário (ITU) é uma ferramenta importante na prática clínica de pequenos animais. Com o aumento de resistência aos antimicrobianos é muito importante dispor de informações necessárias para iniciar um tratamento adequado. O objetivo deste estudo foi determinar os agentes etiológicos mais comumente envolvidos em ITU de cães e gatos, bem como estabelecer os perfis de sensibilidade aos antimicrobianos. Para isso, foi realizado um estudo retrospectivo, utilizando-se um banco de dados eletrônico, reunindo resultados de urocultura de 120 animais (cães e gatos) com suspeita clinica de ITU. Os resultados obtidos demonstraram que 51% das amostras analisadas apresentaram crescimento bacteriano, com predomínio de Escherichia coli na urina dos cães e de Staphlyococcus spp. na urina dos gatos. O perfil de resistência antimicrobiana foi elevado, com resistência acima de 40% para 10 dos 14 antibióticos testados. Palavras-chave: antibiograma, canino, felino, resistência aos antibióticos, urocultura Bacterial agent isolated from dogs and cats with urinary infections: profile of antimicrobial sensibility ABSTRACT- The diagnosis of urinary tract infections (UTI) becomes a very important tool in small animal practice. With the increase of antimicrobial resistance, it is very important to have the information necessary to initiate appropriate treatment. The aim of this study was to determine etiological agents involved in UTI of dogs and cats, and to establish an antibiotic susceptibility profile. In order to achive this aim, we conducted a retrospective study using an electronic database on urine culture from 120 animals (dogs and cats) suspected of UTI. Results showed that 51% of samples had bacterial growth, with Escherichia coli predominance among dogs, and Staphlyococcus spp. among cats. The antimicrobial profile showed high level of drug resistance, above 40% for 10 of the 14 antibiotics tested. Keywords: antibiogram, antibiotic resistance, canine, feline, uroculture. 1 Médica Veterinária Autônoma; 2 Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas; 3 Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP; 4 Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, Avenida Orlando Marques de Paiva, 87, Cidade Universitária, SP/Brasil - tknobl@usp.br - *Autor para correspondência

Ferreira et al INTRODUÇÃO O trato urinário de cães e gatos pode ser infectado por micro-organismos pertencentes à microbiota ou por agentes patogênicos e, dependendo das condições sanitárias do animal e da influência de fatores ambientais, pode ocorrer uma cistite, com comprometimento de áreas adjacentes (Thompson et al. 2011). Dentre os mecanismos de defesa do organismo hospedeiro associados ao trato urinário destacam-se a excreção de urina em jato unidirecional freqüente e completa, as barreiras mucosas e as propriedades antimicrobianas da urina normal concentrada. No entanto, qualquer interferência nesses mecanismos de defesa pode resultar na colonização da vesícula urinária por bactérias patogênicas ou oportunistas (Gieg et al. 2008). A Infecção do Trato Urinário (ITU) deve-se principalmente às infecções ascendentes causadas por bactérias oportunistas presentes em vulva, pele, vestíbulo ou prepúcio. Com freqüência, isso resulta da contaminação fecal desses locais, aumento da população da microbiota normal ou contato com micro-organismos presentes no meio ambiente (Gieg et al. 2008). Pode ocorrer também, com menor frequência, uma disseminação por via hematógena, em que a bactéria contamina o sangue e infecta secundariamente o aparelho urinário (Carvalhal et al. 2006). A cistite bacteriana é a doença infecciosa de bexiga mais comum, e o agente etiológico mais frequente nas ITUs é Escherichia coli (Kogiga et al. 1995; Correia et al. 2007). Quadros de cistites de etiologia fúngica ocasionalmente podem ser observados em animais imunossuprimidos (Gieg et al. 2008). Na suspeita clinica de uma cistite bacteriana é indicada a realização de uma cultura de amostra de urina para bactérias aeróbicas. A urocultura quantitativa, realizada pela quantificação de unidades formadoras de colônias por mililitro de urina (UFC/mL), é o padrão-ouro para diagnóstico de ITU (Machado et al. 1995). O resultado é mais confiável quando a amostra de urina é obtida por cistocentese (Carvalhal et al. 2006; Gieg et al. 2008). Quando obtida por meio de pote coletor, sendo naturalmente excretada, o resultado só deve ser valorizado se negativo, excluindo seguramente a possibilidade de uma ITU (Carvalhal et al. 2006). A coleta de urina por cateterismo uretral pode ser utilizada, no entanto, deve ser realizada com rigorosa assepsia, pois apresenta riscos de introdução de novos agentes no trato urinário, contaminando uma urina potencialmente estéril (Carvalhal et al 2006). Após a realização da cultura e obtenção de um resultado positivo para bactérias é importante selecionar os antimicrobianos adequados para o agente isolado (Gieg et al. 2008). Porém, a maioria dos animais com infecção urinária necessita de tratamento antes da obtenção dos resultados definitivos dos testes de cultura e de sensibilidade aos antimicrobianos. A escolha do antimicrobiano a ser utilizado inicialmente é, portanto, empírica e deve corresponder aos achados clínicos (Carvalhal et al. 2006). Entretanto os testes de sensibilidade tornam-se fundamentais no tratamento de infecções recorrentes, crônicas ou complicadas (Carvalhal et al. 2006; Gieg et al. 2008). Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 29-37, Maio/Ago. 2014 30

Agentes bacterianos isolados de cães e gatos com infecção urinária: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos Ultimamente tem-se observado um aumento progressivo dos níveis de resistência dos agentes bacterianos aos antimicrobianos utilizados habitualmente para o tratamento das ITUs. Este é um problema grave, já que a maioria das ITUs são tratadas empiricamente (Correia et al. 2007). A solicitação de urocultura e antibiograma dos animais com suspeita clinica de ITU permite dispor dos dados necessários para o conhecimento dos diferentes agentes microbianos e dos seus padrões de resistência, necessários para o início do tratamento, evitando o uso prolongado de antibióticos e minimizando a seleção de estirpes bacterianas resistentes (Costa e Principe, 2005). O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo retrospectivo dos resultados de cultura de urina de cães e gatos com suspeita de infecção urinária, destacando o perfil de resistência antimicrobiana dos agentes frequentemente isolados. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo, baseado no banco de dados eletrônico de um laboratório do Município de São Paulo, envolvendo 120 amostras de urina de cães (98 amostras) e gatos (22 amostras) com suspeita clinica de ITU, encaminhadas para realização de urocultura qualitativa e quantitativa nos anos de 2008 e 2009. As amostras de urina forma coletadas por cistocentese e encaminhadas imediatamente para o laboratório. O isolamento bacteriano foi realizado em meio BHI e ágar MacConkey 6, incubados à 37ºC por 48 a 72 horas. Posteriormente, a identificação dos agentes foi baseada em propriedades morfológicas e bioquímicas. O perfil antibiograma foi estabelecido através da técnica de difusão em ágar Muller-Hinton (Bauer-Kirby), seguindo as recomendações do CLSI (Clinical and Laboratory Standards Institute, 2009). Foram testados 14 antibióticos e quimioterápicos: amicacina, ácido nalidíxico, amoxicilina + ácido clavulânico, azitromicina, ceftiofur, cefalexina, ciprofloxacina, clindamicina, difloxacina, enrofloxacina, gentamicina, lincomicina, penicilina G e sulfa + trimetoprim. RESULTADOS Das 120 amostras, 61 (51%) apresentaram crescimento bacteriano, sendo 11 (18%) de felinos e 50 (82%) de caninos. Escherichia coli foi o agente mais frequentemente isolado, representando 37,7% das amostras positivas (Figura 1), seguido por Staphylococcus spp. (19,7%), Proteus mirabilis (16,4%), Streptococcus spp. (11,6%) e Serratia marcescens (6,6%). Outros agentes isolados com menor freqüência foram Klebsiella oxytoca, Hafnia alvei, Pseudomonas aeruginosa, Corynebacterium spp. e Salmonella spp., somando 8% do total de culturas positivas. Nos felinos, o agente mais encontrado com maior freqüência foi o Staphylococcus spp. (36,4%), seguido por E. coli (27,2%), Streptococcus spp. (18,2%), Pseudomonas aeruginosa (9,1%) e Serratia marcescens (9%) (Figura 2). Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p.29-37, Maio/Ago. 2014 31

Ferreira et al A frequência de isolamento foi maior em fêmeas caninas representando 56% das amostras, ao contrário dos felinos onde os machos representam 73% das amostras positivas (Figura 3). Em relação à idade, 39% dos animais tinham mais de 10 anos, 36% tinham entre 5 e 9 anos, e apenas 25% tinham menos de 5 anos de idade (Figura 4). Foi observada uma frequência maior de uroculturas positivas entre os cães com raça definida (86%) se comparado aos cães sem raça definida (14%). As raças mais afetadas foram Cocker Spaniel (12%), Poodle (12%), Yorkshire Terrier (6%) e Labrador Retriever (6%). Entre os casos de ITU em felinos, embora a maioria dos gatos não possuísse uma raça definida, a raça mais acometida foi a Persa (45%). O perfil antibiograma revelou um alto índice de resistência para lincomicina (80%), clindamicina (75%), ácido nalixílico (62%), ciprofloxacina (57%), azitromicina e penicilina G (56%), conforme ilustra a tabela 1. Os melhores resultados de sensibilidade foram obtidos para amicacina (84%), amoxicilina + ácido clavulânico (80%), ceftiofur (74%), gentamicina (72%) e cefalexina (59%). 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Figura 1. Agentes bacterianos isolados da urina de cães com ITU - São Paulo 2008-2009 Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 29-37, Maio/Ago. 2014 32

Agentes bacterianos isolados de cães e gatos com infecção urinária: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos 40 30 20 10 0 Figura 2. Agentes bacterianos isolados da urina de gatos com ITU - São Paulo, 2008-2009 Frequência de isolamento bacteriano entre cães e gatos de acordo com o sexo 100% 50% Machos 0% Canino Felino Fêmeas Figura 3. Freqüência de isolamento bacteriano da urina de cães e gatos com ITU, de acordo com o sexo. São Paulo, 2008 Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p.29-37, Maio/Ago. 2014 33

Ferreira et al Frequência de isolamento bacteriano de acordo com a faixa etária 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% > 10 anos 5 a 9 anos < 5 anos Figura 4. Distribuição por faixa etária dos animais com urocultura positiva. São Paulo, 2008 Tabela 1. Perfil de resistência aos antimicrobianos das bactérias isoladas de cães e gatos com ITU - São Paulo 2008/2009 Antimicrobiano Amostras resistentes Amostras sensíveis Lincomicina 80% 20% Clindamicina 75% 25% Ácido Nalidíxico 62% 38% Ciprofloxacina 57% 43% Azitromicina 56% 44% Penicilina G 56% 44% Sulfa + Trimetoprim 49% 51% Enrofloxacina 43% 57% Difloxacina 43% 57% Cefalexina 41% 59% Gentamicina 28% 72% Ceftiofur 26% 74% Amoxicilina + Ácido Clavulânico 20% 80% Amicacina 16% 84% DISCUSSÃO Os resultados obtidos demonstram que cerca da metade dos cães e gatos atendidos na clínica com suspeita de ITU apresentaram urocultura positiva. A associação entre os sinais de alteração Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 29-37, Maio/Ago. 2014 34

Agentes bacterianos isolados de cães e gatos com infecção urinária: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos do trato urinário e a confirmação do quadro de etiologia infecciosa foi mais freqüente para os cães (82%) se comparada aos gatos (18%). Escherichia coli é o agente com maior capacidade de causar infecções urinárias em função da existência de fatores de virulência bacteriana, que favorecem a colonização do trato urinário, principalmente por cepas pertencentes aos grupos filogenéticos B2 e D (Clermont et al. 2000). O agente bacteriano isolado com maior freqüência nas culturas foi Escherichia coli, como já evidenciado em outros trabalhos (Kogiga et al. 2008; Carvalhal et al. 2006; Pimenta et al. 2007; Gieg et al. 2008), divergindo apenas de um trabalho realizado na região de Londrina PR, em que os autores revelaram elevada freqüência de culturas positivas para Staphylococcus spp. (Ishii et al. 2011). O perfil observado em Londrina provavelmente foi influenciado por uma maior participação de amostras de urina de felinos (47%). No presente estudo, a análise das amostras isoladas da urina de felinos também evidenciou um predomínio de Staphylococcus spp. (36,4%), seguido por Escherichia coli (27,2%). Em relação ao sexo, observou-se uma prevalência mais elevada entre as fêmeas da espécie canina e os machos felinos, discordando da literatura que aponta as fêmeas de ambas as espécies como mais susceptíveis (Gieg et al. 2008). Pimenta et al. (2007) relataram uma maior predisposição das fêmeas caninas e felinas, com exceção da raça Schnauzer que apresentou maior freqüência entre os machos afetados. Os autores observaram também que 60% dos animais com ITU tinham mais de 10 anos, sugerindo que a idade seja um importante fator predisponente para as infecções do trato urinário. O presente estudo demonstrou que apesar da maioria dos afetados (39%) serem animais com mais de 10 anos, há uma quantidade significativa de animais na faixa etária entre 5 a 9 anos (36%), dado fundamentado também por outros autores (Kogika et al, 1995; Thompson et al. 2011). As raças mais atingidas neste estudo foram Cocker Spaniel e Poodle, apresentando a mesma porcentagem (12%), seguidos pelo Yorkshire e Labrador (6%), desconsiderando os animais Sem Raça Definida (SRD) que apresentaram um total de 14% das amostras positivas. Segundo as observações de Pimenta et al. (2007), a raça mais afetada por ITU foi o Schnauzer, enquanto outros autores destacaram o Cocker Spaniel e o Pastor Alemão (Kogika et al. 1995). Estas variações podem ser causadas por diferenças anatômicas ou fisiológicas entre os animais de raças distintas, mas também pode ser um vício de amostragem, uma vez que o número de animais de cada espécie não era o mesmo em nenhum dos três estudos. Esta questão deve ser investigada futuramente com maior detalhamento metodológico. Com relação à sensibilidade aos antimicrobianos, demonstrou-se que alguns dos antibióticos amplamente recomendados no tratamento empírico de ITU, como a sulfa + trimetoprim e a enrofloxacina, apresentaram altas taxas de resistência bacteriana, resultado este de extrema importância. Este fato, citado também por outro estudo (Ishii et al. 2011), representa uma preocupação para os clínicos, pois antimicrobianos potentes e que passaram a ser empregados recentemente para a terapêutica de pequenos animais, como a enrofloxacina e a azitromicina, apresentaram índices de resistência superiores a 50%. Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p.29-37, Maio/Ago. 2014 35

Ferreira et al Os melhores resultados de sensibilidade foram obtidos para amicacina, amoxicilina + ácido clavulânico, ceftiofur, gentamicina e cefalexina, o que está de acordo com outros autores que citam: norfloxacina, cefalotina, nitrofurantoina (Kogika et al 1995), gentamicina (Kogika et al 1995; Ishii et al. 2011) e amicacina (Ishii et al. 2011). Cumpre destacar ainda que alguns fármacos com elevada sensibilidade são contra-indicados para os casos de ITU por serem nefrotóxicos, como é o caso da gentamicina e da amicacina (Gieg et al. 2008). Vale ressaltar que estudos epidemiológicos realizados em outros países alertam para o aumento progressivo de resistência a fluorquinolonas, principalmente nas infecções causadas por estirpes de Escherichia coli uropatogênicas (Cooke et al. 2002; Cohn et al. 2003; Ball et al. 2008). Este fato, ligado à elavada prevalência de linhagens clonais resistentes às fluorquinolonas em pacientes humanos e caninos residentes na Austrália, torna-se um alerta ainda maior quando se demonstra a possibilidade de transmissão zoonótica do agente. Esta hipótese foi reforçada recentemente após o isolamento da cepa multiresistente de E. coli O25b:H4-ST13 em cães (Platell et al. 2010). CONCLUSÃO A análise dos dados permite concluir que a Escherichia coli é o agente mais freqüentemente envolvido nos casos de ITU em cães, fêmeas, com mais de 5 anos; e o Staphylococcus spp. é o agente causal de ITU mais comum nos felinos, machos, com mais de 10 anos. Os índices de resistência medicamentosa determinados neste estudo foram elevados, ressaltando a importância do antibiograma para que se estabeleça um tratamento adequado, sobretudo nos animais com ITU recidivante. A escolha do antibiótico mais apropriado limita os custos e os efeitos adversos de terapias prolongadas e ineficazes, além de colaborar para a redução dos índices de resistência aos antimicrobianos. REFERÊNCIAS Ball KR, Rubin JE, Chirino-Trejo M, Dowling PM. Antimicrobial resistance and prevalence of anine uropathogens at the Western College of Veterinary Medicine Veterinary Teaching Hospital, 2002-2007. Can Vet J. 2008;49(10):985-90. Carvalhal GF, Rocha LCA, Monti PR. Urocultura e exame comum de urina: considerações sobre sua coleta e interpretação. Rev AMRIGS 2006;50(1):59-62. Clermont O, Bonacorsi S, Bingen E. Rapid and simple determination of the Escherichia coli phylogenetic group. App Environ Microbiol. 2000;66 (1)4555-58. Clinical and Laboratory Standards Institute. Performance standards for antimicrobial disk and dilution susceptibility tests for bacterial isolated from animals. Approved Standard 3 th edition. CLSI document M31-A3, 2009. Cohn LA, Gary AT, Fales WH, Madsen RW. Trends in fluorquinolone resistance of bacterial isolated from canine urinary tracts. J Vet Diagn Invest. 2003;15(4):338-43. Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 29-37, Maio/Ago. 2014 36

Agentes bacterianos isolados de cães e gatos com infecção urinária: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos Cooke CL, Singer RS, Jang SS, Hirsh DC. Enrofloxacin resistance in Escherichia coli isolated from dogs with urinary tract infections. J Am Vet Med Assoc. 2012;220(8):1139. Correia C, Costa E, Peres A. Etiologia das infecções do tracto urinário e sua susceptibilidade aos antimicrobianos. Acta Med Port. 2007;20(1):543-49. Costa L, Príncipe P. Infecção do tracto urinário. Rev Port Clin Geral 2005;21(1): 219-25. Gieg J, Chew DJ, Mcloughlin MA. Doenças da bexiga. In: Birchard SJ, Sherding RG. Manual Saunders Clinica de Pequenos Animais. 3ª Ed. São Paulo: Roca; 2008. p.925 27. Ishii JB, Freitas JC, Arias MVB. Resistência de bactérias isoladas de cães e gatos no Hospital Veterinário da Universidade Estadual de Londrina (2008-2009). Pesq Vet Bras. 2011;31(6):533-37. Kogika MM, Fortunato VAB, Mamizuka EM, Hagiwara MK, Pavan M de FB, Grosso SN. A. Etiologic study of urinary tract infection in dogs. Braz J Vet Res Anim Sci. 1995;32(1):31-6. Machado BM, Pahl MMC, Betta SL. Análise dos Métodos Diagnósticos para Infecção Urinária. Rev Ens Ped. 1995;17(1):42-6. Pimenta HJS, Balda AC, Yamato RJ, Clemente JT, Knöbl T. Escherichia coli como agente de infecção urinária em cães e gatos: perfil de sensibilidade aos antimicrobianos. In: Anais do XXIV Congresso Brasileiro de Microbiologia, 2007; Brasília, BR. São Paulo: Sociedade Brasileira de Microbiologia; 2007. Plantell JL, Cobbold RN, Johnson JR, Trott DJ. Clonal group distribution of fluorquinolone resistant Escherichia coli among humans and companion animals in Australia. J Antimicrob Chemother. 2010;65(1):1936 38. Asa, São Paulo, v. 2, n. 2, p.29-37, Maio/Ago. 2014 37