CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO

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Transcrição:

CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO DISTORÇÕES NO ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER JUDICIÁRIO: Elementos para um controle mais efetivo do gasto público no Brasil MARIANA RUSCHEL WIERZCHOWSKI Porto Alegre RS Abril, 2013

MARIANA RUSCHEL WIERZCHOWSKI DISTORÇÕES NO ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER JUDICIÁRIO: Elementos para um controle mais efetivo do gasto público no Brasil Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Ana Paula Oliveira Ávila. Porto Alegre RS Abril, 2013

MARIANA RUSCHEL WIERZCHOWSKI DISTORÇÕES NO ORÇAMENTO PÚBLICO E PODER JUDICIÁRIO: Elementos para um controle mais efetivo do gasto público no Brasil Data de aprovação: / / Banca examinadora: Professora Doutora Ana Paula Oliveira Ávila (orientadora) Centro Universitário Ritter dos Reis Professor Doutor José Guilherme Giacomuzzi Examinador Centro Universitário Ritter dos Reis Professor Doutor Clèmerson Merlin Clève Examinador Universidade Federal do Paraná

À minha mãe (Márcia), à minha avó (Sonia) e ao meu irmão (Jan), que, por muito amarem-me, tanto de mim orgulham-se, muito mais do que mereço. Sinto-me abençoada por ter a família que tenho. Ao meu pai, Ricardo, (in memorian), em quem não deixo de pensar um dia sequer. Sua partida ainda dói e me faz refletir. Queria ter tido mais tempo e maturidade para expressar todo meu amor e admiração, mas acredito que ele ainda pode senti-los, onde quer que esteja. Ao meu grande amor, Paulo, que faz de mim uma mulher plenamente feliz e privilegiada por tê-lo ao meu lado.

AGRADECIMENTOS Tratando-se de um trabalho acadêmico, agradecer ao Professor orientador é uma conduta de praxe, moralmente obrigatória, que ocorre em quaisquer hipóteses, independentemente do nível de assistência prestada. O reconhecimento que farei aqui, no entanto, nada deve ao senso comum. A Professora Ana Paula Oliveira Ávila merece minha mais sincera gratidão. Ela sabe disso. E aqueles que me acompanharam nessa jornada também o sabem, pois a ventura de tê-la como preceptora sempre foi por mim exaltada. Um bom começo é confessar que a ela devo a própria escolha do tema. Ela foi a verdadeira mentora intelectual desta dissertação, o que sugere a dimensão de sua dedicação. Em fevereiro de 2011 marcamos nosso primeiro encontro para discutir as primeiras páginas por mim escritas. Lembro que fiquei admirada com o detalhamento de sua análise e a qualidade de suas observações. A primeira boa impressão se confirmou a cada novo contato, e foram muitos. Durante dois anos, a Professora Ana Paula cedeu-me muitas horas de seu precioso tempo, engrandeceu-me com suas valiosas lições, abriu-me as portas de sua própria casa e brindoume com sua agradável companhia, da qual me lisonjearia continuar desfrutando de aqui em diante. Certa feita a chamei de mãe acadêmica, nada mais carinhosamente apropriado. Também não poderia deixar de agradecer aos Professores integrantes da minha banca de qualificação, Paulo Gilberto Cogo Leivas e Rodrigo Valin de Oliveira, cujas críticas muito contribuíram para o aprimoramento deste trabalho. Sou, igualmente, muito grata à minha mãe amada, Márcia, que se dedicou a revisar o texto finalizado, ao meu querido amigo, Marcelo, que me auxiliou (pacientemente) a formatá-lo e à minha estagiária Cecília, que, por mim, incontáveis vezes foi à biblioteca coletar material, presenteando-me não apenas com sua dedicação profissional, mas, sobretudo, com sua amizade. Por fim, muito tenho a agradecer ao meu marido, Paulo, de quem partiu o próprio incentivo para o ingresso no curso de mestrado e todo suporte para seguir em frente. Ele relevou meu mau-humor, procurou despir-me de inseguranças e, mesmo com a agenda atribulada, sacrificou, muitas vezes, horas de sono e momentos de lazer para ajudar-me nessa jornada. Envaidece-me ter em casa um homem de profundo saber jurídico, que pensa bem o Direito, como poucos. Paulinho é minha maior conquista.

RESUMO O presente estudo tem por objetivo apontar as falhas estruturais do processo de elaboração do orçamento público no Brasil e defender uma forma mais eficiente e adequada de atuação do Judiciário no campo das políticas públicas. Parte-se de uma enunciação histórica para demonstrar que a cena política nacional é caracterizada pela preponderância do Poder Executivo no âmbito decisório da gestão pública federal. Evidencia-se o desprestígio do Poder Legislativo como um traço marcante do processo de orçamentação que falseia o caráter discursivo que a Constituição procurou imprimir à matéria. Aborda-se a relação entre a margem de discricionariedade conferida aos agentes políticos e o ideal de eficiência estatal, argumentando que a liberdade de conformação do legislador e de atuação do administrador para a eleição de políticas públicas e dotações orçamentárias deve obediência às prioridades traçadas pela Constituição. Analisa-se criticamente o procedimento de elaboração e o conteúdo material das leis orçamentárias, apontando as consequências danosas que os desvios verificados causam à implementação de direitos fundamentais. São relatadas as falhas dos controles social, interno e externo para justificar a intervenção corretiva do Judiciário na seara das escolhas orçamentárias. Fala-se do agigantamento de demandas judiciais em busca de prestações positivas por parte do Estado e a desestruturação que esse tipo de provimento jurisdicional pode causar ao planejamento estratégico do governo. Conclui-se que a forma de controle judicial mais eficiente e condizente com a separação de poderes, com o princípio democrático e com o direito à igualdade é realizada por meio do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias. Palavras-chave: Orçamento Público. Preponderância do Executivo. Controle Judicial.

ABSTRACT This study aims to outline the structural failures in the government budget-making and financial planning processes in Brazil. It also aims to defend a more efficient and adequate performance of the Judiciary in correcting public policy designs. It starts with a historical overview to show that the national political scenario is characterized by the preponderance of the Executive Power in the federal government decision-making process. The discredit on the Parlament is a striking feature in the budget-making process and it distorts the discipline that the Constitution aimed to give to the matter. It confronts the relation between discretion given to the political agents and the ideal of state efficiency. It argues that the discretion given to legislators and administrators to vote and execute public policies and budget allocations is limited to the priorities set by the Constitution. It makes a critical analysis of the making process and of the content of budget laws. It points the harmful consequences that the deviation discovered causes to the implementation of fundamental rights. Failures in internal and external (social) control are presented to justify the corrective intervention of the Judiciary in budgetary choices. It discusses the increase in individual suits seeking judicial provisions against the State and the consequent impact that such provisions may cause to strategic govern planning. It concludes that the most efficient mean of judicial control in agreement with the separation of powers is made through the constitutionality control of budget laws. Key-words: Public Budget. Preponderance of the Executive. Judicial Review.

LISTA DE ABREVIATURAS ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento CF Constituição Federal CGU Controladoria Geral da União COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos DRU Desvinculação de Receitas da União FEF Fundo de Estabilização Fiscal FSE Fundo Social de Emergência IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IRPJ Imposto de Renda das Pessoas Jurídica IVA-F Imposto sobre o Valor Adicionado Federal LC Lei Complementar LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA Lei Orçamentária Anual MDE Manutenção e Desenvolvimento do Ensino MP Medida Provisória OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico PAC Programa de Aceleração do Crescimento PBSM Programa Brasil sem Miséria PEC Proposta de Emenda Constitucional PIB Produto Interno Bruto PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios PPA Plano Plurianual PROUNI Programa Universidade para Todos TCU Tribunal de Contas da União

INTRODUÇÃO... 11 1. A EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A RELAÇÃO ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO CURSO DA HISTÓRIA... 13 1.1 O Estado Liberal... 13 1.2 O Estado Social: a relevância do Poder Executivo... 17 1.2.1 A histórica tendência de prevalência do Poder Executivo no Brasil... 19 1.2.2 O problema na atualidade... 28 2. GESTÃO PÚBLICA. DISCRICIONARIEDADE À LUZ DAS BALIZAS CONSTITUCIONAIS... 36 2.1 A Reforma Gerencial da Administração Pública (EC 98): grandes poderes e grandes responsabilidades.... 36 2.2 Por uma releitura da discricionariedade administrativa... 41 2.3 Os direitos fundamentais como parâmetro de atuação dos Poderes Constituídos... 47 3. ORÇAMENTO PÚBLICO: REFLEXO DOS VALORES DA SOCIEDADE... 50 3.1 Relevância do tema: papel do orçamento público na implementação de direitos... 50 3.2 Aspectos gerais sobre o Orçamento Público... 53 3.3 Preponderância do Executivo sobre o Legislativo em matéria orçamentária... 59 3.4 (In) Devido Processo Orçamentário... 63 3.5 Princípios orçamentários... 76 3.5.1 Princípios orçamentários consagrados no ordenamento jurídico brasileiro... 77 3.5.2 Princípios Orçamentários por Gustavo H. B. Franco... 90 3.6 Créditos Orçamentários Adicionais... 92 3.7 Limitações na elaboração do orçamento... 97 3.8 Progressiva vinculação de recursos para efetivação dos direitos fundamentais: o movimento das Emendas Constitucionais ressalvando o princípio da não-afetação... 97 3.9 Desvinculação de Receitas da União... 101 4. DA ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE DAS ESCOLHAS ORÇAMENTÁRIAS... 109

4.1 Inserção do objeto investigado... 109 4.2 Priorização do Superavit Primário... 110 4.3 (In) Verdades sobre os Direitos Sociais... 115 4.4 Análise qualitativa dos investimentos em educação e saúde... 119 4.5 Educação... 120 4.6 Saúde... 121 4.7 Análise crítica dos gastos com educação e saúde... 123 4.8 Breves Considerações sobre as Deficiências das Vinculações na Fase de Execução Orçamentária... 124 5. DO CONTROLE DOS ATOS DE GESTÃO ORÇAMENTÁRIA: DEFICIÊNCIA DAS FORMAS TÍPICAS DE CONTROLE... 126 5.1 Controle social... 126 5.2 Controle interno... 131 5.3 Controle externo: Tribunal de Contas da União... 134 5.4 Constatações, Problemas da Judicialização de Políticas Públicas e Hipóteses de Solução... 139 6. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS ORÇAMENTÁRIAS 149 6.1 As leis orçamentárias e o controle de constitucionalidade... 149 6.2 Estágio atual da jurisprudência e expectativas de controle... 152 6.3 Parâmetros de controle:... 153 6.4 Empecilho jurisprudencial a ser superado... 155 7. OUTROS PROBLEMAS... 158 7.1 Falta de regulamentação do art. 165, 9º da Constituição... 159 7.2 Inconstitucionalidade das desvinculações de receita da União... 159 7.3 Insubordinação da Lei Orçamentária Anual à Lei de Diretrizes Orçamentárias e destas ao Plano Plurianual... 161 CONCLUSÃO... 165 REFERÊNCIAS... 172

11 INTRODUÇÃO Vinte cinco anos se passaram desde a promulgação da Carta de 1988 e, até hoje, muitos dos direitos nela assegurados ainda não foram satisfatoriamente implementados pelo Estado. A justificativa oficial para essa realidade é a escassez de recursos públicos. É claro que o custo dos direitos é um limitador de sua implementação, mas reduzir o problema à insuficiência de verbas é um argumento bastante simplório que merece ser investigado. Os brasileiros sabem que estão sujeitos a uma carga tributária equiparada à de países de primeiro mundo e são retribuídos com serviços públicos de qualidade equiparada aos prestados em países subdesenvolvidos. Mas apesar de toda inquietude que esse fato possa causar, a verdade é que, ao invés de se indagar o que é feito dos recursos arrecadados pelo Estado, os cidadãos mais se preocupam em imprimir seus esforços para driblar, da melhor forma possível, a carga aviltante de tributos que os assola. Cansados de esperar que os agentes democraticamente eleitos cumpram com o dever constitucional de elaborar políticas públicas em prol de direitos fundamentais - cuja aplicabilidade deveria ser imediata, consoante redação expressa do art. 5º, 1º, da CF -, cidadãos depositam no Poder Judiciário as últimas esperanças de verem implementada a tão sonhada justiça social, anunciada no preâmbulo da Carta, como um objetivo a ser perseguido pelo então auto-denominado Estado Democrático de Direito. Com efeito, o Poder Judiciário vem sendo provocado a assumir uma postura cada vez mais ativa em prol da concretização de direitos fundamentais. A multiplicação de ações no intuito de obter prestações positivas por parte do Estado fez da judicialização de políticas públicas uma realidade no cenário nacional. Mas, ainda que essa conduta interventiva do Judiciário tenha o mérito de não deixar desamparado o cidadão que lhe procura como ultima ratio, ela não é imune a críticas. Em nome de alcançar aos jurisdicionados direitos constitucionalmente assegurados, o Judiciário acaba por infringir tantas outras normas constitucionais, notadamente as que dizem sobre a separação de poderes, o princípio democrático e o direito a um tratamento igualitário, além, é claro, de desestruturar o planejamento orçamentário do governo e desestimular o exercício ativo da cidadania, que pressupõe a reflexão sobre correlação entre o voto e a qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado. Baseado nessa conjuntura, o estudo tem por objetivo demonstrar de que forma o Judiciário pode contribuir mais eficiente e adequadamente para a consecução dos objetivos da

12 Constituição. Para tanto, faz-se uma análise crítica sobre a atuação dos Poderes precipuamente responsáveis pela condução política do Estado com vista a comprovar que a impotência governamental na concretização de direitos é protagonizada pela má gestão dos recursos públicos, e não pela falta deles, como tem sido propalado. O foco principal da investigação é o orçamento público, por ser este a expressão das decisões governamentais sobre a destinação de recursos públicos e eleição de prioridades, embora tenha sido necessário abordar diversos temas correlatos em razão do fundo político do objeto proposto. O diagnóstico dos problemas será precedido de uma análise histórica sobre as funções dos Poderes constituídos - com destaque para a prevalência do Poder Executivo - e contextualizado por uma narrativa teórico-empírica sobre o modus operandi do processo orçamentário pátrio. O destino dessa jornada está em perscrutar em que medida o Judiciário pode/deve contribuir para a neutralização do jogo político desenrolado entre o Legislativo e o Executivo e exigir a adequação da atividade orçamentária aos procedimentos e prioridades preconizadas pela Constituição Federal, sempre, por evidente, respeitando a liberdade de conformação do legislador e a margem de ação do administrador na tarefa a eles designada de implementação de políticas públicas. Em vista do explanado, o trabalho insere-se na linha de pesquisa Direitos Humanos e Instituições, por ter como pano de fundo a relação entre os direitos fundamentais, o constitucionalismo e o princípio da separação dos poderes, e também porque a análise aqui empreendida é permeada pela necessidade de encontrar meios que proporcionem maior efetividade aos direitos fundamentais sem desprezar o arranjo constitucional dos Poderes da República.

13 PARTE I ELEMENTOS PARA A COMPREENSÃO DO PROBLEMA DAS DISTORÇÕES NO ORÇAMENTO PÚBLICO 1. A EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A RELAÇÃO ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO NO CURSO DA HISTÓRIA 1.1 O Estado Liberal Não há Estado sem poder. O poder é uno em si e sua unicidade é que mantém hígida a ordem jurídica. São afirmações fora de contenda. O exercício desse poder é que pode ser estruturado de forma a concentrar-se num só órgão ou dividir-se entre diferentes órgãos do Estado. 1 A primeira conformação histórica do exercício do poder foi centralizadora, a exemplo da monarquia absoluta. A experiência demonstrou o quão prejudicial é essa concentração à liberdade dos indivíduos, e hoje a doutrina política embebe-se de teses sobre a limitação do poder estatal. Conforme ensina Ferreira Filho, há três técnicas para abalizar o poder do Estado. A primeira é a demarcação territorial do seu exercício. A segunda funda-se no reconhecimento de uma esfera de liberdade em favor dos indivíduos. A terceira consiste na divisão do poder entre as funções legislativa, executiva e jurisdicional, consagrada pela doutrina da separação dos poderes que hodiernamente orienta a organização governamental das democracias ocidentais. 2 É sobre as duas últimas que trataremos. Como bem salienta o jurista, a divisão funcional de poderes não foi invenção genial de um homem inspirado, mas sim o resultado empírico de um processo evolutivo político-constitucional, o que lhe empresta caráter mutante e explica a alternância de prevalência entre as funções estatais no curso da história. 3 1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 131. 2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 132. 3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 133.

14 Durante o período da história em que floresceu o Estado Liberal de Direito, orientado pelo princípio da legalidade, o Poder Legislativo experimentou significativa supremacia sobre a Administração e os juízes, os quais ficaram impedidos de invocar qualquer direito ou razão pública que se chocasse com a lei. 4 Porém, no início do século XIX, a expansão do Estado Social de Direito alterou a situação em prol do Poder Executivo. Analisemos brevemente a conjuntura histórica, em âmbito mundial, que serviu de palco para a alternância de preeminência entre os Poderes do Estado, para que possamos, no momento seguinte, contrastar essa tendência geral com a realidade brasileira. A inauguração do Estado Moderno, sucessor do modelo feudal, foi marcada pela concentração de poderes nas mãos dos monarcas, que, acreditava-se, eram representantes de Deus na Terra. A crença no caráter divino do poder monárquico franqueava à realeza uma soberania perpétua, originária e irresponsável em face de qualquer outro poder terreno, fomentando a personificação do Estado consagrada pela célebre frase do Rei Luis XIV: L Etat c est moi. 5-6. Nenhum dos elementos do Estado de Direito estavam presentes nesse período absolutista, pois nele não eram reconhecidos direitos fundamentais do homem, e a atuação do Príncipe não encontrava limites essencialmente jurídicos, mas sim de ordem éticoreligiosos ou sociais. 7 No final do século XVIII, uma nova fase do Estado Moderno começa a ser desenhada na Europa, oriunda das aspirações políticas da classe burguesa, que já não mais se contentava apenas com a detenção de poder econômico da época. 8 No intuito de conter os abusos praticados durante o Absolutismo, o pensamento liberal burguês introduziu o princípio da legalidade como estratégia para limitar o âmbito de intervenção do Estado na esfera de autonomia individual dos cidadãos. As revoluções liberais visavam à racionalização da atuação estatal mediante a limitação da Administração por regras gerais e abstratas e o reconhecimento de uma esfera de autonomia dos cidadãos, que, até esse 4 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 23. 5 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2006, p. 45. 6 Jorge Reis Novais ressalta que, em verdade, o Estado Absoluto foi dividido em dois períodos. No primeiro, o Estado é considerado um bem patrimonial do Príncipe e no segundo, denominado Estado de polícia, o príncipe assume a tarefa de prover a felicidade e o bem dos súditos, período em que o fundamento divino é substituído por um fundamento racional. (NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra, Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 27). 7 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra, Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 25 e 29. 8 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2006, p. 51.

15 momento, figuravam como meros súditos passivos em respeito a um poder alheio e transcendente, sendo correto assinalar que o Estado racionalizado idealizado pelos valores burgueses era, pois, um Estado fundado e limitado pelo Direito. 9-10 A intromissão na liberdade individual passou a depender de uma lei aprovada com a cooperação da representação popular, fato que levou o poder político a concentrar-se nas mãos dos parlamentares - a quem competia, com exclusividade, a criação do direito 11 - e fundar-se numa estrutura normativa a partir de uma Constituição no sentido moderno do termo como expressão jurídica do acordo político fundante do Estado. 12 Surgia o que a doutrina convencionou chamar de direitos fundamentais de primeira dimensão ou direitos da liberdade contra o Estado, vocacionados a impedir ingerências na vida privada dos cidadãos. Tais direitos receberam a alcunha de direitos negativos porque, em tese, serviam de garantia de abstenção estatal, como o fazem, por excelência, o direito à vida, à liberdade, à igualdade formal perante a lei e à propriedade privada, que, aliás, era tida por sagrada no regime capitalista burguês. 13 Cumpre asseverar que os direitos fundamentais não eram um mero elemento, mas o verdadeiro fim da limitação jurídica do Estado. 14 Nesse contexto, explica Novais, a limitação pelo Direito confundia-se com o império da lei emitida pelo parlamento e acabava por conferir soberania ao Poder Legislativo. 15 Em tempos onde só em nome da lei podia impor-se obediência 16, o Executivo e o Judiciário assumiram posições óbvias de subordinação. 17 Ao primeiro 9 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra, Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 33 e 35. 10 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Direito Administrativo. Trad. Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 368. 11 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 23 e 25. 12 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2006, p. 51. 13 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 260. 14 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra, Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 71. 15 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito do Estado liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra, Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1987, p. 36. 16 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Direito Administrativo. Trad. Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 368. 17 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 25.

16 competia executar as leis nos seus exatos limites, ao segundo aplicá-las sem qualquer margem de interpretação, numa tarefa puramente intelectual. 18 O Executivo era um gládio a serviço da lei cujas tarefas limitavam-se à defesa externa do Estado e à manutenção de ordem interna por meio de tarefas burocráticas sub lege de gestão das relações exteriores, da administração de serviços públicos essenciais, do comando das Forças Armadas e do aparato policial 19, de proteção das liberdades individuais recém-conquistadas e de garantia do exercício da liberdade econômica numa esfera capitalista de mercado, o que fazia do liberalismo clássico uma autêntica teoria antiestado. 20 Em que pese a experiência liberal tenha sido de suma importância para o processo de crescimento econômico, de valorização do indivíduo e de imposição de limites legais ao poder estatal 21, percebeu-se que tais avanços de nada serviriam sem a igualização de oportunidades aos beneficiários, sem que esses tivessem condições mínimas de vida e de expansão da personalidade. 22 A Relação jurídica de igualdade formal entre capitalistas e assalariados, explica Habermas, se transformou numa relação fática de subordinação, comprovando que a desvinculação da esfera pública da privada fracassou. 23 Essas falhas foram agravadas pela Revolução Industrial e em seguida pela Primeira Grande Guerra, e a situação de carência em que mergulhou a sociedade exigiu do Estado a adoção de novos valores a serem perseguidos, com um profundo significado para a reestruturação do seu papel. A conjuntura formada pela concentração de poderes na esfera privada e a promessa de igualdade institucionalizada na esfera pública deu ensejo a que os mais fracos do ponto de vista econômico se insurgissem politicamente contra aqueles favorecidos pelo sistema de mercado. O Estado passou a intervir no campo individual a partir do final do século XIX, demonstrando que as grandes massas conseguem traduzir os antagonismos econômicos em conflitos políticos. 24 Ocorre, assim, a transição do Estado Liberal para o Estado Social, a seguir descrita. 18 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 25. 19 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 219. 20 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2006, p. 61. 21 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2006, p. 69. 22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 101. 23 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Trad. Flávio Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 177 e 174. 24 HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Trad. Flávio Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 173-174.

17 1.2 O Estado Social: a relevância do Poder Executivo O abstencionismo ou neutralismo do Estado Liberal fez eclodir no decorrer do século XIX inúmeros movimentos sociais buscando reparar as injustiças causadas pelo individualismo clássico liberal. O Estado de Direito deixaria de ser formal e individualista para tornar-se num Estado material de Direito versado a promover justiça social pela afirmação de direitos sociais. 25 Consoante pontua Clèmerson Merlin Clève, diversos acontecimentos históricos contribuíram para o surgimento do Estado Social. Na seara econômica, o processo foi impulsionado pela necessidade de corrigir as distorções causadas pelo capitalismo. Com o propósito de aquilatar os extremos entre o acúmulo de riqueza e a marginalização da classe proletária, o Estado passou a intervir na economia para limitar a autonomia de vontade dos negócios privados sobretudo no campo do Direito Trabalhista-, fiscalizar o exercício da livre concorrência e atuar diretamente no processo econômico por meio de empresas estatais. Houve também um viés ideológico na transição, o qual foi capitaneado pelas teorias socialistas, com destaque para o marxismo, e pela própria Igreja, que repreendia o liberalismo por não ter propiciado condições sociais para uma vida humana digna. Pelo prisma político, por fim, o sufrágio universal igualmente contribuiu para o advento do Estado Social ao conciliar as ideias de liberalismo e democracia. Enfim, todos esses fatores, encerra o autor, somados a outros mais, concluíram por forçar o nascimento de um novo tipo de Estado. 26 No que tange mais intimamente a nossa linha de estudo, ressalta-se que foi nesse contexto de enrijecimento da crise econômico-social que os movimentos reivindicatórios passaram a exigir do Estado uma postura ativa no sentido de promover a igualdade material dos cidadãos, dando azo ao surgimento dos chamados direitos econômicos, sociais e culturais, cuja função é garantir aos indivíduos prestações positivas de cunho assistencial por parte do Estado, como o são, e.g., os direitos à saúde e à educação. 27 Segundo Bonavides, a ânsia de institucionalizar tais direitos levou à queda do grau de juridicidade das Constituições da época, que passaram a caracterizar-se pela normatividade mínima e programaticidade máxima. Ao contrário do Estado Liberal que apenas declarava direitos invioláveis dos indivíduos sem muito apreço à ciência jurídica, o 25 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 115. 26 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 34-37. 27 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 261.