SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS DA UNAERP CAMPUS DO GUARUJÁ. Feridas e cicatrizes na paisagem de São Luiz do Paraitinga.

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Transcrição:

SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS INTEGRADAS DA UNAERP CAMPUS DO GUARUJÁ Feridas e cicatrizes na paisagem de São Luiz do Paraitinga. José Xaides de Sampaio Alves Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho josexaides@faac.unesp.br Manuel Joaquim Duarte da Silva. Professor do Curso de Engenharia Civil UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho manuel@feg.unesp.br Antônio Carlos de Oliveira Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho acalusus@faac.unesp.br Este simpósio tem o apoio da Fundação Fernando Eduardo Lee Resumo: Este artigo revelará alguns dos impactos ambientais deixados pela grande enchente de 2010 na paisagem urbana da cidade histórica de São Luiz do Paraitinga SP. Impactos estes, que foram parcialmente mitigados com as obras emergenciais de engenharia de contenção de encostas, proteção de trechos das margens do rio Paraitinga, recuperação dos acessos de entradas da cidade e as obras sociais de construções de 151 moradias populares para as pessoas que foram desabrigadas. Estas obras, contudo, deixaram grandes feridas e cicatrizes visuais na paisagem urbana. Feridas e cicatrizes aquelas que em parte poderão ser mitigadas com obras paisagísticas e urbanísticas, mas em parte permanecerão como memoriais físicos da tragédia ocorrida. Na perspectiva de soluções mais definitivas e preventivas a uma outra tragédia semelhante à de 2010, há o risco de execuções de obras que afetem ainda mais a integridade daquela paisagem do ponto de vista paisagístico, ambiental e social. Este parece ser o caso das obras de proteção das enchentes normais, cuja proposta do Estado de murar a cidade vem causando polêmica; Será necessário realizar ainda, obras maiores e mais impactantes à paisagem, para proteger a cidade definitivamente contra as recorrências de enchentes acima de trezentos anos. Palavras-chave: Impactos, Meio-ambiente, Paisagem. Seção 5 Arquitetura e urbanismo Apresentação: oral 1. Introdução Este artigo analisa o que se denominou de Feridas e Cicatrizes na Paisagem Urbana de São Luiz do Paraitinga SP, resultado dos impactos ambientais da tragédia das enchentes de 2010 e das obras necessárias para suas mitigações. Esta enchente foi considerada por especialistas como o Geógrafo luizense Aziz Nacib Ab Saber e o Engenheiro Civil, especializado em 1

hidrologia, Prof. Kokei Uehara, também pelos técnicos do Departamento de Água, Energia e Esgotos DAEE do Estado de São Paulo, como tendo estatisticamente período de recorrência acima de trezentos anos. Para o professor Aziz Ab Saber, no artigo de livro a ser publicado pela Editora da UNESP (AB SABER, 2011); a enchente de 2010 foi a maior da história após o assentamento do sítio histórico colonial. Para ele ela teve dimensões menores que muitas outras enchentes ocorridas na história milenar da formação regional, desde o levantamento geográfico da Serra da Mantiqueira e a conseqüente separação do rio Paraíba do rio Tietê e, portanto, da própria formação do vale do rio Paraitinga. Estes vales eram meandrados, o que só se explica pelas condições periódicas de grandes cheias que atingiam extensas áreas laterais com os alagamentos dos rios. O sitio histórico da cidade encontra-se num dos lóbulos de meandros do rio Paraitinga e foi selecionado pelos antigos colonizadores, tropeiros e fundadores de sesmarias e fazendas, em condições estratégicas e logísticas exemplares, para assentamento do antigo povoado, dentro do percurso entre Ubatuba no litoral e a cidade de Taubaté, após vencer a subida da serra do Mar. Talvez o local já tivesse sido escolhido pelos índios para suas habitações sazonais e acabou por servir definitivamente ao assentamento de todo Centro Histórico. Das conclusões que se tira a cerca dos estudos dos especialistas, ficam a certeza científica de que outras grandes enchentes irão ocorrer no futuro. Portanto, o ocorrido em 2010 trata-se em parte de um fenômeno natural cíclico dentro dos tempos geográficos. Para este estudo não interessa o detalhamento de como se formaram as condições globais e regionais atmosféricas e as chuvas que se precipitaram sobre a cabeceira do Rio Paraitinga e geraram a enorme enchente de 2010, outros especialistas já trataram deste assunto (VILLANI, 2010). Mas interessa revelar que outros estudos de diferentes áreas, também do Professor Aziz Ab Saber (2010) e TOLEDO(2001) a cerca das formas históricas de exploração do solo rural da região, contribuem para o entendimento dos impactos antrópicos no meio ambiente e que colaboraram para a catástrofe de 2010, e conseqüentemente para os prejuízos estéticos à paisagem urbana tombada da cidade. Das razões antrópicas que ficaram evidenciadas em todas as discussões, pode-se citar: O extenso desmatamento de várzeas, encostas e topos de morros, que toda a região sofreu para dar lugar à exploração cafeeira, também pelas culturas brancas do arroz, feijão, milho, algodão etc..mais tarde, na virada do século XX, a região serviu à monocultura do gado, que teve decadência posteriormente, deixando uma paisagem rural muito devastada (LOBATO, 1996) O intenso desmatamento, a troca da floresta natural por pastos e outras gramíneas, e principalmente o impacto constante do pisoteamento do solo pelo gado, são razões da diminuição da permeabilidade do solo, aumento do volume e velocidade das enxurradas, geração de erosões, assoreamento dos cursos d`água e, portanto, da ampliação das enchentes. Os fatos anteriores, em parte explicam a tragédia de 2010, considerando que houve chuvas ininterruptas nas cabeceiras do rio Paraitinga, nos meses de novembro e dezembro de 2009, encharcando o solo da região, que sendo submetido à grande precipitação de chuvas nas 2

vésperas da passagem do ano, levou à grande enchente de 01 de janeiro 2010. Outro fator antrópico, considerado por muitos como vilão para as ampliações de enchentes, é a plantação extensiva de eucalipto que se expande atualmente por todo o território regional. Sobre este tema, polêmico, foi dedicado grande parte dos debates quando da construção coletiva do Plano Diretor Participativo (PDP) de São Luiz do Paraitinga. Razão pela qual este plano é considerado de referência regional e nacional sobre planejamento rural (LEI 1347, 2010). Sobre os impactos ambientais do eucalipto no regime de enchentes, no entanto, existem outros estudos que apontam que o eucalipto não é danoso, e mesmo pode contribuir para a conquista de maior permeabilidade das águas no solo, a partir da formação de camadas de substratos, com folhas e raízes (PAULA & FISCH, 2008); daí que o tema requer, sob o olhar científico, menos discussões ideológicas. O PDP criou regras de uso e ocupação agro-ecológicas, com implantação de compensações ambientais, sociais e econômicas para esta exploração. Das ações antrópicas na área urbana, que propiciaram a ampliação das enchentes e a formação de outras áreas de riscos urbanas, pode-se citar: 1- A ampliação da ocupação do solo no sítio histórico pela ampliação das construções nos fundos de lotes em direção às áreas de preservação permanente (APP de várzeas); 2- O desmembramento de lotes e conseqüentes ampliações de construções, especialmente nas fachadas criadas, pela introdução de uma via marginal ao rio Paraitinga (Rua dos Pressotos); 3- A expansão urbana do entorno do centro histórico ocupando as APPs na região dos bairros Ver de Perto, Várzea dos Passarinhos, Benfica, Casas Populares, Órris etc.; 4 - A ocupação de APPs de córregos urbanos como no Benfica, São Benedito, Vitório e Ver de Perto; 5 A ocupação de forma não planejada das encostas e topos de morros como no Alto do Cruzeiro, Benfica, Casas Populares, São Benedito etc. 6- A ocupação de forma não planejada de regiões mais periféricas, atualmente consideradas como áreas de APP de topo de morro, como no bairro Santa Terezinha. As formas não planejadas em referência anterior, dizem respeito a um conjunto necessário de elementos de gestão, normatização e controle do planejamento urbano e da arquitetura, que a cidade só vem buscando implantar e gerir a partir da aprovação do seu primeiro Plano Diretor Participativo (PDP, 2010) e na gestão urbana participativa do período emergencial que contou com a colaboração do Programa Unesp para Desenvolvimento Sustentável de São Luiz do Paraitinga (MHAR, 2011). Outras ações urbanas que potencializaram os problemas ambientais podem ser citadas: 1- A forma irregular como se deu várias expansões urbanas e o parcelamento do solo sem aprovações e controle de projetos; 2 As omissões e/ou pactos públicos com os problemas encontrados por alguns loteadores para cumprir as exigências legais da lei de loteamentos e leis ambientais, 3- A falta de lei de uso e ocupação do solo urbano, que fornecessem parâmetros urbanísticos e de gestão; 4 - A falta de um código de obras, que orientasse formas menos impactantes e de risco para a execução de terraplenagem dos morros; 5 A falta de elaboração de um plano de saneamento básico para as áreas de encostas que evitasse o despejo sem controle de águas pluviais e esgotos; 6- A falta de assistência 3

técnica pública e gratuita para as populações de baixa renda, que ocuparam encostas e fundos de vales; 7- A falta de fiscalização do poder público sobre as baixas condições técnicas de uso e ocupação do solo urbano; 8 - alta permissividade política com as formas irregulares e críticas das construções. 2. Os Impactos Ambientais, Urbanísticos e Paisagísticos. Houve destruições de mais de oitenta edifícios históricos e públicos que foram muito danificados ou totalmente destruídos, dentre eles tem três igrejas, a prefeitura municipal, o posto de saúde, o asilo e a biblioteca municipal. Nestes casos há em curso uma política de reconstrução, mesmo das edificações totalmente destruídas, levando-se em conta as particularidade e contradições conceituais e teorias de restauro. Mais de cem casas populares, situadas nas margens do rio ou em encostas que se tornaram áreas de riscos, foram afetadas em diversos níveis e tiveram que ser destruídas. Para os moradores afetados se construíram novas habitações de forma emergencial em áreas de ZEIS aprovadas no Plano Diretor Participativo - PDP. Mas os modelos de assentamentos adotados foram muitos impactantes à paisagem, como se verá. Para os terrenos esvaziados, há um programa de planejamento e gestão em curso para recuperação dessas áreas como áreas de preservação ambiental, a partir dos programas e normas implantados pelo PDP. Os maiores impactos na paisagem urbana foram: 1 Destruição da APP e solapamento da encosta de proteção da Rua do Carvalho; 2 Destruição e solapamento das bases e pavimento das vias urbanas marginais ao rio Paraitinga; 3- Destruição com solapamento da via de acesso de entrada à cidade por quem chega de Ubatuba; 4- Destruição com desmoronamento da fundação e solapamento da via de acesso principal à cidade; 5- Desmoronamento da encosta do morro sobre a via de acesso principal à cidade; 6 Ameaça de escorregamento de diversas encostas urbanas que colocou sob risco diversas habitações populares; 7 Destruição de mais de cem habitações populares nas margens do rio Paraitinga. 3. As obras mitigatórias de engenharia já executadas: Muitas obras mitigatórias às catástrofes urbanas foram executadas em tempo relativamente curto, entre janeiro de 2010 e agosto de 2011. Das obras emergenciais destacam-se: 1- Cortina em concreto armado para proteção da encosta do casario da Rua do Carvalho; 2 - Obras de arrimos em concreto armado para contenção de diversos pontos de encostas de morros que estão sujeitos a escorregamentos; 3 - Obras de extenso arrimo em concreto armado para dar suporte às fundações da via pública de entrada à cidade de quem chega por Ubatuba; 4 - Obras de contenção em gabiões de trechos das margens do rio Paraitinga, com alterações da geomorfologia do rio e retiradas de elementos de matas ciliares; 5 Obras em gabiões para recuperação das fundações e reconstrução da entrada principal da cidade; 6 Obras de execução de taludes e bermas na encosta afetada sobre a entrada principal da cidade; 7- Obras de taludes e bermas, nas encostas, onde foram projetadas 151 casas para quem perdeu suas moradias na enchente. Das obras de prevenção das enchentes normais, anuais e decenais, estão sendo realizadas: 1- Desassoreamento do rio Paraitinga; 3 Mudanças 4

da geomorfologia do rio, especialmente nas laterais que não receberam gabiões nas obras emergenciais; 4- Possibilidade de obras de derrocamentos de obstáculos do leito do rio Paraitinga entre o seu encontro com o rio do Chapéu situado à jusante e o bairro Órris, situado à montante da cidade; 5 Possível construção de um polêmico muro de proteção do centro histórico. Para as obras preventivas às enchentes nas dimensões da de 2010, as discussões públicas levaram à contratação pelo Estado do projeto de Macro- Drenagem da bacia do rio Paraitinga. Neste caso, apesar das imprecisões atuais, vários especialistas apontam idéias complementares que envolvem programas de longo prazo em: 1 Programa de recuperação de matas ciliares e reflorestamentos das cabeceiras do rio Paraitinga; 2 - Construções de várias barragens de contenção nos córregos afluentes ou; 3- Construção de grande barragem de contenção e regulação das enchentes ou; 4- Construção conjugada de barragem de contenção e túnel de transposição entre a bacia do rio Paraitinga para a bacia do rio Turvo com utilização do túnel como via alternativa de acesso à cidade para quem vem da cidade de Cunha, Aparecida do Norte e Guaratinguetá; 5- Túnel de transposição da enchente entre a região à montante e à jusante da cidade. 4. As feridas e cicatrizes deixadas na paisagem O conceito de feridas é aqui tratado para demonstrar os impactos gerados diretamente pela enchente de 2010 sobre a área urbana de São Luiz do Paraitinga e de Cicatrizes para as marcas deixadas pelas obras de engenharia para mitigações daqueles impactos. Estes conceitos, emprestados metaforicamente da área médica, buscam tornar mais expressivo e explicar de forma mais direta, inicialmente, um conjunto de termos técnicos, derivados de áreas multidisciplinares de conhecimentos, mas também da estética do projeto e artes visuais (ARNHEIM, 1986). De uma forma simbólica, portanto, recorre-se à idéia de comparar a paisagem urbana afetada, com um corpo humano mutilado em diversas partes num acidente, como em um atropelamento, cujas feridas logo após a tragédia precisam ser limpas, tratadas e costuradas para se evitar a morte ou a piora do estado clínico do paciente. Contudo, uma vez realizados os primeiro socorros, e tecnicamente as cirurgias tenham sido perfeitas em seus cortes, pontos, implantes etc. (referindo-se às obras de engenharia), permanecem expostas diversas cicatrizes, que, devidos suas profundidades e gravidades, elas precisarão de outras cirurgias corretivas, caso contrário, permanecerá desfigurado o rosto e/ou partes do corpo que eram originalmente íntegros, harmoniosos e belos, mas que agora, estando marcados pelas interrupções dos tecidos corpóreos, não serão capazes por si só de reconstruírem uma harmonia estética passada. Assim, outras obras cirúrgicas, de outras naturezas estéticas, deverão ser feitas para a reconstrução de harmonia, mesmo que a original não seja mais possível. A geografia vê de forma mais natural os processos de transformação do meio natural e urbano, devido à sua natureza científica que explicam os fenômenos naturais e antrópicos numa temporalidade mais longa. Para ela, o ocorrido em São Luiz do Paraitinga é conseqüência objetiva das ações naturais climáticas somadas às ações antrópicas empreendidas no território rural e urbano. Os impactos na paisagem são conseqüências quase 5

naturais da forma exploratória dos territórios regionais. Assim, as feridas e cicatrizes deixadas são apenas conseqüências dessas ações. As engenharias, pela sua natureza epistemológica positivista e racionalista, buscam soluções imediatas aos problemas encontrados. Elas devem ser apenas tecnicamente corretas e preferencialmente mais econômicas mesmo que as escolhas deixem claro outros interesses corporativos e políticos. Assim, independentemente de análises necessárias mais integrais e multidisciplinares da situação, como por exemplo, nos contextos de áreas tombadas pelo patrimônio histórico; as suas soluções encontradas, simplificadas, quase sempre deixam marcas indeléveis na paisagem Cicatrizes Tecnológicas. Cicatrizes construídas em concreto armado em cortinas e arrimos de proteção de encostas e nas bases de sistemas viários; Extensos e altos gabiões para proteção das bases de vias da entrada principal à cidade, cortes e bermas para reequilíbrio de taludes afetados nas vias públicas; Obras impactantes de terraplenagem para construções de moradias populares; Desassoreamentos, derrocamentos e outras mudanças na geomorfologia do rio; tudo agora muito visível na paisagem urbana. Nesse mesmo sentido impactante, está colocada uma idéia equivocada conceitual e simbolicamente também talvez funcionalmente e que foi apresentada pela contratada pelo DAEE de construção de um Muro de Contenção para solucionar as enchentes normais, anuais e decenais, que afetam o centro histórico de São Luiz do Paraitinga. Esta obra, que foi apresentada em audiência pública em 2011 (MHAR, 2011), recebeu diversas críticas de diferentes órgãos ambientais, técnicos e de defesa do patrimônio, devido aos impactos paisagísticos que irá causar ao centro histórico e pelo fato de não ser ainda a obra definitiva para solucionar os problemas das maiores enchentes da cidade, como as de 2010. Sobre esta obra a superintendente nacional do IPHAN, Dra Ana Beatriz, fez os seguintes comentários: que a cidade não poderia se separar do rio que lhe deu o nome, pois São Luiz do Paraitinga não poderia se transformar numa São Luiz do Carandirú (MHAR, 2011). Estas obras de engenharia marcaram deixaram cicatrizes na paisagem urbana. Talvez, na visão de alguns engenheiros e outros técnicos mais contemporâneos, contém certamente uma beleza própria, na sua simplicidade conceitual e despreocupação com o entorno ou com sua inserção no contexto da paisagem natural, rompendo a harmonia estética anterior do conjunto edificado e sua paisagem tombada. Até mesmo os estudiosos adeptos das soluções mais contemporâneos da área de restauro, discípulo de Camilo Boito, podem ver nestas intervenções corretivas dos problemas ambientais sofridos, uma forma adequada de mostrar, no plano urbanístico, as alterações temporais da paisagem, como intervenções verdadeiras e tecnologicamente belas, deixando claras as marcas do tempo para as gerações futuras, com adequação da cidade às novas exigências ambientais e funcionais impostas pela catástrofe da enchente de 2010 e a outras previstas para o futuro. Nesse caso, estaria constituído um museu tecnológico urbano, um museu vivo, destinado a revelar as facetas temporais da tragédia e as formas de adequação a ela. 6

Para outros, pode-se falar de cicatrizes tecnológicas expostas. Expostas de forma óbvia, agressiva aos olhos daqueles que buscam harmonia e sutilezas na preservação da composição da paisagem entre o casario colonial e sua inserção entre reservas ambientais íntegras de parques integrados previstos no PDP. 5. Leitura estética das cicatrizes na paisagem. Do ponto de vista de uma leitura estética da paisagem urbana de São Luiz do Paraitinga, apropriada à área de urbanismo, arquitetura e paisagismo e recorrendo aos princípios da teoria da gestalt para a percepção visual (ARNHEIM,1986), pode-se constatar diversos elementos formais que demonstram o quanto as obras realizadas rompem com a harmonia, o fechamento da forma urbana e desestruturam o equilíbrio visual do conjunto com a intromissão dos novos pesos visuais inseridos. As cicatrizes colocam-se agora em evidência agressiva perante o conjunto ou a totalidade mais equilibrada da paisagem anterior; quando o protagonista formal em cena era a relação entre o casario edificado e os espaços públicos, suas relações com o rio e os elementos naturais preservados de matas nativas nas encostas e de matas ciliares existentes. O volume e as dimensões das obras de engenharia realizadas e por se realizar, na sua genuína aridez formal, geram contrastes óbvios, capturam a visão do observador dado seu grande peso visual na paisagem. Nesse sentido, estas cicatrizes tornam-se indevidamente o novo protagonista estético da paisagem urbana de São Luiz do Paraitinga. A pergunta que não quer calar, mas que exigirá estudos projetuais, é si haveria formas de amenizar estes impactos estéticos e quebras de ritmos pelas inserções quase grosseiras na paisagem urbana; mesmo que de uma forma a não negar as intervenções, mas re-valorizando a harmonia do conjunto edificado e sua relação com os elementos naturais da paisagem. 6. Outras leituras estéticas da paisagem e compreensão das cicatrizes ambientais introduzidas. Há muito tempo que a paisagem urbana, e as condições ambientais da cidade vêm sofrendo alterações em sua estrutura funcional e estética. Do ponto de vista da relação ambiental e urbanística, se considerado o crescimento urbano após o terceiro quarto de séc. XX verificam-se muitas mudanças e interferências na paisagem pacata, bucólica e harmônica da antiga cidade e seu entorno, apelidada então de Presépio da Serra do Mar. Foram os casos dos cortes feitos nas montanhas do entorno que deram passagem à Rodovia Oswaldo Cruz e para a nova entrada principal à cidade e, para aquela rodovia, se construiu uma nova ponte sobre o rio Paraitinga na saída da cidade para Ubatuba. Ponte essa que se demonstrou como mais um ponto de estrangulamento de grandes enchentes. Urbanisticamente, outros bairros foram-se agenciando e impactando a paisagem do entorno do núcleo histórico tombado. Especialmente, a urbanização avançou em três sentidos a saber e em formas que acabaram por gerar as condições atuais de riscos ambientais. 6.1. Uma cidade espremida Uma parte do crescimento urbano se deu na direção das várzeas e áreas de preservação permanente do rio Paraitinga e seus córregos afluentes, 7

ocupando várzeas e destruindo a vegetação ciliar. Para isso abriram-se ruas marginais ao rio Paraitinga, estreitando o seu canal e diminuindo sua área de vazão natural das enchentes anuais. Algumas dessas obras foram criadas, já no período em que a cidade foi tombada pelo CONDEPHAAT, o que mostra a ineficácia do planejamento e controle desse órgão sobre o entorno do centro histórico. Dessas obras temos: A terraplenagem para construção da rua e o loteamento do bairro Ver de Perto, Várzea dos Passarinhos e o Órris, a ocupação de APP do bairro Benfica, a Ocupação das várzeas e APP do bairro São Benedito, a construção da Avenida dos Pressotos que ocupou a APP da margem esquerda do rio Paraitinga. A outra forma de ocupação de grande impacto foi que a cidade cresceu na direção das encostas dos morros. Foi criando arrimos abruptos, que acabaram por gerar outros riscos de deslizamentos e escorregamentos de encostas. São os casos das ocupações das laterais da entrada principal da cidade, das encostas acima da Casa do Dr. Oswaldo Cruz e na saída para Ubatuba, também no Bairro do Benfica, no São Benedito, Santa Terezinha e outros. Todos esses bairros possuem áreas de risco segundo dados do IPT. A terceira forma desse crescimento e ocupação deu-se na busca das linhas de cumeadas de morros, tendo sido classificadas pelo INPE como de APP de topos de morros. Essas áreas que naturalmente são mais propícias a uma ocupação sem grandes terraplenagens, dado as formas arredondadas e menos inclinadas da parte superior das montanhas, mas tendo recebido precariamente as ocupações que avançavam para as encostas íngremes, de cima para baixo, acabaram por gerar riscos ambientais. Uma das razões para piorar esses problemas foi o despejo de esgotos e águas pluviais nas encostas cortadas ou aterradas. Desses exemplos temos a expansão para o Morro da Cueca do bairro Alto do Cruzeiro e do bairro Santa Terezinha. Estas marcas da urbanização em torno do centro histórico tiveram a gravidade de acontecer em condições onde a geomorfologia do terreno pode ser descrita como de vales estreitos, com pouca várzea, encostas íngremes e um mar de morros com topos arredondados e estreitos. Assim, a enchente de 2010, que levou para São Luiz do Paraitinga todos os órgãos estaduais e outros nacionais, de pesquisa e fiscalizações urbanísticas, ambientais e patrimoniais, dado sua relevância em termos de patrimônio cultural, acabou por, de repente, fazer com que a paisagem urbana tivesse que se readequar a todas as exigências normativas. Fato que, restringiu de forma rigorosa, as possibilidades de sua expansão, tornando aquela cidade uma cidade espremida ; espremida entre a impossibilidade de ocupação das várzeas, que se descobriu sujeitas ao alagamento; das encostas sujeitas ao escorregamento e também dos topos de morros, cuja legislação de controle ambiental é ambígua e de difícil interpretação, mas que só agora, tardiamente, se impôs sobre o conjunto edificado. 6.2. Elementos da composição da paisagem e meio ambiente anterior Para quem conheceu a cidade de São Luiz do Paraitinga antes da tragédia e que possuía um olhar estético sensível e crítico já percebia as cicatrizes anteriores deixadas na paisagem do entorno. Contudo, do ponto de vista de um olhar do entorno para o centro histórico, havia ainda a percepção de um conjunto urbanístico e paisagístico íntegro e harmonioso cujos elementos formais gerais de composição do conjunto eram: 8

6.3. A relação que existia entre a massa edificada e os remanescentes vegetais. A paisagem urbana de São Luiz do Paraitinga podia ser descrita da seguinte forma em seu aspecto mais geral e à distância: Era composta por uma densa massa edificada nas regiões próximas das várzeas, nas encostas menos íngremes e na subida pelo espigão até o alto do morro do Cruzeiro; Nas regiões mais íngremes prevaleciam densas vegetações naturais, como no futuro parque Dr. Oswaldo Cruz definido pelo PDP e mesmo nos antigos taludes das beiras das estradas das entradas da cidade, estas vegetações em recuperação, bastante íntegras e uniformes em continuidade, densidade, cor e textura, colaboravam para dar feição amena entre a vibração de telhados, volumes e cores do conjunto edificado, as ruas e o casario do centro histórico, bem como remetiam simbolicamente a uma paisagem mais íntegra e natural do período de construção do centro histórico. Também existia uma permanência de vegetação de mata ciliar que percorria toda a borda do centro histórico tombado. Situação esta que permitia do ponto de vista da percepção visual, do entorno para o centro e ao contrário, um fechamento da forma urbana (ARNHEIM, 1986), do sítio histórico como verdadeira moldura natural, que permitia uma aproximação e permanência estética atemporal de uma possível relação existente do casario colonial com o seu entorno natural. Por outro lado, essa vegetação ciliar cujo PDP buscava preservar e ampliar para constituir o Parque Integrado do rio Paraitinga, com uma Via de Parque valorizando os pedestres servia para destacar, visual e esteticamente, o centro histórico dos avanços da urbanização contemporânea. Este destaque permitia uma melhor leitura estética da paisagem tombada, ao visitante e mesmo à população residente. 7. Detalhes das feridas e cicatrizes ambientais e da paisagem Da vegetação ciliar que existia, grande parte foi suprimida pelas enchentes e obras emergenciais realizadas a saber: Destruição da encosta e APP de proteção do casario da Rua do Carvalho; Retirada dos remanescentes de vegetação ciliar que existia no lado esquerdo do rio Paraitinga, para construção das obras emergenciais de proteção em gabiões; Retirada de matas ciliares do entorno do centro histórico, na Várzea dos Passarinhos e Ver de Perto, para as obras de limpeza de margens, reconstrução do sistema viário das entradas da cidade e desassoreamento do rio Paraitinga; Retirada da vegetação em regeneração dos taludes das ruas das entradas, seja por escorregamento durante as chuvas, mas também pelas obras de terraplenagem e bermas de construções nas encostas, nas entradas da cidade; Construção de taludes e bermas para as obras de terraplenagem do conjunto habitacional do CDHU - que abrigou as famílias cujas casas da beira rio e outras áreas de riscos foram destruídas. Nunca o trecho urbano do rio Paraitinga encontrou-se tão descaracterizado do ponto de vista de falta de mata ciliar. Ainda, retira-se nesse momento toda a vegetação da borda direita do rio Paraitinga, para um insignificante alargamento do mesmo, parecendo justificar a idéia do Muro, pela concepção atual do projeto. Portanto, a paisagem urbana na sua relação com o entorno, encontra-se desarmônica e descaracterizada. Novos e áridos elementos foram introduzidos na paisagem da cidade anteriormente marcada por vegetação e edificações; construíram-se vários e 9

visíveis arrimos de concreto nas encostas. De uma forma visualmente muito impactantes estão construídas as cortinas em concreto, colchão de pedras e gabiões de proteção onde antes existia a APP dos fundos de lotes da Rua do Carvalho; Introduziram-se extensas e altas linhas de gabiões para proteção de toda margem urbana do rio Paraitinga; Enorme e impactante arrimo de concreto agora sustenta a via de entrada da cidade para quem chega de Ubatuba; Executou-se uma horrível cicatriz com jateamento de concreto no meio do talude na entrada principal da cidade, devido seu escorregamento precoce, talude este que se por si só já era uma cicatriz, agora possui sobre si mesmo, numa metalinguagem outra cicatriz de concreto exposta a prejudicar a harmonia da paisagem do entorno Uma cicatriz da cicatriz. A gerar suspeita sobre a resistência do restante do talude executado. A obra da CDHU para habitações populares demonstra grande impacto de cortes e aterros para vencer uma topografia muito inclinada. Assim, não colabora na criação de uma perspectiva sustentável e esteticamente mais criativa. Ao contrário, reafirma simbolicamente a pior tradição popular de ir cortando as bases das montanhas, gerando riscos de escorregamentos. Na paisagem urbana, encontram-se enormes feridas como: A falta do casario que emoldurava a praça Dr. Oswaldo Cruz onde se situava a Biblioteca Municipal; A falta da Igreja Matriz; A falta de um Casarão do entorno da mesma praça; As grandes feridas no conjunto de casarões Trigêmeos e no casarão na esquina Quatro Cantos, na Prefeitura etc. As feridas e cicatrizes das obras físicas e civis em reconstrução vão se curando; mas destaques devem ser feitos aos restauros do Asilo São Francisco de Assis, ao Restauro da Igreja de N.S. das Mercês e ao restauro da casa onde morou o compositor Elpídio dos Santos e que se tornará um museu denominado Casa da Vó homenageando Dona Cinira, falecida em 2011, e que assim, com ela, se homenageia tantas outras feridas imateriais e mais difíceis de serem cicatrizadas na memória dos luizenses. 8. Considerações finais A tragédia ambiental que assolou em janeiro de 2010 a cidade de São Luiz do Paraitinga destruiu ou deixou feridas nos vários componentes estruturadores da paisagem urbana daquela cidade histórica. Componentes da paisagem natural formada por reservas vegetais de áreas de preservação nas encostas e de áreas de preservação permanente na margem do rio Paraitinga, elementos estes, que formariam partes importantes da paisagem para comporem os parques urbanos integrados pensados no Plano Diretor Participativo da cidade. Foram destruídas muitas obras de arquitetura e urbanismo tombadas pelos órgãos de defesa do patrimônio cultural, também mais de cem casas populares que o processo de urbanização sem rigor ambiental, acabou por colocar nas margens de rios e em encostas. As obras emergenciais mitigatórias, já realizadas, apesar da sua importância técnica para dar alguma segurança e volta à normalidade da vida urbana, deixaram expostas marcas ou grandes cicatrizes naquela paisagem. A recomposição da estética urbana de forma mais integral, harmônica e re-equilibrada, caso seja desejado um restauro paisagístico, mesmo deixando esteticamente evidentes essas marcas, envolverá algumas 10

concepções de outras obras mitigatórias futuras, obras de paisagismo, urbanismo e arquitetura, mais integradoras destas cicatrizes na paisagem. O risco que a cidade ainda tem nesse processo é de que outras obras mais radicais, como a idéia equivocada de um conceito de muro envolvendo o centro histórico, para tentar preveni-lo das enchentes normais, venham a denegrir e a marcar negativamente, ainda mais e de forma definitiva e pejorativa aquela cidade histórica. Outras soluções e formas de mitigações técnicas existem e foram discutidas em audiências públicas (MHAR, 2011). Como por exemplo, o uso do conceito de Via de Parque, privilegiando o pedestre e a recuperação ambiental, com maiores obras de desassoreamento, derrocamentos e mudanças da geomorfologia do rio. Enquanto isso, os órgãos de Estado, que ainda não encontraram a solução definitiva para prevenção das enchentes na escala regional da acontecida em 2010, parecem se fechar e romper negativamente com um processo rico de gestão participativa aberta e transparente que é marca de São Luiz do Paraitinga, afastando parceiros históricos do debate técnico, caso da UNESP, em relação ao Muro. Mas aí são outras feridas e cicatrizes. 9. Referências Bibliográficas AB SABER, Aziz. O sítio urbano de São Luiz do Paraitinga e a tragédia das grandes cheias do rio. A ser publicado pela Editora UNESP, 2011. Palestra proferida no ERGTAU (Encontro Regional de Geografia), realizado pela Unitau, com parceria da UNESP em São Luiz do Paraitinga, maio 2010. ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora: São Paulo, Pioneira: editora da Universidade de São Paulo,1986. LOBATO, Monteiro. Cidades Mortas. São Paulo, Brasiliense, 1996. MHAR Museu de história e Arte Regional de São Luiz do Paraitinga, www.acervodigital.unesp.br/mhar-slp, 2011. PAULA, G. R. & FISCH, G.. O eucalipto e o ciclo hidrológico no município de São Luiz do Paraitinga, SP. Universidade de Taubaté - UNITAL, 2008. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA: Plano Diretor Participativo, Lei Municipal 1347/2010. TOLEDO, M. H. S. Espaços Individuais e Coletivos de Sacralidade no Meio Popular: Estudo sobre campo Religioso, Imagético e Conflito Simbólico. Dissertação de Mestrado, PUC, São Paulo, Curso Ciência da Religião, 2001. VILLANI, João Paulo. As causas da enchente de 2010. Palestra realizada na Pousada Primavera, 2010. Citado por: RODRIGUES, José Antônio In: análise qualitativa de alguns elementos das dimensões da sustentabilidade do Plano diretor Participativo de São Luiz do Paraitinga. Bauru, trabalho final do Programa de Pós-Graduação do Curso de Especialização em Gestão de Organizações Públicas do Depto de Engenharia de Produção da FEB da UNESP de Bauru. 2011. 11