Hábitos e práticas de leitura de histórias: como caracterizar?

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As crianças, os livros e a leitura 7 de Agosto de 2009, por MEIOS & PUBLICIDADE

Transcrição:

Originalmente publicado em: NORONHA, A.P.; MACHADO, C.; ALMEIDA, L.; GONÇALVES, M.; MARTINS, S. & RAMALHO, V. (Org.) (Outubro de 2008). Actas da XIII Conferência Internacional de Avaliação Psicológica: Formas e Contextos. Braga: Universidade do Minho/Psiquilíbrios Edições. ISBN: 978-989-95522-6-5. Lourdes Mata* Hábitos e práticas de leitura de histórias: como caracterizar? Leitura de Histórias Um dos primeiros trabalhos que vem alertar para a importância da leitura de histórias em idades precoces é o de Wells (1988). Este autor analisou a associação entre a frequência de determinadas actividades desenvolvidas em ambiente familiar (ver livros, colorir e desenhar, ouvir histórias) e algumas medidas de progresso em literacia. O ouvir histórias apareceu associado, quer aos conhecimentos em literacia, quer à compreensão em leitura, não tendo as outras actividades mostrado qualquer associação significativa. Wells (1991) considera, como justificação para os efeitos benéficos da prática de leitura de histórias, que o ouvir histórias desde cedo, muito antes de se conseguir ler, leva a que as crianças comecem a ganhar experiência na organização do sentido da linguagem escrita e nos seus ritmos e estruturas característicos. Para este autor, também através das histórias, a criança consegue alargar o leque das suas experiências para além dos limites daquilo que a rodeia directamente, desenvolvendo um modelo mais rico do mundo e vocabulário a ele adequado. Para além disto, as histórias podem também proporcionar um ponto de partida para conversas que permitem estabelecer ligações entre o que se passa na história e as vivências da criança. De modo a caracterizar de forma mais alargada e estruturada as razões subjacentes ao efeito positivo das práticas de leitura de histórias, Cullinan (1995) e Galda & Cullinan (2000) procederam a uma análise de vários estudos nesta área. Desta análise concluíram que a prática de leitura de histórias proporciona oportunidades para as crianças ouvirem leitura fluente, fornece modelos e ideias, alarga o tipo de experiências das crianças proporcionando-lhes conhecimentos que muitas vezes não conseguiriam obter por vivências directas, «abre o apetite» para os livros e novos interesses, ensina as crianças a lidarem e manusearem os livros, apoia-as na construção de muitos conceitos sobre a escrita e aumenta o seu vocabulário. Debruçando-se especificamente sobre o impacto da leitura de histórias no vocabulário, Sénéchal & LeFevre (2002) identificaram ligações claras entre a leitura de histórias e o desenvolvimento do vocabulário receptivo das crianças, e entre este e o nível de leitura das crianças no 3º ano de escolaridade. *Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Portugal. Esta investigação foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito do programa POCI 2010. 1

Caracterização dos hábitos de leitura de histórias Se nos debruçarmos sobre os muitos estudos existentes nesta área, apercebemo- -nos das múltiplas formas utilizadas para a caracterização dos hábitos e práticas de leitura de histórias. Desde medidas de autorelato que passam pela frequência de leitura e tempo utilizado (e.g. Hewison & Tizard, 1980; Mata, 1999; Mata, 2006; Sénéchal, LeFevre, Hudson & Lawson, 1996) e também pela quantidade de livros para a infância existentes no ambiente familiar (e.g. Mata, 2006; Sénéchal, 2000; Viana, 1998), a medidas com indicadores ao nível da qualidade dessas interacções, que se direccionam para a quantidade de intervenções e o tipo de intervenções de cada um dos intervenientes no momento da leitura de histórias (e.g. Baker, Scher & Mackler, 1997; Temple & Snow, 2001). Partindo da ideia de que uma medida da exposição e contacto com o livro pode ser o reconhecimento e identificação dos seus autores e/ou títulos, Sénéchal, LeFevre, Hudson & Lawson (1996) desenvolveram alguns instrumentos que pretendiam ser uma medida indirecta de práticas de leitura de histórias. Assim, criaram listagens constituídas por nomes de autores de livros e de títulos de literatura infantil, que os pais assinalariam se reconheciam ou não, permitindo-lhes caracterizar a exposição e o contacto com este tipo de material escrito. Confirmando esta ideia inicial, encontraram diferenças evidentes nos conhecimentos que amostras diferenciadas tinham sobre os elementos enunciados nessas listagens. Assim, as amostras de sujeitos que tinham filhos reconheciam significativamente mais autores e títulos do que aquelas que não os tinham, mostrando- -se este tipo de medida sensível à exposição à literatura infantil. Nesse estudo, os autores verificaram ainda que o conhecimento que os pais tinham sobre a literatura infantil estava correlacionado, entre outros aspectos, com o nível de vocabulário das crianças, com o número de livros em casa, com a frequência de idas à biblioteca e, de certa forma, também com a frequência de leitura de histórias. Constataram também que as medidas de exposição à literatura infantil se mostravam como melhores preditores do nível de vocabulário das crianças, do que a frequência de leitura de histórias e a quantidade de livros infantis. Na sequência deste trabalho, também Mata (2002, 2006) criou listagens equivalentes para a realidade portuguesa. Da análise feita às respostas dadas por 421 pais com filhos a frequentar o último ano da educação pré-escolar, constatou que esta medida era fiável, pois as associações com outras medidas utilizadas para a caracterização dos hábitos de leitura de histórias (frequência, tempo médio semanal, idade de início, quantidade de livros infantis) foram todas significativas. Esta medida de conhecimentos de literatura para a infância, dos pais, também se mostrou associada às concepções emergentes de literacia dos respectivos filhos. No estudo de Sénéchal et al (1996), para além destas listagens utilizadas com os pais, as autoras apresentaram um instrumento semelhante para as crianças, que consistia num conjunto de pranchas ilustrativas de histórias e sobre as quais as crianças eram questionadas relativamente ao personagem, ao título e ao conteúdo da história. O trabalho seguidamente desenvolvido pretende apresentar uma versão deste último instrumento e das suas potencialidades enquanto medida indirecta das práticas de leitura de histórias. 2

Método Participantes Participaram neste estudo 387 crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e 1 mês e os 6 anos e 7 meses, sendo a sua média de idades de 4 anos e 11 meses ( Tabela 1). Para efeitos de análise de dados, estas crianças foram organizadas em três grupos, consoante o tempo que lhes faltava para frequentarem a escolaridade obrigatória. Assim, passaremos a considerar três grupos etários: os grupos dos 3, dos 4 e dos 5 anos, sendo as crianças deste último grupo as que no ano lectivo imediato ao da recolha de dados iriam frequentar o 1º ciclo. Tabela 1. Distribuição dos participantes pelos diferentes grupos etários. Instrumento Tal como referimos anteriormente, o instrumento aqui apresentado pretende ser uma adaptação do utilizado por Sénéchal et al (1996) e que é uma medida indirecta do contacto com o livro e com a leitura de histórias. Consiste num conjunto de pranchas ilustrativas de algumas histórias sobre as quais as crianças são questionadas, de modo a caracterizar o seu conhecimento e tipo de contacto com essas histórias. À semelhança dos autores originais, os passos seguidos para a construção deste instrumento passaram pelo levantamento de histórias adequadas a esta faixa etária junto de livrarias e outros locais de venda de livros, junto de bibliotecas municipais e também através de educadores de infância e alguns pais. Na constituição das listagens iniciais procurámos integrar não só histórias tradicionais, como histórias de autores mais contemporâneos. As listagens iniciais foram submetidas a algumas testagens (Freitas, 2006; Gil, 2005; Gomes, 2004; Matos, 2004), a partir das quais foram eliminadas algumas pranchas e alteradas outras. Foram assim eliminadas, entre outras, todas as pranchas de histórias que eram mais conhecidas pelas crianças através do visionamento de um filme do que do contacto com o respectivo livro (e.g. Noddy) e também todas as histórias que sistematicamente não eram reconhecidas pelas crianças (e.g. as da Gira Gira e as da Ritinha a Ratinha). Através destas testagens procurámos seleccionar histórias sobre as quais o conhecimento das crianças fosse diversificado. Assim, constaram da listagem final histórias muito conhecidas, pois eram identificadas por mais de 50% das crianças das amostras testadas; histórias mediamente conhecidas, tendo sido identificadas em média por 20% a 43% das crianças, e, finalmente, histórias pouco conhecidas, que foram identificadas por menos de 12% das crianças. A versão aqui apresentada ficou constituída por onze histórias. 3

Procedimento As crianças foram entrevistadas individualmente. Depois de um momento de familiarização, era-lhes perguntado: «Tens alguma história ou histórias preferidas? Qual ou quais? [registava-se o que a criança dizia] Tenho aqui imagens de algumas histórias, vou-te mostrar para ver quais conheces. Se não conheceres, não faz mal.» Foi apresentada uma prancha de cada vez e colocadas questões sobre a identificação do personagem representado, do título da história (ou de outra em que esse personagem participasse) e também sobre o desenrolar da história. Procurou-se também saber através de que meio tinham tido contacto com aquela história: livro, filme ou pelas duas vias. A cotação das respostas das crianças foi feita para cada questão separadamente e consoante a elaboração do tipo de resposta dada pela criança: 0 não responde ou conteúdo desadequado; 1 resposta adequada; nas questões relativas ao título e ao conteúdo da história houve uma especificação da adequação da resposta, sendo cotado 1 para resposta adequada mas incompleta ou pouco explicitada; 2 resposta clara, com conteúdo ajustado e articulado, no caso do reconto. Resultados Conhecimentos sobre histórias De modo a procedermos à caracterização dos conhecimentos sobre as histórias (medida indirecta do contacto com o livro na leitura de histórias), calculámos a média para cada um dos parâmetros analisados (Tabela 2). Pela análise destes dados, podemos verificar uma complexidade crescente das questões colocadas (a pontuação máxima possível para o primeiro parâmetro era metade das referentes aos outros parâmetros considerados) e também uma diferenciação consoante o grupo etário. Tabela 2. Resultados obtidos na prova do conhecimento de histórias. Através do cálculo de uma ANOVA pudemos constatar como significativo o efeito do grupo etário para os quatro parâmetros (Identificação do personagem F(2,384) = 70,175 p<0.001; Título da história F(2,384) = 26,228 p<0.001; Reconto F(2,384) = 104,809 p<0.001; Reconhecimento global F(2,384) = 70,175 p<0.001). Pelo teste de Tukey pudemos também constatar existirem diferenças significativas entre todas 4

as idades, para todos os parâmetros, excepto para o conhecimento do título entre os 4 e os 5 anos. Uma vez que os pais de 109 destas crianças tinham respondido a um instrumento equivalente, com uma listagem de títulos e de autores para a infância, procedemos ao cálculo de correlações entre as medidas das crianças e as dos pais (Tabela 3). Podemos então constatar que as correlações foram todas significativas e positivas, evidenciando uma associação clara entre os conhecimentos das crianças e os dos seus pais. Tabela 3. Correlações entre os conhecimentos sobre literatura para a infância dos pais e dos filhos. Histórias e conhecimentos emergentes de literacia Vários autores têm afirmado a importância da leitura de histórias, pois facilita a compreensão e apropriação da linguagem escrita e das suas convenções (e.g. Galda & Cullinan, 2000; Mata, 2006; Sénéchal & LeFevre, 2002; Wells, 1991). Assim, procurámos também estudar eventuais associações com os conhecimentos emergentes de literacia destas crianças. Tomámos como referência dois tipos de conhecimento: a percepção da funcionalidade da linguagem escrita e as conceptualizações infantis sobre o funcionamento da escrita. Quanto à percepção da funcionalidade, tomámos como indicadores os resultados das crianças numa prova que é gradativa e que tem três parâmetros específicos (identificação do suporte, mensagem e função) e um global resultante da conjugação dos indicadores específicos. Para a caracterização das conceptualizações, considerámos os níveis conceptuais já identificados em anteriores estudos para a população portuguesa (Alves Martins, 1996; Mata, 2006). De realçar que as associações se mostraram todas significativas, considerando a amostra total tanto para os vários parâmetros da funcionalidade como para as conceptualizações. Quando se analisaram as associações para cada faixa etária em separado, para as crianças mais velhas estas associações mantém-se todas significativas, enquanto que para as mais novas os indicadores que se mostraram associados significativamente com a funcionalidade foram o Reconto e o Conhecimento global. Não foi possível para os três anos verificar associações com a etapa conceptual, pois quase todas as crianças se encontravam na mesma etapa conceptual. 5

Considerações Finais O instrumento aqui apresentado parece ser uma boa alternativa a medidas de autorelato quer dos pais, quer das crianças, sobre os seus hábitos de leitura de histórias. É de fácil administração e permite uma caracterização mesmo em crianças muito novas, nomeadamente com 3 anos de idade. Também nos parece ser um elemento positivo, quanto à credibilidade deste instrumento, as associações claras e significativas com o conhecimento dos pais sobre literatura para a infância. De realçar que esta medida, em estudos anteriores, surge positivamente associada à frequência de leitura de histórias, quantidade de livros para a infância, tempo de leitura e outras medidas directamente relacionadas com a leitura de histórias (Mata, 2002, 2006; Sénéchal et al, 1996). O papel importante das histórias na génese dos conhecimentos emergentes de literacia, à semelhança do que já tinha sido verificado por Mata (2002, 2006), também é evidente neste estudo através das associações significativas com a percepção da funcionalidade nas conceptualizações das crianças sobre a linguagem escrita. Referências bibliográficas ALVES MARTINS, M. (1996). Pré-História da Aprendizagem da Leitura. Lisboa: ISPA. BAKER, L.; SCHER, D. & MACKLER, K. (1997). Home and family influences on motivations for reading. Educational Psychologist, 32 (2), 69-82. CULLINAN, B.E. (1995). Literature for young children. In D. Strickland & L. Morrow (Eds.), Emerging Literacy: Young children learn to read and write (7ª ed, pp. 35-51). Newark, Delaware: International Reading Association. FREITAS, M. (2006). Relação entre a Prática de Leitura de Histórias em Crianças em Idade Pré-escolar e a Aquisição da Literacia Emergente. Monografia de Licenciatura em Psicologia Educacional, ISPA. GALDA, L. & CULLINAN, B.E. (2000). Reading aloud from culturally diverse literature. In D. Strickland & L. Morrow (Eds.). Beginning Reading and Writing (pp. 134-142). Newark, Delaware: International Reading Association. GIL, C. (2005). A Influência da Leitura de Histórias a Crianças no Desenvolvimento de Conhecimentos e Atitudes Face à Linguagem Escrita. Monografia de Licenciatura em Psicologia Educacional, ISPA. GOMES, S. (2004). Prática de Leitura em Crianças de Meios Desfavorecidos e Concepções Emergentes de Literacia. Monografia de Licenciatura em Psicologia Educacional, ISPA. HEWISON, J. & TIZARD, B. (1980). Parental Involvement and reading attainment. British Journal of Educational Psychology, 50, 209-215. 6

MATA, L. (1999). Hábitos e práticas de leitura de histórias na família. In A. Soares; S. Araújo & S. Caires, Avaliação Psicológica: Formas e Contextos (Vol. VI, pp. 661-670). Braga: APPORT. MATA, L. (2002). Literacia Familiar Caracterização de práticas de literacia em famílias com crianças em idade pré-escolar e estudo das suas relações com as realizações das crianças. Tese de Doutoramento em Estudos da Criança, Universidade do Minho. MATA, L. (2006). Literacia Familiar. Porto: Porto Editora. MATOS, J. (2004). As Histórias e as Palavras. Monografia de Licenciatura em Psicologia Educacional, ISPA. SENECHAL, M. (2000). Examen du lieu entre lecture de livres et développement du vocabulaire chez l enfant préscolaire. Enfance, 2, 169-186. SENECHAL, M. & LEFEVRE, J. (2002). Parental involvement in the development of children s reading skill: A five-year longitudinal study. Child Development, 73 (2), 445-460. SENECHAL, M.; LEFEVRE, J.; HUDSON, E. & LAWSON, P. (1996). Knowledge of storybooks as a predictor of young children s vocabulary. Journal of Educational Psychology, 88 (3), 520-536. TEMPLE, J. & SNOW, C. (2001). Conversations about literacy: Social mediation of psycholinguistic activity. In L. Verhoven & C. Snow (Eds.), Literacy and Motivation. Reading engagement in individuals and groups (pp. 55-69). New Jersey: Lawrence Earlbaum Associates. VIANA, F. (1998). Da Linguagem Oral à Leitura. Construção e Validação do Teste de Identificação de Competências Linguísticas. Dissertação de Doutoramento, Universidade do Minho, Braga. WELLS, G. (1988). Preschool literacy-related activities and success in school. In D. Olson; N. Torrance & A. Hildyard (Eds.), Literacy, Language and Learning. The nature and consequences of reading and writing (pp. 229-255). New York: Cambridge University Press. WELLS, G. (1991). The Meaning Makers. Children learning language and using language to learn (8 ª ed.). London: Hodder & Stoughton. 7