GÊNERO CLASSIFICADOS: UMA LEITURA DE DIVERSAS VOZES

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Transcrição:

GÊNERO CLASSIFICADOS: UMA LEITURA DE DIVERSAS VOZES Kelli da Rosa Ribeiro 1 Introdução A língua é um fato sócio-cultural utilizada por indivíduos historicamente situados num tempo e num determinado espaço. Isso implica dizer que as palavras mobilizadas no discurso não são neutras, uma vez que são fruto da interação entre indivíduos e, por conseqüência, trazem em sua constituição apreciações valorativas de um locutor em relação ao objeto do discurso e em relação ao outro sobre o objeto, engendrando vozes de outros discursos (BAKHTIN, 2003). Observando a complexidade do discurso em diferentes gêneros jornalísticos, como é o caso dos classificados, chamaram-nos atenção os classificados em que são oferecidos serviços sexuais. Dessa forma, analisaremos esses anúncios, a fim de mostrar como é construída a imagem do sujeito locutor que anuncia seus serviços, bem como a imagem do sujeito interlocutor que recebe esse oferecimento. Percebendo a mobilização de diversos discursos sociais que são evocados nestes enunciados, entenderemos que, realmente há subjetividade do sujeito nos discursos analisados. É importante salientar que o jornal suporte dos anúncios de classificados - é uma construção ideológica da sociedade em que signos lingüísticos e símbolos não verbais, em conjunto, dão sentidos a este veículo de informação que age, ativa e dialogicamente, na vida social. Para refletirmos sobre o funcionamento de vozes no discurso do gênero em foco e conseqüentemente sobre a constituição da linguagem, o presente artigo, em seus limites, mostra e discute três anúncios de classificados de três diferentes jornais do estado do Rio Grande do Sul: Diário Gaúcho e Zero Hora, de Porto Alegre, e Jornal Agora, da cidade de Rio Grande. Para tanto, observaremos como essas vozes se estruturam e se articulam através do signo ideológico para formar o discurso do anúncio. Baseando nos pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin, aprsentamos algumas noções, como signo ideológico, palavra e gênero discursivo, para embasar 1 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

nossas reflexões sobre a diversidade de vozes e a construção da subjetividade nos anúncios de classificados. 1 Pressupostos teóricos Mikhail Bakhtin (2006) 2 nos apresenta uma reflexão a respeito da correlação entre signo e ideologia. Para o autor, todo signo é ideológico e está, indissoluvelmente, ligado à situação social. Além disso, apresenta a palavra como o signo ideológico por excelência, dizendo que esta funciona como elemento que acompanha toda a criação ideológica. Essa noção tem pertinência neste trabalho, pois é, fundamentalmente, o signo e sua relação ideológica com o leitor/destinatário que constitui o sentido no anúncio de classificados. Assim, podemos afirmar que pelo fato de todo o signo ser ideológico, naturalmente, está sujeito a critérios de avaliação do leitor/destinatário, ou seja, se é bom, ruim, verdadeiro, falso, etc. Tal julgamento ocorre, tão somente, nas diversas interações sociais vivenciadas pelos falantes. Nessa perspectiva, então, a palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não (...). (BAKHTIN 2006:116) É importante salientar que a direção da palavra ao interlocutor está diretamente ligada e determinada pelo gênero no qual o enunciado se materializa. Nesse sentido, como explica Bakhtin (2003:262), cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados 3. Esses tipos são denominados gêneros do discurso e sua diversidade é determinada em função da situação e das relações entre os participantes da comunicação. Os gêneros discursivos são dinâmicos, por isso trazem consigo diversas vozes e posicionamentos. Essa dinamicidade e pluralidade de vozes são resultantes de relações interpessoais que se estabelecem entre os falantes historicamente situados. Assim, essas diversas vozes são construídas a partir de uma combinação de linguagens e estilos que formam uma unidade superior (BAKHTIN 1998:75). Observando o funcionamento da 2 A discussão deste parágrafo é referente ao livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, uma obra publicada na Rússia em 1929 assinada por Bakhtin e Volochinov, participantes do chamado Círculo de Bakhtin, juntamente com Medvedev. 3 Grifo utilizado pelo autor.

linguagem dessa maneira, considera-se a atividade lingüística essencialmente heterogênea e dialógica, uma vez que todo enunciado fará ressoar outros discursos. 2 Material e método O material de análise foram três anúncios de classificados de jornal, em que homens e mulheres oferecem seus serviços sexuais. Cada anúncio foi extraído de um jornal diferente do estado do Rio Grande do Sul: Jornal Agora, Diário Gaúcho e Zero Hora. Do Jornal Agora, do dia 29 de junho de 2008, no caderno Classificados, seção Serviços Liberais, foi selecionado o seguinte anúncio: (1) FADA SEXUAL realizará todos os seus desejos. R$ 50,00 meia-hora, c/local. Beatriz. F. 8123.7944; O Jornal Diário Gaúcho, do dia 22 de abril de 2010, no caderno Classidiário, seção Serviços, subseção Relax/Acompanhantes/Massagem erótica, apresenta o seguinte anúncio: (2) EXÓTICA E PROVOCANTE! Capitu mor. Bronz.. 23 a. lábios carnudos, coxuda, bem ousada. Adora beijar. 5130127218/93205516 Por fim, do Jornal Zero Hora, do dia 02 de maio de 2010, no caderno ZH Classificados Produtos e Serviços, seção Serviços, subseção Relax/ Acompanhantes/Massagem erótica, foi retirado o anúncio abaixo: (3) LUCAS 41 a. gentil, carinhoso, mass. Relax. Motel e a domic. c/ discrição. F (51)98573220. Depois da seleção dos anúncios, desenvolvemos a análise, contemplando os aspectos conceituais já expostos anteriormente. Assim, focalizamos nossa atenção nos signos ideológicos que compõem os anúncios, tentando recuperar por meio da leitura as diversas vozes (discursos) que aparecem e se estruturam nestes textos. Além disso, também foi analisada a configuração do gênero classificados e como esse tipo relativamente estável de discurso comporta enunciados tão heterogêneos e plurilíngües como os anúncios de serviços sexuais. Analisando todos esses

mecanismos, recuperamos não só os discursos que permeiam o anúncio, mas também verificamos o papel do outro a quem se dirige o discurso na construção da subjetividade do anunciante. 2 Análise do material É pertinente, antes de analisarmos os anúncios, expormos algumas considerações, mesmo que brevemente, sobre o público leitor dos jornais aqui utilizados. Tanto o Jornal Diário Gaúcho, da cidade de Porto Alegre, quanto o Jornal Agora, da cidade de Rio Grande, são destinados e consumidos predominantemente por uma população que não possui um alto nível de escolaridade. Já o Jornal Zero Hora, que possui uma ampla circulação, é lido por uma população com maior nível de escolaridade se comparado com os outros jornais destacados. Iniciemos nossa reflexão sobre o anúncio (1), observando a relação dos signos com a ideologia que as diversas vozes evocam: FADA SEXUAL realizará todos os seus desejos. R$ 50,00 meia-hora, c/local. Beatriz. F. 8123.7944; Tomemos as unidades lingüísticas fada e sexual. Estas palavras estão disponíveis a todos os falantes da língua, não pertencem a ninguém, não têm um dono específico. Fora de qualquer contexto discursivo, são palavras da língua sem possibilidades de análise. No máximo, pode-se recorrer a algum dicionário por uma tentativa de definição. No entanto, neste anúncio de classificados, de um jornal que é lido por muitas pessoas, o signo fada, por exemplo, ganha sentido e várias possibilidades de análise. Fada é aquele ser angelical, bondosa, dotada de poderes sobrenaturais. Ao mesmo tempo é uma mulher bonita, encantadora e muito graciosa. Nas histórias infantis, sempre luta contra poderes do mal, se opõe a bruxas e suas ações são com total perfeição. Porém, quando fada é enunciada num anúncio de classificados sendo modificada pelo adjetivo sexual, não podemos mais pensar naquele ser que foi descrito anteriormente. A partir daí, começamos a construir um novo conceito de fada, e isso só

é possível por causa do diálogo que se estabelece entre discursos presentes neste enunciado. Basicamente, este anúncio dialoga com a ideologia de fada, como ser que realiza desejos, sonhos e fantasias. O sujeito anunciante que usa esta anologia para se apresentar e oferecer seus serviços parece querer dizer ao destinatário que as fantasias sexuais dele serão realizadas, assim como as fadas realizam os sonhos dos personagens das histórias infantis. É importante lembrar que só é possível fazer essa leitura, por dois motivos: primeiro porque fica explícito o enunciado fada sexual, ou seja, não é uma fada encantada, não é a fada do dente, enfim, é uma fada com o poder de realizar sonhos e desejos eróticos: realizará todos os seus desejos; depois, porque o anúncio está inscrito num gênero discursivo, no qual é permitido esse tipo de leitura. Desse modo, a mulher ao se apresentar como fada sexual está elaborando e constituindo seu discurso a partir de um discurso de histórias infantis. Além disso, um enunciado é sempre heterogêneo, ou seja, sempre revela diferentes posições, em que está em jogo a posição do enunciador na relação com outras posições, como é o caso do conflito com a ideologia da família dita bem estruturada e da adesão ao homem casado que procura realizar suas fantasias fora do casamento. Diferente estratégia é utilizada em (2): EXÓTICA E PROVOCANTE! Capitu mor. Bronz.. 23 a. lábios carnudos, coxuda, bem ousada. Adora beijar. 5130127218/93205516 Primeiramente a anunciante se intitula Capitu. Sabemos que este nome foi dado à personagem de Machado de Assis no romance Dom Casmurro, em que se construía a imagem de uma mulher astuta, dissimulada e muito atraente. Estas características parecem ser pertinentes em um anúncio que tem o objetivo de oferecer serviços sexuais já que as qualidades de Capitu complementam o jogo de sedução proposto pelo sujeito anunciante. Além disso, Capitu também foi o nome dado a uma personagem da novela Laços de Família do autor Manoel Carlos transmitida na Rede Globo em 2000/2001. Capitu de Manoel era uma garota de programa, interpretada pela atriz global Giovanna Antonelli. Provavelmente, o nome da personagem da telenovela foi inspirado no

comportamento da personagem de Machado de Assis, já que na trama de Manoel Carlos havia uma livraria que recebia, justamente, o nome de Dom Casmurro. Podemos afirmar que, possivelmente, o sujeito anunciante se nomeia através desse signo inspirado na Capitu da novela, uma vez que a grande maioria da população brasileira tem mais acesso a telenovelas, especialmente da Rede Globo, do que livros literários. Salientamos também que a mulher articula em seu discurso características físicas que completam sua tentativa de antecipação do discurso do destinatário. Isto é, ela não tem apenas ousadia, sagacidade, mas também possui belos lábios, que dialoga com o discurso de que somente lábios carnudos e grandes são atraentes. Além da característica facial apresentada, o sujeito coloca em evidência suas pernas (coxuda) e a cor bronzeada de seu corpo, características valorizadas por determinados clientes que procuram esse serviço. Essa descrição em (2) opõe dois ideais de beleza e comportamento feminino que circulam na sociedade: de um lado, a cor branca, a fragilidade e a magreza estão ligadas à mulher sem atrativos sexuais; de outro, a cor morena, o corpo escultural e a astúcia estão ligadas à mulher desejada e atraente. É com esse segundo tipo ideológico de mulher que o sujeito em (2) tenta se identifica, a fim de conquistar seus possíveis leitores/clientes. Outros dois signos, que compõe o título, utilizados pela anunciante fazem ressoar diversas vozes sociais: exótica e provocante, escritos em caixa alta. Esses signos ideológicos também contribuem para a construção da subjetividade, pois confirmam que a mulher que oferece seus serviços neste anúncio se identifica com o segundo tipo ideológico. Ou seja, uma mulher exótica e provocante é extravagante, fora dos padrões tradicionais de comportamento feminino, tem atitude e iniciativa em assuntos sexuais. Interessante notar ainda que (2) apresenta um comportamento diferencial: adora beijar. Essa característica dialoga e polemiza com discursos sociais, em que se diz que as pessoas ao procurarem esse tipo de serviço só visam ao ato sexual sem nenhum envolvimento emocional. O beijo, na sociedade, é visto como símbolo de envolvimento, carinho, afeto e até amor. Ao dizer, então, que adora beijar, antecipa que seu destinatário possa estar procurando algo mais do que o ato sexual ou o ato sexual com carinho. Também percebemos essa estratégia em (3):

LUCAS 41 a. gentil, carinhoso, mass. Relax. Motel e a domic. c/ discrição. F (51) 98573220. Agora, um homem oferece seus serviços propondo gentileza e carinho. Como em (2), há um conflito constituído social e ideologicamente de comportamentos masculinos: por um lado, existem homens gentis, carinhosos, galanteadores; por outro, homens grosseiros, carnais, insensíveis. Obviamente, (3) tenta se mostrar como o primeiro tipo para atingir sua destinatária, já que este tipo, segundo discursos sociais, apresenta características comportamentais desejadas pelo público feminino. Esse discurso sobre as preferências das mulheres dialoga com outro discurso que diz que as mulheres buscam não só ato sexual ou prazer, mas também carinho e gentileza. Além disso, observamos em (3) o oferecimento de um serviço discreto. O enunciador antecipa que suas leitoras possam ser comprometidas e ele sabe também que a sociedade não aprova a procura feminina por esse tipo de serviço. Por isso, a discrição é uma característica fundamental desse sujeito. É importante considerar que esse anunciante não apresenta características físicas na composição de seu anúncio, como Capitu faz em (3). Ele se preocupa em mostrar somente suas características psicológicas e comportamentais para atingir o público feminino. Isso mostra que anúncios endereçados a homens têm direcionamentos distintos dos anúncios endereçados a mulheres. Considerações finais Como é característica do gênero classificados, em geral, os anunciantes tentam convencer os leitores a comprar produtos ou contratar serviços. No caso dos anúncios de serviços sexuais, os sujeitos tentam construir uma imagem que corresponda à procura de possíveis destinatários/clientes. Para tanto, trazem para seus discursos suas características corporais, comportamentais e psicológicas, utilizando signos ideológicos que fazem ressoar diversos discursos sociais e ideológicos. Nessa perspectiva, a abordagem do signo como elemento de realização material da ideologia, mostra que não existe neutralidade na linguagem e na palavra. Essa questão ficou comprovada em nossas breves análises que demonstraram também que as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios (BAKHTIN 2006:42).

Esses fios ideológicos são, portanto, os mecanismos que estruturam e articulam as diversas combinações de linguagens que vimos nos discursos dos anúncios. Referências BAKHTIN, Mikhail. (VOLOCHINOV, V. N.) Marxismo e Filosofia da linguagem. (1929). Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso (1952-1953). In:. Estética da criação verbal [1979]. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance [1975]. 4. ed. São Paulo: Editora da UNESP, Hucitec, 1998. AGORA. Jornal. Caderno classificados, seção serviços liberais. Rio Grande, 29 de junho de 2008. DIARIO GAÚCHO. Jornal. Caderno classidiário, seção serviços, subseção relax/acompanhantes/massagem erótica. Porto Alegre, 22 de abril de 2010. ZERO HORA. Jornal. Caderno ZH Classificados Produtos e Serviços, seção serviços, subseção relax/ acompanhantes/massagem erótica. Porto Alegre, 02 de maio de 2010.