PINTURA NA CONTEMPORANEIDADE: ALGUNS APONTA- MENTOS PARA DISCUSSÃO

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Transcrição:

PINTURA NA CONTEMPORANEIDADE: ALGUNS APONTA- MENTOS PARA DISCUSSÃO Jorge Luiz Mies Mestrando em Artes PPGA/UFES/CAPES Palavras-chave: pintura moderna, pintura contemporânea, Regina Chulam O presente trabalho traz para discussão alguns apontamentos a respeito da pintura, meio de expressão que se revitaliza no campo da arte brasileira. Tal fato pode ser percebido pela quantidade de livros e catálogos que são produzidos para explanar um manancial de possibilidades poéticas, e revelar os importantes e possíveis caminhos da pintura na contemporaneidade. Essa categoria tradicional das artes plásticas, que se encontra firme na gramática bidimensional do plano, já ultrapassou seus anúncios de morte e desafia sem medo uma parcela da crítica que se faz antagônica. Parcela esta composta por críticos, e até mesmo ex-pintores, que nesse tempo de liberdade estética, ainda comungam da mesma ideia: o fim da pintura. Aceitar o fim da pintura, ou sua morte, é questionar sua função estética e sua ação crítica, já que uma das premissas, ligadas a esse meio de expressão, é que ela nos convida a olhá-la para não ver nada além dela mesma. Nesse campo aberto para a experimentação que constitui a arte contemporânea, o trabalho artístico, ao contrário da pintura, não convida só a contemplação, mas provoca o espectador, tirando- -o de sua zona de conforto, de sua passividade. Diante disso, percebemos que a maioria das produções pictóricas, todavia, não mostra a trama problemática de sua organização, não questiona o sistema que a engendra. Mesmo diante desse dilema, muitos artistas têm escolhido a superfície da tela e/ou 332

da madeira ao invés de tantas outras mídias, como a instalação, o vídeo, a performance e a fotografia, em favor da revalorização do objeto pintura. Objeto que além de oferecer, segundo a crítica que o acompanha, uma série de processos poéticos particulares constituídos no embate entre tintas e telas, expande-se também para outras dobras requerendo o espaço tridimensional, fazendo-se, talvez, mais contemporâneo. Com o surgimento da fotografia no século XIX a pintura sentiu-se ameaçada. A máquina fotográfica reproduzia a realidade por meio de um processo mecânico, diferente da pintura, que a reproduzia por meio de um processo manual. Mesmo encarando a fotografia como uma espécie de esboço preliminar, inspiração ou registros de motivos a serem integrados a seus trabalhos, muitos pintores passaram com suas práticas pictóricas a reivindicar e dar ênfase aos aspectos que são peculiares à pintura: toque, textura, gesto caráter único deste meio expressivo e de nenhuma outra arte. A pintura moderna assumia a tarefa de determinar, por suas próprias operações e obras, os efeitos exclusivos para ela mesma, segundo Clement Greenberg (apud DANTO, 2006, p. 74). Foi com a arte moderna que a pintura encontrou em Greenberg seu mais importante narrador, que substituiu a narrativa da representação pela narrativa de uma prática pictórica pura. Greenberg identificou nas propriedades físicas dessa prática forma, pigmento, superfície a essência da pintura como arte (DANTO, 2006). Assim, o tema da pintura passava a ser a própria pintura, criando uma ilusão de espaço diferente da renascentista, que convidava o espectador entrar e caminhar. A ilusão criada pelo artista moderno permitia apenas o deslocamento do olhar. O período moderno na arte foi a época em que a pintura passou a ser esquadrinhada, analisada e trabalhada na busca de sua essência até o seu possível esgotamento (HERKENHOFF, 1996). Cada pintor proclamou a morte da pintura para melhor abrir caminho às novas soluções encontradas para os problemas técnicos da linguagem pictórica. A história da arte moderna, então, se constituiu como uma história de mortes sucessivas. Mas foi com a arte abstrata que a pintura alcançou sua mais pura essência, tornando-se símbolo do modernismo e consequentemente a conclusão do percurso da pintura, como aponta o crítico e historiador de arte Yve-Alain Bois (2009).

Mas se a pintura apresentou na pós-modernidade todos os sinais de esgotamento interno ou impedimentos de avanço bandeira levantada por muitos artistas e teóricos por volta de 1960/70 perguntamos: como a pintura se sustenta depois das grandes realizações do modernismo? O desejo de pintar precisa ser encarado pelo artista como desafio, pois ser pintor hoje significa trabalhar tendo consciência que a finitude de seu ofício será questionada a todo instante. Por isso, a pintura, assim como a obra de arte contemporânea, exige problematizar a percepção do tempo e do espaço. Ela não reclama somente uma reavaliação do moderno e da memória do passado, requer uma reflexão histórica e uma visão crítica do presente antecipando seu futuro. Mesmo não recusando a tradição, pois não existe pintura sem nada, sem elo, o artista deve romper sempre consigo mesmo, se sabotar, problematizar seu trabalho, seu processo, como disse o pintor Carlos Zilio em entrevista (2006). As influências precisam ser transformadas em novas linguagens assumindo sempre uma posição crítica, o que não observamos na maior parte da produção pictórica atual. Trago um trabalho da pintora capixaba Regina Chulam para ilustrar nossa discussão. Trabalho relevante no seu processo criativo, por trazer uma abordagem essencialmente crítica, e sem se abstrair da bidimensionalidade do suporte. A série, intitulada Jogo do Bicho (2006/7), começou a ser pensada no ano de 2003, ano de constantes denuncias de corrupção e, consequentemente, de CPI s sendo instauradas. O trabalho, composto por 25 telas pequenas e por uma bandeira de grande dimensão, expõe e discute questões políticas e morais contemporâneas como, por exemplo, a corrupção alargada pelos problemas da fragilidade de critérios políticos, provocando no Brasil um ambiente de desordem social. Para executar o trabalho, a artista mergulhou nas origens históricas do jogo do bicho. No quadro Bandeira 1, o lema dos bicheiros, vale o que está escrito, que serve para reforçar a confiança e seriedade nas apostas e no pagamento do prêmio, vai de encontro à indignação da artista com a política brasileira. O jogo, embora clandestino e criminalizado no país, pode, pela metáfora, representar um clima brasileiro, pois com a forte adesão popular e milhares de apostadores, tornou-se um ambiente favorável à corrupção de policiais, de membros do poder judiciário e políticos. Diante disso, na tela com o formato da bandeira nacional, símbolo de nossa

identidade, Chulam altera a sentença Ordem e Progresso por Vale o que está escrito. A atitude irônica da artista nos leva a refletir sobre o que está escrito na bandeira e também nas próprias leis de nosso país, que mesmo anotadas em papéis parecem de nada valer, visto que estão constantemente sendo burladas. Mesmo se conectando com as tendências da arte do século XX e validando no quadro sua própria materialidade, a série engendrada pela artista também traz uma reflexão do que significa fazer pintura atualmente. Chulam, com suas experimentações de colagens de papel sobre a tela, ao mesmo tempo em que investigou os meios expressivos dos materiais, nos apresentou uma nova possibilidade de dizer algo sobre sua experiência no mundo, trazendo a obra de arte para dentro de um contexto atual que vai exigir de seu observador não só uma contemplação estética, mas principalmente uma opinião crítica. O pintor Marco Giannotti em seu pequeno livro Breve História da Pintura Contemporânea relata: A pintura contemporânea lida com uma série de contradições: o desenho e a cor, a figura e a abstração, o futuro e o passado, o pessoal e o impessoal, a capacidade de se expressar plenamente, a liberdade, e os percalços inerentes a toda ação que pretende se superar a cada momento (2009, p. 93). Giannotti entende que a pintura contemporânea é muito mais que uma questão de pincel, tinta e gesto. Na busca por engendrar o espaço plástico posto em xeque a todo o momento no jogo da contemporaneidade, o artista defronta a pintura como um trabalho de garimpo para explorar imagens já existentes, seja as consagradas pela história ou aquelas presentes na mídia, e manipulá-las em novas relações com os materiais. Expandindo os modernismos, apresentando funções e estilos diversos, e insistindo em seus fins imagináveis, muitos artistas acreditam que a tela ainda é um campo de ação com possibilidades de execuções significativas. Compreendemos que para a pintura se exercer numa função ativa na escrita da história contemporânea, ela se presentifique questionando o próprio conceito de arte. Para isso, seria necessário que o pintor investigasse o seu campo de atuação tornando-o uma nova modalidade de combate crítico. Sua tarefa seria a de trabalhar sobre as rupturas, esclarecen-

do-as, não as idealizando, rompê-las de fato. A pintura, assim como qualquer outro trabalho de arte, deveria apresentar seu conluio problemático, um conflito com o sistema que a engendra. 2 Para concluir apresentamos também dois apontamentos possíveis: 1 Aceitar que a pintura trabalhou na arte moderna sua própria auto-realização, ao atingir a sua meta de purificação, resultando no tudo já foi feito no plano pictórico, seria mais fácil para compreender que sozinha ela não dá mais conta do campo da arte. Assim, a arte contemporânea, ao invés de subestimá-la, poderia percebê-la como apenas um meio na disjunção aberta aos meios e das práticas (DANTO, 2006, p. 150) que definem o universo da arte. E se é difícil para os críticos que a defendem apenas aceitá-la como a feitura de objetos belos, seria de bom grado incentivá-la, nesses tempos contemporâneos, a aprender a conviver com outros modos de fazer arte: instalação, performance, vídeo e tantas outras opções que clamam o espaço do mundo para habitá-lo. A pintura, porém, passaria a assumir de fato outras dobras, outras formas proporcionadas pelo variado menu de escolhas artísticas, mesclando-os. 2 Aceitar que a arte contemporânea, que ainda está por ser escrita, se constrói na ruminação dos resquícios deixados pelas perguntas e pelas respostas desenvolvidas pelas vanguardas modernas, tanto para negar quanto para afirmar. Portanto, a arte atual deve permitir ao artista se expressar no suporte que for conveniente à sua arte, e consequentemente, dar licença para a pintura dialogar com a tradição, fragmentá- -la e se constituir como uma imagem anacrônica; pois o que nos importa hoje é como o artista desenvolve seu processo poético, o sustenta e o coloca em reflexão. E arte é o que cada um de nós chamamos de arte, que tanto pode nos levar a um questionamento crítico quanto nos levar a um simples exercício de prazer estético. Na verdade, é preciso descobrir criticamente o novo papel que a pintura terá nesse novo mundo (GIANNOTTI, 2009, p. 96) ao invés de discutirmos sua decadência. 1 Bandeira vale o que está escrito (série Jogo do Bicho), 2006. Técnica mista sobre tela, 150 x 200

cm. Coleção Márcio Espíndula, Vitória. 2 Aqui trago o pensamento do crítico Ronaldo Brito em seu texto O moderno e o contemporâneo (o novo e o outro novo), jogando-o especificamente para o domínio da pintura. O texto também pode ser encontrado na publicação de Ligia Canongia, Anos 80: embates de uma geração, entre as páginas 236 e 243. REFERÊNCIAS BOIS, Yve-Alain. A pintura como modelo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. CANONGIA, Ligia. Anos 80: embates de uma geração. São Paulo: Barléu, 2010. DANTO, Arthur. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus, 2006. GIANNOTTI, Marco. Breve história da pintura contemporânea. São Paulo: Claridade, 2009. HERKENHOFF, Paulo. O pincel e o conta-gotas. In: CHIARELLI, Tadeu. Leda Catunda. São Paulo; Cosac Naify, 1998. ZILIO, Carlos. Que história é essa?! Arte & Ensaios. Rio de Janeiro, nº 13, 2006. Entrevista concedida a Arte & Ensaios. Jorge Luiz Mies é bolsista CAPES, discente do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (Mestrado em Artes). Licenciado em Artes Visuais pela mesma universidade em 2011. Entre os anos 2009 e 2011 foi bolsista do Programa de Iniciação Científica, sob a orientação da Profª Drª Angela Grando, pesquisando a produção pictórica da artista capixaba Regina Chulam.