PRIVATE EQUITY COMO FONTE DE RECURSOS PARA A EMPRESA BRASILEIRA: CONCEITUAÇÃO TEÓRICA E PERSPECTIVA PRÁTICA



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Transcrição:

PRIVATE EQUITY COMO FONTE DE RECURSOS PARA A EMPRESA BRASILEIRA: CONCEITUAÇÃO TEÓRICA E PERSPECTIVA PRÁTICA João Neiva de Figueiredo, Ph.D. Professor do Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis, SC- 88040-900. email: jneiva@aol.com ABSTRACT This paper examines Private Equity as a source of financing for small and medium sized companies in the Brazilian market from the point of view of the firm. First the paper describes the main characteristics of Private Equity and the financing process. Then the study outlines the theoretical issues that affect Private Equity as a source of capital, describing its limitations and resulting market imperfections, and explaining how these issues have been dealt with in other economies. Lastly the Private Equity process is analyzed from the point of view of the company being financed. The paper provides a roadmap for companies as they examine Private Equity financing options in Brazil. Keywords: Private Equity, Venture Capital, small and medium company financing 1. INTRODUÇÃO Private Equity, a compra de participação acionária em empresas não negociadas em bolsa por parte de investidores financeiros é uma modalidade de captação de recursos na qual investidores financeiros aceitam arcar com o elevado risco de prover capital para uma empresa não negociada em bolsa, possivelmente em seus estágios iniciais de existência, em troca de um retorno esperado mais alto que o de outras oportunidades de investimento. A tese principal deste trabalho é de que, apesar de sua complexidade, financiamentos de Private Equity continuarão a crescer no Brasil por fornecer retornos altos aos investidores financeiros, por representar uma alternativa de financiamento para companhias que não teriam outro acesso a recursos, e por preencher um papel importante para a economia como um todo. Este trabalho explora alguns motivos da complexidade da execução de investimentos de Private Equity, enumerando soluções encontradas em outros países e apresentando uma visão prática do ponto de vista da empresa que busca capital. O objetivo principal deste trabalho é fornecer subsídios para a análise do processo de desenvolvimento de Private Equity no Brasil sob a ótica da companhia captadora de recursos. Como em numerosos aspectos as condições no Brasil são diferentes das condições existentes em países onde esta fonte de capital se desenvolveu, o estudo busca primeiramente apresentar as principais características de Private Equity com uma descrição de suas limitações e conseqüentes imperfeições de mercado. Em seguida o estudo busca, através de uma análise bibliográfica da literatura acadêmica sobre o tema, examinar soluções destas limitações que foram utilizadas com sucesso em outras economias para, a partir daí, possibilitar a escolha das soluções mais aplicáveis ao ENEGEP 2002 ABEPRO 1

contexto brasileiro. Finalmente é descrita a visão da companhia captadora de recursos do ponto de vista prático. Este é um trabalho descritivo cujo objetivo é detalhar as questões teóricas que balizaram o crescimento desta fonte de recursos em outras economias e identificar as questões práticas que podem afetar o seu desenvolvimento no Brasil do ponto de vista da pequena empresa. 2. DESCRIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE PRIVATE EQUITY Os mercados de Private Equity conectam investidores a companhias com necessidades de financiamento, em operações financeiras em que quase sempre a contrapartida dos recursos é a participação acionária na companhia que recebe o capital. Nesta modalidade de financiamento os provedores de capital negociam diretamente com as companhias captadoras para definir as condições contratuais do investimento. Dependendo das características da companhia que recebe os recursos, os investimentos de Private Equity podem ser classificados de formas distintas. Se a companhia a ser financiada é pequena e está nos seus primeiros estágios de desenvolvimento, com empreendedores que em geral foram seus fundadores, a modalidade de financiamento é chamada de Venture Capital (conhecido no Brasil em alguns meios como Capital de Risco). Empresas de porte médio ainda não listadas em bolsa por vezes financiam seu crescimento (quer orgânico, quer através de aquisições) através da venda de participação acionária a investidores financeiros que então ajudam a empresa a acessar os mercados de ações (Growth Equity). Outra modalidade de Private Equity é utilizada em algumas situações (com estruturas de financiamento complexas) para empresas que têm suas ações já negociadas em bolsa mas por alguma razão não têm outra fonte de financiamento disponível (later stage financing). O Leveraged Buy-out (LBO) é a forma de Private Equity em que investidores contraem dívida para comprar controle de uma companhia e saldam esta dívida com o fluxo de caixa da própria companhia. Finalmente, em economias não emergentes existem ainda modalidades de Private Equity chamadas de financiamentos de mezanino (Mezzanine Financing) nas quais o alto retorno esperado pelos investidores é obtido não somente pela participação no controle acionário mas também com remuneração do capital empregado nos moldes de dívida. Como visto acima, o termo Private Equity engloba diversas modalidades de financiamento nas quais o investidor passa a participar da estrutura acionária da companhia, mas em todas as situações certas características estão presentes. Primeiramente, são situações em que o risco de perda de todo o capital empregado é significativo. Financiamentos de Private Equity envolvem um risco muito alto por razões que variam de caso para caso. Para compensá-lo por este risco, o investidor financeiro busca participação acionária na empresa em uma dimensão que proporcione um retorno muito alto ao capital empregado. Em segundo lugar, nesta modalidade de financiamentos, todos os aspectos da operação incluindo a avaliação da companhia, a estruturação do investimento, a definição das características contratuais e o detalhamento de quaisquer questões não usuais são definidas através de negociações diretas entre os tomadores de capital (a companhia ou seus acionistas) e os provedores de capital (os investidores financeiros). Em comparação, os mercados de ações, de crédito bancário, de commodities, de dívida pública, para citar alguns, não admitem o mesmo nível de negociações contratuais diretas entre captadores e agentes financeiros. Terceiro, o investidor financeiro tem um horizonte de tempo limitado para obter o retorno esperado, em geral entre três e sete anos, e raramente mais de dez anos. Consequentemente, uma condição necessária para o investidor aportar capital é ter um plano realista para sua saída alguns anos depois. ENEGEP 2002 ABEPRO 2

Em quarto lugar, mesmo em casos em que o investidor terá após o investimento uma participação acionária minoritária, ele exigirá voz ativa na governança corporativa da empresa. Esta voz ativa normalmente é expressa através de assento com direito a voto no conselho de administração da empresa bem como um acordo de acionistas que especifica diversas matérias em que o investidor financeiro tem direito a veto (denominado "controle negativo"). O objetivo dos investidores financeiros é preservar seu capital e eles procurarão se cercar de todas as garantias contratuais possíveis para que isto seja possível. Finalmente, o processo que leva ao investimento desde o primeiro contato até o fechamento da operação é muito longo e trabalhoso. Os investidores financeiros estarão levantando todas as informações necessárias para avaliarem os riscos da aplicação e decidirem se a probabilidade de obterem o retorno almejado é alta. Como descrito abaixo, existe considerável assimetria de informações entre o investidor financeiro por um lado e a companhia e seus acionistas e administradores por outro, uma vez que estes dispõem de dados muito mais precisos sobre a própria companhia e suas condições do que aqueles. Antes de finalizar a operação os investidores financeiros não medirão esforços para minimizarem esta assimetria de informações, e este processo demandará tempo e recursos substanciais. Pelas razões descritas acima, Private Equity é uma modalidade de financiamento que é muito laboriosa para a companhia. Ademais, esta é, de maneira geral, a forma de capital mais cara (isto é, de custo mais alto) para uma companhia, somente sendo usada quando outras opções para financiamento forem esgotadas - as companhias captadoras devem procurar financiar seu crescimento por outros meios e somente realizar operações de Private Equity quando não houver outra maneira de obter os fundos desejados. Existem, no entanto, várias situações nas quais será aconselhável para a companhia utilizar esta forma de financiamento porque o custo do capital, apesar de alto, ainda será inferior ao retorno esperado para a companhia e para seus outros acionistas. 3. LIMITAÇÕES DE PRIVATE EQUITY Como descrito acima os pontos relativos ao aporte de capital em uma operação de Private Equity são definidos mediante negociação direta entre os provedores de capital (investidores) e os representantes da companhia captadora (seus acionistas e administradores). A estrutura da operação bem como o conjunto de regras que nortearão o relacionamento entre investidores, a companhia e seus acionistas, e demais partes interessadas são descritas explicitamente na documentação da operação incluindo o acordo de acionistas, o estatuto alterado da empresa e documentos de subscrição de ações. A assimetria de informações sobre a companhia existente entre os representantes desta e os investidores tem duas consequências imediatas: primeiramente, conforme já mencionado, o processo de aporte de capital é laborioso e demorado e segundo, há necessidade de documentação detalhada tentando antecipar soluções para situações em que esta assimetria de informações possa ser prejudicial a uma das partes. Grossman e Hart (1986) bem como Hart e Moore (1990) mostraram que a obtenção de capital fica dificultada (e consequentemente mais cara) em situações de assimetria de informação nas quais há dificuldade de verificar se certas metas foram atingidas bem como em outros casos de dificuldade na medição de performance. Caso a assimetria de informações fosse completamente eliminada, as dificuldades para obtenção de financiamentos seriam superadas. Tanto economistas teóricos como Grossman e Hart como economistas financeiros como Sahlman tem demonstrado que investidores de Private Equity, por seu grau de especialização, têm sido, na prática, capazes de resolver estes problemas de assimetria de informação. ENEGEP 2002 ABEPRO 3

Foi Sahlman (1990) quem primeiro enunciou os três problemas principais de um investidor de Private Equity ao examinar e realizar seu investimento. Os três problemas principais do investidor financeiro são: primeiro, identificar investimentos que trarão o retorno almejado; segundo, maximizar a chance de que a companhia seja administrada de maneira a conseguir o máximo retorno ao seu investimento, ou seja, minimizar os chamados custos de agência, termo consagrado por Jensen e Meckling (1976); e terceiro, minimizar o valor presente dos custos operacionais vinculados ao seu investimento, inclusive garantindo a sua própria saída. Identificação de Investimentos Promissores Somente uma pequena parcela das oportunidades de investimento que se apresentam serão realmente capazes de produzir os altos retornos almejados pelos investidores. O problema que estes enfrentam é identificar estas oportunidades a priori, problema este que é exacerbado pelo número de oportunidades examinadas (o investidor de Private Equity em geral investe em um percentual muito pequeno - de dois a cinco por cento - de todas as oportunidades que ele analisa detalhadamente e uma porcentagem muito menor ainda de todas as oportunidades que lhe são apresentadas). O problema da identificação de investimentos promissores é ainda exacerbado pela existência de seleção adversa, porque como os empreendedores têm conhecimento dos altos retornos requeridos pelos investidores, os melhores esgotarão outras modalidades de financiamento antes de procurar Private Equity por ser esta forma de financiamento a mais onerosa para a companhia, como descrito acima. Financiamentos de Private Equity ocorrem em situações em que a assimetria de informações (e consequentemente a probabilidade de seleção adversa e risco moral) é mais alta do que em situações de financiamento tradicionais. Por um lado, as empresas enfrentam a realidade que financiamentos são mais difíceis de serem obtidos, e por outro, os investidores têm de se cercar de mecanismos para minimizar os problemas gerados pela assimetria de informações. Basicamente, investidores têm quatro mecanismos para auxiliar na identificação de investimentos promissores. Primeiramente, o longo processo de análise (descrito acima) antes de qualquer aporte de capital. Segundo, a possibilidade (utilizada frequentemente) de convidar outros investidores para analisar e participar da oportunidade. Terceiro, a estruturação do investimento em estágios distintos e sucessivos, sendo cada etapa sujeita a determinados níveis de performance por parte da companhia (neste caso, conforme demonstrado por Sahlman (1998) o investidor está na realidade mantendo uma opção para aportar mais capital, para reavaliar a companhia, ou, em casos extremos, para abandonar a oportunidade). Finalmente, a utilização de instrumentos de dívida conversíveis em ações, ou seja, se a companhia não desempenhar de acordo com o esperado, a opção de conversão não é exercida pelos investidores de Private Equity, aumentando a probabilidade do retorno do capital empregado pelo investidor. Este último mecanismo visa minimizar a seleção adversa no exame preliminar de oportunidades. Custos de Agência em Private Equity O problema de agência ocorre quando uma pessoa (o agente - neste caso os administradores da companhia) desempenha uma tarefa como representante de outra pessoa (o principal - neste caso os investidores financeiros) e o perfeito monitoramento daquele por este é impossível por alguma razão. As causas do problema de agência em geral são vinculadas à assimetria de informação acoplada a incentivos diferentes para as partes envolvidas. No caso de Private Equity existem diversas situações em que os incentivos do administrador, do empreendedor, ou de outros acionistas podem ser diferentes dos incentivos dos investidores financeiros. ENEGEP 2002 ABEPRO 4

Um exemplo em que os incentivos podem ser diferentes é o uso do capital: os investidores financeiros querem se certificar que todo o capital é utilizado para aumentar o valor da empresa quando outros participantes do projeto podem ter objetivos diferentes. Este exemplo é resolvido acoplando a maior parte da remuneração do administrador em questão ao aumento do valor da companhia, muitas vezes através de opções (que valerão mais na medida em que o projeto tiver sucesso e o valor da companhia cresça). Outro exemplo de problema de agência é a possibilidade de hold-up por parte de um empreendedor ou administrador que seja crucial para o projeto e que porventura exija reavaliação de sua remuneração através, por exemplo, de uma ameaça de procurar outra atividade. Este exemplo é solucionado fazendo com que parte substancial da remuneração em opções vista (do inglês to vest) ao longo do tempo. Outro mecanismo que ajuda a resolver os altos custos de agência proporcionando um maior alinhamento de incentivos é a estruturação do investimento em estágios distintos e sucessivos, sendo cada etapa sujeita a determinados níveis de performance por parte da companhia, conforme mencionado acima. Gompers (1997) examinou a eficácia deste mecanismo para minimizar custos de agência e chegou à conclusão que este é um dos mais importantes mecanismos de controle de um investimento porque ajuda a alinhar os incentivos dos investidores aos dos administradores e empreendedores uma vez que estes sabem que estágios subsequentes de investimento somente serão aprovados se determinados níveis de performance forem atingidos. Garantia de Saída e Minimização de Custos Como descrito acima, o investidor financeiro tem horizonte limitado, ou seja, determinado número de anos após o aporte de capital, o investidor financeiro pretende sair do investimento. Esta saída pode ocorrer de várias formas: Pela venda da companhia, pela venda de sua participação a um investidor estratégico, pela venda de sua participação no mercado público após uma oferta inicial de ações (IPO), ou por uma recapitalização da empresa, por exemplo. A literatura acadêmica a respeito dos processos de saída tenta determinar se companhias em que investidores de Private Equity têm participação acionária têm performance melhor que outras e enfoca maneiras de maximizar o retorno através de ofertas públicas de ações no momento ideal. Lerner (1994) conclui que empresas nas quais investidores de Private Equity experientes têm participação acionária significativa conseguem fazer suas ofertas iniciais de ações em picos de mercado. Brav e Gompers (1997) confirmaram que empresas nas quais investidores de Private Equity têm participação acionária significativa têm performance melhor no mercado acionário mesmo anos após a oferta inicial de ações. De maneira mais ampla, diversos mecanismos são utilizados para garantir contratualmente a saída do investidor financeiro num prazo determinado. O primeiro é a exigência de abertura de capital da empresa em um determinado prazo. Caso isto não seja possível (por condições de mercado adversas, por exemplo) existem diversos mecanismos que, após um determinado período de tempo, permitem ao investidor financeiro forçar a venda da companhia. Existem ainda situações em que a partir de um determinado tempo transcorrido o investidor financeiro pode exercer uma opção de venda de sua participação na companhia para os outros acionistas a um determinado valor pré-acordado. Finalmente a própria estruturação do instrumento financeiro como dívida conversível em capital próprio ao longo do tempo permite que o investidor recupere o capital empregado em casos em que nenhum dos outros mecanismos funcione. O objetivo de minimizar o valor presente dos custos operacionais vinculados ao investimento é atingido não somente através da análise criteriosa da oportunidade antes do investimento ser feito, mas também, e principalmente, através de participação ativa no ENEGEP 2002 ABEPRO 5

conselho de administração e usufruto de poder de veto para questões específicas, ou seja, através de um monitoramento criterioso, como mostraram Cornelli e Yosha (1997). Algumas das questões que necessitam da aprovação do investidor financeiro são, por exemplo, venda ou compra de ativos substanciais, fusões e aquisições, endividamento acima de determinados níveis, emissão de ações, troca de objeto social e alteração no controle acionário, dentre outros. 4. VISÃO PRÁTICA O PONTO DE VISTA DA COMPANHIA Com todas as limitações descritas na seção 3, com a complexidade dos remédios utilizados, com todas as dificuldades e a demora inerentes ao processo de aporte de capital, e, do ponto de vista da companhia, com o custo alto do investimento, a pergunta seguinte seria porque companhias e empreendedores buscam este tipo de financiamento? Certamente existiriam situações em que outras fontes de capital estariam indisponíveis à companhia e nas quais seria melhor alterar o planejamento diminuindo a necessidade de capital de maneira a não incorrer nos altos custos da entrada de um investidor de Private Equity. Porque, então, existem situações em que companhias buscam esta fonte de recursos apesar de seus altos custos? A resposta é que as vantagens para a companhia e o empreendedor podem ser ainda mais altas do que os altos custos envolvidos, custos estes parcialmente descritos acima. Listamos a seguir algumas destas vantagens. Primeiramente, é possível que a oportunidade de crescimento que se coloca para a empresa naquele momento seja de tal maneira vantajosa que justifique os altos custos para a companhia de um investimento em Private Equity. Como exemplos, em situações em que um novo mercado esteja se abrindo, ou em que haja uma oportunidade única para a compra de ativos estratégicos, ou em que a companhia esteja próxima de finalizar o projeto de um produto com inovação tecnológica significativa, ou de forma genérica, em que os recursos proporcionarão um salto qualitativo e quantitativo na performance da empresa, torna-se justificável do ponto de vista do empreendedor, dos acionistas existentes na companhia e dos administradores arcar com os custos para obter os benefícios esperados. Do ponto de vista da companhia esta é condição necessária (porém não suficiente) para considerar a entrada de um investidor financeiro - o custo do capital deverá ser inferior ao retorno esperado. Em segundo lugar, a entrada de investidores financeiros com experiência em desenvolvimento de companhias fornece subsídios importantes aos empreendedores, administradores, e demais sócios na gestão da companhia, em situações tais como preparação para acesso aos mercados de capitais internacionais, definições de estratégia, desenvolvimento das competências internas da empresa, e benchmarking com outras organizações de ponta na mesma área. Este aspecto é muito importante para o desenvolvimento de uma companhia uma vez que quase sempre há uma escassez de recursos humanos para atingir os níveis de performance desejados. É pela capacidade de ajudar na administração de recursos escassos e na definição da estratégia de médio e longo prazo de empresas em crescimento que a experiência de um investidor financeiro se torna bem-vinda. Ademais o conhecimento extenso do investidor financeiro das diversas formas de financiamento disponíveis, inclusive preparação para acesso aos mercados de capitais internacionais pode ser muito útil para uma empresa em crescimento. Terceiro, a entrada de um investidor financeiro de reputação sólida na estrutura acionária da companhia aumenta o grau de legitimidade desta perante o mercado, melhorando sua imagem e facilitando contatos que poderão levar a oportunidades de investimento futuras, abrir portas para parcerias estratégicas, ou gerar novas oportunidades de negócios. A presença na estrutura acionária de um investidor financeiro será particularmente importante para a companhia (bem como seus outros acionistas, seus ENEGEP 2002 ABEPRO 6

administradores e empreendedores) no momento em que ela resolver acessar o mercado de capitais (quer acionário ou de dívida) porque o mercado encarará sua presença como um sinal positivo. Será também importante no momento em que surgirem oportunidades de fusão ou venda da própria companhia uma vez que investidores financeiros têm larga experiência neste tipo de negociações. Em termos usados na teoria econômica, a presença de um investidor financeiro na estrutura acionária da companhia é uma sinalização positiva para o mercado. Quarto, a inclusão na estrutura societária da companhia de um investidor financeiro que tenha participação em outras empresas traz como benefício um aumento da capacidade de networking da companhia. Como investidores financeiros normalmente têm participação em muitas companhias (os mais ativos têm investimentos em centenas de empresas), a companhia que recebeu recursos imediatamente se torna parte de uma comunidade de empresas que pode aumentar as oportunidades de negócio bem como fornecer ajuda e suporte em casos de necessidade. Finalmente, existem situações específicas em que se torna muito vantajoso ter um investidor institucional de peso participando do quadro societário. Por exemplo, em casos de desenvolvimento de novos produtos em áreas altamente técnicas como tecnologia da informação ou bioengenharia torna-se muito útil para a companhia ter o respaldo de um experiente investidor financeiro para lidar com os desafios inerentes a estes setores de vanguarda porque os empreendedores normalmente têm embasamento técnico muito forte mas menos vivência em gerência e negócios. Em resumo, existem diversas vantagens para a companhia captadora de recursos em incorporar como sócio um investidor financeiro, mas estas vantagens são contrabalançadas pelo alto custo para a companhia e pelo longo e laborioso processo de aporte de capital. A decisão por parte da empresa de aceitar (ou não) o aporte de capital de um investidor financeiro é uma das decisões mais importantes que seus acionistas contemplarão durante a vida da empresa e deverá ser tomada após serem cuidadosamente examinados os custos e os benefícios de tal aporte. 5. CONCLUSÕES Neste trabalho foi apresentado um resumo descritivo de financiamentos de Private Equity com o objetivo de fornecer subsídios para a análise de Private Equity no Brasil sob a ótica da companhia captadora de recursos. Buscou-se aqui primeiramente apresentar as principais características da classe de ativos de Private Equity e Venture Capital. Em seguida o estudo forneceu uma análise bibliográfica da literatura acadêmica sobre o tema, examinando as limitações desta forma de financiamento bem como as conseqüentes imperfeições de mercado. Em seguida este trabalho descreveu as soluções mais utilizadas para corrigir estas imperfeições e facilitar a escolha daquelas soluções mais aplicáveis ao contexto brasileiro. Finalmente, o trabalho apresentou a ótica da companhia captadora de recursos, descrevendo o processo de financiamento de Private Equity do ponto de vista da firma. Como explicitado acima, este é um trabalho descritivo que fornece uma série de recomendações para companhias brasileiras precisando de recursos seguirem quando participarem de um processo de aporte de capital de Private Equity. A entrada de um investidor financeiro como sócio em uma companhia que necessite recursos através de um aporte de capital na modalidade de Private Equity por um lado é um processo demorado e trabalhoso, mas por outro lado pode trazer muitas vantagens para a companhia. Apesar de ser uma modalidade de obtenção de capital ainda relativamente pouco difundida no Brasil, Private Equity tem potencial de crescimento muito alto justamente porque representa uma opção de financiamento que, embora cara, está disponível para empresas que de outra forma não teriam acesso a capital para ENEGEP 2002 ABEPRO 7

financiar seu crescimento. A tese principal deste trabalho é de que financiamentos de Private Equity aumentarão em número no Brasil na medida em que tanto investidores financeiros quanto companhias a serem financiadas se familiarizarem com as vantagens e com as limitações desta fonte de recursos, para dela fazerem uso nas ocasiões mais apropriadas. BIBLIOGRAFIA 1. BRAV, A.; GOMPERS, P. Myth or Reality? The Long-run Underperformance of Initial Public Offerings: Evidence from Venture Capital and Nonventure-Capital backed Companies. Journal of Finance, vol. 52, pp. 1791-1822, 1997. 2. CORNELLI, F.; YOSHA, O. Stage Financing and the Role of Convertible Debt. Trabalho não publicado. London Business School e Universidade de Tel-Aviv, 1997. 3. GOMPERS, P.; LERNER, J. The Venture Capital Cycle. The MIT Press, 2000. 4. GOMPERS, P. Ownership and Control in Entrepreneurial Firms: An Examination of Convertible Securities in Venture Capital Investments. National Bureau of Economic Research Papers, 1997. 5. GROSSMAN, S.; HART, O. The Costs and Benefits of Ownership: A Theory of Vertical and Lateral Integration. Journal of Political Economy, vol. 94, pp. 691-719, 1986. 6. HART, O.; MOORE, J. Property Rights and the Nature of the Firm. Journal of Political Economy, vol. 98, pp. 1119-1158, 1990. 7. JENSEN, M.; MECKLING, W. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs, and Operating Structure. Journal of Financial Economics, vol. 3, pp. 305-360, 1976. 8. LERNER, J. Venture Capitalists and the Decision to Go Public. Journal of Financial Economics, vol. 35, pp. 293-316, 1994. 9. LERNER, J. Venture Capital and Private Equity - A Casebook. JohnWiley & Sons, 2000. 10. SAHLMAN, W. The Structure and Governance of Venture Capital Organizations. Journal of Financial Economics, vol. 27, pp. 473-521, 1990. 11. SAHLMAN, W. Aspects of Financial Contracting in Venture Capital. Journal of Applied Corporate Finance, Summer 1998. 12. STIGLITZ, J.; WEISS, A. Credit Rationing in Markets with Incomplete Information. American Economic Review, vol. 71, pp. 393-409, 1981. ENEGEP 2002 ABEPRO 8