Genero e trabalho no universo offshore: o caso de mulheres embarcadas.



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Transcrição:

XXVI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología. Asociación Latinoamericana de Sociología, Guadalajara, 2007. Genero e trabalho no universo offshore: o caso de mulheres embarcadas. Camila Daniel. Cita: Camila Daniel (2007). Genero e trabalho no universo offshore: o caso de mulheres embarcadas. XXVI Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología. Asociación Latinoamericana de Sociología, Guadalajara. Dirección estable: http://www.aacademica.com/000-066/797 Acta Académica es un proyecto académico sin fines de lucro enmarcado en la iniciativa de acceso abierto. Acta Académica fue creado para facilitar a investigadores de todo el mundo el compartir su producción académica. Para crear un perfil gratuitamente o acceder a otros trabajos visite: http://www.aacademica.com.

Gênero e Trabalho no universo offshore: o caso de mulheres embarcadas Introdução Os/as Embarcados/as, profissionais que exercem atividades em plataformas de petróleo deixam, durante quatorze dias do mês, seu cotidiano em terra para viver numa sociedade artificial em alto mar. Nesta instituição total ocupada majoritariamente por indivíduos do sexo masculino, os laços sociais anteriores ficam obstruídos pelo fechamento peculiar da plataforma, sendo necessário desenvolver regras de socialização que preencham a lacuna causada pelo confinamento. O dia-a-dia embarcado caracteriza-se não apenas pela distância em relação ao continente, mas, sobretudo pela formação de uma sociedade, composta de indivíduos reunidos arbitrariamente por razões econômicas e profissionais. Assim, indivíduos das mais variadas localidades, grau de escolaridade, crenças, com as mais diferentes histórias de vida são levados a co-habitarem num mesmo espaço, compartilhando seu tempo de trabalho e de folga. Se, por um lado, essa diversidade leva a uma grande troca de experiências de vida, por outro, dela também emergem conflitos e desentendimentos. A rotina na plataforma inclui uma jornada de trabalho de doze horas diárias, com intervalo para as refeições. Nas doze horas que restam para completar o dia, o/a embarcado/a divide-se entre ligar para suas família, assistir tv, praticar exercícios físicos na academia ou conversar com seus companheiros de unidade 1. As opções de diversão são escassas, podendo ser maiores ou menores, dependendo da empresa administradora e o grupo dirigente de cada plataforma. Mesmo havendo maiores atrações em umas que em outras, o sentimento de isolamento continua presente. Independente da função que exerça, do seu estado civil, sua idade ou seu gênero, a percepção de distância da sociedade exterior faz com que os embarcados/as tenham que viver entre dois mundos, onde cada um deles com suas próprias categorias, normas e regras. Estes seriam a terra (desembarque) e o mar (embarque). A distância do mundo exterior à plataforma durante uma quinzena, a conseqüente inserção numa sociedade artificial, com suas normas e regras, aliados à sensação de parar o tempo ao embarcar são percepções que acompanham os indivíduos à bordo de plataformas 1 Nome dado para designar plataforma. Como cada plataforma apresenta suas próprias características e suas regras, cada plataforma é considerada uma unidade distinta. Só se conhece, de fato, outra plataforma nos detalhes de seu funcionamento técnico e social embarcando-se nela. 1

de petróleo. Sua inserção numa outra organização social faz com que eles tenham que passar por um processo de adaptação ao embarcar pelas primeiras vezes. Esta adaptação envolve a aprendizagem de certas categorias de pensamento e comportamentos desenvolvidos pela sociedade embarcada para encarar a realidade offshore. Portanto, enganam-se os que acreditam que embarcar é apenas passar uma quinzena trabalhando longe de casa. Este sistema de trabalho, que pode parecer tão vantajoso (afinal, qual outro trabalho concederia 15 dias de folga mensalmente a seus/suas funcionários/as? Dizem aqueles que nunca embarcaram) é, de fato físico e emocionalmente desgastante, já que os indivíduos ingressos nele têm suas possibilidades de escolhas (o que comer, o que vestir, quem ver, aonde ir) limitados às instalações de sua plataforma e suas relações sociais restritas ao convívio de seus/suas companheiros/as embarcados/as. Neste sentido, a plataforma apresenta características típicas de instituições totais. Segundo Goffman (1996), uma instituição total não apenas reúne, mas concentra, no seu âmbito, uma extensa gama de atividades, que inclui as atividades de trabalho, lazer e repouso. Nela, os indivíduos são forçados a compartilhar o mesmo espaço com aqueles que serão também, forçosamente, seus parceiros nas diversas atividades desenvolvidas dentro da instituição. Neste sentido, a instituição total é fechada. Ingressar numa instituição total, como uma plataforma, abrange questões psico-sociais, que impactam diretamente a experiência tanto de embarcadas como de embarcados, havendo, no entanto, certas particularidades quanto às experiências de homens e de mulheres. Neste universo, a presença feminina é escassa. Ela é encarada com certo estranhamento pelos outros embarcados. Assim, as embarcadas devem aprender as regras específicas que lhe são impostas no convívio com seus companheiros de trabalho. Estas regras em certos momentos escamoteiam, em outros asseveram, as categorias que distinguem mulheres e homens, baseadas em critérios ditos naturais e biológicos. Estas categorias de pensamento referentes às mulheres tentariam explicar sua maior concentração mais em algumas áreas, do que em outras, o que estaria associada à vocação natural (quase que divina) das mulheres. Assim, os embarcados além de criar explicações para a inserção da mulher do mercado de trabalho (já que rotineiramente a mulher está associada com o trabalho doméstico, portanto, seu lugar é casa), eles despendem certo esforço para explicar a 2

inserção de mulheres no sistema de trabalho embarcado, que é majoritariamente ocupada por indivíduos do sexo masculino. A mulher não apenas deixou o aconchego do seu lar, onde naturalmente devia estar, para ir para rua. Mais que isso: ela trocou o trabalho doméstico, o cuidado da família e dos filhos para se aventurar em alto mar em lugares repletos de homens. Ainda assim, a sociedade embarcada encontrará alternativas para, de certa forma, manter as classificações elaboradas em terra 2, tornando-as válidas para manter de um lado, o lugar da mulher, e do outro, a dominação masculina. A mulher (recém) embarcada: Aprendendo o seu Lugar Em Julho de 2005, eu embarquei pela primeira vez. Naquela data, eu fora contratada por um curso de inglês para ensinar o idioma a profissionais embarcados. Antes desta experiência, meu conhecimento sobre plataformas era, senão nulo, extremamente reduzido. Sem dúvida, mesmo antes de embarcar, eu já sabia que haveria muito mais homens que mulheres embarcadas. E de fato, minhas expectativas foram preenchidas. Nas três plataformas onde embarquei durante os dezoito meses como instrutora de inglês, o número de homens era maciçamente maior. No entanto, equivocam-se aqueles que são levados a crer que a dominação masculina nas plataformas se dá devido apenas à maioria numérica dos homens. De fato, os homens têm predominância no estabelecimento das regras tanto formais quanto morais. Além disso, grande parte dos cargos de chefia é ocupada por indivíduos do sexo masculino. Nesta lógica, homem e poder são substantivos que se confundem. As mulheres, dentro deste esquema de dominação, agem no sentido não de desconstruir este quadro, mas sim reforçar o mesmo esquema que lhes impõe determinados locais e lhes aplicam categorias e estigmas. Assim, a dominação masculina se mantém oficial, moral e ideologicamente. Tudo começa com o primeiro embarque. Todos/as que embarcam pela primeira vez passam por um processo de adaptação e aprendizagem, até ser aceito por um grupo e finalmente, aceito como membro da plataforma. Adaptação à distância em relação a terra firme e das relações sociais que ficam obstruídas na quinzena de trabalho. Aprendizagem das regras e normas (formais e morais) que organizam o cotidiano embarcado que funcionam como parâmetros de comportamento. Assim, observar um/a recém-chegado/a na plataforma é muito ilustrativo, porque, não conhecendo ele/ela a norma implícita da 2 O termo em terra é a tradução rotineiramente utilizado do inglês offshore. 3

unidade, é possível acompanhar sua progressiva descoberta das áreas que lhe são socialmente acessíveis; atentando para as redes de relações que vão sendo construídas por ele/ela, ao longo do tempo. Estas relações são constituídas de acordo com diversos fatores, sendo o principal deles a atividade profissional desenvolvida por este indivíduo. Sua função a bordo vai servir de mapa para seu deslocamento espacial e social. A formação de grupos primários, ou seja, por afinidade e amizade, vai ser fortemente influenciada pelos grupos secundários, as equipes de trabalho. Assim, no dia-a-dia, as recém-embarcadas vão aprendendo a como se comportar. As mulheres que embarcam há mais tempo são, na maioria dos casos, as responsáveis por transmitir estes ensinamentos: quem é confiável, quem não é, que roupa usar no horário de folga, com quem compartilhar as refeições, onde (não) se pode freqüentar, etc. No entanto, algumas embarcadas mais antigas sentem que seu lugar social feminino é ameaçado pelas novatas e, por isso, lhes recebem com hostilidade e antipatia. As novatas que enfrentam este quadro devem aprender sozinhas a lidar com sua delicada posição de mulher embarcada, vendo na prática as qualidades e papéis atribuídos ao gênero feminino. Os Homens diante das Mulheres: Como as embarcados se comportam diante das Embarcadas Buscar compreender a mulher embarcada envolve pensar na maneira como os homens as recebem e as tratam. Abordar temas relacionados à relação de gênero envolve tratar homens e mulheres numa perspectiva relacional. Ambos são peças constituintes do quebra-cabeça da dominação masculina e se articulam de maneiras diversas. Embora, as relações de gênero não estejam restritas à relação homem-mulher e os papéis atribuídos aos gêneros masculino e feminino, enfoco aqui a mulher e os papéis atribuídos ao gênero feminino. Entre a sociedade embarcada 3 mulher e feminino são tratados como sinônimos. As mulheres que não apresentam as características associadas ao feminino (delicadeza, doçura, vaidade, carinho, fragilidade) teriam algum tipo de problema. Os primeiros passos de uma nova embarcada serão acompanhados por todos/as. Os/as embarcados/as têm o hábito de acompanharem a programação diária de vôos. Toda 3 Opto pela expressão sociedade embarcada para incluir nesta perspectivas todas as pessoas que trabalham embarcados, sejam elas homens, mulheres, homossexuais, bissexuais, etc. Seja qual for o sexo ou gênero das pessoas, a lógica da dominação masculina perpassa o imaginário, em maior ou menor grau, dos/as embarcados/as. 4

vez que há um nome feminino diferente na programação, as pessoas começam a buscar informações sobre a nova embarcada que está para chegar: sua idade, seu estado civil e (principalmente) sua aparência física. Todos os dias, a programação consta vários nomes masculinos. Nenhum deles gera tanta expectativa como um nome feminino. A chegada da novata é acompanhada pela observação incessante. Olhares, cochichos, todos/as lançam uma opinião sobre a primeira impressão que tiveram dela. Nas primeiras horas de embarque, a novata fará seus primeiros contatos, geralmente os companheiros de trabalho e as companheiras de camarote 4. Começa, agora, o inquérito. Todas as perguntas que se imaginaram fazer quando viram o nome dela na programação são então feitas pessoalmente. Assim, inicia-se o primeiro dilema feminino: responder todas as perguntas, com o risco de ter sua intimidade invadida, dando espaços para comentários indesejados; ou corta as perguntas, correndo o risco de ser considerada antipática e ter, assim, sua estadia na plataforma dificultada. Superado o primeiro impasse, a mulher começa, aos poucos, a ser incluída em algumas conversas. Uma grande especificidade de ser uma das poucas mulheres a bordo se dá pelo fato dos homens hipercorrigerem sua fala, evitando falar palavras e expressões chulas, prática muito comum entre eles. Sempre que alguém falava algo vulgar perto de mim, imediatamente, ele se desculpava. Eu lhes dizia que não havia problema, mas, mesmo assim, eles ficavam envergonhados. Minha presença entre os homens causava uma mudança clara de comportamento e de tipo de conversas. Por incontáveis vezes, quando conversávamos em grupo, alguém, animado para contar uma história, ou uma piada, olhava para mim e anunciava, num tom penoso: Se a Camila não estivesse aqui... Esta frase me mantinha alerta de que, mesmo quando eu começava a ser aceita e convidada para participar de conversas, minha presença perturbara a coesão do grupo e o ritmo das conversas. Portanto, meus companheiros de unidade dificilmente se comportariam da mesma maneira, caso eu não estivesse presente. Então, por mais que eu fosse amiga, legal, simpática, eu era o elemento diferenciador, a presença feminina que faz os homens se comportarem melhor 5. 4 Camarote é a denominação dada a quarto. 5 Muitos residentes da classe dirigente diziam que a grande vantagem de ter mulher embarcada é o fato de que os homens se comportam melhor na presença feminina. Segundo estes comentários, os homens também 5

De uma forma geral, na vida cotidiana, as mulheres são tratadas com um certo zelo por uns e volúpia por outro. Ou ainda, uma mistura dos dois. Os primeiros, desenvolvendo algum tipo de simpatia por algumas das embarcadas, tentam alertá-las das intenções dos outros embarcados. Os segundos, logo de início não escondem as conotações sexuais em seu comportamento e sua aproximação. Já os últimos, aproximam-se como pseudo-amigos na tentativa de conquistar a confiança de seu alvo para, em seguida, tentar começar algum tipo de envolvimento sexual. Embora não mencionados anteriormente, há aqueles que vêem no contato com as mulheres uma forma de obter prestígio entre outros homens, principalmente se a mulher ocupar um lugar importante na hierarquia social da plataforma. Neste universo imensamente masculinizado, ter mais ou menos contato com as mulheres pode significar sinal de virilidade: quanto mais mulheres o indivíduo consegue envolver em suas conversas, mais homem ele será considerado. Em contrapartida, se para os homens ter muito contato com as mulheres é considerado positivo, para as mulheres ter muito contato com os homens pode parecer um desvio. A mulher respeitada deve ser recatada, discreta, simpática, mas restrita ao seu lugar de mulher embarcada. Ser uma mulher e não apresentar tais características pode significar o risco de ficar mal falada. Tal iminência exige que a mulher embarcada seja extremamente cautelosa em cada passo, evitando, por exemplo, conversar sempre com as mesmas pessoas: Se você sentar perto do mesmo homem duas vezes, na hora da janta, já vão dizer que você tem um caso com ele, me afirmou uma operadora de rádio. As mulheres precisam, pois, manter uma severa vigilância sobre o seu comportamento. Sendo poucas, são mais visíveis aos olhos dos outros residentes. Além disso, a sexualização do espaço de trabalho pode afetar negativamente o seu desempenho profissional. Entretanto, é importante reconhecer que, se, por um lado, a sexualização pode ser negativa, ela pode também, em alguns momentos, resultar benéfica. Por apreciarem a nossa presença, os homens tendem a ser mais solícitos, prestativos e cordiais com as mulheres. Um aspecto que continua presente em profissões predominantemente masculinas é que a presença feminina é vista com conotações sexualizadas. Swerdlow (1997) menciona a sexualização das relações e do local de cuidam mais da aparência pessoal, tomam banho com mais freqüência, fazem a barba quando sabem que vão, a qualquer momento, encontrar uma mulher pelos corredores. É como se a presença feminina por si transmitisse valores que fizessem o homem se comportar diferente. 6

trabalho. Assim como na sua experiência de campo, onde uma nova mulher no ramo de transportes gerava a curiosidade dos outros funcionários, na plataforma a presença feminina também desperta olhares e comentários sussurrados. A autora afirma que a primeira informação que os homens buscavam sobre as novas funcionárias era seu estado civil, geralmente escamoteada por perguntas sutis, como o que seu marido acha de você fazer esse trabalho?. De maneira anedótica, Swerdlow anunciava que responderia a todas as perguntas num questionário, sob o pagamento de $ 15,00. Um pouco menos desenvolta que a autora, perguntas dessa espécie me causavam um desconforto, pois eu sentia que minha vida pessoal estava sendo invadida. Um dos artifícios que tenho utilizado é perguntar antes que eu seja perguntada. No entanto, está tática nem sempre funciona. Há mulheres que, sabendo que estão envolvidas nessa disputa de bens simbólicos, aproveitam para dedicar mais atenção aos homens que ocupam cargos de chefia. Estes homens são os mais respeitados e acreditados dentro da plataforma e, por isso, desfrutam de diversos privilégios de seus subordinados. Algumas dessas mulheres sofrem impactos severamente negativos na construção de sua identidade como embarcada, enfrentando a junção de serem mulheres e de ocuparem um cargo de pouco prestígio social. Neste quadro, relacionar-se com homens que apresentam este prestígio que lhes falta traz a esperança de ser tratada como eles. No entanto, esta atitude contribui para a reforçar a dominação masculina, uma vez que, sem a figura do homem-chefe por perto, elas estarão destituídas das vantagens obtidas através dele. A Função da Mulher Embarcada: Isso (não) é coisa de mulher Assim, o quadro da dominação masculina entre os/as embarcados/as vai se configurando. As mulheres ocupam, a cada dia que passa, um número maior de postos em plataformas de petróleo. No entanto, as mulheres se concentram em atividades que não exigem formação técnica. Dentre estas funções, o ramo que é mais ocupado por mulheres é o de hotelaria. A hotelaria é responsável por toda área de limpeza e alimentação. Na primeira plataforma onde eu trabalhei um coordenador me relatou que, nesta unidade, havia uma política de incorporação de mulheres a certas atividades. A recepção e o controle do rádio, por exemplo, são atividades preferencialmente ocupadas por mulheres, por serem atividades não-essenciais, como as aulas de inglês e a prática de exercícios físicos. O 7

motivo para tal política é que a presença feminina na plataforma garantiria um ambiente mais ameno, pois estimularia um melhor comportamento dos homens. A divisão sexual do trabalho entre os/as embarcados/as se define da seguinte forma: as mulheres ficam restritas às atividades não-essenciais e os homens às atividades essenciais. Esta classificação (essencial versus não essencial) explicita a lógica de valorização às funções ditas masculinas e femininas. As atividades não-essenciais são aquelas que remetem ao serviço doméstico (limpar a casa, cozinhar, lavar roupa), realizados majoritária e historicamente por mulheres. Assim, a mulher exerceria sua feminilidade cuidando dos afazeres domésticos, enquanto aos homens cabem todo trabalho pesado, o trabalho qualificado, ou seja, o único trabalho que realmente é considerado trabalho. Na plataforma, esta classificação se imprime na divisão entre o casario, o local das acomodações, e a área, todo espaço das atividades industriais. A embarcada que ingressa em carreiras técnicas são vistas com certo espanto: primeiro, uma desconfiança que questiona sua capacidade de executar um trabalho masculino ; somente após provar suas habilidades na atividade que se propõe a fazer é que poderá ser finalmente respeitada como profissional e como mulher. Swerdlow (1997) compartilha de sua experiência de campo quando desenvolveu uma pesquisa com condutores de metrô em Nova Iorque. A autora aponta que a permanência de mulheres em profissões majoritariamente ocupadas por homens sofre grande influência da recepção que estes dispensam a elas, pois a hostilidade no ambiente de trabalho pode prejudicar seu desempenho. Uma mulher como operadora ou condutora de metrô era recebida com resistência e hostilidade, tendo sua competência colocada em xeque. Neste sentido, a embarcada estará sendo avaliada continuamente por estes dois eixos de classificação, enquanto as mulheres que desenvolvem atividades não-essenciais só são avaliadas como mulher. Ao executar uma tarefa considerada essencialmente feminina, tal tarefa foge de avaliações profissionais por não ser considerada trabalho. Trabalho é o que há de essencial, conseqüentemente, o que é masculino. Os homens que ingressam na área de hotelaria são, por isso, considerados menos homens por fazerem serviço de mulher. Como a masculinidade dominante rejeita qualquer símbolo que remete à 8

feminilidade, ser um cozinheiro ou um taifeiro 6 significaria rebaixar-se á atividade doméstica. O avanço das relações capitalistas não suprimiu a divisão sexual do trabalho que define as áreas onde a inserção feminina será mais (ou menos) aceita pelo mercado e por seus companheiros de trabalho. Deste modo, a pressuposto que divide os universos masculinos e femininos em relações binárias define que a mulher está para o privado (casa), assim como o homem está para o público (rua). Interessante é pensar no que é considerado essencial e não-essencial para os membros da classe dirigente. Quando, mais tarde, eu perguntei o que era essencial, me responderam que essencial era tudo o que estava diretamente ligado à produção de petróleo. Sem dúvida, a produção de petróleo e a perfuração de poços são de tamanha importância. No entanto, nenhum profissional poderá participar desse processo, não importa qual função que exerça, se, durante sua quinzena de trabalho, ele não tiver comida para matar sua fome, bebida para matar sua sede, seus lençóis e macacões limpos regularmente, evitando a proliferação de doenças infecto-contagiosas. Estas são as necessidades básicas de qualquer ser humano e, por isso, de uma essencialidade sem igual. No entanto, as classificações ultrapassam a materialidade das necessidades físicas e se fundam nas estruturas sociais. Mais que sua função profissional, a embarcada logo aprende sua função social na plataforma. Enaltecendo as qualidades femininas, as mulheres teriam a função de amenizar o ambiente da plataforma, tão hostil e inóspito. Sua suavidade, delicadeza e sutileza fariam da plataforma um lugar melhor, além de ser uma presença civilizadora que, naturalmente, faz com o que os homens sejam mais educados. Por isso, elas estariam concentradas nas funções não-essenciais: sua condição feminina a faria incapaz de executar tarefas técnicas. No entanto, é desejado que haja mulheres embarcando para agraciar os olhos dos que embarcam e abrandar as tensões do confinamento. A imagem e a presença feminina acalmariam aqueles que passam a quinzena longe de suas esposas, mães e filhas. Assim, a maneira encontrada de ter mulheres embarcadas, mas mulheres que exerçam eficazmente seu papel social (mãe, ajudadora, boa ouvinte, o conforto na hora da angústia, a apaziguadora) foi criar esta política de inserção de mulheres em funções nãoessenciais. Não-essenciais, assim como é considerado o papel que lhe é atribuído na sociedade (dentro e fora da plataforma). 6 O taifeiro é responsável pela limpeza e arrumação da plataforma. 9

O Lugar da Mulher Embarcada Certa noite, sem sono, resolvi ir à pracinha 7 para escrever um pouco. Fiquei lá uns cinco minutos, mas logo voltei pro meu camarote, porque na pracinha não tinha luz, além da natural, gerada pela lua. No dia seguinte, um senhor muito simpático veio, me dizendo que tinha algo sério para falar comigo. Eu, muito apreensiva, parei para ouvi-lo. Ele queria me alertar de que, como mulher, não me convinha freqüentar tal lugar. Muito surpresa, perguntei o porquê de tal afirmação. Ele, então, emendou, me confidenciando que aquele não era um bom lugar para mulheres, em hora nenhuma, muito menos, no horário noturno, pois era conhecido como cantinho do namoro. Ele terminou sua fala desta forma: Se fosse um homem sentado lá, ninguém ia ver, mas como é mulher... Vocês têm seus passos vigiados!. Eu sei que foi pra lá de inocente, mas se peão te vê naquela hora ali, ele vai fazer fofoca. Tá todo mundo de olho em vocês... Agradeci a este senhor por ter me alertado para algo que era desconhecido para mim. De imediato, este episódio despertou-me para o fato de que os espaços são simbolicamente carregados, transformando-se em lugares (Briggs:1971). Cada lugar é freqüentado por determinados grupos e, quando um estranho tenta circular num lugar onde seu grupo não está presente, poderá ser alvo de sanções e constrangimentos. Assim, são estabelecidas zonas morais, lugares onde certos grupos não devem freqüentar. No exemplo acima, eu, como mulher, pertencente a uma minoria constantemente observada, não deveria me expor na pracinha, um lugar escuro, deserto e, portanto, inapropriado para mulheres. As zonas morais para as mulheres são as mais diversas. Seguindo a divisão que separa o que seria peculiar a homens e mulheres, cabe aos primeiros tudo relacionado à rua, o externo, enquanto às mulheres lhe restrito o que é da casa, o interno. Assim, mesmo na plataforma, onde todos estão confinados, são estabelecidas estas divisões que definem o lugar físico e social de cada um. 7 A pracinha é uma área a céu aberto no convés do navio, onde há cadeiras espreguiçadeiras e um chuveiro. 10

O lugar físico reservado a cada residente na plataforma é muito bem definido desde a sua chegada à instituição. Sua carreira moral começa pelo camarote no qual permanecerá durante sua estadia embarcada. Embora não haja nenhum padrão oficialmente estabelecido este alojamento, existe, na plataforma, a tradição de manter os/as trabalhadores/as agrupados/as segundo a empresa à qual estão vinculados/as; segundo a função lhes cabe desempenhar e segundo o seu respectivo grau de escolaridade. O camarote é o lócus dos primeiros contatos e conversas, e, desse modo, a experiência pessoal do/a novato/a tenderá a ser fortemente influenciada pela experiência do grupo, ao qual acaba de ser incorporado/a. Dessa maneira, cada grupo de profissionais vai mantendo certa coesão, tratando de envolver os novos participantes em suas brincadeiras, piadas, conversas, em suma, impregnando-os/as com os valores, opiniões e modos de viver do grupo. A embarcada, então, começa a aprender por onde ela (não) deve andar. Cabe à mulher o lugar que remete à casa, ou seja, o casario. Há uma divisão básica na plataforma entre a área e o casario. Enquanto a primeira é composta por todos os ambientes relacionados à atividade industrial, o casario engloba as instalações de acomodação, escritório e alimentação. Assim, estabelece-se a separação entre a casa, o casario e a rua, a área. Todos ocupam um lugar no casario, pois é onde estão localizados os camarotes. Assim, o casario representa o descanso, o lugar de alimentação, de distração e interação. Já a área está relacionada com o trabalho exaustivo e as adversidades as quais os sujeitos estão expostos quando saem para a rua. Há uma predominância de embarcadas em atividades que se desenvolvem no casario, em parte justificada pelas ocupações que elas exercem. Uma taifeira, por exemplo, terá mínimas chances de sair do casario, já que sua função exige que ela esteja no casario todas as 12 horas de seu expediente de trabalho. No seu horário de folga, ela dificilmente se aventurará na área industrial. Assim, o lugar físico e social se confunde. A participação majoritária de mulheres em profissões ligadas às ditas vocações femininas, as levam a manterem-se restritas a atividades mal-remuneradas e pouco valorizadas socialmente, contribuindo para sua inserção na base da hierarquia social dos embarcados. Por outro lado, estas atividades também restringem seu campo de locomoção, limitando-as ao casario, ou seja, o ambiente embarcado que remete a casa. Aventurar-se aos perigos da rua, ou da área, na plataforma, parecerá curioso, ou suspeito, como no meu caso na pracinha do namoro. Manter-se em 11

casa em um espaço já confinado, como uma plataforma de petróleo leva a uma asseveração da rotina, que faz com que todos os dias parecem iguais, aumentando a sensação de que o tempo não passa. Além disso, o trabalho no casario é considerado mais fácil, já que não enfrenta o sol, a chuva, o vento, a maresia. Este desgaste, originado pela rotina, é aprofundado pela restrição da locomoção. O confinamento afeta todos os embarcados, porém, para as mulheres que trabalham no casario este confinamento é duplo: elas não estão apenas afastadas do mundo exterior, mas também, dentro da plataforma, estão afastadas da rua. Mesmo aquelas (poucas) mulheres que trabalham na área, elas têm a experiência de que trabalhar na área, ao terminar seu expediente, são impelidas a se enclausurarem em seus camarotes, para evitar qualquer tipo de mal-entendido, como o que eu estive sujeita, caso prolongasse minha permanência na pracinha. A limitação não se dá apenas do âmbito espacial, mas também no convívio com os outros residentes. Trabalhar no casario limita a possibilidade de relacionar-se com os outros embarcados. A formação de grupos nas plataformas inicia-se primeiramente, entre as pessoas do mesmo camarote e entre aqueles que trabalham no mesmo lugar. Para as mulheres, estes dois grupos são os mesmo, já que elas dividem o camarote com as mesmas pessoas que trabalham com elas, ou seja, outras mulheres. Além disso, no seu horário de lazer, sua possibilidade de circular pelas áreas de lazer é severamente controlada pelos olhares de seus companheiros de plataforma, agravando os obstáculos impostos à sua circulação. Assim, mesmo o casario é subdivido entre áreas públicas e privadas, ficando reservado às mulheres apenas seu camarote como seu lugar. Considerações Finais: A presença de mulheres em plataformas de petróleo, embora ainda pequena diante da presença masculina, evidencia que a sociedade embarcada se estrutura tendo como base os valores da sociedade exterior. Assim, estabelecem-se os eixos constitutivos da dominação masculina. O principal deles é a definição de papéis ditos naturais para homens e mulheres. Ao homem, cabe a rua; à mulher, a casa. Esse binarismo espacial é implementado na plataforma, resignificando as noções de casa e rua. Estando todos confinados, os grupos criam classificações que define o lugar físico e social de cada um. 12

Por outro lado, a inserção das mulheres nas plataformas se dá principalmente através de profissões que, sendo historicamente ocupadas por pessoas do sexo feminino, apresentam pouco prestígio social, sendo consideradas (tanta a profissão, quanto quem a pratica) não-qualificadas. Levando em consideração as especificidades do cotidiano embarcado, a atividade profissional que os sujeitos exercem é fundamental para sua colocação dentro a hierarquia social. Assim, as mulheres que atuam nas áreas nãoessenciais têm que tolerar a dupla submissão de gênero e de posição social. Já as mulheres que ingressam em carreiras técnicas sofrem, inicialmente, certa resistência seus companheiros de trabalho, sobretudo os mais velhos. Como não é esperado que uma mulher seja uma técnica, ela terá que superar as expectativas negativas, pois esta seria uma profissão de homem. A técnica, então, terá que provar sua competência profissional, superando sua condição feminina, que delimita seu campo de ação ao ambiente domiciliar. Concomitante ao processo de superação de tais expectativas, a profissional técnica precisa manter-se atenta às regras e normas morais que avaliam incessante o comportamento feminino. Estas normas e regras se materializam pelos olhares, tantos dos homens como das mulheres embarcadas. Assim, o lugar das mulheres na plataforma é delineado e reproduzido por embarcados e embarcadas que transferem valores morais para classificar o desempenho das mulheres em atividades profissionais. Além disso, estes valores comprometem a carreira moral, restringindo o já imensamente restrito espaço de circulação da mulher. Bibliografia: BOURDIEU, Pierre; A dominação Masculina ; Rio de Janeiro; Bertrand Brasil; 2002. GOFFMAN, Erving; Manicômios, Prisões e Conventos, São Paulo; Editora Perspectiva; 1996. HALL, Edward; A dimensão oculta ; Rio de Janeiro; Francisco Alves Editora; 1966. SWERDLOW, Marian; Men s Accomodations to Women Entering a Nontraditional Occupation: A Case of Rapid Transit Operatives in Workplace/Women s Place Dana Dunn (org.); Los Angeles; Roxbury Publishing Company; 1997. 13