MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 2ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO



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Transcrição:

MPF FLS. 2ª CCR MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 2ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO VOTO Nº 7782/2015 PROCESSO MPF Nº 1.22.005.000137/2015-96 ORIGEM: PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MINAS GERAIS CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES SUSCITANTE: THIAGO MENICUCCI FRANKLIN DE MIRANDA (PR/MG) SUSCITADO: ALLAN VERSIANI DE PAULA (PRM/MONTES CLAROS/MG) RELATOR: JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA NOTÍCIA DE FATO. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LC Nº 75/93, ART. 62, VII. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. FINANCIAMENTO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ESPECIALIZAÇÃO DE FORO. ATRIBUIÇÃO DO SUSCITANTE. 1. Notícia de fato instaurada para apurar possíveis irregularidades na execução do Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV, tendo em vista que (a) mutuários teriam sido contemplados indevidamente, por não atenderem aos requisitos do programa, e (b) mutuários não estariam residindo nas casas recebidas do programa, as quais foram vendidas, alugadas ou emprestadas a terceiros. 2. Conflito de atribuições entre membros do Ministério Público Federal, devido à possível especialização de foro para o processo e julgamento de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. 3. Remessa dos autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para fins do art. 62, VII, da LC nº 75/93. 4. A questão jurídica do presente caso cinge-se a verificar se o contrato firmado entre o interessado/comprador e o Fundo de Arrendamento Residencial FAR, representado pela Caixa Econômica Federal, para a aquisição de imóvel inserido no Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV é financiamento, de modo a definir, em caso de eventual fraude, a possibilidade do cometimento do crime contra o sistema financeiro nacional, previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86, ou não, caracterizando os crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299) ou estelionato (CP, art. 171). 5. O Eg. Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento de que só há a conduta descrita no art. 19 da Lei nº 7.492/86 ("financiamento") quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato (CC 122.257/SP, Terceira Seção, DJe 12/12/2012). Nesse sentido também são os recentes julgados da Terceira Seção do STJ: CC 140.381/PR, DJe 01/07/2015; CC 135.258/SP, DJe 30/10/2014. 6. A Eg. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, a respeito do tema, já pacificou o entendimento de que a obtenção mediante fraude de qualquer tipo de mútuo com destinação específica e vinculada com recursos públicos ou não, concedidos por instituições públicas ou privadas configura o crime

previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86. (Precedentes: 0005915-67.2015.4.03.6181, 1.30.001.002967/2015-16) 7. Verifica-se que empréstimo é gênero do qual o financiamento é espécie. A diferença entre ambos reside, justamente, nas características de vinculação e de destinação específica que existem no financiamento, sendo que, no empréstimo, os recursos são de livre disposição do contratante. 8. No caso em exame, não restam dúvidas de que o contrato firmado diretamente entre os beneficiários e a Caixa Econômica Federal, para a aquisição de imóvel inserido no Programa Minha Casa Minha Vida, constitui efetivamente espécie de financiamento, isso porque existe destinação específica para a operação realizada, qual seja, a aquisição de um imóvel. 9. Conduta narrada que se enquadra no art. 19 da Lei nº 7.492/86. 10. Conhecimento do conflito negativo de atribuições para declarar a atribuição da Procuradoria da República em Minas Gerais para prosseguir na persecução criminal, devido à especialização de foro para o processo e julgamento de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional. Trata-se de notícia de fato instaurada a partir de representação formulada por ANTÔNIO HONORATO DA SILVA JUNIOR, gestor do Programa Bolsa Família e Habitação de São Francisco/MG, a cerca de possíveis irregularidades na execução do Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV, tendo em vista que (a) mutuários teriam sido contemplados indevidamente, por não atenderem aos requisitos do programa, e (b) mutuários não estariam residindo nas casas recebidas do programa, as quais foram vendidas, alugadas ou emprestadas a terceiros. O il. Procurador da República Allan Versiani de Paula oficiante no Município de Montes Claros/MG declinou da atribuição para a Procuradoria da República de Minas Gerais, por entender que O PMCMV é financiamento, ainda que subvencionado, concedido a particulares com recursos federais. A contemplação de pessoas que não se enquadram nos requisitos do programa, por falsidade das informações prestadas no cadastramento, não reclama atuação do Ministério Público Federal no âmbito da tutela coletiva, e sim na área criminal, por força do art. 19 Lei nº 7.492/86. Por essa razão, a notícia de fato deve ser encaminhada à PRMG, devido à especialização de foro para o processo e julgamento de delitos contra o sistema financeiro nacional em vara da Capital. (Fl. 192) Processo nº 1.22.005.000137/2015-96 2

Remetidos os autos à Procuradoria da República em Minas Gerais, o il. Procurador da República Thiago Menicucci Franklin de Miranda suscitou o presente conflito de atribuições, merecendo destaque os seguintes trechos: O programa "Minha Casa Minha Vida" foi instituído pela Lei nº 11.977/2009, com a finalidade de criar mecanismos de incentivo à produção, adequação e aquisição de unidades habitacionais, destinadas a famílias com renda bruta mensal até um determinado limite. Para tanto, os interessados devem se cadastrar no programa e atender ao requisito da renda bruta familiar, além de não poderem sere proprietários, usufrutuários, arrendatários ou promitente compradores de imóveis urbanos ou rurais, em qualquer localidade do país. Uma vez habilitados, aguardam a vez de serem contemplados com o imóvel. A construção ou adequação das unidades habitacionais fica a cargo do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR, entidade com personalidade jurídica própria que é gerida pela Caixa Econômica Federal. Para esse "fundo" são repassadas as verbas federais para a execução do programa governamental. Concluída a construção ou a adequação das unidades residenciais, os contemplados são convocados para firmarem "Contrato Particular de Venda e Compra de Imóvel Residencial e Alienação Fiduciária em Garantia no Programa Minha Casa Minha Vida". Com base em tal instrumento, o interessado adquire diretamente do FAR o imóvel, pagando o equivalente a 5% de sua renda familiar bruta mensal, pelo prazo de 120 meses (10 anos). Assim, trata-se de um programa social, no âmbito do qual é celebrado um contrato de compra e venda de imóvel, com pagamento parcelado e não um contrato de financiamento propriamente dito. Além disso, não há previsão de juros remuneratórios no citado contrato, indicando, claramente, que se trata de um mero instrumento de compra e venda e não de um financiamento. Nesse contexto, caso tenham sido produzidas declarações falsas pelos interessados quando do cadastramento junto ao programa social, a conduta criminosa, não ofenderia o sistema financeiro nacional, podendo caracterizar, em tese, os crime de falsidade ideológica ou estelionato. Daí, a conclusão de que a Procuradoria da República no município de Montes Claros é quem possui atribuição para conhecer e apreciar os fatos. (Fls. 202). Os autos foram remetidos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, para fins do art. 62, VII, da LC nº 75/93. É o relatório. De início, a respeito do tema, o Eg. Superior Tribunal de Justiça já firmou posicionamento de que só há a conduta descrita no art. 19 da Lei nº 7.492/86 ("financiamento") quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato (CC Processo nº 1.22.005.000137/2015-96 3

122.257/SP, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (Desembargadora convocada do TJ/PE), Terceira Seção, DJe 12/12/2012). Nesse sentido são os recentes julgados, também, da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça STJ: PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. COMPRA DE VEÍCULO POR MEIO DE FINANCIAMENTO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 14ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARANÁ. 1. Caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 nos casos em que os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica. Nesse contexto, a competência é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, c/c o art. 26 da Lei n. 7.492/1986. 2. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo Federal da 14ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, o suscitante. (CC 140.381/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 01/07/2015) PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. JUSTIÇA ESTADUAL X JUSTIÇA FEDERAL. DELITO DE ESTELIONATO X CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO DE FINANCIAMENTO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. PRECEDENTES. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 6ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP, O SUSCITADO. 1. A jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de que, a depender espécie da operação realizada, pode ou não configurar-se o crime contra o sistema financeiro. Dessa forma, caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 "quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato". (CC 122.257/SP). No caso, verifica-se que houve a obtenção de financiamento fraudulento perante a instituição financeira, haja vista ter ficado estabelecida destinação específica para o dinheiro. A fraude se deu exatamente pelo fato de não se ter adquirido o bem para o qual obtido o financiamento. 2. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo Federal da 6ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo/SP, o suscitado. (CC 135.258/SP, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador convocado do TJ/SP), DJe 30/10/2014) No mesmo sentido, esta Eg. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, a respeito do tema, já pacificou o entendimento de que a obtenção mediante fraude de qualquer tipo de mútuo com destinação específica e vinculada com recursos Processo nº 1.22.005.000137/2015-96 4

públicos ou não, concedidos por instituições públicas ou privadas configura o crime previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86 (Precedentes recentes: 0005915-67.2015.4.03.6181, 1.30.001.002967/2015-16) Neste contexto, a questão jurídica do presente caso cinge-se a verificar se o contrato firmado entre o interessado/comprador e o Fundo de Arrendamento Residencial FAR, representado pela Caixa Econômica Federal, para a aquisição de imóvel inserido no Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV é financiamento, de modo a definir, em caso de eventual fraude, a possibilidade do cometimento do crime contra o sistema financeiro nacional, previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86, ou não, caracterizando os crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299) ou estelionato (CP, art. 171). O Ofício Circular nº 1.273/1987 do Banco Central do Brasil, no item 1.6.1.2, estabelece a distinção entre empréstimos e financiamentos a seguir: Os financiamentos são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bens de consumo durável, rurais e imobiliários. Os empréstimos são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos pessoais e os adiantamentos a depositantes. Verifica-se, nesses termos, que empréstimo é gênero do qual o financiamento é espécie. A diferença entre ambos reside, justamente, nas características de vinculação e de destinação específica que existem no financiamento, sendo que, no empréstimo, os recursos são de livre disposição do contratante. No caso em exame, não restam dúvidas de que o contrato firmado diretamente entre os beneficiários e a Caixa Econômica Federal, para a aquisição de imóvel inserido no Programa Minha Casa Minha Vida, constitui efetivamente espécie de financiamento, isso porque existe destinação específica para a operação realizada, qual seja, a aquisição de um imóvel. Processo nº 1.22.005.000137/2015-96 5

195/199v), que estabelece: Corrobora esse entendimento a atenta leitura do Contrato Modelo (fls. B DESCRIÇÃO DO OBJETO DESTE CONTRATO B1 Imóvel sito à (endereço), inscrição municipal, devidamente registrado sob o número, da matrícula, do livro, folha. [ ] 2. FORMA E LOCAL DE PAGAMENTO DOS ENCARGOS MENSAIS As amortizações do financiamento serão feitas por meio de pagamento de encargos mensais e sucessivos. [...] 4.2. O(s) DEVEDOR adimplente(s) pode(m) amortizar a dívida para reduzir o valor dos encargos ou o prazo do financiamento. 4.3. Para redução do prazo do financiamento, o DEVEDOR deverá pagar a integralidade do encargo mensal, incluído o valor correspondente à subvenção. Com essas considerações, entendendo que a conduta narrada nos autos enquadra-se no art. 19 da Lei nº 7.492/86, voto pelo conhecimento do conflito negativo de atribuições para declarar a atribuição da Procuradoria da República em Minas Gerais para prosseguir na persecução criminal, devido à especialização de foro para o processo e julgamento de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional. Remetam-se os autos ao il. Procurador da República Thiago Menicucci Franklin de Miranda (suscitante), oficiante na Procuradoria da República em Minas Gerais, para adoção das providências cabíveis, cientificando-se o il. Procurador da República Allan Versiani de Paula (suscitado), oficiante no Município de Montes Claros/MG, com as homenagens de estilo. Brasília/DF, 19 de novembro de 2015. /SSB/T. José Bonifácio Borges de Andrada Subprocurador-Geral da República Coordenador 2ª CCR Processo nº 1.22.005.000137/2015-96 6