DANÇA: UMA EXPERIÊNCIA NA ESCOLA. Daniela Reis danie.reis@hotmail.com Escola Municipal Professora Stella Saraiva Peanno CAIC Guarani Comunicação - Relato de Experiência O presente artigo busca discutir a dança na educação e suas possibilidades de atuação no conteúdo escolar a partir do relato de experiência do projeto Se essa rua fosse minha... desenvolvido na Escola Municipal CAIC Guarani no ano de 2007. Partimos do princípio que a dança na escola pode desempenhar papel importante na educação dos corpos no processo criativo e interpretativo do aluno, pois dará a ele subsídios para melhor compreender, descontrair, experimentar e refletir sobre as relações que se estabelecem entre corpo e sociedade. Essa linguagem inserida no currículo escolar, dependendo da maneira como for dirigida, propiciará ao aluno oportunidades para conhecer seu próprio corpo, por meio de uma pesquisa criativa de movimentação e, por outro lado, possibilitará o desenvolvimento de uma aprendizagem integral. A questão central não é somente a dança como conteúdo escolar, mas, fundamentalmente, a maneira como esta será desenvolvida. Assim, tomamos por referência o trabalho desenvolvido na rede municipal de ensino na escola CAIC Guarani na cidade de Uberlândia-MG. Em um primeiro momento, a idéia de desenvolver o projeto esteve em consonância com minhas inquietações em realizar um trabalho em dança que suscitasse algo além de puramente passos e códigos sistematizados e, ao mesmo tempo, falasse do universo e expressões pessoais dos meus alunos. Uma primeira problemática que surgiu referente à realidade da escola e carga horária das aulas foi à questão: como trabalhar com turmas tão diversificadas e conseguir levantar o interesse e participação com todas elas? Como unir o interesse dos alunos se eles possuem diferentes faixas etárias? Como desenvolver um trabalho em dança que estimule a construção de conhecimento e que este vá além do conhecimento da linguagem específica da dança ao qual estão trabalhando? Como as Graduada em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Uberlândia; Mestre em História da Cultura pela mesma instituição; Membro do NEHAC (Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura); Artista da Dança; Professora de Dança na Rede Municipal de Ensino.
turmas das aulas do balé e do Jazz poderiam dialogar? Como desenvolver um trabalho em dança onde eu poderia fortalecer a importância do aprendizado no processo e não apenas na apresentação final do produto? A primeira idéia foi trabalhar com uma temática que estimulasse o interesse das diferentes faixas etárias e as diferentes turmas da dança (jazz e balé). Dessa forma, surgiu a proposta do tema Se essa rua fosse minha... e com ele a possibilidade de pesquisa, reflexão e criação em dança. As aulas de dança são ministradas dentro de um projeto maior intitulado Bom Caminho que consta com aulas de Artes (Teatro, Desenho, Pintura, Reciclagem), Esportes e Reforço escolar. As oficinas atendem uma média de 400 os alunos da escola e comunidade em horários extra turno. A aula de dança é composta de duas linguagens específicas: o Jazz e o Balé. Atendendo uma média de 15 alunos por turma, num total de aproximadamente 90 alunos. Primeiramente, antes de expor a temática, comecei a trabalhar dentro do universo particular de cada turma por meio de levantamento de reflexões: como é a minha rua? O que mais gosto de brincar na minha rua? Quais são essas brincadeiras? O que vejo com mais freqüência na minha rua? Do que mais gosto nela? O que menos gosto? O que você gostaria de contar sobre a sua rua? A idéia era levantar um maior número de informações e ao mesmo tempo reflexão sobre esse universo tão particular e ao mesmo tempo coletivo das turmas de dança, sendo que todos os alunos eram, sem exceção, moradores do bairro Guarani, região periférica da cidade de Uberlândia. Procurei levar em consideração que estava trabalhando com alunas entre 06 a 09 anos em algumas turmas, 10 a 12anos e de 13 a 15 anos em outras. Dessa forma, sempre mudava o foco de observação e questionamentos. Para as alunas mais novas eu procurava enfocar o campo do lúdico e da brincadeira, já que o universo da grande maioria é apresentado sobe uma realidade muitas vezes difícil, pais desempregados, famílias quase sempre desestruturadas, dificuldades financeiras. Ao mesmo tempo eu tinha a preocupação e cuidado para não cair no campo da fantasia, pois a realidade poderia ser vista sim com outros olhos, ou melhor, outro foco. A idéia era levantar o que de bom elas vivenciavam em sua comunidade.
As alunas tinham a vivência com jogos, brincadeiras, cantigas, em suas relações diárias nas suas ruas. Aliás, isso era percebido por mim muito mais dentro da escola, dentro das aulas de dança e no pátio, quando elas propunham algumas brincadeiras e jogos, pois ao serem perguntadas sobre o que mais gostavam de brincar em suas ruas a grande maioria relatou que não era permitido a brincadeira na rua, devido ao medo dos pais da violência. Com as alunas mais velhas intercambiávamos sobre as mudanças percebidas na rua desde a sua infância até a pré-adolescência, sobre possibilidades de mudança atual e ações delas para as transformações desejadas. Paralelamente as aulas de dança, e depois de um tempo de reflexão e intercâmbio sobre a rua de cada aluno, lancei o tema Se essa rua fosse minha.... A metodologia utilizada por turma foi diversificada, algumas teriam que trazer músicas, poemas, poesias, frases ou redação, em outras turmas pedi recortes de revistas e jornais com a temática, ou melhor, com a resposta da pergunta: Se você pudesse escolher a sua rua, como ela seria? Obviamente cada turma obteve respostas muito peculiares à idade e entendimento da proposta. Neste primeiro momento, eu tive por intuito escolher o tema de cada coreografia a partir do que cada turma selecionou e me entregou. A partir de seus anseios e desejos. Frutos deste processo surgiram temas de coreografias como Rua das flores, Rua das brincadeiras, Rua das crianças, Ruas das bailarinas, Rua do Heep, Rua das frutas e até uma rua de protesto a Rua da fome pesquisa levantada pelas alunas do Jazz onde elas relataram uma rua da qual não queriam mais fazer parte. O segundo momento do projeto foi o trabalho criativo para a montagem das coreografias. Foi realizado um levantamento de músicas que retratassem o tema específico de cada turma. Devido ao pouco repertório das alunas esse trabalho foi quase todo realizado por mim. Iniciamos as montagens com laboratórios, o que chamamos de Montagem criativa, onde a partir de estímulos ou da própria música as alunas começam a criar, levando em consideração o tema que elas propuseram e também o que aprenderam no primeiro semestre dentro da linguagem da dança: as bases técnicas, noções de utilização do espaço, as noções básicas de acrobacias, alongamento, ritmo, enfim, foi estimulado que apropriassem e até reelaborassem o que vinham aprendendo.
Para algumas turmas foi proposto que elas levassem objetos para criarem a partir deles, o que foi o caso da turma que dançou a Rua das flores onde as alunas dançaram com cestas de flores (idéia de uma das integrantes que confeccionou em casa uma cestinha feita a partir de garrafa de plástico) e também a turma do Jazz que apropriou-se dos pratos da cantina para trabalhar com percussão corporal e iniciar uma pesquisa sonora e corporal para dançarem a Rua da fome. No terceiro momento do trabalho, em fase de finalização das coreografias, iniciamos uma reflexão sobre a finalidade e necessidade de um cenário em nosso espetáculo. Foi quando surgiu a idéia de algumas alunas de desenharem o cenário dentro do projeto de desenho e pintura. Assim, com o apoio e parceria da professora de Desenho e Pintura Marta Braga as alunas em comum aos dois projetos (pintura e dança) iniciaram a confecção do cenário, cuja proposta de desenho partiu do que os alunos gostariam de retratar a partir do encontro de todas as temáticas das coreografias. Para que as coreografias não fossem apresentadas de maneira isolada, entre cada trabalho foi feita a realização de uma representação das poesias, frases e/ou redações escritas pelos próprios alunos. Neste momento contamos com a participação da professora de Teatro Marna Cristiane, que dirigiu as alunas da dança que atuam nas oficinas de teatro. A última fase do projeto foi à proposta de recepção dentro da própria escola. As alunas fizeram em média 05 apresentações por dia todas as terças e quintas-feiras do mês de novembro cumprindo um total de 40 apresentações dentro da escola e realizando também algumas apresentações para a comunidade (Universidade, Centros comunitários, Escolas da rede municipal e prefeitura). O intuito de apresentar o resultado do trabalho Se essa rua fosse minha... dentro e fora da escola foi o de valorizar e reconhecer o resultado do desenvolvimento que os alunos adquiriram durante o processo, valorizando sua auto-estima, sua capacidade de realização e, acima de tudo, a sua história. A sua história contada por meio da dança!
BIBLIOGRAFIA: - LABAN, Rudolf. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990. - MARQUES, Isabel. A dança no contexto escolar. São Paulo: Ícone, 1999 - REIS, Daniela. & FREITAS, Ludimila. Processo Criativo e Proposta de Abordagem. IN: Oficinas de Linguagens: Experiências da Prática Docente. Teatro, Música, Dança, Cinema e Literatura. Uberlândia: Composer/ Dionysos, 2008. - STRAZZACAPPA, Márcia. Entre a arte e a docência: A formação do artista da dança. Campinas, SP: Papirus, 2006. (Coleção Ágere).