AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA 2.088 MINAS GERAIS RELATOR AUTOR(A/S)(ES) PROC.(A/S)(ES) RÉU(É)(S) PROC.(A/S)(ES) : MIN. LUIZ FUX :MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS :PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS :MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL :PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 168 DO CÓDIGO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. SUPERFATURAMENTO DE PREÇOS DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL PAR. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA, NOS TERMOS DO ART. 102, I, F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIRIMIR CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE ÓRGÃOS DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. IN CASU, À LUZ DO ART. 109, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O INTERESSE FEDERAL, DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL CEF, NÃO SE REVELA DIRETO E IMEDIATO, PORQUANTO A CONDUTA
SUPOSTAMENTE CRIMINOSA FOI PRATICADA CONTRA ARRENDATÁRIOS E NÃO EM DETRIMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PARA, COM BASE NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 120 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, CONHECER DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA E DECLARAR A ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PARA ATUAR NO CASO EM EXAME. DECISÃO: Trata-se de ação cível originária em que se noticia a existência de conflito negativo de atribuições suscitado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face do Ministério Público Federal. A respeito do tema, o Procurador-Geral da República se manifestou em parecer assim ementado (fl. 649): Conflito Negativo de Atribuição entre o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e o Ministério Público Federal. Suposta prática de crime de apropriação indébita. Artigo 168 do Código Penal. Superfaturamento de preços de serviços de manutenção de condomínio residencial do Programa de Arrendamento Residencial PAR, cuja operacionalização cabe à Caixa Econômica Federal. Lei nº 10.188/2001. Responsabilização de sócios-proprietários da empresa que havia sido contratada pela instituição financeira para a administração do condomínio. Utilização de valores oriundos de taxas de condomínio pagas pelos arrendatários. Infração penal praticada em detrimento de particulares. Artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal. Ausência de violação a interesse direto da União ou da empresa pública federal. Parecer pelo pelo reconhecimento da atribuição do Ministério Público do Estado de Minas Gerais 2
É o relatório. Decido. O objeto da presente ação é a definição da atribuição do Ministério Público Federal ou do Ministério Público do Estado de Minas Gerais para atuar em inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática de crime de apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal) (fl. 649). Consta do processo que a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais encaminhou à Polícia Civil em Contagem/MG cópia de requerimento da Comissão de Direitos Humanos, solicitando apuração de irregularidades atribuídas a sócios da empresa Exacta Administradora, relacionadas à administração e manutenção de condomínios residenciais do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, da Caixa Econômica Federal, no citado município. Após instaurado o inquérito policial e realizadas diligências para esclarecimentos dos fatos, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais manifestou-se pela competência da Justiça Federal, sob o argumento de que a Caixa Econômica Federal, a quem cabe a operacionalização do PAR e que figura como contratante da Exacta Administradora, é uma empresa pública federal; ademais, o ilícito penal afeta interesse da referida instituição financeira, pois praticado por empresa por ela delegada para agir em seu nome (fls. 567/568) (Parecer, fl. 650). Assim, o Juízo de Direito determinou a remessa dos autos à Justiça Federal (fl. 569). A Representante do Parquet federal que lá atua alegou que os próprios arrendatários arcavam com o pagamento das despesas do condomínio, inexistindo elementos que apontem que a infração penal atentou contra bens, serviços ou interesse da União (fls. 571-574). Por sua vez, o Juízo da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG acolheu a manifestação ministerial e determinou a remessa dos autos ao MP/MG (fls. 576-577). Frise-se que, enviados os autos à Justiça Estadual, o Juízo de Direito concordou com as razões lançadas pelos órgãos do Ministério Público Federal e da Justiça Federal (fl. 626). Daí a suscitação do presente conflito negativo de atribuições pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (fls. 627-635 e 639-642). 3
Preliminarmente, assevere-se que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Petição 3.528/BA, Relator o Ministro Marco Aurélio, reconheceu a sua competência para solucionar conflito de atribuições entre órgãos do Ministério Público das entidades da federação, verbis: COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - ROUBO E DESCAMINHO. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do Ministério Público Estadual para o Federal (Pet 3.528/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ 3/3/2006). No julgamento da Ação Cível Originária 1.109, em que fui redator para o acórdão, o Plenário deste Supremo Tribunal decidiu: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. ART. 102, I, f, CF. FUNDEF. COMPOSIÇÃO. ATRIBUIÇÃO EM RAZÃO DA MATÉRIA. ART. 109, I E IV, CF. 1. Conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual a respeito dos fatos constantes de procedimento administrativo. 2. O art. 102, I, f, da Constituição da República recomenda que o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público Federal e do Estado de São Paulo subsuma-se à competência do Supremo Tribunal Federal. 3. A sistemática de formação do FUNDEF impõe, para a definição de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual, adequada delimitação da natureza cível 4
ou criminal da matéria envolvida. 4. A competência penal, uma vez presente o interesse da União, justifica a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, CF/88) não se restringindo ao aspecto econômico, podendo justificá-la questões de ordem moral. In casu, assume peculiar relevância o papel da União na manutenção e na fiscalização dos recursos do FUNDEF, por isso o seu interesse moral (político-social) em assegurar sua adequada destinação, o que atrai a competência da Justiça Federal, em caráter excepcional, para julgar os crimes praticados em detrimento dessas verbas e a atribuição do Ministério Público Federal para investigar os fatos e propor eventual ação penal. 5. A competência da Justiça Federal na esfera cível somente se verifica quando a União tiver legítimo interesse para atuar como autora, ré, assistente ou opoente, conforme disposto no art. 109, inciso I, da Constituição. A princípio, a União não teria legítimo interesse processual, pois, além de não lhe pertencerem os recursos desviados (diante da ausência de repasse de recursos federais a título de complementação), tampouco o ato de improbidade seria imputável a agente público federal. 6. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público Federal para averiguar eventual ocorrência de ilícito penal e a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo para apurar hipótese de improbidade administrativa, sem prejuízo de posterior deslocamento de competência à Justiça Federal, caso haja intervenção da União ou diante do reconhecimento ulterior de lesão ao patrimônio nacional nessa última hipótese. À guisa de exemplo, ainda no que concerne à competência desta Corte para dirimir o presente conflito de atribuições, nos termos do art. 102, I, f, da Constituição da República, merece transcrição a decisão do Min. Lewandowski proferida em 14/12/2006 na ACO 911, verbis: Bem examinados os autos, há que se reconhecer que a competência é do Ministério Público Federal. A questão preliminar encontra-se superada desde o julgamento, 5
por este Plenário, da Pet. 3.528/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, no qual firmou-se a competência deste Tribunal para conhecer e julgar Conflito de Atribuições entre o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais, ante a ausência de dispositivo constitucional expresso, mas com a efetiva possibilidade de conflito federativo (art. 102, I, f, da CF/88). (...) No mérito, consoante salientou o Representante do Parquet federal, tem-se que a Exacta Administradora celebrou contrato de manutenção preventiva e corretiva das áreas comuns do Condomínio Residencial Jacarandá com a empresa MRS Serviços Eletrônicos (fls. 101-106) ( ) Os valores destinados ao pagamento pela realização dos mencionados serviços são provenientes das taxas dos condomínios pagas pelos arrendatários, como previsto na Cláusula Segunda Das Obrigações da Contratada do modelo de contrato de prestação de serviços apresentado pela Caixa Econômica Federal (fls. 416-430), que, no caso, foi subscrito pela empresa Exacta Administradora (...). Portanto, efetivamente, à luz do art. 109, IV, da Constituição Federal, o interesse federal, no caso, da Caixa Econômica Federal, não se revela direto e imediato, porquanto a conduta supostamente criminosa foi praticada contra arrendatários e não em detrimento do serviço público federal (Parecer, fl. 654). É certo, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 454.737/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 16/12/2008, assim decidiu: EMENTA : COMPETÊNCIA. Criminal. Inquérito. Ação penal. Crime contra a ordem econômica. Comercialização de combustível fora dos padrões fixados pela Agência Nacional do Petróleo. Art. 4º da Lei nº 8.137/90. Interesse direto e específico da União. Lesão à atividade fiscalizadora da ANP. Inexistência. Feito da competência da Justiça estadual. Recurso improvido. Precedentes. Inteligência do art. 109, IV e VI, da CF. Para que se defina a competência da Justiça Federal, objeto do art. 109, IV, da Constituição da República, é preciso tenha havido, em tese, lesão a interesse direto e específico da União, não bastando que esta, por si ou por autarquia, 6
exerça atividade fiscalizadora sobre o bem objeto do delito. Ex positis, tendo em consideração o disposto no artigo 3º do Código de Processo Penal, entendo aplicável na espécie, analogicamente, o que preceitua o parágrafo único do artigo 120 do Código de Processo Civil, razão pela qual conheço do conflito e declaro a atribuição do Ministério Público do Estado de Minas Gerais para atuar no caso. Publique-se. Int. Brasília, 9 de abril de 2013. Ministro LUIZ FUX Relator Documento assinado digitalmente 7