Acta Scientiae Veterinariae ISSN: Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil



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Transcrição:

Acta Scientiae Veterinariae ISSN: 1678-0345 ActaSciVet@ufrgs.br Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil Secchi, Priscila; de Faria Valle, Stella; Veloso Brun, Maurício; Costa da Motta, Adriana; Falkenberg Rausch, Stella; Messina, Sérgio Aladin; Botelho Vieira, Maria Isabel Nefrectomia videolaparoscópica para tratamento da dioctofimose em um cão Acta Scientiae Veterinariae, vol. 38, núm. 1, 2010, pp. 85-89 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=289021810015 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Acta Scientiae Veterinariae. 38(1): 85-89, 2010. HOSPITAL FORUM Pub. 881 ISSN 1679-9216 (Online) Nefrectomia videolaparoscópica para tratamento da dioctofimose em um cão Videolaparoscopic nephrectomy in the treatment of canine dioctophymosis Priscila Secchi 1, Stella de Faria Valle 2, Maurício Veloso Brun 2, Adriana Costa da Motta 2, Stella Falkenberg Rausch 3, Sérgio Aladin Messina 2 & Maria Isabel Botelho Vieira 2 RESUMO A dioctofimose é uma afecção pouco comum em cães, causada pelo Dioctophyma renale, que ocorre com maior frequência em animais errantes. Quando um único rim é parasitado, os pacientes podem não apresentar sinais clínicos devido à compensação pelo rim contralateral. Não havendo terapia clínica efetiva para a dioctofimose, o tratamento indicado é a nefrotomia ou nefrectomia, na dependência da gravidade da lesão. Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Passo Fundo (UPF) um canino, fêmea, castrado, sem raça definida, com aproximadamente um ano e pesando 12 kg, proveniente de um abrigo de animais de rua da cidade de Passo Fundo (RS), apresentando hematúria e emagrecimento progressivo há 30 dias. Através dos exames complementares realizados, foi constatado parasitismo do rim direito por D. renale. O presente relato descreve o emprego alternativo da nefrectomia videolaparoscópica como um método seguro e efetivo para o tratamento de dioctofimose em um cão e os meios utilizados para o diagnóstico. Descritores: Dioctophyma renale, nefrectomia videolaparoscópica, hematúria. ABSTRACT Dioctophymosis is a less common disease in dogs caused by Dioctophyma renale, which occurs more frequently in stranded animals. When there s only one kidney affected, there may not be detectable symptoms because there s compensation by the other healthy kidney. Since there is no effective clinical therapy for dioctophymosis, nephrotomy or nephrectomy are the two proposed treatments, depending on the severity of the lesion. A one-year-old spayed female mongrel dog weighing 12 kg was referred to the Veterinary Hospital at the University of Passo Fundo (UPF), brought from an animal shelter at the City of Passo Fundo, RS, Brazil, presenting hematuria and progressive weight loss for about 30 days. Complementary examination showed evidences of parasitism of the right kidney by D. renale. This report describes the alternative use of videolaparoscopic nephrectomy as a safe and effective method in the treatment of dioctophymosis in a dog and the means utilized for diagnosis. Keywords: Dioctophyma renale, laparoscopic nephrectomy, hematuria. Received: June 2009 www.ufrgs.br/actavet Accepted: September 2009 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias (PPGCV), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Av. Bento Gonçalves 9090, 91540-000 Porto Alegre, RS/Brasil. 2 Universidade de Passo Fundo (UPF), Passo Fundo, RS, Brasil. 3 Médica Veterinária Autônoma. CORRESPONDÊNCIA: P. Secchi [prisecchi@yahoo.com.br - Fax: +55 (51) 3308 7305]. 85

INTRODUÇÃO A dioctofimose é uma parasitose causada pelo helminto Dioctophyma renale que pertencente à classe Nematoda e à superfamília Dioctophymoidea [2]. Na maioria dos casos a afecção, é assintomática [8]. O diagnóstico da presença do helminto pode ser feito pelo achado de ovos operculados de casca espessa e rugosa na urina ou através de ultrasonografias dos rins e da cavidade abdominal [9,15]. Outro meio diagnóstico é o achado incidental do parasito em necropsias [4,6] e durante cirurgias [8]. Diferentes autores constataram que a prevalência da infecção do rim direito é maior, provavelmente devido a sua proximidade com o duodeno [6,8,12]. Nenhuma terapia clínica é efetiva nos casos de dioctofimose. O tratamento indicado é a nefrectomia ou a nefrotomia, dependendo da gravidade da lesão e da presença do nematódeo em um ou ambos os rins. Em cães, a nefrectomia videolaparoscópica para tratamento do parasitismo por D. renale foi inicialmente relatada demonstrando adequada via de acesso para o manejo da referida doença [3]. O presente relato descreve o emprego da nefrectomia videolaparoscópica como alternativa para o tratamento de dioctofimose em um cão infectado e os meios utilizados para o diagnóstico. RELATO DE CASO Uma fêmea canina castrada com aproximadamente um ano de idade e pesando 12 kg, sem raça definida, proveniente de um abrigo de animais de rua da cidade de Passo Fundo (RS), foi atendida no Hospital Veterinário da Universidade de Passo Fundo (HV-UPF) apresentando hematúria e emagrecimento progressivo há cerca de 30 dias. No exame físico observou-se normalidade dos parâmetros vitais, porém, notou-se presença de algia durante a palpação junto à região abdominal lateral direita. O paciente foi internado para realização do tratamento sintomático e de exames complementares. Foram solicitados hemograma, contagem plaquetária e exames bioquímicos séricos (albumina, alanina aminotransferase, creatinina, fosfatase alcalina, uréia, gamaglutamiltransferase e aspartato aminotransferase), urinálise, exames ultrassonográficos e radiográficos abdominais. Não foram identificadas alterações significativas na bioquímica sérica. No hemograma, foi observado normoleucometria com eosinofilia moderada. A urinálise, obtida por cistocentese ecoguiada, demonstrou proteinúria, bilirrubinúria e densidade de 1.015. Na análise do sedimento foi observada hematúria, leucosúria, bacteúria moderada, baixa celularidade e presença de ovos elipsóides de casca espessa e rugosa com depressões nos pólos (Figura 1), compatíveis com os do nematóide D. renale (0 a 1 por campo; 10X). Figura 1. Imagem do sedimento urinário mostrando ovo elipsóide de casca espessa e rugosa, com depressões nos pólos (100x). Devido a suspeita clínica inicial de urolitíase foi realizado exame radiográfico simples que não demonstrou alterações perceptíveis no trato urinário. Na ultrasonografia abdominal foi constatada nefromegalia direita com a pelve renal contendo múltiplas estruturas semelhantes a anéis com paredes hiperecogênicas e hipoecogenicidade interna. Longitudinalmente, essas estruturas assemelhavam-se a fitas hiperecogênicas que se movimentavam. O contorno renal apresentava-se irregular e com cápsula delgada. O rim esquerdo e demais órgãos abdominais não apresentaram alterações. Foi instituída terapia clínica inicial com enrofloxacina 1, 5 mg.kg -1, VO e cloridrato de tramadol 2, 2 mg.kg -1, SC. Após, o paciente foi submetido à terapia cirúrgica através da nefrectomia direita videolaparoscópica utilizando-se como protocolo anestésico cloridrato de acepromazina 3, 0,05 mg.kg -1 e sulfato de morfina 4, 0,5 mg.kg -1, IM, como medicação pré-anestésica e indução com propofol 5, 2 mg.kg -1 e diazepam 6, 0,5 mg.kg -1, IV. A manutenção foi efetuada 86

através de anestesia inalatória com isoflurano 7 e fluxo de oxigênio de 1.0 L/min. Também foi realizada anestesia regional, epidural, com cloridrato de lidocaína 8, 4mg.kg -1 e sulfato de morfina 4, 0,1 mg.kg -1. Para realização do procedimento cirúrgico, a cavidade peritoneal foi insuflada com CO 2 por meio de técnica aberta com trocarte de 10 mm, mantendose o animal em decúbito lateral esquerdo. Utilizouse pressão de 12 mmhg com velocidade de 2 L/min. Outros dois trocarteres (10 mm e 5 mm) foram colocados na parede abdominal lateral direita em disposição triangular em relação ao primeiro. O rim direito foi fixado com uma pinça de apreensão, e os vasos renais foram dissecados utilizando-se pinça de Maryland e tesoura de Metzenbaum associada à eletrocirurgia monopolar. Anteriormente às secções da artéria e da veia renal, procedeu-se a aplicação de quatro e três clipes de titânio em cada uma destas estruturas, respectivamente. O ureter foi isolado e ligado com um clipe próximo à bexiga. O rim foi dissecado da fascia renal e peritônio com a utilização de tesoura e eletrocauterização. Posteriormente, o órgão foi colocado em um saco para remoção de tecidos e retirado da cavidade por meio da ferida produzida para o segundo portal (10 mm) ampliada em aproximadamente 1 cm. Por fim, a cavidade foi desinsuflada e as feridas de acesso suturadas em padrão Sultan na camada muscular e no tecido subcutâneo com poliglactina 910-0 9, e interrompido simples na pele com náilon monofilamentar 4-0 10. O tempo cirúrgico foi de 80 minutos sem ocorrência de complicações. No pós-operatório foi mantida a terapia medicamentosa inicial com associação de meloxicam 11, 0,1 mg.kg -1, VO. Após dez dias, durante a revisão clínica constatou-se bem-estar geral do paciente e ausência de sinais compatíveis com alterações do trato urinário. Foram repetidos os exames laboratoriais onde não foram observadas alterações. Na avaliação macroscópica do rim parasitado, foi constatada marcada destruição do parênquima que apresentava áreas focais de aspecto hemorrágico e fibroso, bem como o nematódeo que media cerca de 44 cm de comprimento e 27 mm de largura. Foi realizado exame histopatológico do rim direito sendo observado necrose hemorrágica, fibrose, nefrite intersticial linfoplasmocitária, por vezes granulomatosa, evidenciando a presença de células gigantes do tipo corpo estranho e nefrite intersticial eosinofílica ou supurativa com presença de larvas e ovos do parasita (Figura 2). Havia ainda, calcificação medular multifocal, glomeruloesclerose e necrose tubular com presença de cilindros hialinos em alguns túbulos. Figura 2. Imagem histológica da região cortical renal evidenciando ovo de D. renale (A), célula gigante do tipo corpo estranho (B) e nefrite intersticial (C) (100x). DISCUSSÃO A prevalência da enfermidade em cães errantes, como observado nesse caso, é atribuída aos seus hábitos alimentares pouco seletivos, o que favorece a ingestão de hospedeiros paratênicos ou de hospedeiros intermediários a partir de água de córregos e rios [4]. Conforme a literatura, os animais parasitados pelo Dioctophyma renale frequentemente não apresentam sinais clínicos pelo acometimento unilateral, geralmente rim direito, com compensação pelo rim não afetado [7,9]. Os sinais como hematúria e dor renal apresentados pelo paciente foram decorrentes da destruição do parênquima renal pelo nematódeo [4]. Alterações na bioquímica sérica e no hemograma não foram observadas, como já referido anteriormente [15]. A eosinofilia é considerada uma resposta inespecífica decorrente de parasitismo, de hipersensibilidade ou de lesão incomum que produz quimiotáticos aos eosinófilos [17]. Porém, na literatura consultada, somente um autor relatou a presença de eosinofilia em um cão assintomático parasitado pelo nematódeo [13]. No caso em questão, havia eosinofilia moderada (3.675 / µl). Parasitismos com invasão tecidual frequentemente induzem a essa condição [17]. 87

As infecções causadas pelo parasito podem ser diagnosticadas pela constatação e identificação de ovos em exame parasitológico de urina [6]; contudo, cabe salientar que a Capilaria plica também possui ovos com certa similaridade aos do D. renale, diferindo por apresentar opérculos bipolares e incolores [16]. Na urinálise do paciente foram observados ovos elipsóides de casca espessa, com pequenas depressões compatíveis com os da fêmea de D. renale, além de leucosúria e bacteriúria que são indicativos de infecção do trato urinário [14]. Diante desse fato, foi instituída terapia antibacteriana com enrofloxacina. A urografia excretora não revela o parasita, mas indica a ausência de função renal no lado acometido [1,5]. Neste caso, foi realizada somente uma série de radiografias abdominais simples, em virtude da suspeita clínica inicial ser de cálculo renal, onde não foram observadas alterações significativas. Considerando-se que a ultrassonografia associada à urinálise foi conclusiva, tal exame possivelmente não traria dados adicionais para o diagnóstico ou tratamento, uma vez que o rim contralateral apresentava-se adequadamente funcional, conforme constatado nos exames bioquímicos e urinários. O exame ultrassonográfico do rim direito, no corte transversal, revelou estruturas arredondadas com uma fina camada externa hiperecóica e centro hipoecóico [15], confirmando que este teste é sensível para sugerir a presença do parasito no parênquima renal [4]. A localização dos parasitos parece estar relacionada com o local de penetração das larvas infectantes no trato alimentar. Se as larvas penetram na parede duodenal, o parasito adulto migra para o rim direito [11]. Durante o trans-operatório observou-se uma alteração na parede do duodeno descendente (Figura 3), tal como uma concavidade na superfície do intestino, recoberta por peritônio. Possivelmente essa lesão corresponde ao local de migração do D. renale até o rim direito, o que justificaria o local do parasitismo. Foi localizado apenas um parasito de coloração avermelhada apresentando comprimento, espessura e características morfológicas compatíveis com a fêmea do nematódeo. Apesar da existência de ovos sugerir que, em algum momento, também havia um parasito macho, acredita-se que o mesmo tenha sido expelido, já que não foi visibilizado na cavidade durante a laparoscopia. Os achados macroscópicos e histopatológicos da parasitose por D. renale corroboram com a literatura [10]. Calcificação multifocal medular, conforme o observado no presente caso, não foi até o momento citada na literatura consultada e possivelmente ocorreu pela cronicidade da doença. O tamanho do nematódeo (44 cm) e a extensão da lesão renal susteam a hipótese de um parasitismo crônico. Considerando-se que o tratamento indicado, para os casos avançados consiste na nefrectomia total, optou-se pela realização dessa cirurgia pela via laparoscópica devido às vantagens que o acesso tem demonstrado em seres humanos, principalmente às relacionadas a recuperação pós-operatória, e devido ao fato dessa cirurgia ser segura e efetiva por esse acesso [3]. Durante revisão clínica, o paciente demonstrou bem-estar geral, ausência de alterações nos exames complementares e de sinais clínicos compatíveis com alterações no trato urinário, ratificando a adequação de cirurgia laparoscópica para o tratamento de dioctofimose em cães, condição ainda pouco relatada mundialmente. NOTAS INFORMATIVAS Figura 3. Alteração na parede do duodeno descendente evidenciada durante o procedimento cirúrgico. 1 Quinolon 10%, Laboratório Bravet Ltda., Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Tramadon, Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos 3 Acepran 1%, Univet S/A Indústria Veterinária, São Paulo, SP, Brasil. 4 Dimorf, Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos 5 Propovan, Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos 6 Diazepam, União Química Farmacêutica Nacional S/A, Pouso Alegre, MG, Brasil. 7 Isoflurane, Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos 88

8 Cloridrato de Lidocaína 2%, Hipolabor Farmacêutica Ltda., Sabará, MG, Brasil. 9 Vicryl, Ethicon, São José dos Campos, SP, Brasil. 10 Nylon, Shalon Fios Cirúrgicos Ltda., São Luiz de Montes Belos, GO, Brasil. 11 Meloxicam, Eurofarma Laboratórios Ltda., São Paulo, SP, Brasil. REFERÊNCIAS 1 Alvarenga J., Matera J.M., Moraes Barros P.S., Randi R.E. & Sterman F. 1984. Dioctophyma renale in a dog. Modern Veterinary Practice. 65: 125. 2 Bowman D.D. 2006. Helmintos. In: Bowman D.D., Linn R.C., Eberhard M.L. & Alcaraz A. (Eds.). Parasitologia Veterinária de Georgis. 8.ed. São Paulo: Manole, pp.224-225. 3 Brun M.V., Beck A.C., Mariano M.B., Antunes R. & Pigatto J.A.T. 2002. Nefrectomia Laparoscópica em cão parasitado por Dioctophyma renale - relato de caso. Arquivos de Ciências Veterinárias e Zoologia da Unipar. 5 (1): 145-152. 4 Costa P.R.S., Argolo Neto N.M. & Oliveira D.M.C. 2004. Dioctofimose e leptospirose em um cão relato de caso. Clínica Veterinária. 51: 48-50. 5 Ferreira Neto J.M., Nunes L.P., Bernis W.O. & Pippi N. 1972. Observações sobre o comportamento do Dioctophyme renale transplantado para cavidade abdominal do cão. Arquivo da Escola de Medicina Veterinária. 24: 217-219. 6 Fortes E. 1997. Helmintologia. In: Parasitologia Veterinária. 3.ed. São Paulo: Cone, pp.417-420. 7 Kano S.F., Shimada M.T., Suzuki S.N., Osaki S.C., Menarim B.C., Ruthes R.V. & Laidane Filho M.A. 2003. Ocorrência da dioctofimose em dois cães no município de Guarapuava-PR. Semina: Ciências Agrárias. 24(1): 177-180. 8 Kommers G.D., Ilha M.R.S. & Barros C.S.L. 1999. Dioctofimose em cães: 16 casos. Ciência Rural. 29(3): 517-522. 9 Monteiro S.G., Sallis E.S.V. & Stainki D.R. 2002. Infecção natural por trinta e quatro helmintos da espécie Dioctophyma renale (Gonze, 1782) em um cão. Revista da Faculdade de Zootecnia, Veterinária e Agronomia. 9: 29-32. 10 Motta A.C. da, Pereira R.A., Vieira M.I.B., Antoniazzi K.R., Fuga M. & Fraga S.T. 2005. Aspectos anátomo-patológicos do parasitismo por Dioctophyma renale em cães no município de Passo Fundo, RS. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. 57 (Supl. 1): 30. 11 Osborne C.A., Stevenes J.B., Hanlon G.F., Rosin E. & Bemrick W.J. 1969. Dioctophyma renale in a dog. Journal of the American Veterinary Medical Association. 155(4): 605-620. 12 Pereira J.B., Girardelli L.O.T., Lima V.R., Nunes L.C. & Martins I.V.F. 2006. Ocorrência de dioctofimose em cães no município de Cachoeira do Itapemirim, Espírito Santo, Brasil, no período de maio a dezembro de 2004. Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária. 15(3): 123-125. 13 Rappeti J.C.S., Mazzanti A. & Pippi N.L. 2008. Dioctofimose assintomática em um cão: Relato de caso. Revista Científica de Medicina Veterinária. 6: 53-57. 14 Sink C.A. & Feldman B.F. 2006. Urinálise e Hematologia Laboratorial para o Clínico de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, pp.38-40. 15 Soler M., Cardoso L., Teixeira M. & Agut A. 2008. Imaging diagnosis Dioctophyma renale in a dog. Veterinary Radiology e Ultrasound. 49(3): 307-308. 16 Urquhart G.M. 1998. Helmintologia veterinária. In: Urquhart G.M., Armour J., Duncan J. L., Dunn A.M. & Jennings F.W. (Eds.). Parasitologia Veterinária 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, pp.84-85. 17 Weiser G. 2007. Interpretação da resposta leucocitária nas doenças. In: Thrall M.A., Baker D.C., Campbell T.W., De Nicola D., Fettman E.D.L., Rebar A. & Weiser G. (Eds). Hematologia e Bioquímica Clínica Veterinária. São Paulo: Roca, pp.128-140. www.ufrgs.br/actavet Pub. 881 89