A LINGUAGEM AUDIOVISUAL E O VÍDEO-ENSAIO O vídeo nasceu como resultado de um longo processo de incremento tecnológico, que vem se realizando desde o nascimento da técnica da fotografia. Desde o início do século XX, as primeiras imagens instantâneas captadas pelo olho mágico das câmeras invadiram o cotidiano das pessoas e despertaram um sentimento ambíguo em relação a essa nova técnica: de um lado, a euforia com relação à capacidade de captação do real, de outro, o espanto frente a uma técnica que parecia ser capaz de eternizar o tempo, alterar a relação com a memória e produzir a realidade por meio das fotografias que eram estampadas, diariamente, nos jornais e revistas ilustradas da época. Ao mesmo tempo, além de se infiltrar diretamente na teia do cotidiano, a fotografia também abalou o próprio conceito de arte, que tinha na pintura o seu contraponto. Na fotografia parecia haver o que se chamou de perda de autenticidade da obra de arte (Walter Benjamin) que reduzia a arte à pura imitação. Ao mesmo tempo, esta novidade técnica modificava a posição do artista como criador original em virtude das capacidades ilimitadas da reprodutibilidade. Com o cinema, a fotografia se descola da mera mimetização da realidade e passa a criar IMAGENS em MOVIMENTO e com elas mundos de sonhos, utilizando para isso as técnicas próprias da montagem na construção da narrativa audiovisual.
A imagem e o vídeo O vídeo é uma das ferramentas criadas com os progressos das novas tecnologias de informação realizadas apenas muito recentemente: somente nos últimos 20 anos é que as imagens eletrônicas passaram a dominar definitivamente o nosso cotidiano, sobretudo após o surgimento da Internet. Mas qual é a especificidade desta técnica? Essa novidade em termos técnicos pode ser pensada, como sugere Lucena (2012), por meio da diferença entre a IMAGEM FOTOGRÁFICA e a IMAGEM ELETRÔNICA. A imagem fotográfica, base tradicional do cinema, foi predominante até meados dos anos 1980-1990, sendo baseada em suportes químicos. Uma imagem fotográfica tradicional é formada por películas compostas por haletos de prata, que ficam suspensos na emulsão gelatinosa do filme e se alteram em níveis atômicos quando expostos à luz através das lentes de uma objetiva (Lucena, p. 87-7) Enquanto isso, na imagem eletrônica, a informação luminosa se converte em uma frequência elétrica que forma células fotossensíveis, sendo que cada uma dessas células gera um ponto da imagem, chamado de Picture Element ou Pixel, que é a menor unidade da imagem eletrônica, sendo esta constituída por milhares de pixels. Essa informação elétrica fica armazenada em uma fita magnética, que deve ser decodificada para que a imagem seja captada.
Esses dois tipos de imagem, fotográfica e eletrônica, não são de modo algum excludentes, mas, antes, formam sistemas de hibridização que combinam as vantagens dos dois suportes, químico e eletrônico. É aqui que entra a IMAGEM DIGITAL. Quando ouvimos falar de imagem digital, trata-se menos de uma transformação na tecnologia de captação da imagem do que do modo como a imagem fotográfica ou elétrica é armazenada e convertida de analógico à digital, que vai ser lida e escrita na forma de números (dígitos 0 e 1). O vídeo surge como consequência do processo de evolução da TV como veículo de comunicação de massa, que fomentou o desenvolvimento de pesquisas referentes à captação e armazenamento de imagens, levando, no final dos anos 50, ao surgimento do VIDEOTAPE, a impressão magnética da imagem em fita (Lucena, 2012, p. 90). Nascida como videoteipe, a imagem eletrônica passou a ser mais conhecida como vídeo. As implicações desta transformação podem ser intuídas na citação que se segue: A partir do momento em que a imagem passa a ser convertida em um registro numérico e se torna digital, até mesmo suas menores unidades constitutivas os pixels tornam-se passíveis de manipulação. E atualmente, com os softwares de edição digital qualquer um pode cortar, emendar e reorientar a imagem digital. (Lucena, 2012, p. 91) E esse processo passou a ser ainda mais acelerado com o surgimento da internet e a necessidade de transmissão de
arquivos e imagens como fotos e vídeos, o que levou à necessidade de construção de tecnologias de compactação de arquivos como o MP3 para som digital, o JPEG para imagens fotográficas e o MPEG para vídeos. Um breve histórico da imagem técnica Final do século XIX até os anos 1920: nascimento da fotografia, projeção de imagens e primeiras tentativas de sincronização entre sons e imagens nos primórdios do cinema. 1950-60 surgem novas técnicas cinematográficas com introdução de câmeras leves e do som direto: 1970-80: Mudanças ainda mais radicais nas técnicas: como uso de câmeras digitais e migração para Ilha de edição digital. Segundo Lucena, essa migração altera procedimentos, formas de produção, custos, torna os projetos mais viáveis e possibilita ao cinema de ficção a construção de novas realidade, oferece diferentes alternativas de produção e reelaboração simbólica. (Lucena, 2012, p. 81-2). As mudanças tecnológicas no sistema de captação de imagens interferiram diretamente na construção do conteúdo a ser veiculado, dando origem a um tipo específico de estética que desestabiliza a noção de realidade e gera um efeito de estranhamento sobre o espectador. Nesta fase, parece haver uma integração da linguagem de documentários no cinema.
1990 uso intensivo de processos de digitalização de som e imagem que passam a interferir diretamente na produção do real, manipulando registros de realidade nem grau sem precedentes. Em busca de um conceito de vídeo O vídeo é um modo de construção de imagens híbridas. Desde o seu surgimento, muitas questões têm indicado à dificuldade de circunscrever o conceito de vídeo, mas podemos estabelecer algumas balizas. Para isso nos apoiaremos na obra de Philippe Dubois, um dos importantes pensadores contemporâneos que vêm desenvolvendo uma reflexão concentrada sobre as atuais mutações do cinema e a emergência do vídeo. Utilizaremos aqui seu livro Cinema, vídeo, Godard (2004), segundo o qual: O vídeo é um momento intermediário, uma passagem, entre o cinema e o computador. O vídeo é um conjunto de obras semelhantes às do cinema e da televisão, gravadas com câmeras, editadas, roteirizadas e são exibidas ao público. O vídeo pode ser uma instalação, uma complexa cenografia de telas, objetos, que implicam o espectador de modo mais abrangente, tal como as instalações audiovisuais utilizadas por artistas contemporâneos. Vejamos com mais cuidado algumas das implicações destas definições.
O vídeo compartilha suas técnicas com cinema e a televisão, porém a sua definição é mais ampla, abarcando muitas outras possibilidades de construção audiovisual, de tal modo que parece ser impossível chegar a uma definição unívoca. Dubois sugere que o vídeo é um movimento, um estado, uma forma de pensamento. Mas algumas características diferenciam o que ele chama de IMAGEM- CINEMA da IMAGEM-VIDEO. Enquanto na Imagem-Cinema mantem-se algumas estruturas próprias à linguagem cinematográfica, como a profundidade de campo, os longos planos sequencias, o campo de fuga, na Imagem-Vídeo a imagem pode ser manipulada a ponto de perder sua referencialidade imediata com a realidade e com a arquitetura da imagem-cinema, revelando camadas, encavalando imagens, e sobrepondo-as por meio de resultados de processos de montagem que conferem uma espécie de espessura à imagem e um efeito de relevo. Com o vídeo, o efeito construído pela tecnologia se descola da impressão de realidade do cinema substituindo-a pela vertigem: a imagem em si oferecida como experiência. Phillip Dubois propõe o conceito de VÍDEO-ENSAIO para dar conta da amplitude de possibilidades e aberturas que traz esse tipo de construção de imagem. Assim o vídeo é uma linguagem que mantem o diálogo com o cinema, mas que não se reduz a ele. E se há algo que o define é a sua pluralidade, a sua diversidade, o movimento, o
que faz com que o vídeo, assim como a areia, escorra entre os dedos, cada vez que tentamos aprendê-lo em uma forma estável (Dubois, 2004, p. 24). Referências bibliográficas: DUBOIS, P., Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac y Naif, 2004. LUCENA, Luiz Carlos, Como fazer documentários: conceito, linguagem e prática de produção. São Paulo: Summus editorial, 2012.