CONSULTA N 38/2015 Área Cível. OBJETO: Ação Civil Pública proposta pelo MP em face da Fazenda Pública Municipal Obrigação de não fazer Destinação de resíduos sólidos Sentença condenatória - Execução contra a Fazenda Pública Astreintes Multa sancionatória por descumprimento de decisão judicial - Termo inicial de incidência Outras medidas coercitivas - Rito adequado. INTERESSADA: Promotoria de Justiça da Vara Única da Comarca de Santa Mariana/PR. CONSULTA N 38/2015 1. Trata-se de consulta formulada por meio contato telefônico pela Assessora Jurídica Nayra Heloisa de Carvalho Gonçalves, sob a orientação da Dra. Juliana Soares de Oliveira, d. Promotora de Justiça em atuação na Vara Única da Comarca de Santa Mariana/PR, a respeito do termo inicial de incidência e do rito adequado para a execução de multa fixada contra a Fazenda Pública em sentença transitada em julgado, na qual o Município foi condenado ao cumprimento de obrigação de não fazer. Segundo relato apresentado pela consulente, o título executivo advém de sentença proferida em Ação Civil Pública ajuizada pelo Parquet em face do Município de Santa Mariana/PR com o intuito de que este procedesse ao manejo adequado dos resíduos sólidos urbanos, 1
adotando, para tanto, as medidas comissivas e omissivas requeridas na exordial. Em sede de antecipação de tutela, determinou-se ao réu o cumprimento de obrigação de não fazer, sob pena de multa diária na forma do art. 461 do Código de Processo Civil. A determinação judicial interlocutória não foi cumprida. Na sentença, a multa foi majorada para o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e houve modulação dos seus efeitos, fixando-se o termo inicial de incidência das astreintes a partir da data de 03/08/2014. manifestação. É, em síntese, o que se cumpre relatar. Passa-se à 2. A tutela inibitória 1 é vocacionada à concretização de um direito, buscando impedir sua degradação em perdas e danos. Por esse motivo, o juiz deve adotar todas as medidas cabíveis para que a obrigação seja de fato adimplida em sua forma específica. Nesse sentido, preveem os 4º e 5º do art. 461 uma série de providências exemplificativas, abaixo transcritas: 1 Forma de tutela específica, que se satisfaz pelo adimplemento de uma obrigação comissiva ou omissiva pelo requerido, na medida em que essa prestação ainda se mostre útil para o credor. Portanto, a tutela inibitória é especialmente voltada às obrigações que ainda não se converteram em perdas e danos. 2
5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. Além da majoração da multa cominatória e das demais ferramentas elencadas nos 4 e 5 do art. 461 do CPC, também se admite a aplicação da multa sancionatória por ato atentatório ao exercício da jurisdição, mecanismo previsto no art. 14, inc. V, do CPC. O fato de a condenada ser a Fazenda Pública não é impeditivo para a fixação da multa sancionatória, a qual é aplicável aos entes públicos, conforme entendimento jurisprudencial (vide: STJ, Resp n 893.041/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 16.11.2004; STJ, AgRg no Resp n 1.176.638/RS, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, DJ 20.09.2010). Ressalta-se, apenas, que o emprego da multa sancionatória tem como requisitos: a) a prévia e regular intimação pessoal do devedor (STJ, Súmula 410) para o cumprimento da ordem ou obrigação, sob pena de aplicação da penalidade do art. 14, parágrafo único, do CPC; b) a prova inequívoca do descumprimento da decisão; e c) a oportunização do direito de defesa e ao contraditório do réu. 2.1. Feita essa exposição teórica acerca da tutela inibitória e dos instrumentos citados pelo CPC para assegurar o cumprimento da 3
obrigação específica, inicia-se a análise do caso concreto objeto da consulta formulada. Na situação em voga, a multa cominatória estipulada em prejuízo do réu em sede de antecipação de tutela foi absolutamente ineficaz para garantir a cessação da atividade ilícita. Por esse motivo, a sentença proferida nos autos majorou as astreintes e modulou os seus efeitos, bem como ameaçou o Município com a aplicação da multa sancionatória em caso de descumprimento da ordem judicial. Sendo assim, no que tange à multa sancionatória, pode-se afirmar que a sentença já satisfez o requisito da ciência prévia do réu acerca da possibilidade de aplicação da multa sancionatória prevista no art. 14, inc. V do CPC exigência explicada no tópico anterior -. Sobreleva-se, então, verificar se foi efetivada a intimação pessoal da parte no tocante a essa penalidade. Este Centro de Apoio não possui informações suficientes quanto à ocorrência ou não da intimação, de modo que o mencionado requisito deverá ser verificado pela consulente. Constatando-se que foi promovida a intimação, e persistindo o descumprimento da ordem judicial, é passível a aplicação da multa sancionatória, de ofício ou a pedido, sem a 4
necessidade de nova intimação prévia do devedor, incluindo-se o valor fixado a título dessa penalidade nos cálculos da execução da sentença. Em relação à execução da multa cominatória ou astreintes (461 CPC), convém mencionar que, de acordo com tese firmada pelo STJ em sede de recurso repetitivo, a exigibilidade das astreintes se dá após sua confirmação por sentença. Confira-se: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE MULTA COMINATÓRIA FIXADA POR DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. NECESSIDADE DE CONFIRMAÇÃO POR SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TESE CONSOLIDADA. 1.- Para os efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixa-se a seguinte tese: "A multa diária prevista no 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo." 2.- O termo "sentença", assim como utilizado nos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC, deve ser interpretado de forma estrita, não ampliativa, razão pela qual é inadmissível a execução provisória de multa fixada por decisão interlocutória em antecipação dos efeitos da tutela, ainda que ocorra a sua confirmação por Acórdão. 3.- Isso porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do próprio reconhecimento da existência do direito material reclamado que lhe dá suporte, então apurado após ampla dilação probatória e exercício do contraditório, ao passo em que a sua confirmação por Tribunal, embora sob a chancela de decisão colegiada, continuará tendo em sua gênese apenas à análise dos requisitos de prova 5
inequívoca e verossimilhança, próprios da cognição sumária, em que foi deferida a antecipação da tutela. 4.- Recurso Especial provido, em parte: a) consolidando-se a tese supra, no regime do art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução 08/2008 do Superior Tribunal de Justiça; b) no caso concreto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial. (REsp 1200856/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/07/2014, DJe 17/09/2014) Destacou-se. Como regra geral, pois, havendo a prolação da sentença e antes do trânsito em julgado as astreintes poderão ser objeto de execução provisória, guiada pelo rito do art. 475-O do CPC. A jurisprudência não é pacífica quanto ao descabimento da execução provisória em face da Fazenda Pública antes do julgamento de mérito, havendo situações especiais em que a multa é exigível provisoriamente na fase processual de conhecimento, a exemplo das demandas envolvendo o Direito à Vida. Contudo, considerando que na hipótese apresentada já houve o trânsito em julgado da sentença, resta inequívoca a exigibilidade da multa cominatória. Quando ao termo inicial das astreintes, entende-se que ele deve corresponder, em tese, ao primeiro dia de descumprimento da decisão (há o descumprimento quando a decisão já é eficaz em relação à parte, isto é, depois que a parte foi pessoalmente intimada para fazer ou deixar de fazer). 6
Porém, tendo em vista que no caso concreto houve modulação dos efeitos das astreintes na sentença condenatória, acredita-se que deve prevalecer o termo inicial especificamente fixado pelo juízo, qual seja, a data de 03/08/2014. 2.2. No que compete ao procedimento cabível para o pedido de cumprimento de sentença, tem-se que a execução por quantia certa (astreintes e multa sancionatória) em face da Fazenda Pública, após o trânsito em julgado, observa o rito do art. 730 do CPC. Não há impedimento legal para que a execução de quantia certa seja proposta nos mesmos autos do processo de conhecimento; todavia, é oportuno observar a conveniência de tal medida no caso concreto. O cuidado é devido porque as medidas empreendidas para compelir o Município ao cumprimento da obrigação específica de não fazer, assim como à prática de ato que alcance resultado prático equivalente, ensejam prosseguimento pelo rito do art. 461 do CPC, ao passo que a obrigação de pagar quantia certa oriunda das multas estabelecidas contra o ente público comporta execução pelo rito do art. 730 do CPC 2. 2 AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL - INAPLICABILIDADE DO NOVO RITO INAUGURADO PELA LEI Nº 11.232/2005 - APLICABILIDADE DO ART. 730 DO CPC - AUSÊNCIA DE DESOBEDIÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DO CNJ - RECURSO CONHECIDO E NÃO 7
A fim de evitar tumulto processual, portanto, recomendase que a execução por quantia certa (astreintes e multa sancionatória) seja procedida em autos apartados, segundo o procedimento do art. 730 do CPC, bem como que eventuais outras medidas coercitivas para garantir o cumprimento da tutela específica da obrigação sejam adotadas nos mesmos autos da ação principal, em obediência ao rito estabelecido pelo art. 461 do CPC. 2.3. Em conclusão: a) Acredita-se que a multa cominatória ou astreintes tem como termo inicial a data fixada em sentença, bem como que é conveniente que ela seja executada na forma do art. 730 do CPC, em autos apartados; b) Confirmando-se o descumprimento da sentença, é possível que seja requerida, cumulativamente, a aplicação da multa sancionatória sinalizada na sentença, conforme art. 14, inc. V, do CPC, a qual incide a partir da data em que houver a intimação pessoal da parte com tal advertência expressa; e PROVIDO. A execução contra a Fazenda Pública deve seguir rito próprio, previsto nos artigos 730 e 731 do CPC, além de obedecer ao regime de precatórios, previsto no art. 100 da CF/88, não sendo, portanto, a Lei nº 11.232/2005 aplicável à execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, devendo ser mantido o processo autônomo de execução de sentença. Precedentes do STJ. (TJ- MS - AI: 14064524620148120000 MS 1406452-46.2014.8.12.0000, Relator: Des. Marco André Nogueira Hanson, Data de Julgamento: 01/07/2014, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/07/2014). 8
c) Não se mostrando eficazes as multas citadas, e havendo interesse ministerial, também há viabilidade de que o Parquet pleiteie em juízo outras medidas para garantir o cumprimento da tutela específica da obrigação omissiva de caráter ambiental ou a obtenção de resultado prático equivalente, à luz do 5 do art. 461 do CPC, nos mesmos autos da ação principal. Em caso de incerteza quanto à existência de outras providências oportunas para compelir o Município ao adimplemento da obrigação específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, e até mesmo em relação à conveniência da conversão em perdas e danos, sugere-se que a consulente entre em contato com o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, o qual tem atribuição específica na matéria e pode contribuir no esclarecimento de eventuais iniciativas com potencialidade de êxito em face do ente público, voltadas à proteção do bem jurídico tutelado, bem como na viabilidade de conversão da obrigação em perdas e danos face aos prejuízos de ordem ambiental. 3. Frente ao questionamento formulado e aos dados fornecidos a esta Unidade, são essas as informações que se entende adequadas. 9
Salienta-se que o presente parecer não compõe manifestação de ordem vinculativa, pois é respeitado o princípio da independência funcional, que baliza a atuação dos membros. Espera-se que o material enviado auxilie no deslinde do caso sob os cuidados do Ministério Público. Persistindo dúvidas ou havendo novos questionamentos, este Centro de Apoio permanece à disposição. Curitiba, 22 de julho de 2015. Terezinha de Jesus Souza Signorini Procuradora de Justiça Coordenadora Samantha Karin Muniz Assessora Jurídica Maine Laís Tokarski Estagiária de Pós-Graduação 10