Dimensionamento de número de leitos e tipologia hospitalar: o desafio de fazer as perguntas certas e de construir suas respostas



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Transcrição:

Apresentação Projetos de Apoio ao desenvolvimento institucional do SUS Dimensionamento de número de leitos e tipologia hospitalar: o desafio de fazer as perguntas certas e de construir suas respostas Equipe técnica Armando De Negri Filho Zilda Barbosa Tatiana Yonekura São Paulo 2012 1

Apresentação Sumário Apresentação... 3 Objetivos... 4 Objetivo Geral... 4 Objetivos específicos... 4 Procedimento Metodológico... 5 Introdução... 7 Conceitos... 7 Formas de classificação hospitalar... 10 O Hospital: breve histórico e papel na atenção integral à saúde... 12 Panorama internacional... 22 Austrália... 24 Canadá... 27 Espanha... 30 França... 33 Reino Unido da Grã-Bretanha - Inglaterra... 36 Panorama nacional... 42 Crise... 56 Cenário Internacional... 56 Cenário Nacional... 65 Financiamento... 79 Tipologia hospitalar... 81 Número de leitos... 83 Conclusões... 91 Quanto ao dimensionamento do número de leitos... 91 Quanto à tipologia hospitalar... 94 Recomendações... 96 Referências bibliográficas... 97 2

Apresentação Apresentação Existe uma crise de acesso e qualidade na atenção hospitalar no SUS, que apresenta uma infraestrutura envelhecida, uma oferta insuficiente ao volume e natureza complexa crescente das demandas e o paradoxo da oferta hospitalar ser ociosa em muitos estabelecimentos, pois ai carece de qualidade resolutiva enquanto outros, com maior capacidade, operam com uma grande sobrecarga. É impositivo que façamos um esforço de reforma hospitalar no âmbito do SUS como outros sistemas universais tiveram que realizar no transcurso do seu desenvolvimento histórico, levando em conta o grave e exigente contexto brasileiro, que apresenta uma transição epidemiológica polarizada e prolongada como reflexo de seu padrão desigual de desenvolvimento, associada a uma transição demográfica acelerada, resultando em uma demanda de grande volume e complexa em sua diversidade. Construir modelos conceituais de hospitais conforme a natureza da atenção às necessidades exige desenvolver concomitantemente pelo menos três tipologias: para pacientes agudos, eletivos e crônicos (de longa permanência e uma diversidade de necessidades derivadas de suas dependências que vão do hospital dia até os cuidados paliativos e terminais), mediante a projeção de linhas de atenção populacionais e definição de suas escalas de complexidade. Para poder elaborar propostas de planos diretores em um contexto de reforma do sistema hospitalar brasileiro será necessário simular essas tipologias em modelos de suficiência de atenção projetadas em territórios/populações com caráter prospectivo. A revisão da literatura, a organização e análise de dados sobre a capacidade hospitalar existente e sua classificação tipológica serão insumos fundamentais para o desenvolvimento das etapas 2012 2014. O texto abaixo sintetiza o estudo realizado no segundo semestre de 2011, no escopo do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde PROADI-SUS, intitulado Construção de parâmetros técnicos para o debate de uma reforma hospitalar no SUS e pretende subsidiar e fomentar questões que serão aprofundadas no próximo triênio (2012-2014) com o projeto Apoio para a elaboração das bases para um plano diretor de hospitais do Brasil, com capítulos por Estado. 3

Objetivos Objetivos Objetivo Geral Identificar parâmetros de dimensionamento de número de leitos e formas de organização e tipologia hospitalar em relação às necessidades de pacientes agudos, eletivos ou crônicos. Objetivos específicos Conhecer o desenvolvimento e cenário atual da atenção à saúde e, em especial, da atenção hospitalar, na Austrália, no Canadá, na Espanha, na França e no Reino Unido da Grã-Bretanha; Conhecer a tipologia hospitalar e os parâmetros de oferta de leitos desses países; Conhecer o desenvolvimento do sistema hospitalar brasileiro; Conhecer a tipologia hospitalar brasileira; Conhecer a oferta de leitos hospitalares no país, no âmbito dos Estados, suas Capitais e Regiões Metropolitanas; 4

Procedimento Metodológico Procedimento Metodológico Revisão da literatura internacional (tradução dos autores). Revisão da literatura nacional. Para essa revisão de literatura, foram consultadas as seguintes bases de dados: MEDLINE, LILACS, PAHO e COCHRANE. Além da escolha das bases de dados, foi necessário selecionar os descritores adequados para abranger os estudos relevantes para este projeto, conforme relação apresentada abaixo. Foi utilizado o vocabulário MeSH (Medical Subject Headings of U.S. National Library of Medicine) ou sinônimos, de acordo com as especificidades das bases de dados: Acute care hospital beds Assessment of health care needs Bed reduction Bed occupancy Health care management Health care rationing Health Services Needs and Demand Hospital bed capacity Hospital bed needs Hospital planning Longstanding/chronic care Needs of hospital beds Needs and demand of hospital beds Programmed/elective care Public health administration Os critérios de inclusão foram: artigos com resumo, escritos em português, inglês ou espanhol e publicados entre 1990 e 2011. Numa primeira busca foram identificados 257 artigos, sendo incluídos 142. Após a análise e exclusão dos artigos indisponíveis, a amostra final para este trabalho foi de 109 artigos, 9 livros e 11 outras publicações institucionais (manuais). Na medida em que realizamos a leitura do material selecionado, novos descritores foram localizados e foram registrados para a utilização na próxima etapa do trabalho. 5

Procedimento Metodológico Tínhamos por objetivo conhecer sistemas de saúde internacionais para ter referenciais mais concretos na estruturação de parâmetros para a atenção hospitalar brasileira e durante a leitura de vários manuais do Observatório Europeu de Sistemas de Saúde e Políticas várias outras questões foram suscitadas e leituras complementares foram realizadas. Os estudos não publicados ou não indexados na literatura (literatura cinza), como manuais institucionais e estatísticas, também foram considerados e foram coletados a partir dos sites da Organização Mundial de Saúde (WHO), Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OECD), Instituto Brasileiro de Geografia e Ciências (IBGE), Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e sites governamentais de vários países, além do Google Scholar. 6

Introdução Introdução Uma primeira questão aparentemente simples, mas de relevante importância é o que significa um leito hospitalar. Usualmente o número de leitos hospitalares é registrado simplesmente com a contagem da cama peça de mobiliário, ou seja, o local onde um paciente possa se deitar. Para que uma cama se transforme num leito capaz de contribuir para o cuidado qualificado à saúde da população, é necessário que ela esteja alocada em um estabelecimento de saúde com infraestrutura apropriada, incluindo profissionais treinados, pessoal administrativo, equipamentos e insumos. Ainda, o que se pode considerar um leito qualificado para reabilitação de um paciente após um acidente vascular cerebral (AVC) é muito diferente de um leito adequado para terapia intensiva. Além disso, existem camas que não devem ser consideradas como leitos, por exemplo, as de acompanhantes de crianças e idosos e podem existir também leitos que não são camas, como por exemplo, as poltronas para hemodiálise ou quimioterapia (1). No Brasil, a Portaria MS/SAS nº 312 em 02 de Maio de 2002 estabelece uma padronização de nomenclatura para o censo hospitalar nos hospitais integrantes do SUS, que foi elaborada com vistas a permitir que este censo gerasse informações de abrangência nacional. Abaixo alguns dos conceitos propostos pela Portaria: Conceitos Leito hospitalar de internação É a cama numerada e identificada destinada à internação de um paciente dentro de um hospital, localizada em um quarto ou enfermaria, que se constitui no endereço exclusivo de um paciente durante sua estadia no hospital e que está vinculada a uma unidade de internação ou serviço. Leito hospitalar de observação É o leito destinado a paciente sob supervisão médica e/ou de enfermagem, para fins diagnósticos ou terapêuticos, por período inferior a 24 horas. Os leitos de hospital-dia são leitos hospitalares de observação. Leito de observação reversível É o leito hospitalar de observação que pode ser revertido para um leito de internação em caso de necessidade. 7

Introdução Leito planejado É todo o leito previsto para existir em um hospital, levando-se em conta a área física destinada à internação e de acordo com a legislação em vigor, mesmo que esse leito esteja desativado por qualquer razão. Leito instalado É o leito habitualmente utilizado para internação, mesmo que ele eventualmente não possa ser utilizado por um certo período, por qualquer razão. Leito desativado É o leito que nunca foi ativado ou que deixa de fazer parte da capacidade instalada do hospital por alguma razão de caráter mais permanente como, por exemplo, o fechamento de uma unidade do hospital. Leito operacional É o leito em utilização e o leito passível de ser utilizado no momento do censo, ainda que esteja desocupado. Leito bloqueado É o leito que, habitualmente, é utilizado para internação, mas que no momento em que é realizado o censo não pode ser utilizado por qualquer razão (características de outros pacientes que ocupam o mesmo quarto ou enfermaria, manutenção predial ou de mobiliário, falta transitória de pessoal). Na literatura internacional encontramos algumas outras tipologias que no Brasil são consideradas como especialidade do leito (Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS - SIH/SUS): Leito de agudo Leito destinado ao cuidado (curativo, terapêutico) clínico, cirúrgico de urgência e eletivo, pediátrico e obstétrico, excluindo-se desse total os leitos psiquiátricos, leitos dia, de longa permanência e cuidados paliativos (2). Leito subagudo Tipologia encontrada em alguns estudos e localidades é o leito que realiza o cuidado não agudo: cuidado paliativo, reabilitação e cuidado em geriatria (3). 8

Introdução Leito de longa permanência Leito destinado a pacientes que requeiram cuidado prolongado devido a doenças ou impedimentos crônicos e redução de autonomia para as atividades habituais. Inclui leitos em hospitais gerais ou especializados e leitos de cuidado paliativo a(4). Todas essas definições, porém, não foram levados em conta pelo Sistema Nacional de Cadastro de Estabelecimentos de Saúde SCNES, sítio oficial do Ministério da Saúde para o cadastramento formal dos serviços hospitalares em atividade no país e de seus respectivos leitos, onde estão registrados os leitos existentes, sem qualquer distinção, questionamento ou recomendação sobre seu estado funcional, conforme se lê em seu manual de instruções de preenchimento: Leito hospitalar Cama destinada à internação de um paciente no hospital. (Não considerar como leito hospitalar os leitos de observação e os leitos da Unidade de Terapia Intensiva). Assim, ao realizarmos uma pesquisa sobre o número de leitos do país através do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CNES podemos nos deparar com leitos meramente hipotéticos, ou seja, leitos supostamente instalados, mas não operacionais. A segunda questão essencial é o que é um hospital? Essa pergunta descortina uma grande área de intersecção entre o cuidado à saúde e o cuidado social. Leva também a uma série de outras questões relativas à sua tipologia. Abaixo apresentamos os conceitos e terminologias usados no Brasil e o comparamos à literatura internacional: Hospital: Definição do Ministério da Saúde do Brasil: O termo hospital se refere a um conjunto muito heterogêneo de estabelecimentos de saúde, unidades de diferentes portes, que podem oferecer uma variada gama de serviços e atividades e desempenhar funções muito distintas no âmbito da rede de atendimento à saúde. Entretanto, os estabelecimentos possuem uma característica em comum: a prestação de cuidados de saúde a pacientes internados em leitos hospitalares durante as 24 horas do dia (5). a Notar que os leitos destinados ao cuidado paliativo aparecem tanto na definição de leito subagudo como de leito de longa permanência. Pelos estudos realizados, nos parece que a tipologia subagudo é mais recente e pretende estabelecer um diferencial entre o nível de cuidados médicos e de enfermagem necessários a pacientes não agudos, reservando a nomenclatura subagudo para pacientes com maior necessidade de cuidados médicos e longa permanência para pacientes com maior necessidade de cuidados de enfermagem. 9

Introdução Encontramos outra definição no manual de orientações para o cadastramento de hospitais no CNES: estabelecimento de saúde dotado de internação, meios diagnósticos e terapêuticos, com o objetivo de prestar assistência médica curativa e de reabilitação, podendo dispor de atividades de prevenção, assistência ambulatorial, atendimento de urgência/emergência e de ensino/pesquisa. Esses conceitos diferem um pouco do adotado pelo Observatório Europeu de Políticas e Sistemas de Saúde: Estabelecimento com instalações para internação e em condições de oferecer assistência médica e de enfermagem, em regime contínuo 24h ao dia, para o diagnóstico, tratamento e reabilitação de indivíduos adoentados ou feridos que necessitem de cuidados clínicos e/ou cirúrgicos e que, para tal fim, conta com ao menos um profissional médico em seu quadro de funcionários. O hospital também pode prestar atendimento ambulatorial (6). Os hospitais, como definidos acima, podem ser classificados sob vários aspectos: Formas de classificação hospitalar (6) 1) Porte do hospital: - Pequeno porte b : É o hospital que possui capacidade normal ou de operação de até 50 leitos. - Médio porte: É o hospital que possui capacidade normal ou de operação de 51 a 150 leitos. - Grande porte: É o hospital que possui capacidade normal ou de operação de 151 a 500 leitos. - Acima de 500 leitos considera-se hospital de capacidade extra. 2) Perfil assistencial dos estabelecimentos: Hospital de clínicas básicas, hospital geral, hospital especializado, hospital de urgência, hospital universitário e de ensino e pesquisa. 3) Nível de complexidade das atividades prestadas pela unidade hospitalar: Hospital de nível básico ou primário, secundário, terciário ou quaternário em cada estabelecimento (atenção básica, de média complexidade ou de alta complexidade). b O Ministério da Saúde, em 1 de junho de 2004, editou a Portaria GM 1.044, que instituiu política especial para organização e apoio financeiro para Hospitais de Pequeno Porte, na qual considerou apenas os hospitais com 5 a 30 leitos, o que pode gerar conflito de entendimento quando se usa a expressão hospital de pequeno porte. Para os fins desse estudo, os hospitais incluídos na portaria mencionada acima serão identificados como HPP 10

Introdução 4) Papel do estabelecimento na rede de serviços de saúde: Hospital local, regional, de referência estadual ou nacional. 5) Regime de propriedade: Hospital Público, privado, privado com fins lucrativos e privado sem fins lucrativos (beneficentes ou filantrópicos). Mckee (2) apresenta ainda outra classificação dos hospitais, segundo a relação que os mesmos mantêm com o sistema de saúde: Dominant hospital: modelo dominante nos países de baixa renda no qual o hospital tem papel essencial no sistema, realizando inclusive atenção primária, muitas vezes inadequada, realizada num cenário de falta de melhor oferta; Hub hospital: hospital no centro de um sistema integrado para uma área definida, envolvido no planejamento, administração e financiamento dos serviços. Modelo predominante na União Soviética; Comprehensive hospital: responsável pelo cuidado terciário, secundário, primário, extramuros. O hospital deve ser o centro da medicina curativa e preventiva; Separatist hospital: mais comum nos países desenvolvidos, o hospital assume apenas o cuidado agudo, especializado e de curta permanência. Na União Europeia as demais classificações hospitalares são semelhantes, mas encontramos uma nomenclatura diferente da que usamos no Brasil. Pelo que observamos os hospitais que, habitualmente, chamamos de hospitais gerais são conhecidos como hospitais de agudos, considerando que tais estabelecimentos oferecem leitos agudos, que conforme já mencionado, são destinados ao cuidado (curativo, terapêutico) clínico, cirúrgico de urgência e eletivo, pediátrico e obstétrico, excluindo-se desse total os leitos psiquiátricos, leitos dia, de longa permanência e cuidados paliativos. Em muitos locais os leitos de observação, sob variadas denominações, são considerados como leitos dia (2) e no Brasil eles não são registrados como leitos (7). Sobre as classificações, afinal, comenta Mckee (2) : A limitação dessas simples classificações está ficando clara, especialmente a divisão entre hospital secundário e terciário, que está sendo considerada cada vez mais obscura nos países desenvolvidos. 11

Introdução O Hospital: breve histórico e papel na atenção integral à saúde Para analisarmos adequadamente a atenção hospitalar que existe e que desejamos reestruturar, é necessário conhecer como ela se desenvolveu ao longo da história, entendendo o papel que o Hospital vem desempenhando nas diferentes etapas analisadas, inclusive para que possamos nortear nossas estratégias de enfrentamento da crise atual. O desenvolvimento do hospital está relacionado às enormes transformações políticas, econômicas, sociais e culturais e às inovações tecnológicas e científicas ocorridas nos últimos séculos (6,8) Segundo Braga Neto et al (6), o hospital é uma instituição bastante antiga, sendo que os primeiros registros apareceram nos primeiros séculos da era cristã no início do século IV d.c. Na época, o hospital não se voltava para a cura de pacientes, já que a assistência tinha como foco a salvação espiritual dos homens. McKee (2) relata que os exemplos mais antigos de instituições que poderiam ser consideradas como hospitais datam do século VII e eram destinadas ao cuidado de pessoas doentes, com base nos conhecimentos das antigas culturas bizantina, grega e árabe. No século XII, muitas cidades da Arábia tinham um pequeno hospital e em 1283 um grande hospital foi construído no Cairo. Entre os séculos X e XI foram construídos pequenos hospitais em toda a Europa. No período que se estendeu do século X ao século XVII, os hospitais permaneceram ligados a instituições religiosas a passaram por uma grande mudança em seus perfis. Nesse período, até o século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. O pobre doente era considerado um portador perigoso que potencialmente poderia contaminar as cidades, sendo necessária sua separação e exclusão da sociedade, não para a cura, mas para a salvação espiritual da alma do pobre. A partir do século XVIII a assistência aos pobres tornou-se uma responsabilidade do Estado (6,8). A preocupação com a disseminação de epidemias propiciou a introdução de mecanismos disciplinares no espaço do hospital, além da medicalização (8). No século XVIII, disseminou-se uma nova concepção teórica sobre o processo saúde-doença: a doença era compreendida como um fenômeno natural e seu cuidado estava direcionado aos fatores ambientais (o ar, a água, a temperatura ambiente, a alimentação, etc.) (8). Em torno de 1780, o hospital voltou a ser um instrumento terapêutico, instituição com o objetivo de cura das doenças (8). Segundo Braga Neto (6) : 12

Introdução Constata-se que os hospitais não funcionavam tão bem como deveriam. E não é mais admissível que os hospitais sigam funcionando como verdadeiros morredouros. Assim, durante esses anos, desenrolam-se diversas iniciativas voltadas para a modernização das dependências hospitalares. O século XIX foi marcado por intenso avanço científico e tecnológico decorrentes do aprimoramento e desenvolvimento de disciplinas básicas como a bioquímica e microbiologia, bem como dos investimentos do Estado em pesquisas científicas. A teoria microbiana e o desenvolvimento dos Raios-x foram considerados marcos importantes para o desenvolvimento da medicina com embasamento científico. No início do século XX o hospital começou a desenvolver o seu papel atual (2). A primeira metade do século XX foi marcada por profundas transformações provenientes de fatos históricos de grande relevância como as crises do liberalismo e do colonialismo, a revolução russa, a primeira guerra mundial, a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, a ascensão do fascismo e, por fim, a segunda guerra mundial. A partir de 1945, os países ocidentais experimentaram um novo padrão de desenvolvimento econômico e social. Ancorados em condições políticas, econômicas e sociais favoráveis e em altas taxas de crescimento, essa é a época em que o chamado Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) se configurou e em que houve uma marcada expansão das políticas sociais nesses países (6). A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir certa "harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente. Seu objetivo fundamental, conforme Beveridge admitia, era combater os cinco maiores males da sociedade: "a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade" (9). Nesse período grande parte dos países europeus reconheceu a saúde como direito do cidadão e se desenvolveram sistemas nacionais de saúde para garantir o acesso gratuito e universal. A implantação desses sistemas envolveu a ampliação da oferta de serviços à população e o aumento dos recursos públicos investidos na área da saúde. Tal expansão da oferta se deu, predominantemente com a reprodução e o aprofundamento de um modelo de atenção à saúde fundado no hospital moderno, nesse momento já instalado em novas 13

Introdução edificações com grande número de leitos, especialistas e equipamentos e que operava na lógica da prestação de serviços e procedimentos (6). Observou-se uma expansão vertiginosa do número de hospitais nas décadas de 40 e 50 que a partir dos anos 60 começou a causar preocupação em relação ao seu financiamento. Medidas voltadas para a modernização gerencial dos estabelecimentos hospitalares começaram desde então a ser debatidas e experimentadas. No entanto, mudanças mais radicais no âmbito da assistência e da gestão hospitalar somente tomaram corpo ao final da década de 1970, num contexto econômico mais difícil (6). Os Anos de Ouro do capitalismo instalado no pós-guerra começaram a se exaurir no final dos 60 e o Estado perdeu a capacidade de exercer as funções mediadoras do último período, com crescimento importante das dívidas públicas e privadas. A primeira grande recessão catalisada pela alta dos preços do petróleo em 1973/74, entre outros, foi um sinal contundente de que o sonho do pleno emprego e da cidadania relacionada à proteção social havia terminado nos países onde se originou o welfare state e estava também comprometido nos países periféricos nos quais não chegou a se realizar efetivamente. As elites político-econômicas, então, começaram a questionar e responsabilizar pela crise a atuação agigantada do Estado, especialmente naqueles setores que não revertiam diretamente em favor de seus interesses. E aí se incluíam as políticas sociais (10). Os anos de 1970 e de 1980 testemunharam o revigoramento das idéias liberais em detrimento dos Estados intervencionistas. A intensa crise na acumulação capitalista criou as condições favoráveis para a reorientação ideológica na política econômica mundial. Assim, gradativamente, a revolução liberal foi ganhando espaço no capitalismo avançado internacional. As receitas neoliberais foram implantadas inicialmente na Inglaterra em 1979, nos Estados Unidos em 1980, na Alemanha em 1982, e se espalharam hegemonicamente pela América Latina. Na década de 1990, os países do Leste Europeu também se renderam ao neoliberalismo (11). Simultaneamente à reorientação das políticas de saúde nos países desenvolvidos, a crítica ao modelo de atenção centrado no hospital ganhou maior radicalidade com a Conferência Internacional de Atenção Primária, em Alma-Ata, em 1978, onde foi proposto que a atenção primária se transformasse na base dos sistemas de saúde, configurando um novo modelo de atenção à saúde (6). Paralelamente houve aumento da expectativa de vida, envelhecimento da população e mudanças no quadro de morbimortalidade, no qual as doenças de origem infecciosa passaram a ter importância menor que as doenças crônico-degenerativas, o que reforçava a vertente da atenção primária (6). 14

Introdução No cenário hospitalar houve uma mudança radical de orientação, com racionalização da oferta e modernização da gestão. Os pacientes deveriam ficar nos hospital por curtos períodos, retomando o mais cedo possível seu ritmo de vida normal, pois o ambiente hospitalar passou a ser considerado potencialmente iatrogênico. Avanços científicos e tecnológicos alcançados possibilitaram que parte dos procedimentos, até então realizados exclusivamente no interior do hospital, pudessem ser gradativamente deslocados para outros ambientes. Houve uma desconcentração da prestação de diversos serviços assistenciais e surgiram novas modalidades assistenciais, como o hospital-dia, a cirurgia ambulatorial, a assistência domiciliar ou mesmo de novos tipos de serviços de saúde, como os centros de enfermagem (6). Na Europa, esse cenário foi acompanhado pelo início de uma longa etapa de redução de leitos e até mesmo de hospitais, ao longo das últimas décadas do século XX, desenhando um novo ciclo de reformas na atenção hospitalar (2). No Brasil, o primeiro hospital foi fundado em 1543 e nos cinco séculos que se seguiram surgiram algumas centenas de hospitais, sendo a maior parte deles Santas Casas de Misericórdia (6). No final do século XIX e início do século XX, observou-se intenso movimento migratório que trouxe europeus para o país, principalmente portugueses e italianos, que passaram a trabalhar no eixo agroexportador do café, que era o carro-chefe da economia nacional (12). O desenvolvimento da economia cafeeira propiciou a expansão dos transportes ferroviários e marítimos, além dos portos de exportação do Rio de Janeiro e de Santos. Os excedentes gerados na cultura e no comércio do café começaram a ser deslocados para empreendimentos industriais, à medida que a economia cafeeira dava sinais de declínio no mercado internacional. Assim, começou a surgir a classe operária no país. Esse processo atraiu um enorme número de pessoas, gerando aglomeração nas grandes cidades, com importante desorganização urbana e sanitária e o alastramento de um grande número de doenças infectocontagiosas como peste, varíola, febre amarela e outras, que chegaram a dizimar cidades inteiras (13). Neste período, foi implementada uma política de saneamento dos espaços, de circulação das mercadorias e a tentativa de erradicação ou controle de doenças que poderiam prejudicar o pleno desenvolvimento da economia. Este saneamento se deu por meio de estruturas verticalizadas e estilo repressivo de intervenção e execução de suas atividades sobre a comunidade e as cidades, capitaneado por eminentes sanitaristas, tais como Oswaldo Cruz (que combateu a febre amarela no Rio, em 1903, e chefiou a Diretoria Geral de Saúde Pública criada em 1904); Rodrigues Alves (saneamento do Rio, em 1902); 15

Introdução Carlos Chagas, Emílio Ribas e Saturnino de Brito (saneamento da cidade e do porto de Santos, em 1906); Guilherme Álvaro, etc. Em 1897, foram criados os institutos de Manguinhos, Adolfo Lutz e Butantã, para pesquisa, produção de vacinas e controle de doenças (12). No início do século XX, a classe operária emergente, sob influência de movimentos vinculados aos imigrantes europeus, marcadamente o anarco-sindicalismo italiano, deu impulso a um importante movimento social, no qual os trabalhadores cobravam do estado uma mudança de sua postura liberal frente à problemática trabalhista e social então instalada, gerando como reação uma intensa repressão por parte do governo. Os trabalhadores, no entanto, foram ganhando apoio de setores da classe média e da corporação militar, configurando um processo irreversível de enfraquecimento da oligarquia dominante (12). Assim, progressivamente, durante as duas primeiras décadas do século XX foi se rompendo o liberalismo do Estado, com a edição de leis reguladoras do processo de trabalho e cuidado à saúde, como a Lei Eloy Chaves em 1923, que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) (13). Também neste período as ações de Saúde Pública foram vinculadas ao Ministério da Justiça, em reforma promovida por Carlos Chagas, incluindo-se como responsabilidade do Estado, além do controle das endemias e epidemias, a fiscalização de alimentos e o controle dos portos e fronteiras (12). Podemos considerar que o período que vai de 1923 a 1930 representou o marco inicial da estruturação da previdência no Brasil, registrando, pela primeira vez, um determinado padrão de funcionamento desta estrutura, que se modificou a partir de 1930 e dos anos que se seguiram, dentro da qual se desenvolveu a assistência médica, de espectro amplamente hospitalar (13). O declínio da economia agroexportadora de café foi se delineando progressivamente e culminou com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que colocou um ponto final ao ciclo da economia cafeeira e gerou importante crise econômica no cenário mundial e também no Brasil (13). Com a revolução de 1930, Getúlio Vargas assumiu a presidência do País, onde permaneceu por 15 anos. Num governo autoritário, de características marcadamente populistas e nacionalistas, iniciou-se um ciclo de desenvolvimento industrial, como proposta de reestruturação econômica para o País. Para que este desenvolvimento industrial fosse bem sucedido, seria necessário constituir um exército de consumidores para seus produtos. Assim sendo e fazendo frente aos anseios populares, foram criados o salário mínimo e o Código de Leis Trabalhistas (13). 16

Introdução Em 1932, iniciou-se a estruturação de uma série de Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), organizados não mais por empresas e sim por categoria trabalhista, o que permitiu a inclusão de um grande número de trabalhadores pertencentes a pequenas empresas que no regime das caixas não puderam ser beneficiados. Todo o processo de gestão dos institutos foi centralizado nas mãos do Estado, os percentuais de contribuição dos trabalhadores aumentaram progressivamente e os benefícios foram marcadamente restringidos, especialmente no que dizia respeito à assistência médica, inicialmente sob o pretexto da crise econômica instalada no País e, depois, sob o discurso da capitalização destes valores, para fazer frente ao possível boom de beneficiários que se apresentariam em alguns anos (13). Paralelamente a este movimento, em 1930, a saúde pública foi anexada ao Ministério da Educação, por intermédio do Departamento Nacional de Saúde Pública. Na década de 30, surgiram inúmeros sanatórios para tratamento de doenças como a tuberculose e a hanseníase, somando-se aos manicômios públicos já existentes, caracterizando a inclusão do modelo hospitalar de assistência médica nas ações de saúde pública (12). O período que se estendeu de 1930 a 1945 foi marcado pelo contencionismo, capitalização dos recursos previdenciários e centralização administrativa nas mãos do Estado, caracterizando a organização previdenciária nos moldes neoliberais do Seguro Social (13). Na primeira metade da década de 40, ocorreu uma mudança no cenário internacional com a Segunda Guerra Mundial. Na Inglaterra, em 1942, Sr. William Beveridge compôs um plano para a reestruturação da previdência social, baseado na idéia de Seguridade Social (13). O período entre 1945 a 1966 se desenvolveu com base nessas influências, ampliando significativamente a rede assistencial pública existente no País, com marcante ampliação do da oferta hospitalar, configurando o que Braga Neto (6), classificou como o boom dos grandes hospitais públicos no Brasil: O surgimento dos grandes e modernos hospitais públicos no país ocorre, sobretudo, durante as décadas de 1940 e 1950, quando são abertos: o Hospital dos Servidores do Estado em 1947, à época considerado o mais moderno estabelecimento hospitalar da América Latina; o Hospital Geral de Bonsucesso em 1948; o Hospital da Lagoa, o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo em 1944; o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de 17

Introdução Minas Gerais em 1955 e o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná em 1961. A ampliação dos benefícios e dos serviços a fim de garantir a assistência médica aos trabalhadores assistidos pelos institutos gerou importante aumento dos gastos nesse período, tornando-se os institutos deficitários economicamente (13). Durante o governo de Juscelino Kubitschek novo período de contenção foi enfrentado, pois o presidente afirmava que mais importante que as políticas sociais era investir no desenvolvimento do País. A abertura promovida por Juscelino ao capital estrangeiro desenhou um cenário de conflito com o projeto nacional desenvolvimentista do período anterior, gerando uma grande insatisfação na classe trabalhadora (13). Este foi o cenário que antecedeu o golpe militar de 1964 e depois dele o caráter assistencialista da previdência tornou-se ainda mais marcante. A centralização administrativa se consolidou com a unificação dos IAPs, em 1966, constituindo o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) (13). A ditadura investiu largamente nas políticas sociais, como forma de conter insatisfações e mascarar o caráter extremamente autoritário e violento do governo. Tais políticas, no entanto, eram dirigidas apenas aos profissionais formalmente inseridos no mercado de trabalho, que por sua vez, eram responsáveis por seu financiamento, através da arrecadação de contribuição sobre seus salários (13). Era diretriz oficial de governo a implementação do setor privado e, na área da atenção à saúde, essa proposta logrou enorme sucesso, pois dentro da ideia de ampliação da abrangência das políticas sociais, o aumento da cobertura assistencial teve grande peso e para oferecer este atendimento à população, o governo optou por financiar a construção e equipamento de hospitais privados, por meio de empréstimos de longo prazo e juros baixíssimos. Uma vez construídos, tais hospitais passavam a vender serviços para o próprio INPS (13). Esse período foi marcado pelo desenvolvimento de um padrão de organização da prática médica centrado na atenção hospitalar, orientado em termos da lucratividade do setor saúde e propiciando a capitalização da medicina e o privilegiamento do produtor privado destes serviços, com grande expansão da rede hospitalar, subsidiada pelo dinheiro público (13). Segundo Paganini e Novaes (14), desde 1960 houve na América do Sul uma diminuição progressiva de número de leitos hospitalares em todos os países, exceto no Brasil, que no período de 1960 a 1990 passou de 3,0 para 3,6 leitos por mil habitantes. A 18

Introdução mesma tendência de redução foi observada no Caribe Latino, onde apenas Cuba aumentou a oferta de leitos hospitalares nesse mesmo período. A partir de 1974, o fim do período denominado de Milagre Econômico, o abandono das ações de saúde pública, os gastos incontroláveis com os hospitais, a gama de modalidades assistenciais instaladas e a má qualidade da atenção aprofundaram a crise da previdência e da assistência médica, fazendo com que o governo militar tomasse uma série de medidas de caráter burocrático como a divisão do INPS em três novos institutos, entre eles o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INAMPS, a criação da Central de Medicamentos - CEME e a criação da Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social - DATAPREV que, naturalmente, não lograram dissolver os problemas existentes e fizeram surgir uma série de movimentos sociais, no sentido da transformação deste modelo, que podemos considerar como o início do processo de Reforma Sanitária no Brasil que, a partir de 1978, com a Conferência Mundial de Saúde de Alma-Ata, promovida pela OMS, ganhou força com a proposta internacional de priorização da atenção e dos cuidados primários de saúde (13). Os anos 1980 foram marcados por avanços significativos e reestruturantes da política de saúde, sobretudo a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) que, dada sua relevância na participação social e de atores estratégicos, garantiu espaço na reformulação da Constituição Federal de 1988. A partir daí, saúde passou a ser direito de todos e dever do Estado, com integração dos serviços de forma regionalizada e hierarquizada. Estava criado o Sistema Único de Saúde (SUS), amparado pelas leis 8.080/90 e 8.142/90, que propôs a democratização do acesso, a universalização dos direitos, a melhoria da qualidade dos serviços prestados e a integralidade e equidade das ações. Nesse projeto político, a relação Estado-sociedade civil se daria por mecanismos democráticos e inovadores na gestão, como os Conselhos e as Conferências de Saúde (nas três esferas de governo), o que viabilizaria maior transparência no uso e destino dos recursos públicos. Entretanto, o amparo legal das políticas de saúde não interrompeu o processo de disputa de forças entre os projetos políticos existentes neste âmbito projeto privatista e de reforma sanitária, o que perpetuou as disputas de interesses já demonstradas (15). A marcha mundial da política neoliberal impôs nova concepção às políticas sociais, abandonando o ideal de equidade e igualdade em nome da eficiência e do equilíbrio do mercado, implementando programas focalizados de combate à pobreza, a fim de minimizar os efeitos do ajuste econômico sobre os mais pobres ou os mais frágeis. Esse cenário gerou momentos de ruptura com o projeto democrático da saúde na década de 1990, começando pelo governo Collor, que reduziu gastos na área social e boicotou a implantação 19

Introdução do SUS, através de emendas constitucionais (15) e estendeu o sistema de pagamento por procedimentos realizados, que à época era a forma vigente de remuneração dos prestadores de serviços do INAMPS, a toda a rede de unidades de saúde que realizavam basicamente ações programáticas e de saúde coletiva, o que levou ao abandono de uma série de ações de saúde pública que não constavam nas tabelas elaboradas pelo governo federal para tal fim. No entanto, manteve-se intacto o sistema de pagamento aos hospitais, que seguiam aumentando sua oferta de leitos, embora de forma menos acentuada, até 1992, quando foi possível observar o início da inversão dessa tendência de crescimento (16). Após esse período teve início uma intensa descentralização do SUS através da municipalização, com crescimento da oferta de serviços que, na área hospitalar, se deu com o aumento do número de pequenos hospitais locais (16). Não é demais ressaltar que tal descentralização não significou somente a concessão de autonomia para a gestão de recursos e elaboração de projetos, implicando também na responsabilização de localidades e comunidades por seu auto-custeio (17). A gestão de Fernando Henrique Cardoso registrou grande concordância com as exigências do ajuste estrutural neoliberal, com a reconfiguração das instituições e restrição da capacidade do Estado de definir sua política econômica com autonomia. Observou-se, em nome da busca pela estabilidade econômica, a adesão às recomendações elaboradas por organismos como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (15). Apesar de tudo, afinal, o Sistema Único de Saúde (SUS) transformou-se no maior projeto público de inclusão social em menos de duas décadas com extensa ampliação da cobertura assistencial em marcante contraste com a exclusão de aproximadamente metade da população antes dos anos oitenta. Porém, apesar de tantos avanços, o SUS vivencia esperas para procedimentos mais ou menos sofisticados (15) e superlotação dos serviços de urgência, entre outras insuficiências (18), geradoras de profundos sofrimentos, com agravamento de doenças e mortes evitáveis, denunciando um cenário no qual se entrecruzam dois projetos em disputa: o Projeto Privatista e o Projeto de Reforma Sanitária (18). Tal crescimento e ampliação, no entanto, se deram marcadamente a custa do aumento de serviços ambulatoriais (que não realizam internações), pois, em 1976 havia 7.822 desses estabelecimentos (74% públicos), em 1988 havia 26.509 (74% públicos) e em 2009 já estavam registrados 67.901 estabelecimentos sem internação (70% públicos), num crescimento de quase nove vezes no período. No setor hospitalar, havia 5.311 estabelecimentos com internação em 1976 (18% públicos), 7.123 estabelecimentos em 1988 (24% públicos) e 6.875 estabelecimentos em 2009 (41% públicos). O número de 20