FERIDA BRAVA OU NARIZ DE TAPIR (LEISHMANIOSE TEGUMENTAR) Cíntia Regina Fabbrini* Elaine Cristina Dias Sapaterra* Sérgio Augusto Penha Dantas* Sheila Maria Vicente de Carvalho* Christiane Maria Barcellos Magalhães da Rocha** Marcos Affonso Ortiz Gomes*** Alex Fernandes de Araújo**** I - O QUE É A LEISHMANIOSE? A leishmaniose tegumentar americana, também chamada de "ferida brava", "úlcera de Bauru" ou "nariz de tapir", é uma doença que causa feridas na pele e ocorre em todos os estados brasileiros, inclusive Minas Gerais. Nos últimos dez anos, foi observado que o número de casos notificados vem aumentando. Os animais e o homem só vão pegar a ferida brava se forem picados pelo mosquito transmissor. Animais silvestres (da floresta), como roedores selvagens, marsupiais (gambá, por exemplo), primatas, preguiças (saruês) e tamanduás, podem ter o *Estudantes do 9 Período do curso de Medicina Veterinária - UFLA **Orientadora: Professora de Epidemiologia do Dep. de Medicina Veterinária /UFLA ***Orientador: Professor de Extensão do Dep. de Administração e Economia /UFLA **** Ilustrações - Estudante do 4 Período de Administração Rural - UFLA
2 agente no sangue sem estarem doentes. Sendo assim, se este mosquito picar um desses animais, vai se contaminar, podendo transmitir a doença para o próximo animal ou homem que picar. Outros animais, como o cachorro, o jumento e o cavalo, também podem pegar a doença e desempenhar importante papel dentro do ciclo da leishmaniose, inclusive humana. II - AGENTE CAUSADOR É um protozoário, do gênero Leishmania, isto é, um micróbio transmitido pela picada de um mosquito, que chega ao sangue, instalando-se na pele e causando a doença. III - O MOSQUITO O mosquito que transmite o micróbio é um flebótomo do gênero Lutzomia. Este mosquito também é conhecido como mosquito-palha, birigüi, cangalhinha, bererê, tatuquira, asa branca e asa dura (Fig.1). Trata-se de um mosquito pequeno, de 2 a 3mm (parecido com a mosca da banana), que pode ser encontrado em lugares
3 úmidos, escuros, onde tem muitas plantas, às vezes perto das casas. Florestas úmidas, com bastante vegetação, locais com muita umidade e lixo são lugares ideais para a criação do mosquito. O mosquito pode voar a distância de até 200 metros de onde se cria. Tem um vôo baixo e saltitante, aparecendo à noitinha. Em algumas regiões, aparece também pela manhã e à tarde. Como esse mosquito se alimenta de sangue, ele pica várias espécies de animais silvestres, assim como cavalos, cães e também o homem. Fonte: Neves, et al., 1995. Fig. 1 - O mosquito é tão pequeno que a utilização de mosquiteiros comuns se torna ineficiente.
4 IV - COMO PODEMOS PEGAR LEISHMANIOSE? Para pegarmos a leishmaniose temos que ser picados pelo mosquito contaminado com o agente causador, e o mosquito se contamina sugando o sangue de um animal que esteja com a Leishmania no corpo. Importante: a leishmaniose tegumentar não é transmitida de pessoa para pessoa ou de animal para animal sem passar pelo mosquito (Fig.2).
5 Fig. 2: Ciclo da leishmaniose tegumentar V - ONDE É MAIS FÁCIL PEGAR LEISHMANIOSE? Em casas construídas em clareiras abertas na floresta, qualquer local de trabalho que estiver construído no meio da vegetação, em banhos de rio ou lago, ao entardecer, em locais com muita vegetação, no trabalho da roça sem proteção, no trabalho em desmatamento no meio da floresta. Hoje, a transmissão nas cidades tem aumentado devido à contaminação de animais próximos ao homem (cão, cavalo, ratos e outros) pelo acúmulo de lixo que favorece a multiplicação dos ratos e a criação do mosquito e, principalmente, pela adaptação do mosquito ao meio urbano. VI - COMO É A DOENÇA NO HOMEM? A forma da doença depende da espécie de Leishmania envolvida e da imunidade do hospedeiro. Existem três formas: cutânea, cutaneomucosa e cutânea difusa. Depois de um a três meses, podendo chegar até a um ano, após a picada do mosquito, aparece uma ferida no local da picada com
6 características que podem variar, de acordo com a forma da doença. A forma cutânea é caracterizada por uma pequena ferida que vai aumentando de tamanho até formar uma úlcera, sendo a lesão mais comum da doença. Essa ferida não dói, geralmente é arredondada, com bordas elevadas, profunda, de cor vermelho vivo, com presença de pus ou não, podendo ter crostas. A região ao redor da ferida fica avermelhada. Ocorre com freqüência nas pernas, mas também pode ocorrer em outros lugares como braço, rosto e pescoço. Às vezes ocorre mais de uma lesão, sendo que em Minas Gerais grande parte dos pacientes apresenta uma única lesão. Essa ferida não cicatriza sozinha e nem com o uso de medicamentos comuns (pomadas, merthiolate, mercurocromo, iodo, etc.) (Fig.3). A forma cutâneomucosa ocorre na região do nariz, boca e garganta, começando com uma área avermelhada e ligeiramente inchada, podendo ter corrimento nasal. Segue-se a formação da úlcera, que aumenta até a destruição da área afetada, provocando dificuldade de respirar, falar e comer, podendo levar a pessoa à morte. A forma cutânea difusa se caracteriza pelo aparecimento de nódulos pelo corpo, principalmente nos braços e pernas, sem a formação de úlceras.
7 Fonte: Rey, 1991. Fig.3 - Ferida característica da forma cutânea da Leishmaniose. VII - COMO PREVENIR A DOENÇA? Como o mosquito se cria em matéria orgânica úmida, deve-se dar destino adequado aos lixos, manter limpos os canis, chiqueiros e galinheiros, para evitar que a população do mosquito
8 aumente, o que pode se tornar um perigo em regiões onde a doença é comum. É importante trabalhar vestido roupas que protejam o corpo, usar repelentes, evitar tomar banho de rio ou lagoa ao entardecer, dedetizar as plantações perto e atrás da casa, a própria casa e os seus arredores, pelo menos de 6 em 6 meses, nas localidades em que a doença for comum. Se possível, recomenda-se a construção das casas a uma distância mínima de 500 metros da mata, pois o mosquito tem baixa capacidade de vôo, raramente ultrapassando essa distância. Deve-se também procurar ter cuidado com os cachorros e jumentos, mantendo-os em locais limpos. Caso esses animais estejam com feridas na pele parecidas com as da leishmaniose, deve-se afastá-los do convívio familiar e procurar a Prefeitura, que deverá colher sangue dos animais para exame. VIII - O QUE FAZER QUANDO SE SUSPEITA DE LEISHMANIOSE? Diante de feridas que não saram, parecidas com as descritas, deve se encaminhar o indivíduo afetado a um Posto de
9 Saúde. É importante procurar ajuda assim que se notar a presença dessas feridas. A leishmaniose é uma doença que possui tratamento específico, porém as cicatrizes permanecem, e se no tratamento não for seguida a orientação do médico, a doença pode voltar após meses ou até anos. Por isso, a qualquer suspeita, deve-se procurar os órgãos responsáveis pelo controle da doença (Setor de Zoonoses da Prefeitura) o mais rápido possível, antes que as conseqüências sejam graves. IX - NOTA DOS AUTORES A importância da leishmaniose tegumentar está, ligada aos transtornos sociais causados pela desfiguração ou aspecto desagradável das feridas e pelo grande número de casos, o que levou a Organização Mundial de Saúde a incluir esta doença entre as seis mais importantes do mundo. No Brasil, segundo a Fundação Nacional de Saúde, em torno de 1984 a 1994, ocorreram 153.283 casos notificados às autoridades de saúde. Como um exemplo de locais com grande ocorrência, podemos citar cerca de 3.000 casos na periferia de Manaus/Amazonas, em 1985.
10 De 1980 a 1989, o número de casos vem aumentando em quase todas as regiões do Brasil, incluindo a região sudeste. Em 1988, foram registrados 25.948 casos no país, sendo que destes, 1.775 ocorreram nesta região. É importante que as pessoas se informem sobre a leishmaniose, já que as medidas de proteção pessoal contra o mosquito vetor nos locais onde a ocorrência da doença é comum e a busca imediata do tratamento são as principais formas de diminuir o número de casos, assim como sua gravidade.
11 X - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENENSON, A.S. Manual para el control de las enfermedades transmissibles. Washington: Organización Panamericana de la Salude, 16. ed., 1997. p. 285-289. ETTINGER, S.J. Tratado de Medicina Interna Veterinária. São Paulo: Ed. Manole Ltda., 3. ed., v. 1, 1992. p. 303-304. MINISTÉRIO DA SAÚDE. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Leishmaniose Tegumentar Americana no Brasil (Ferida Brava). Caderno Informativo. Brasília: CENEPI, 1996. 39 p. NEVES, D.P.; MELLO, A.L.; GENARO, O.; LINARDI, P.M. Parasitologia Humana. Ed. Ateneu, 9. ed., 1995. p. 41-60.
12 SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - CRMG. Seminário Estadual de Controle de Zoonoses de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1994. p. 16-19.