O QUE É E PARA QUE SERVE O RESULTADO PRIMÁRIO?

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Transcrição:

O QUE É E PARA QUE SERVE O RESULTADO PRIMÁRIO? Alexandre A. Rocha, Fernando Álvares C. Dias e Marcos Mendes 1 O resultado primário é definido pela diferença entre receitas e despesas do governo, excluindo-se da conta as receitas e despesas com juros. Caso essa diferença seja positiva, tem-se um superávit primário ; caso seja negativa, tem-se um déficit primário. O superávit primário é uma indicação de quanto o governo economizou ao longo de um período de tempo (um mês, um semestre, um ano) com vistas ao pagamento de juros sobre a sua dívida. Antes de seguir com a descrição técnica, é útil lançar mão de um exemplo para que se entenda a utilidade do conceito. A administração das finanças de um governo não é muito diferente da administração das finanças pessoais: os governos, assim como os indivíduos, devem fazer esforço para não gastar muito além do que ganham por mês. Quando isso não acontece, precisam pedir dinheiro emprestado (aos bancos, a outros governos, ao cunhado, etc.) para não ficarem inadimplentes. Quando o governo quer fazer uma despesa de alto vulto (construir uma estrada, por exemplo) ou um indivíduo quer comprar um produto caro (um carro, por exemplo) é difícil fazê-lo usando somente a renda do mês: ou se utiliza uma poupança acumulada ou se contrai um empréstimo, comprometendo-se a pagar juros sobre essa dívida. Suponhamos que um indivíduo receba de seu banco a oferta de um empréstimo de R$ 10 mil. De acordo com as regras do banco, o cliente pode manter permanentemente um saldo devedor de R$ 10 mil, desde que pague em dia os juros de 1% ao mês. Então o sujeito toma esses R$ 10 mil emprestados e compra o produto que deseja. Todos os meses ele terá que pagar ao banco R$ 100 de juros. Todos os meses, esse indivíduo fará a seguinte conta para verificar se tem os R$ 100 para pagar ao banco: [mudei os números para ficar compatível com o parágrafo seguinte] + Renda Mensal Total Despesa Total Exceto Juros Devidos = Economia para Pagar os Juros Se ele tem uma renda de R$ 5 mil e fez despesas (exceto os juros devidos ao banco) da ordem de R$ 4.800, então ele terá economizado R$ 200 e terá dinheiro suficiente para pagar os juros e ainda ficar com uma sobra de R$ 100. Essa é a idéia por trás do conceito de superávit primário : o que o governo ou indivíduo economiza (exceto o pagamento dos juros da dívida) é suficiente para pagar os juros de sua dívida? Se o governo ou indivíduo não conseguir fazer a economia necessária para o pagamento dos juros, então os juros não pagos serão somados ao valor da dívida. Suponhamos que o indivíduo do exemplo só tenha conseguido pagar R$ 50 de juros em um determinado mês, em vez dos R$ 100 devidos. A sua dívida passa a ser de R$ 10.050 (os R$ 10 mil originais e os R$ 50 de juros não pagos). No mês seguinte a taxa de juros de 1% incidirá sobre o novo saldo devedor, gerando despesa de juros de R$ 100,50. Se, mais uma vez, o indivíduo não pagar os juros integralmente, o saldo devedor voltará a subir e, no mês seguinte, a despesa de juros será ainda maior. Se ele mantiver esse comportamento ao longo de muitos meses a dívida crescerá como uma bola de neve e ele caminhará para a inadimplência. 1 Consultores Legislativos do Senado.

2 Portanto, se o indivíduo ou o governo conseguir fazer um superávit primário exatamente igual aos juros que deve, a sua dívida permanecerá constante ao longo do tempo. Se fizer um superávit primário maior que a despesa de juros, a dívida diminuirá ao longo do tempo (porque ele terá dinheiro não só para pagar os juros, mas também parte do saldo devedor do empréstimo). Se o superávit primário for insuficiente para pagar os juros da dívida, essa crescerá ao longo do tempo, conforme o exemplo dado. Quando saímos do orçamento individual ou doméstico e passamos a pensar em termos de governo, duas adaptações precisam ser feitas. A primeira, é que os governos não só tomam dinheiro emprestado como também emprestam dinheiro (financiamentos à agricultura, a estudantes universitários, a micro-empresas, etc.). Por isso, na hora de fazer o cálculo do resultado primário, considera-se tanto a despesa quanto a receita com juros: o que interessa é saber se o pagamento de juros líquidos (juros pagos menos juros recebidos) é suficiente para manter constante a dívida líquida (dívida menos créditos junto a terceiros). A segunda adaptação é que se costuma medir o resultado primário e a dívida do governo como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). O PIB é o valor de toda a produção da economia do país ao longo do ano e contabilmente equivale à renda anual do país. Quanto maior o PIB, maior tende a ser a receita do governo com impostos (indivíduos e empresas com renda maior pagam mais impostos) e, portanto, maior a capacidade do governo para pagar juros e amortizar dívidas. Por isso, em vez de se medir a dívida por seu valor em reais, normalmente se mede a dívida do governo como proporção do PIB. Uma relação elevada e crescente entre a dívida pública e o PIB indica que o governo poderá enfrentar dificuldades para refinanciá-la ou para pagá-la no futuro. Para que essa relação permaneça estável, o governo precisa pagar, ao menos parcialmente, os juros incidentes sobre a dívida pública, impedindo-a de crescer a uma taxa superior à do PIB. Esse é o papel do superávit primário. Note-se que, no exemplo inicial, falamos em manter o valor da dívida (em reais) constante. Agora estamos falando em manter constante a proporção entre a dívida e o PIB. Se a economia está crescendo, digamos, 4% ao ano, o governo que deseja manter uma relação dívida/pib constante pode deixar sua dívida crescer 4% ao ano. Essa dívida tanto pode crescer pela contratação de novos empréstimos quanto pelo não pagamento integral dos juros devidos (deixando-se os juros não pagos somarem-se ao valor da dívida). Os governos calibram o resultado primário que desejam alcançar de acordo com a meta que têm para a dívida. Se desejam fazer a relação dívida/pib cair, precisam de um superávit primário maior. Se acreditam que a relação dívida/pib pode ficar constante ou subir, programam um resultado primário menor. Quanto menor a meta de resultado primário fixada pelo governo, maior a sua liberdade para aumentar despesas ou reduzir a arrecadação de tributos. Por isso, quanto maior o superávit primário programado pelo governo, maior será o esforço feito pela população tanto por meio de aumento dos impostos a serem pagos, quanto por meio de cortes de gastos (que significam conter os reajustes das aposentadorias pagas pelo INSS, reduzir a oferta de serviços de saúde, etc.). É por esse motivo que o tema se torna polêmico. Quando o governo anuncia que deseja aumentar o resultado primário, os grupos que serão prejudicados pelos aumentos de tributos e/ou contenção de gastos reclamam (contribuintes, usuários de serviços públicos, servidores públicos, aposentados, etc.). Por outro lado, quando o governo afrouxa a meta de resultado primário, surge o risco de crescimento acelerado da dívida, que tem efeitos negativos sobre a economia, tais como: aumento do risco de inflação, de crise financeira, de moratória da dívida pública, etc., que acabam redundando em menor crescimento da economia, gerando prejuízos para toda a população.

3 Uma fórmula matemática simples permite que se calcule qual é o superávit primário (em proporção do PIB) necessário para que fique estável a relação dívida pública/pib. A tabela a seguir apresenta exemplos numéricos (os detalhes do cálculo estão em anexo). Foram assumidos os seguintes cenários: dívida pública de 50%, 70% ou 90% do PIB, taxa real de juros de 14% ou 9% ao ano (a.a.) e taxa real de crescimento do PIB de 3% ou 4% a.a. A primeira linha da tabela apresenta o caso em que a dívida equivale a 50% do PIB. Com uma taxa de juros de 14% ao ano e com o PIB crescendo 3% ao ano, o superávit requerido para manter constante a relação dívida/pib é de 5,3% do PIB. Os superávits apresentados na tabela variam de 2,4% a 9,6% do PIB. O superávit menor está, naturalmente, associado ao cenário mais benigno (qual seja, taxa real de juros de 9% a.a., taxa real de crescimento do PIB de 4% a.a. e dívida pública igual a 50% do PIB). O superávit maior, por sua vez, está associado ao cenário mais dramático (qual seja, taxa real de juros de 14% a.a., taxa real de crescimento do PIB de 3% a.a. e dívida pública igual a 90% do PIB). TABELA: DOIS CENÁRIOS PARA OS SUPERÁVITS PRIMÁRIOS JUROS TAXAS REAIS VARIAÇÃO DO PIB r (1 + r) g (1+g) [(1 + r)/(1 + g)] 1 RELAÇÃO DÍVIDA PÚBLICA/PIB B/Y SUPERÁVIT PRIMÁRIO REQUERIDO (T G)/Y 14% 1,14 3% 1,03 0,11 50% 5,3% 9% 1,09 4% 1,04 0,05 50% 2,4% 14% 1,14 3% 1,03 0,11 70% 7,5% 9% 1,09 4% 1,04 0,05 70% 3,4% 14% 1,14 3% 1,03 0,11 90% 9,6% 9% 1,09 4% 1,04 0,05 90% 4,3% Fonte: elaborado pelos autores. Portanto, o superávit primário requerido para estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB será tanto maior quanto: a) maior for a taxa de juros; b) menor for a taxa de crescimento do PIB; c) maior for a relação dívida pública/pib inicial. Há uma evidente circularidade no problema em foco. Quanto maior for a taxa de juros praticada, maior será o superávit primário requerido. Como, porém, esse superávit pode ser, política e economicamente, de difícil obtenção, já que requer aumento da carga tributária e/ou corte de gastos, muitas vezes o superávit necessário não se realiza integralmente. Em conseqüência, o nível de endividamento do setor público, como proporção do PIB, continua aumentando. Isso significa que o governo estará absorvendo quantidades crescentes dos empréstimos disponíveis na economia, sobrando menos dinheiro a ser emprestado ao setor privado (famílias e empresas). Com menor oferta de empréstimos ao setor privado, o preço dos empréstimos (taxa de juros) sobe. As taxas de juros mais altas vão tornar a dívida do governo ainda mais cara, criando uma espiral de crescimento da dívida pública. Os investidores em títulos públicos podem passar a considerar mais arriscado emprestar para o governo, pois ele se tornou um cliente mais endividado. Para emprestar mais a esse cliente, as pessoas e empresas que compram títulos públicos passam a exigir juros ainda mais altos. Além disso, taxas de juros mais altas significam dificultar a compra a crédito (os financiamentos ficam mais caros), o que desestimula o consumo e a produção (a aquisição de

4 máquinas e equipamentos a crédito também ficam mais caras). O resultado é que a economia (o PIB) cresce mais devagar, tornando ainda mais alta a relação dívida/pib. Esse processo está sintetizado no Fluxograma: FLUXOGRAMA: RELAÇÕES ENTRE O SUPERÁVIT PRIMÁRIO E OS JUROS REAIS Relação dívida pública/pib elevada Percepção de maior risco pelo mercado Resistência política ao ajuste fiscal Aumento da taxa de juros Necessidade de maior superávit primário Menor crescimento do PIB Vimos, portanto, que a função primordial do resultado primário das contas públicas é gerar recursos para pagar a dívida do governo e manter a solvência do setor público ao longo do tempo. Obviamente, podemos calcular, também, o superávit ou déficit total, que inclui as receitas e despesas com juros. Nesse caso, a conta é simplesmente subtrair toda a despesa do governo de toda a receita do governo (financeiras e não-financeiras). Esse cálculo é conhecido como resultado nominal. Caso haja um superávit nominal, então o governo está economizando além do montante necessário para pagar os juros da dívida. É o caso do exemplo dado inicialmente, em que o indivíduo precisa pagar juros de R$ 100, mas realiza um superávit primário de R$ 200. Naquele exemplo o resultado nominal é R$ 5.000 R$ 4.900 = R$ 100. Essa sobra de R$ 100 pode ser usada para reduzir a dívida de R$ 10 mil para R$ 9.900. No mês seguinte, com uma dívida menor, os juros incidentes sobre essa dívida seriam menores. maneira: Simplificadamente, os resultados primário e nominal combinam-se da seguinte a) superávit nominal: o estoque da dívida pública diminui rapidamente; a relação dívida pública/pib tende a zero com a gradual amortização das obrigações financeiras do setor público; b) déficit nominal com superávit primário adequado : o estoque da dívida pública continua aumentando, mas a uma taxa igual ou inferior à de crescimento do PIB, de tal forma que a relação dívida pública/pib permanece constante ou diminui lentamente; c) déficit nominal com superávit primário inadequado ou déficit primário: o estoque da dívida pública aumenta, bem como a relação dívida pública/pib.

5 A título de conclusão, temos que, desde 1999, quando teve início a combinação de políticas macroeconômicas que vigora ainda hoje (i.e., regime de câmbio flutuante, sistema de metas de inflação e geração de superávits primários), as finanças públicas brasileiras têm oscilado entre a situação retratada no item b e versões moderadas da situação retratada no item c. A situação da economia brasileira em 2011 mostra a atualidade desse problema: o governo terá que recuperar sua capacidade de gerar um superávit primário adequado, para evitar a elevação da taxa de juros e da relação dívida pública/pib. PARA SABER MAIS SOBRE O TEMA: BLANCHARD, Olivier. A Restrição Orçamentária do Governo. In: Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro : Campus, 1999, p. 547-55. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Orçamento Federal. Manual Técnico de Orçamento: instruções para elaboração da proposta orçamentária da União para 2005. Brasília, 2004. GIAMBIAGI, Fabio; ALÉM, Ana Cláudia. A dinâmica da dívida pública e o caso brasileiro. In: Finanças Públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro : Campus, 2001, p. 215-40. ROCHA, Alexandre A.; DIAS, Fernando A. C. Marcos do Processo de Ajuste do Setor Público Brasileiro. Senatus. Brasília : Senado Federal, 6(1):66 71, mai. 2008. 2 ROCHA, Fabiana. Déficit público e a sustentabilidade da política fiscal: teoria e aplicações. In: Biderman, Ciro; Arvate, Paulo (Orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro : Campus, 2005, p. 493-507. 2 As séries estatísticas informadas não consideraram a revisão do Sistema de Contas Nacionais de 21 de março de 2007.

6 ANEXO: O CÁLCULO DO RESULTADO PRIMÁRIO As receitas não-financeiras, que excluem o recebimento de juros e as receitas de operações de crédito, são: arrecadação de impostos, taxas, contribuições sociais, receitas de concessões, dividendos etc. As despesas não-financeiras, que excluem o pagamento de juros e a amortização de dívidas, por sua vez, são: despesas com pessoal, pagamentos de benefícios da previdência social, despesas de custeio, obras públicas etc. Em termos matemáticos, desprezando-se os efeitos da variação cambial sobre a parcela da dívida pública denominada em moedas estrangeiras, tem-se: T Y G t t Onde: t 1 r Y B t 1. 1 g 1 t1 T t G t : superávit primário (receitas despesas não-financeiras); Y t : PIB do período corrente; (T t G t )/Y t : relação superávit primário/pib do período corrente; r: taxa real de juros; g: taxa real de crescimento do PIB; B t : estoque da dívida pública no período corrente; B t-1 /Y t-1 : relação dívida pública/pib do período anterior. Por fim, alguns esclarecimentos sobre os conceitos envolvidos: a) o PIB representa o valor de mercado do total de bens e serviços finais produzidos no âmbito de um país durante um dado período de tempo, frequentemente um ano; b) a taxa real de juros representa a taxa de equilíbrio entre a oferta e a demanda por moeda, descontados os efeitos da inflação; p. ex., uma economia cuja variação do nível de preços (ou seja, inflação) seja de 10% no período de um ano e cuja taxa de juros de equilíbrio no mercado de capitais seja de 15% a.a. terá uma taxa real de juros de 5% a.a.; c) a taxa real de crescimento do PIB representa a variação do valor de mercado do total de bens e serviços finais produzidos, também descontados os efeitos da inflação; p. ex., se o valor do total de bens e serviços varia 8% no período de um ano e o nível de preços subiu 4%, então o PIB terá crescido 4% em termos reais (esse teria sido o aumento observado na quantidade de bens e serviços produzidos, em contraposição ao aumento no valor desses bens e serviços); d) a dívida pública abrange os débitos de responsabilidade dos governos federal, estaduais e municipais junto aos setores privado e público financeiro, ao Banco Central e ao resto do mundo, podendo ser apresentada de duas formas: i. bruta: trata-se da medida mais usada internacionalmente, exprimindo o valor total da dívida; no Brasil, os débitos são considerados deduzindo-se os créditos representados por títulos públicos em poder de órgãos das administrações direta e indireta, e de fundos públicos federais, estaduais e municipais (i.e., aplicações da previdência social, do Fundo de Amparo do Trabalhador e de outros fundos em títulos públicos, e aplicações dos estados em títulos públicos federais), assim como as montantes correspondentes aos títulos em tesouraria;

ii. líquida: trata-se da medida mais usada no Brasil, a qual exprime o balanço entre as débitos e os créditos do setor público não-financeiro e do Banco Central; pressupõe uma equivalência entre débitos e créditos em termos de liquidez (i.e., facilidade com que um título pode ser revendido), prazo de maturação e custo financeiro em geral, porém, não é o que ocorre. 7