EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO JOÃO DO IVAÍ ESTADO DO PARANÁ. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu órgão de execução, em exercício na Promotoria de Justiça desta Comarca, com base nos documentos em anexo e com fundamento nos artigos 5º, inciso XXIII, 127, 129 e 186, inciso II, todas da Constituição da República de 1988; artigo 1.228, 1 o, do Código Civil; artigo 7 o, 1 o e 2 o, do Código Florestal; e artigo 14, 1º, da Lei 6.938/1981, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em defesa do Meio Ambiente, com requerimento urgente de liminar em face de HAROLDO BERNINI ( Primeiro Requerido ), brasileiro, divorciado, natural de São João do Ivaí/PR, nascido em 28/08/1954, portador do RG nº. 11.317.790 (SSP/PR), inscrito no CPF sob o nº 188.973.479-91, residente e domiciliado na Rua Hemenegildo Montani, n. 292, bairro Centro, no Município de São João do Ivaí/PR, CEP: 86.930-000; e MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO IVAÍ ( Segundo Requerido ), pessoa jurídica de direito público interno, inscrito no CNPJ/MF sob o nº. 75.741.355/0001-30, com sede na Avenida Curitiba, n. 22, bairro Centro, em São João do Ivaí/PR, CEP: 86.930-000, neste ato representado pelo Prefeito Municipal, Sr. Fábio Hideki Miura, com base nos fatos e fundamentos a seguir expostos. 1
I DO CASO DOS AUTOS No dia 08 de junho de 2009, a Força Verde da Polícia Militar do Estado do Paraná levou ao conhecimento do Ministério Público que o réu, Sr. Haroldo Bernini, havia praticado, em tese, crime previsto na Lei 9.605/1998, ao realizar edificação em Área de Preservação Permanente situada à margem do Rio Ivaí, que cruza o Município de São João do Ivaí/PR. Em virtude disso, lavrou-se boletim de ocorrência (em anexo) e auto de infração administrativa, em 31/05/2009. De acordo com o auto de infração lavrado pelo Instituto Ambiental do Paraná IAP, o réu edificou uma casa e benfeitorias (área de lazer, cercas, passeios e fossa sanitária), na Área de Preservação Permanente acima mencionada, impedindo a regeneração de mata nativa, em perímetro equivalente a 0,10 ha (um décimo de hectare). Na mesma oportunidade, e conforme faz prova os documentos em anexo, foi realizado o embargo da obra, impedindo-se, administrativamente, a sua continuidade. Devidamente notificado para apresentar defesa no procedimento administrativo, o Sr. Haroldo Bernini apresentou-a, alegando que a casa fora edificada no ano de 1985 e que, desde então, estabeleceu residência no local. Diante disso, requereu fosse julgada improcedente a autuação lavrada em seu desfavor. A defesa apresentada pelo réu foi rechaçada pelo IAP, mantendo-se o auto de infração lavrado, uma vez que, ainda que verdadeira a informação prestada pelo réu, de que edificou a casa no ano de 1985 e estava apenas fazendo melhorias, esse fato não obsta sua obediência às normas ambientais, principalmente, as previstas no Código Florestal (Lei n. 4.771/1965 e, atualmente, Lei 12.651/2012). 2
Ademais disso, conforme reiteradamente decido pelos Tribunais brasileiros, a pretensão para a reparação dos danos causados ao meio ambiente são imprescritíveis e o ônus de repará-los é transmitido de um proprietário/possuidor/ocupante para o outro. Em meados de julho de 2012, o Ministério Público, movendo processo criminal contra o réu em virtude dos fatos acima narrados, requisitou informações para o IAP sobre a situação da área e se os danos provocados ao meio ambiente já haviam sido reparados. Para a surpresa de todos, de acordo com relatório datado de 16 de agosto de 2012 (Ofício n. 366/IAP), o Sr. Haroldo Bernini, descumprindo o embargo realizado no ano de 2009, concluiu as obras de edificação do imóvel, com o término da cobertura e da pintura, passando a utilizar a área para seu lazer e deleite. Note-se que toda a obra realizada pelo Sr. Haroldo Bernini ocorreu com a conivência do Município de São João do Ivaí, também réu, que não cumpriu com seu dever constitucional de fiscalização e não impediu que ele edificasse em Área de Preservação Permanente. Verificou-se ainda, no ano de 2012, que o réu, não só concluiu as obras embargadas, como foi mais adiante, ampliando-as. O Sr. Haroldo Bernini construiu um muro de arrimo, com pneus usados, para nivelamento do terreno, sem os necessários projetos técnicos e licenciamento ambiental, em local em que este tipo de construção, de qualquer modo, seria proibido, por se tratar de Área de Preservação Permanente. Aliás, nada poderia ser construído neste local. Notificado pelo IAP para comparecer em Ivaiporã/PR, a fim de celebrar termo de ajustamento de conduta, para reparar os danos ambientais, o réu deixou de comparecer ao ato, demonstrando de forma inequívoca que não tem a menor intenção 3
de colaborar com a preservação do Meio Ambiente e com observância das normas ambientais, não restando outra alternativa, senão o ajuizamento da presente ação, com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela. II DOS DANOS PROVOCADOS PELO PRIMEIRO REQUERIDO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE SITUADA À MARGEM DO RIO IVAÍ E DA OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO De acordo com o artigo 3 o, inciso II, do Código Florestal vigente (Lei n. 12.651/2012), considera-se Área de Preservação Permanente, a área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Diante de sua função legalmente estabelecida, a Área de Preservação Permanente, segundo doutrina especializada, constitui instituto jurídico-ambiental fundamental para o bem estar humano como um todo: "A vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras das águas, do solo, da biodiversidade (aí compreendido o fluxo gênico da fauna e da flora), da paisagem e do bem-estar humano. A área de preservação permanente-app não é um favor da lei, é um ato de inteligência social, e é de fácil adaptação às condições ambientais" (LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito ambiental brasileiro. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 735). destacou-se. 4
Em detalhamento ao conceito legal e com aplicação específica ao presente caso, o artigo 4 o, inciso I, do Código Florestal, prescreve que constitui Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, 1 as faixas marginais de qualquer curso d água natural, perene e intermitente, desde a borda da calha do leito regular. Em seguida, o Código Florestal estabelece as larguras das Áreas de Preservação Permanente, de acordo com a largura do curso d água. No presente caso, de acordo com a informação prestada pela Força Verde nos autos da Ação Penal n. 2010.299-3, movida pelo Ministério Público contra Haroldo Bernini, o Rio Ivaí tem largura variável entre 50 m (cinquenta metros) a 200 m (duzentos metros). Diante disso, a área obrigatória de preservação permanente em suas margens é de 100 m (cem metros), consoante o previsto no artigo 4 o, inciso I, alínea c, do Código Florestal. No presente caso, conforme croqui elaborado pelo IAP, a distância entre a casa construída por Haroldo Bernini do leito do rio é de apenas 35 m (trinta e cinco metros). Considerando-se a borda da margem do rio, a distância é ainda menor, representando tão-somente 10 m (dez metros) de distância, o que demonstra sua notória ilegalidade e lesividade ao meio ambiente. Esse fato é confirmado por foto de satélite extraída do Google Maps, que demonstra várias casas nesta situação. 2 1 A jurisprudência anterior ao atual Código Florestal firmou-se no sentido de que as Áreas de Preservação Permanente incidem sobre as zonas urbanas: 3. A restrição à utilização da propriedade referente a área de preservação permanente em parte de imóvel urbano (loteamento) não afasta a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano, uma vez que o fato gerador da exação permanece íntegro, qual seja, a propriedade localizada na zona urbana do município. Cuida-se de um ônus a ser suportado, o que não gera o cerceamento total da disposição, utilização ou alienação da propriedade, como ocorre, por exemplo, nas desapropriações. Aliás, no caso dos autos, a limitação não tem caráter absoluto, pois poderá haver exploração da área mediante prévia autorização da Secretaria do Meio Ambiente do município. (STJ. (REsp 1128981/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 25/03/2010). 2 O Ministério Público instaurou Inquérito Civil para apurar quem são os responsáveis pela outras construções, a fim de adotar as medidas judicias cabíveis, semelhante à presente ação. 5
O Código Florestal em vigor, em seu artigo 7 o, estabelece o dever para o proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título de preservar a vegetação situada na Área de Preservação Permanente. No caso de supressão ou danos a essa vegetação, o Código dispõe que o proprietário, possuidor ou ocupante ficam obrigados a recompor a vegetação (artigo 7 o, 1 o ), sendo certo que esta obrigação tem natureza real e é transmitida ao sucessor, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel (artigo 7 o, 2 o, do Código Florestal). Veja-se, in verbis, esses dispositivos legais: Artigo 7 o. A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. 1 o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei. 2 o A obrigação prevista no 1 o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural. Excepcionalmente, o Código Florestal admite a possibilidade de supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente, quando se tratar de hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. A definição destas hipóteses encontram-se previstas no artigo 3 o, incisos VIII, IX e X, respectivamente. Não obstante a existência de exceção legal para a supressão, os danos ambientais provocados pelo Sr. Haroldo Bernini não se subsumem a nenhuma dessas hipóteses, impondo-se, portanto, a reparação do dano ambiental, na forma do artigo 7 o, 1 o, do Código Florestal, com a demolição das construções e remoção do entulho. 6
Oportuno destacar que, consoante estabelece a Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, qualifica-se como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental (artigo 3º, inciso IV, da Lei n. 6.938/1981). Nesse sentido, dando o proprietário destinação diversa daquela determinada pelo Código Florestal vigente às Áreas de Preservação Permanente, não respeitando a limitação administrativa a ela imposta, tal atitude constitui-se em uso nocivo da propriedade, não estando cumprindo, desta forma, sua função social (artigo 5º, inciso XXIII e artigo 186, inciso II, ambos da Constituição da República de 1988, e artigo 1.228, 1 o, do Código Civil). Assim, a obrigação de o réu reparar os danos provocados ao meio ambiente também encontra amparo no artigo 14, 1º, da Lei 6.938/1981. Analisando caso semelhante ao dos autos, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, entendeu que constitui dano ambiental a comercialização e construção de casas em Área de Preservação Permanente situada à margem do Rio Ivaí, in verbis: DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO DAS EDIFICAÇÕES IRREGULARES E PLANTIO DE ESPÉCIES NATIVAS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. VALIDADE DA SENTENÇA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. a) Não é nula a sentença que julga antecipadamente a lide, dispensando a realização de prova pericial e testemunhal, já que as provas são dirigidas ao Juiz, cabendo a este decidir sobre a utilidade e pertinência delas quando os autos estiverem suficientemente instruídos. b) É igualmente legítimo para figurar no polo passivo da lide, ao lados dos atuais proprietários de imóvel localizado em área de preservação permanente, o antigo dono da faixa de terra. c) Isso porque, qualifica-se como poluidor, à luz do artigo 3º da Lei Federal 6.938/81, toda a pessoa responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. d) No caso, o Apelante comercializou as edificações irregulares e parcela da área de 7
preservação permanente a terceiros, dando a elas destinação diversa daquela determinada pela Lei 4.771/65. e) Restou fartamente demonstrado que todos os Réus deixaram de observar as limitações administrativas atinentes à área de preservação, sendo portanto, objetivamente responsáveis pelos danos ambientais daí decorrentes. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJPR. 5397017 PR 0539701-7, Relator: Leonel Cunha, Data de Julgamento: 02/06/2009, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 168). destacou-se. A respeito de eventuais devaneios apresentados pelo réu de ato jurídico perfeito ou direito adquirido em relação à construção edificada há vários anos, mas, posteriormente, à entrada em vigor do Código Florestal de 1965, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu caso desta natureza, entendendo que tais argumentos devem ser afastados. Segundo o entendimento do TJSP, e hoje pacífico na jurisprudência nacional e positivado no próprio Código Florestal, a recomposição de Área de Preservação Permanente tem natureza real, acompanhando o destino do imóvel, desde a origem do dano, v. g.: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMOLIÇÃO DE EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. Irregularidade da edificação, que carece das autorizações dos órgãos competentes. Ausência de direito adquirido ou de ato jurídico perfeito. Responsabilidade objetiva. Obrigação de recompor a APP que possui natureza real. Nova legislação que não autoriza a manutenção da edificação. DADO PROVIMENTO AO APELO. (TJSP. 57376920108260022 SP 0005737-69.2010.8.26.0022, Relator: Ruy Alberto Leme Cavalheiro, Data de Julgamento: 06/09/2012, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 17/09/2012). destacou-se. DIREITO ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E MUNICIPAL. ATIVIDADE EDILÍCIA SOBRE ARROIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LIMITAÇÕES AMBIENTAIS E URBANÍSTICAS. AUSÊNCIA DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO. PODER DE POLÍCIA. DEMOLIÇÃO DO PRÉDIO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MORALIDADE E ISONOMIA. a) Nos termos do artigo 2º da Lei 4.771/65 - Código Florestal, bem como da Lei Municipal nº 4.842/92 é vedada a atividade edilícia sobre cursos de água. b) No caso, a Apelante não só descumpriu comando da legislação ambiental, como também ergueu obra em seu imóvel sem a licença municipal necessária. c) E porque tanto os comandos de ordem ambiental quanto os urbanísticos têm caráter cogente, devem ser observadas invariavelmente por todos aqueles que pretendem edificar. d) Não há direito adquirido quando se faz 8
necessária a imposição de medidas e restrições legais ao direito de propriedade em prol dos interesses gerais e direitos difusos relacionados à proteção do meio ambiente, assegurado constitucionalmente. 2º 4.771Código Florestal4.8422) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJSP. 7422528 PR 0742252-8, Relator: Leonel Cunha, Data de Julgamento: 05/04/2011, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 626) destacou-se. Ademais, não se presta como justificativa a alegação de fato consumado. É comum se observar no país a corrida pela ocupação irregular, com posterior edificação em terreno vedado, de modo a gerar a situação de irreversibilidade ou de conflito social provocado. Em muitos casos, os agressores contam com a conivência do Poder Público para continuidade da perpetração dos delitos e infrações ambientais. No presente caso, a tutela jurídica adequada para a reparação do dano, com o restabelecimento do equilíbrio ambiental, deve fazer-se por meio da condenação à obrigação de demolir as construções realizadas dentro da faixa da Área de Preservação Permanente, conforme acima exposto, e o recolhimento do entulho gerado, destinando-o a local apropriado. Nesse sentido, precedente do TJSP: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Ubatuba. Construção em área de preservação permanente. Dano ambiental. Demolição. 1. Construção. Área de preservação permanente. A área de preservação deve ser conservada, não ocupada. Inviabilidade de manutenção de construção em área de preservação permanente de restinga. Intervenção que exige prévia autorização dos órgãos competentes a teor do art. 4º da LF nº 4.771/65. Na falta de apresentação das autorizações, as construções irregularmente erigidas devem ser desfeitas e a área deve ser recuperada. Procedência. Recurso do réu desprovido. (TJSP. 71004520088260642 SP 0007100-45.2008.8.26.0642, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 09/02/2012, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 15/02/2012). destacou-se. No mesmo sentido, o seguinte julgado do TRF da 1 a Região: 9
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEMOLIÇÃO DE RESIDÊNCIA IRREGULARMENTE EDIFICADA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. 1. A inércia do Estado em coibir a ocupação irregular de imóvel público não corresponde, de maneira nenhuma, a anuência tácita com tal comportamento, nem tem o condão de transmudar a má-fé do invasor de terras públicas em boa-fé. 2. Encontra-se no exercício regular de suas atribuições e do poder de polícia, sem abuso de poder, a autoridade pública que promove a demolição de residência irregularmente edificada à margem de uma das poucas e importantes fontes de água do Distrito Federal, o córrego Vicente Pires, em área de preservação permanente. 3. Não tendo a parte agravante demonstrado possuir título hábil a legitimar sua ocupação, não há que se falar em direito de retenção e tampouco em proteção contra a demolição de imóvel irregularmente construído em área de preservação permanente. 4. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF1. AG nº 2006.01.00.036692-5, 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Relator desembargador federal Fagundes de Deus, e-djf1 de 08/05/2009, p. 125) destacou-se. II DA RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DO IVAÍ POR OMISSÃO NA FISCALIZAÇÃO DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE O Município de São João do Ivaí descumpriu seu dever constitucional de fiscalizar as construções em zonas urbanas, de modo que respeitassem não só as posturas municipais, como também a legislação ambiental, especialmente, a o respeito às Áreas de Preservação Permanente. Com feito, juntamente com a defesa administrativa apresentada pelo Sr. Haroldo Bernini no procedimento administrativo do IAP, ele apresentou diversos documentos, dentre eles Declaração de Concordância da Prefeitura Municipal de São João do Ivaí, de 04 de maio de 1983; Ofício 4(09)T/n. 571, do INCRA, de 14/07/1983; e cópia da Lei Municipal n. 554, de 07/05/1987, do Município de São João do Ivaí (todos em anexo). 10
De acordo com o documento Declaração de Concordância, o Prefeito Municipal da época, Sr. Sebastião Morais, declarava estar plenamente de acordo com o desmembramento de área de 34.915,11 m 2, a ser destacada do Lote n. 35, da Gleba Rio Ivaí, do Município de São João do Ivaí, com a finalidade específica de criação de um loteamento para lazer. Na declaração, o Prefeito Municipal ainda afirmava que a Municipalidade não colocava nenhuma objeção quanto ao loteamento em questão, uma vez que ele é de interesse comum da comunidade de São João do Ivaí, apesar de privilegiar apenas algumas pessoas. Do mesmo modo, declarou que a subdivisão em lotes deveria atender as exigências impostas pelo INCRA, órgão competente para tanto. Por sua vez, no ofício remetido pelo INCRA, este órgão público federal declarou que nada tinha a opor quanto ao parcelamento para fins urbanos de imóvel rural cadastrado naquele órgão, com a ressalva de que fosse observada toda a legislação pertinente. Assim, nesse contexto, foi editada a Lei Municipal n. 554, de 07/05/1987, que criou o quadro urbano denominado de Prainha do Rio Ivaí. Acontece que, embora loteado e criado esse quadro urbano, verifica-se que, desde sua criação, até a presente data, diversas casas foram construídas em Área de Preservação Permanente, fato notório no Município de São João do Ivaí, como se pode observar da foto de satélite extraída do Google Maps (em anexo), e, ainda, a exemplo da casa construída pelo Sr. Haroldo Bernini, ora réu. Já na época de criação do loteamento e construção das casas, estava em vigor o Código Florestal, Lei n. 4.771/1965 e, atualmente, revogada pela Lei 11
12.651/2012, que passou a instituí-lo. A Prefeitura Municipal de São João do Ivaí procurou, na época, a aprovação do loteamento no INCRA, o qual respondeu que não se oporia à sua criação, mas desde que respeitada toda a legislação pertinente, o que inclui, principalmente, as normas ambientais. Nesse cenário, desde 1983, quando a Prefeitura Municipal declarou interesse na área, passando pela edição da Lei Municipal n. 554/1987, em que se criou o quadro urbano Prainha do Rio Ivaí, até a presente data, o Município de São João do Ivaí vem, reiteradamente, descumprindo o dever de fiscalizar as normas ambientais, sendo conivente com a construção de casas em área de preservação permanente, à margem do Rio Ivaí. Certamente, portanto, deve responder por sua agir omissivo, reparando o dano ambiental. Dentro da sistemática constitucional de fiscalização e preservação do Meio Ambiente, a Constituição da República de 1988 estabeleceu em seu artigo 23, inciso VI, a competência comum da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e, no incisos VII, o dever de preservar as florestas, a fauna e a flora. De modo mais específico, a Constituição previu no artigo 30, inciso VII, que compete aos Municípios promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, função esta que também está afeta à proteção do Meio Ambiente. Na legislação infraconstitucional, o artigo 22, parágrafo único, do antigo Código Florestal, obrigava os Municípios a exercerem a fiscalização das normas ambientais dentro dos espaços urbanos. A partir da entrada em vigor do novo Código Florestal, essa competência passou a ser conjunta, obrigando União, Estados e Municípios a fiscalizarem as normas ambientais dentro dos espaços urbanos: 12
Art. 1 o -A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos. Parágrafo único. Tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável, esta Lei atenderá aos seguintes princípios: [...] IV - responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais; destacou-se. Ao permitir ou ser conivente com a construção de uma casa com área de lazer pelo réu, o Município de São João do Ivaí, irremediavelmente, foi omissão para com seu dever constitucional e legal de fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental. Desse modo, deve reparar o dano ambiental provocado, mediante demolição da casa, como todas as suas benfeitorias, e, ainda, a remoção e recuperação da área. Analisando caso semelhante ao dos autos, o Tribunal Regional Federal da 1 a Região decidiu que o Município é responsável pela demolição da construção irregular, em virtude do descumprimento de seu dever de fiscalizar a construção de casas em Áreas de Preservação Permanente, v. g.: "CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANOS CAUSADOS. ÁREA SITUADA NO PERÍMETRO URBANO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. 1. É de competência do município a fiscalização das áreas de preservação permanente, quando situadas no perímetro urbano, atuando a União apenas supletivamente (artigo 22, parágrafo único, da Lei n. 4.771/65 -Código Florestal, incluído pela Lei n. 7.803/89, c/c o artigo 2º, parágrafo único, do mesmo Código). 2. A Lei Municipal n. 1.933/98, em seu anexo 1, demonstra que a 13
delimitação do perímetro urbano de Teresina/PI envolve o rio Poty, em que está situada a área objeto do litígio, evidenciando a responsabilidade do Município na fiscalização da área de preservação permanente, tendo sua omissão contribuído para a ocorrência dos danos relatados nos autos, em decorrência de sua desídia ter permitido a ocupação irregular por posseiros. 3. Demonstrada a ocorrência dos danos ambientais na margem do rio Poty e a responsabilidade do município por não ter evitado tal fato, mediante a devida fiscalização, de modo a impedir a sua ocupação ilegal, impõe-se o seu dever de repará-los, independentemente da área ser de sua propriedade ou não. 4. O Poder Público não se exime de sua responsabilidade na proteção e defesa do meio ambiente alegando a omissão do particular responsável pelo dano. Decorrência de seu poder de polícia e do dever imputado pela Constituição Federal e ressalva da ação de regresso. Precedente deste Tribunal (TRF 1ª Região, AG 199801000976736, 3ª Turma Suplementar, rel. Juiz Convocado Julier Sebastião da Silva, DJU de 9.7.2001, p. 60). 5. Não provimento da apelação e da remessa oficial. (TRF - PRIMEIRA REGIÃO, Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 200040000056691, Processo: 200040000056691, UF: PI, Órgão Julgador: SEXTA TURMA, Data da decisão: 06/08/2007, Documento: TRF10255848, DJ DATA:03/09/2007, PÁGINA:162, RELATOR: JUIZ FEDERAL DAVID WILSON DE ABREU PARDO (CONV.). destacou-se. Diante disso, impõe-se a condenação do Município de São João do Ivaí, de maneira solidária com o Sr. Haroldo Bernini, na forma do artigo 942, parágrafo único, do Código Civil, pois ambos foram corresponsáveis pelos danos ambientais provocados ao meio ambiente, um de modo omissivo e o outro de maneira comissiva. IV DA NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA Enquanto o réu continuar a ocupar o imóvel localizado na Área de Preservação Permanente, não cessando com sua conduta nociva ao Meio Ambienta, os danos ambientais por ele provocados vão se agravar, dificultando a possibilidade de melhor repará-lo no futuro, por ocasião da prolação de eventual sentença condenatória. 14
No presente caso, como se pode observar dos documentos que acompanham esta petição inicial, o réu foi autuado pela prática de infração à legislação ambiental, em 31 de maio de 2009. Nesta mesma oportunidade, a obra que estava sendo realizada por ele na Área de Preservação Permanente em questão foi embargada pelo Instituto Ambiental do Paraná. Mesmo diante do embargo da obra e a tramitação de procedimento administrativo e processo criminal, Haroldo Bernini, ora réu, não se intimidou e não cessou com sua conduta lesiva, pois acreditava piamente que sairia impune (como ainda deve acreditar). Com o decorrer do tempo, então, concluiu a obra de sua casa, com suas respectivas benfeitorias, inclusive, com a edificação de uma fossa sanitária, bem à margem do rio, instrumento este que é extremamente lesivo ao meio ambiente, quando construído nestas circunstâncias, pois tem potencial de poluir o rio com esgoto. Nesse contexto, a fim de minimizar os danos ambientais provocados pelo réu, deve ser concedida tutela específica, na forma do artigo 461, 3 o, do Código de Processo Civil, para que o réu cesse imediatamente com seus atos, principalmente, os tendentes a suprimir ou impedir que se regenere a vegetação nativa local. Observe-se que, o artigo 461, 3 o, do CPC exige para a concessão de tutela específica, de maneira liminar, quando o fundamento da demanda for relevante e houver justificado receito de ineficácia do provimento final. 15
No presente caso, a relevância do fundamento da demanda se assenta na própria causa de pedir, consistente na tutela do meio ambiente. De nada adianta o ajuizamento de ação para a tutela do meio ambiente, se esta não se fizer sentir imediatamente, reduzindo a lesão ao meio ambiente. A relevância da preservação do meio ambiente é tamanha, que encontra, inclusive, previsão na Constituição da República de 1988, em seu artigo 225. Do mesmo modo, internacionalmente, diversos Diplomas Legais buscam sua tutela, tornando-se uma das maiores preocupações do Século XXI, diante da finitude dos recursos ambientais. O justificado receito de ineficácia do provimento final consiste no agravamento do dano. Determinadas espécies de dano ambiental, como, por exemplo, a provocação de erosões, principalmente, na margem de rios, provocando assoreamento, são irreversíveis. Diante disso, a única solução é impedir que o dano aconteça, sob pena de conviver-se com situação irreparável. No caso dos autos, conforme atestam os documentos juntados com esta petição inicial, o réu não só vem impedindo a regeneração da vegetação nativa, como também fez uso de pneus velhos para construir muro de arrimo. A construção do muro de arrimo demonstra o grau profundo de degradação da área, que já sofre de erosão. Permitir que o réu continue edificando agora, ou no futuro, pode, então, tornar irreversível os danos por ele causado. Conforme afirmado por Luiz Guilherme Marinoni, no Estado constitucional, mais importante que teorizar sobre as ações de direito material é pensar a respeito das formas de tutela devidas pelo Estado para a proteção dos direitos, especialmente dos 16
direitos fundamentais. 3 De nada adianta estabelecer que o Meio Ambiente constitui direito fundamental, assegurado a todos e a ser preservado por qualquer um, em prol das futuras gerações, se não for possível sua tutela liminar, de modo a impedir que os danos provocados pelo réu se tornem irreversíveis. A irreversibilidade da prática lesiva viola frontalmente a obrigação de todos, de maneira difusa, de preservarem o bioma para as próximas gerações. Por essa razão, é fundamental que o réu seja impedido, imediatamente, de continuar a praticar danos na Área de Preservação Permanente ocupada por ele de modo ilegal. IV PEDIDOS E REQUERIMENTOS À vista do exposto, o Ministério Público do Estado do Paraná requer que Vossa Excelência se digne, pela ordem, de: a) antecipar os efeitos da tutela pretendia, inaudita altera parte, na forma do artigo 461, 3 o, do CPC, a fim de determinar que o Sr. Haroldo Bernini cesse imediatamente com a atividade degradadora do meio ambiente, com a paralisação imediata de toda a atividade de supressão de vegetação, aterramento, impermeabilização do solo, edificação, plantio de espécies exóticas, ou qualquer outra geradora de poluição, inclusive visual, presentes e futuras, sob pena de pagamento de multa diária no valor de um salário mínimo, vigente à época da cobrança, corrigido monetariamente pelos índices oficiais a partir da data do vencimento de cada obrigação; 3 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 304. 17
b) em seguida, determinar a citação dos réus, por meio de mandado, a ser cumprido no endereço indicado no preâmbulo desta petição inicial, para que, no prazo legal, ofereçam, em querendo, contestação em relação aos fatos aqui narrados, sob pena de revelia c) julgar, ao final, no mérito, procedentes os pedidos, para o fim de: a. condenar os réus, solidariamente, na obrigação de fazer, consistente em demolirem todas as construções e benfeitorias realizadas na Área de Preservação Permanente situada no local conhecido como Prainha do Rio Ivaí, na margem do Rio Ivaí, no Município de São João do Ivaí/PR, sob pena de multa diária, cujo valor deverá ser fixado por Vossa Excelência; b. condenar os réus, solidariamente, na obrigação de fazer, consistente em retirarem os entulhos provenientes da demolição das construções, destinando-os a local adequado para ser processado e armazenado, também sob pena de multa diária ou realização por terceiros, à custa dos réus; c. condenar os réus, solidariamente, na obrigação de fazer, constituída pela reparação do dano ambiental, por meio da plantação de mudas de plantas nativas da região por toda extensão ocupada anteriormente pelas construções irregulares; d. condenar o réu, Sr. Haroldo Bernini, definitivamente na obrigação de não fazer, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela eventualmente deferida, na obrigação de não fazer, consistente em 18
cessar a atividade degradadora do meio ambiente, com a paralisação imediata de toda a atividade de supressão de vegetação, aterramento, impermeabilização do solo, edificação, plantio de espécies exóticas, ou qualquer outra geradora de poluição, inclusive visual, presentes e futuros, sob pena de pagamento de multa diária no valor de um salário mínimo, vigente à época da cobrança, corrigido monetariamente pelos índices oficiais a partir da data do vencimento de cada obrigação; À guisa de provas, o Ministério Público requer (i) a juntada dos documentos que acompanham a presente petição inicial, (ii) a realização de prova técnica, mediante vistoria do local pelo Instituto Ambiental do Paraná, o qual deverá responder aos seguintes questionamentos: 1. Qual a natureza das construções realizadas pelo réu na Área de Preservação Permanente? Casa e demais construções são de alvenaria? Contém rede elétrica? Água encanada? Antena de televisão? Esgoto? 2. As águas que servem as edificações são despejadas no Rio Ivaí? Existe a construção de fossa sanitária próxima ao leito do rio? Qual a distância? 3. A área ocupada pelas construções estão localizadas na Área de Preservação Permanente da margem do Rio Ivaí? Qual a largura do Rio Ivaí? Qual a largura da Área de Preservação Permanente? Qual distância as construções feitas pelo réu estão do leito do rio? Qual distância as construções estão da borda da margem do rio? 19
4. Houve plantio de espécies exóticas na área ocupada pelo réu? 5. A vegetação nativa da região está sendo impedida de crescer e regenerar-se em virtude das construções realizadas pelo réu? Dá-se à causa o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). São João do Ivaí, 31 de janeiro de 2013. Hugo Evo Magro Corrêa Urbano Promotor de Justiça 20