O PAPEL DA EMPATIA NA CONVIVÊNCIA SOCIAL E RESPEITO ÀS DIFERENÇAS: SUPERANDO O VIÉS EMPÁTICO DE FAMILIARIDADE

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Transcrição:

O PAPEL DA EMPATIA NA CONVIVÊNCIA SOCIAL E RESPEITO ÀS DIFERENÇAS: SUPERANDO O VIÉS EMPÁTICO DE FAMILIARIDADE Viviane Alves dos Santos Bezerra 1 RESUMO Nos dias atuais, nos deparamos, quase que cotidianamente, com o termo empatia. Contudo, apesar de seu destaque recente, o interesse pelo estudo da empatia remonta desde o século XVIII, e permanece sendo atual e tópico de interesse de diversas áreas. Apesar de todos os benefícios que a empatia pode proporcionar para a vida em sociedade, ela está sujeita a alguns vieses, entre os quais destaca-se o viés de familiaridade, caracterizado como a tendência do ser humano para empatizar em maior grau com vítimas que são membros da família, membros de seu grupo primário, amigos íntimos e pessoas cujas características, necessidades e preocupações pessoais são semelhantes às suas. Desse modo, o presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de verificar se é possível superar o viés empático de familiaridade e promover a empatia visando uma convivência interpessoal harmoniosa e o respeito às diferenças. Para isto, foi conduzida uma revisão narrativa da literatura onde foram encontrados 5 trabalhos empíricos que demonstraram a possibilidade de promover a empatia para além daqueles que são membros do grupo interno. Desse modo, considera-se que o objetivo do trabalho tenha sido alcançado, e que, cabe aos profissionais que trabalham com essa habilidade empregá-la para o desenvolvimento de ambientes saudáveis, harmoniosos, de respeito às diferenças e livres de preconceito. Palavras-chave: Empatia, Viés empático, Respeito às diferenças, Inclusão, Preconceito. INTRODUÇÃO Quase que cotidianamente é possível se deparar, seja nas redes sociais, ou nas conversações informais, com o termo empatia. Esta parece ser palavra de ordem dos dias atuais, sobretudo, devido ao estado pandêmico que o mundo vivencia, onde clama-se por mais consciência social e consideração pelos outros. Todavia, apesar de seu destaque recente, o estudo e interesse pela empatia não são novos, ganhando proeminência pela primeira vez no século XVIII quando o filósofo moral e economista escocês Adam Smith, escreveu a obra Teoria dos Sentimentos Morais. Em seu texto, o autor discutiu que a sensibilidade moral se origina da capacidade mental do ser humano para trocar de lugar, por meio da imaginação, com uma pessoa em sofrimento. À época, Smith não utilizou o termo empatia, referindo-se à 1 Mestranda em Psicologia Social na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e-mail: vivianebezerrapsi@gmail.com.

capacidade humana para colocar-se no lugar do outro como compaixão, no entanto, os pesquisadores da área indicam que, embora não tenha feito uso do termo, foi Smith quem cunhou a primeira teoria da empatia (KRZNARIC, 2015, p. 37). Desde então, tornou-se crescente o interesse por esse construto, sendo diversas as áreas que se debruçaram sobre seu estudo, dentre estas destacam-se: a filosofia, a estética, a sociologia, a saúde, a educação, a psicologia e a neurociência (FORMIGA, 2012). Um dos maiores teóricos modernos da empatia é o psicólogo norte-americano Martin L. Hoffman, que define essa habilidade como a capacidade de uma pessoa para colocar-se no lugar da outra, inferir seus sentimentos e, a partir do conhecimento gerado por esse processo, dar uma resposta afetiva mais adequada para a situação da outra pessoa do que para sua própria situação (HOFFMAN, 2007, p. 285). Nesta definição nota-se que, para o autor, a empatia não se refere a uma correspondência exata dos sentimentos do outro, mas sim, de uma aproximação destes, que motiva o desenvolvimento de respostas pró-sociais. Hoffman (2007), caracteriza ainda a empatia como um construto multidimensional, que engloba as dimensões afetiva, cognitiva e comportamental. A dimensão afetiva, caracteriza-se pela tendência a reconhecer e experimentar sentimentos semelhantes aos do outro; já a dimensão cognitiva, refere-se à capacidade de adotar a perspectiva do outro e de inferir corretamente seus sentimentos e pensamentos; por sua vez, a dimensão comportamental, está relacionada a ação em si, em geral expressa em comportamentos pró-sociais, resultado da interação dos processoa afetivos e cognitivos. Uma das razões pelas quais o estudo da empatia permanece sendo um tópico atual e necessário, mesmo após mais de um século de investigações, deve-se aos comprovados benefícios que essa habilidade proporciona para a vida individual e social. Estudos demonstram que a empatia: 1) impulsiona e se relaciona com o desenvolvimento moral (GALVÃO, 2010); 2) melhora as relações interpessoais (SANTOS; GALVÃO, 2017); 3) motiva comportamentos pró-sociais e altruístas (DUTRA et al., 2017); e 4) diminui os comportamentos agressivos (DUTRA; CAMINO; GALVÃO, 2020). Tratando-se de suas contribuições para o ambiente escolar e educacional, especialistas em educação defendem que o ensino de habilidades empáticas não é apenas um extra cujo acréscimo é interessante, merecendo ser parte fundamental do currículo ao lado da leitura, da escrita e da matemática. Mary Gordon, fundadora do programa de ensino da empatia mais inovador e bem-sucedido do mundo, defende que a educação empática é vital para o bem-estar de crianças e adolescentes e uma pedra angular da inteligência emocional (GORDON, 2002).

Entretanto, mesmo diante de seus inegáveis benefícios, a empatia é uma habilidade sujeita a limitações que, caso não sejam contornadas, podem trazer prejuízos para as relações interpessoais e para a convivência social. Uma das principais limitações que a capacidade empática está sujeita é o chamado viés de familiaridade (HOFFMAN, 2007), ou, como tem sido referido por alguns autores, a falha intergrupal da empatia (BOLER, 1997; CIKARA; BRUNEAU; SAXE, 2011). O viés de familiaridade refere-se à tendência do ser humano para empatizar em maior grau com vítimas que são membros da família, membros de seu grupo primário, amigos íntimos e pessoas cujas características, necessidades e preocupações pessoais são semelhantes às suas (HOFFMAN, 2007). Desse modo, compreende-se que o viés de familiaridade poderia ocasionar que, mesmo pessoas empáticas, tivessem atitudes discriminatórias e/ou excludentes, com aqueles que não fizessem parte do seu endogrupo (grupo interno), ou ainda, que não compartilhassem características (físicas, sociais e econômicas) semelhantes às suas. Em face disto, alguns autores têm argumentado a respeito da importância de que os programas para a promoção da empatia considerem essa limitação, e busquem aumentar a empatia dos sujeitos para membros do exogrupo (grupo externo) (ZAKI; CIKARA, 2015). Contudo, fica a questão: como isso pode ser feito? É possível superar esse viés e promover uma educação empática voltada para o respeito às diferenças e para a desconstrução de preconceitos? Buscando responder a essa problemática, o presente trabalho tem como objetivo primordial apresentar os resultados de alguns estudos que demonstraram a possibilidade de superar o viés de familiaridade da empatia, enfatizando que essa habilidade pode ser empregada para promover uma convivência interpessoal harmoniosa entre os diferentes atores sociais. METODOLOGIA O presente trabalho configura-se como uma revisão narrativa da literatura, realizada com o objetivo de apresentar experiências empíricas que demonstraram a possibilidade de promover a empatia com o objetivo de alcançar relações interpessoais mais saudáveis e respeitosas. Sublinha-se que a revisão narrativa da literatura, é caracterizada como um tipo de revisão que objetiva descrever e discutir o desenvolvimento de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou contextual. As revisões narrativas, diferente daquelas sistemáticas, não informam as fontes de informação (bases de dados) utilizadas, a metodologia para busca

das referências (palavras-chave), nem os critérios utilizados na avaliação e seleção dos trabalhos. Constituem-se, basicamente, da análise da literatura publicada em diversas fontes como livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas, interpretadas e analisadas criticamente pelo(s) autor(es) de tal revisão (ROTHER, 2007). No caso do presente trabalho, a revisão foi realizada a partir da busca e da leitura de trabalhos completos publicados em anais de congressos nacionais, e também de artigos publicados em periódicos científicos. A análise e discussão acerca dos resultados dos referidos trabalhos foram realizadas à luz do referencial teórico pertinente sobre a empatia. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na presente revisão narrativa, foram encontrados 5 (cinco) estudos empíricos que demonstraram a possibilidade de superar o viés empático da familiaridade e se utilizar da empatia para promover um ambiente de respeito às diferenças e livre de preconceitos. Menciona-se inicialmente, o estudo desenvolvido por Silva et al. (2017), que teve como objetivo promover a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais, por meio do desenvolvimento empático. Neste trabalho, realizado com estudantes do ensino fundamental, fez-se uso de diferentes recursos lúdicos para promover a empatia e o respeito às pessoas com deficiência. De modo específico, as autoras do estudo utilizaram a historieta intitulada Sofia, a Andorinha (TABOADA, 2011), que narra o cotidiano de uma andorinha que, mesmo sendo deficiente visual, tem uma enorme capacidade de 'enxergar' o mundo ao redor, por meio dos seus outros sentidos. Além da contação da história de Sofia, a Andorinha, Silva et al. (2017) realizaram junto das crianças atividades práticas, onde elas deveriam experienciar estar no lugar de uma pessoa com deficiência. Dentre as atividades realizadas, as crianças foram convidadas a caminhar sem fazer uso das duas pernas, desenhar de olhos vendados, se comunicar sem usar a linguagem verbal, entre outras atividades. As autoras verificaram que após a realização da intervenção, as crianças participantes demonstraram uma mudança de perspectiva com relação à pessoa com deficiência, revelando uma percepção desse sujeito como alguém dotado de potencialidades e não de limitações. Cita-se também a intervenção realizada por Silva et al. (2017), que buscou discutir o preconceito racial com estudantes do ensino fundamental, por meio da promoção da empatia. Destaca-se que nessa pesquisa, o preconceito racial foi caracterizado como quando uma pessoa, ou mesmo um grupo, sofre uma atitude negativa por parte de alguém que tem como padrão de

referência o próprio grupo racial (SANTOS, 2001). Nesse sentido, caso não seja combatido, o preconceito racial pode vir a evoluir para a discriminação racial e, logo, para o racismo. A partir dessa compreensão, as autoras desse estudo buscaram desenvolver uma intervenção de cunho preventivo para que o preconceito racial não evolua para práticas discriminatórias e racistas. Semelhante ao realizado no trabalho anterior, as autoras dessa pesquisa também se utilizaram de uma historieta intitulada E pele tem cor? (BARBOSA, 2012), que narra a experiência de um menino que adorava perceber as cores do mundo, e estimula o leitor a ver as pessoas pelo que elas são, e não, pela cor de sua pele. Além do uso dessa narrativa, Silva et al. (2017), lançaram mão de técnicas do psicodrama (MORENO, 2003), especificamente, do vídeo psicodramático, da fantasia dirigida e do teatro de reprise, para possibilitar que as crianças se colocassem no lugar do outro e imaginassem os sentimentos e as consequências envolvidas em uma situação de preconceito racial. Segundo as autoras do estudo, a intervenção possibilitou que as crianças tomassem consciência de como o preconceito racial pode ser prejudicial para aqueles que o sofrem, devendo ser combatido e não reproduzido. Ainda sobre a questão do preconceito racial/étnico, discriminação racial e racismo, foram encontradas as pesquisas desenvolvidas por Nesdale et al. (2005) e Bezerra, Santos e Fernandes (2018) que, diferente das investigações anteriores, não se trataram de pesquisas-intervenções, mas sim, de estudos empíricos de corte transversal. No primeiro, Nesdale et al. (2005) examinaram o impacto da empatia nas atitudes étnicas de crianças anglo-australianas brancas, em uma amostra composta por 150 sujeitos entre 5 e 12 anos de idade. Foram avaliadas a empatia e as atitudes em relação a um mesmo grupo étnico (anglo-australiano) versus um grupo de etnia diferente (insulares do Pacífico). Os resultados mostraram que o gosto pelo grupo étnico diferente aumentou quando os índices de empatia eram maiores. Já no trabalho de Bezerra, Santos e Fernandes (2018), as autoras buscaram conhecer as relações entre julgamento moral, racismo e empatia também em crianças. Dentre os resultados do estudo, verificou-se que a empatia se correlacionou negativamente com o racismo. Os autores de ambos os estudos destacam que tais achados podem contribuir para promoção de atitudes positivas das crianças, por meio da empatia, em relação aos grupos étnicos minoritários. Por fim, menciona-se a pesquisa desenvolvida por Abreu et al. (2017), que refere-se a um trabalho de caráter interventivo, onde as autoras objetivaram discutir e descontruir, junto a crianças do ensino fundamental, os discursos cristalizados referentes aos papeis de gênero. As referidas autoras discutem que, mesmo com todas as transformações e revoluções ocorridas na sociedade moderna em diversos cenários, não é raro se constatar a presença de discursos

preconceituosos manifestos em ações machistas, misóginas e hostis. Percebe-se, assim, certo desequilíbrio nas relações de gênero que ainda apontam a mulher como o sexo frágil, cujo comportamento deve ser aprovável e moldado pelas convenções da sociedade. Nesse sentido, Abreu et al. (2007) buscaram, através da promoção da empatia, repensar junto das crianças os papeis cristalizados de gênero. Para alcançar esse objetivo as autoras se utilizaram de diversos recursos: mural interativo com figuras de menino e menina, episódio Brinquedo de Menino, da animação animado Diário de Mica, desenho livre e teatro dirigido. Como principais resultados, as autoras destacaram que inicialmente, havia um predomínio tanto entre as meninas, como entre os meninos, de uma visão estereotipada de gênero, onde as meninas eram vistas e caracterizadas como aquelas que cuidam dos demais, como choronas e sensíveis, e que brincam apenas de casinha ; e os meninos eram referidos como fortes, super-heróis e gostavam de brincadeiras como bola (futebol). Com o desenvolvimento da intervenção, foram observadas mudanças nas percepções e comportamentos em relação aos papéis de gênero, no sentido de compreender que não existem coisas de menino e coisas de menina e, ainda, que não existe forma certa ou errada de uma pessoa se expressar no mundo. De forma geral, nota-se que os estudos apresentados demonstram que a empatia pode ser trabalhada visando o respeito e a aceitação das diferenças, estando, inclusive, negativamente correlacionada com atitudes preconceituosas e racistas. Nos trabalhos interventivos realizados por Silva et al. (2017), SiIva et al. (2017) e Abreu et al. (2017), é possível observar que foi trabalhado com os participantes o mecanismo de excitação empática denominado por Hoffman (2007) de tomada de perspectiva (role-taking), que se configura como a capacidade de uma pessoa para colocar-se no lugar de outra e inferir corretamente seus sentimentos e pensamentos, possibilitando, assim, o desenvolvimento de uma resposta pró-social adequada a situação do outro. Além disso, nota-se também que essas intervenções fizeram uso de diversos recursos para a sua execução, recursos esses, que possibilitaram que as crianças refletissem e discutissem acerca dos temas trabalhados. O uso de tais recursos está de acordo com o sugerido por Upright (2002) que aponta que para planejar uma boa educação empática, é importante se escolher histórias adequadas de modo a envolver e engajar os participantes na atividade realizada. Diante do exposto, verifica-se que, apesar de se tratar de um corpo limitado de pesquisas, existem evidências empíricas que indicam a possibilidade de superação do viés empático de familiaridade. Nota-se, no entanto, que todas as pesquisas apresentadas foram realizadas com crianças, não tendo sido encontradas para este trabalho, pesquisas que visassem promover o respeito às diferenças e desconstruir o preconceito com adolescentes e/ou adultos. É provável

que a realização desse tipo de trabalho ocorra majoritariamente com o público infantil devido às crianças serem sujeitos em desenvolvimento, que ainda estão em processo de formação de seus valores e crenças, e logo, é mais apropriado que essas temáticas sejam trabalhadas ainda na infância, de forma a possibilitar a formação de sujeitos capazes de respeitar às diferenças e viver de forma harmoniosa em uma sociedade plural e heterogênea. Todavia, é válido que esse tipo de trabalho, especificamente os de cunho interventivo, também sejam voltados para o público jovem e adulto, de modo a possibilitar a desconstrução de práticas excludentes e preconceituosas que estão há muito engendradas na sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como objetivo principal apresentar de forma narrativa, os resultados de estudos que corroborassem a premissa de que é possível superar o viés empático de familiaridade e promover uma educação empática voltada para o respeito às diferenças e combate a todas as formas de preconceito. Em face dos resultados e discussão apresentados, considera-se que esse objetivo tenha sido alcançado. Todavia, apesar de considerar que o trabalho cumpriu ao que se propôs, existem algumas limitações que precisam ser consideradas. Destaca-se como a principal limitação desse trabalho, o método utilizado para a sua realização, tendo em vista que a revisão narrativa da literatura, apesar de proporcionar ao autor uma maior liberdade para apresentar e discutir a temática em investigação a partir de seu referencial teórico, não possuiu uma sistematização definida, impossibilitando, assim, que os dados sejam analisados de forma mais aprofundada e também que sejam generalizados para outros contextos. Nesse sentido, indica-se que seria pertinente retomar a temática aqui discutida, realizando-se uma revisão sistemática da literatura, a fim de verificar como a temática do viés de familiaridade, vem sendo trabalhado na teoria da empatia e que estratégias têm sido propostas para superá-lo. Ademais, menciona-se também que apesar de considerar fundamental o papel da empatia para uma melhor convivência entre os diferentes grupos sociais, tem-se consciência que, diante de uma sociedade plural, que é historicamente marcada por preconceitos de ordem estrutural como o racismo, o machismo, a lgbtqfobia, o capacitismo, entre outros, a promoção da empatia não é suficiente para sanar e superar todos esses problemas sociais, sendo necessário a construção de políticas públicas que visem promover uma sociedade mais justa e igualitária

para todos. Nesse sentido, promover a empatia, seria apenas o início de um longo caminho que deve ser trilhado para a formação de uma sociedade que respeite às diferenças. No mais, acredita-se que, como discutido por Hoffman (2007), os vieses da empatia não anulam a capacidade dessa habilidade como um forte motivo pró-social, cabendo aos pesquisadores e profissionais (psicólogos, professores e educadores), que trabalham de forma teórica e prática com essa habilidade, empregá-la para o desenvolvimento de ambientes e de relações interpessoais saudáveis e harmoniosas. REFERÊNCIAS ABREU, G. A.; DUTRA, M. P.; SILVA, A. S.; SILVA, M. J. M.; GALVÃO, L. K. S. Questões de gênero e empatia: pesquisa-intervenção. In.: Anais IV CONEDU. João Pessoa: Realize Editora, 2017. Disponível em: < https://editorarealize.com.br/editora/anais/conedu/2017/trabalho_ev073_md1_sa18_i D1706_11092017002918.pdf>. Acesso em: 19 de agosto de 2020. BARBOSA, F. E pele tem cor? BA: Prazer de ler. 2012. BEZERRA, D. S.; SANTOS, F. O. P; FERNANDES, S. C. S. Relações entre julgamento moral, racismo e empatia em crianças. Cadernos de Pesquisa, v. 48, n. 179, p. 1130-1147. 2018. < https://doi.org/10.1590/10.1590/198053145156> BOLER, M. The risks of empathy: Interrogating multiculturalism's gaze. Cultural Studies, v. 11, n. 2, p. 253-273. 1997. <http://dx.doi.org/10.1080/09502389700490141>. CIKARA, M.; BRUNEAU, E. G.; SAXE, R. R. Us and Them: Intergroup Failures of Empathy. Current Directions in Psychological Science, v. 20, n. 3, p. 149-153. 2011. <https://doi.org/0.1177/0963721411408713>. DUTRA, M. P.; BEZERRA, V. A. S.; SILVA, A. S.; ABREU, G. A.; GALVÃO, L; K; S. Empatia e comportamento pró-social: intervenção educacional na infância. In.: Anais IV CONEDU. João Pessoa: Realize Editora, 2017. Disponível em: <https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/36711>. Acesso em: 19 de agosto de 2020. DUTRA, M. P.; GALVÃO, L. K. S.; CAMINO, C. P. S. Promoção da empatia para redução de comportamentos agressivos: análise do grupo focal. Braz. J. of Develop., v. 6, n. 7, p. 46497-46505, 2020. <http://dx.doi.org/10.34117/bjdv6n7-326> GALVÃO, L. K. S. Desenvolvimento moral e empatia: medidas, correlatos e intervenções educacionais. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 299f, 2010. Disponível em: <http://empatianaescola.org.br/wp-content/uploads/2017/10/sousa- GALVÃO-L.Desenvolvimento-Moral-e-Empatia_Medidas-Correlatos-e-Intervenções- Educacionais-.pdf>. Acesso em: 17 de agosto de 2020

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