IMPACTO DA DESCARGA DE ÁGUAS RESIDUAIS URBANAS NA QUALIDADE DA ÁGUA NA RIA FORMOSA: UM ESTUDO DE CASO INTEGRATIVO APLICADO À ÁREA DE OLHÃO

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Transcrição:

IMPACTO DA DESCARGA DE ÁGUAS RESIDUAIS URBANAS NA QUALIDADE DA ÁGUA NA RIA FORMOSA: UM ESTUDO DE CASO INTEGRATIVO APLICADO À ÁREA DE OLHÃO Alexandra CRAVO 1, Cátia CORREIA 1, André MATOS 1, Ana Flor VIDAL 1, Cristina FERREIRA 1, José JACOB 1, Margarida P. REIS 1, Sandra CAETANO 1, Carla S. FREITAS 1, Ana BARBOSA 1, Marta RODRIGUES 2, Pedro LOPES 2, Anabela OLIVEIRA 2, André B. FORTUNATO 2, Alberto AZEVEDO 2 1. CIMA Centro de Investigação Marinha e Ambiental, FCT- Universidade of Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, acravo@ualg.pt, cfcorreia@ualg.pt, afmatos@ualg.pt, afvidal@ualg.pt, ccferreira@ualg.pt, jjacob@ualg.pt, mpreis@ualg.pt, smcaetano@ualg.pt, carlafreitas@aquaexam.pt, abarbosa@ualg.pt 2. Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Hidráulica e Ambiente, Avenida do Brasil 101, 1700-066 Lisboa, mfrodrigues@lnec.pt, plopes@lnec.pt, aoliveira@lnec.pt, afortunato@lnec.pt, aazevedo@lnec.pt RESUMO A Ria Formosa (RF) é um sistema lagunar costeiro produtivo, localizado na costa sul de Portugal. Representa o maior centro de produção nacional de moluscos bivalves, dominada pela espécie de amêijoa Ruditapes decussatus (ca. 90%) sendo muito importante do ponto de vista ecológico e socio-económico. Contudo, a RF está sujeita a várias pressões antrópicas, incluindo a descarga de estações de tratamento de águas residuais urbanas (ETAR), o que constitui uma ameaça para a qualidade da água. O presente estudo, integrado no projeto CONPRAR, teve como objetivo avaliar o impacto das duas ETAR na zona de maior produção de bivalves (~75%) da RF, Olhão, especificamente na vizinhança de áreas de produção (viveiros). A qualidade da água foi avaliada ao longo do gradiente longitudinal da dispersão do efluente (~1 km), a partir do seu ponto de descarga, no período entre setembro de 2018 e abril de 2019. As amostras foram colhidas em maré viva e maré morta, nas situações de baixa- mar e preia-mar, uma (outubro-março) ou duas vezes por mês (setembro e abril). Os parâmetros analisados incluíram a temperatura, salinidade, ph e oxigénio dissolvido, medidos in situ, com uma sonda multiparamétrica EXO2 (YSI), e a concentração de nutrientes inorgânicos dissolvidos, clorofila a (usada como indicador da biomassa fitoplanctónica), composição específica do fitoplâncton e indicadores bacteriológicos de contaminação fecal (coliformes totais, Escherichia coli e enterococos). Em geral, a qualidade da água na área de envolvência da ETAR de Olhão Nascente foi boa, superior à observada na Olhão Poente, não só pelo menor volume e caracteristicas do efluente descarregado, mas também pela maior diluição promovida num canal principal da Ria Formosa (Canal de Marim). Após a desativação da ETAR de Olhão Poente (outubro 2018), registou-se uma melhoria substancial da qualidade da água, evidente em todas as variáveis analisadas química, bacteriológica e fitoplâncton), fato que contribuiu para a salubridade dos bivalves nos viveiros existentes nas proximidades desta zona. Palavras-Chave: Ria Formosa; sistemas lagunares costeiros; qualidade da água; ETAR; Ruditapes decussatus 1. INTRODUÇÃO Dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a proteção da água das zonas costeiras destacam-se dois: (i) - água potável e saneamento (6) e (ii) proteger a vida marinha - conservação e sustentabilidade do uso dos oceanos, mares e recursos marinhos (14). As descargas das estações de tratamento de águas residuais (ETAR), ricas em nutrientes inorgânicos, matéria orgânica e contaminantes fecais, são uma ameaça para as zonas costeiras, comprometendo a qualidade e sustentabilidade destes ecossistemas, devido ao potencial desenvolvimento de processos de eutrofização (Cloern, 2001). Os sistemas lagunares costeiros, como a Ria Formosa, RF (sul de Portugal, ver Fig. 1), são ecossistemas produtivos, com elevada importância ecológica e económica para as comunidades regionais e locais, normalmente afetados por pressões antrópicas. Este ecossistema é utilizado como local de desova e maternidade por muitas espécies de peixes e crustáceos e é zona de excelência de produção de moluscos bivalves (Newton et al., 2003), representando cerca de 90% da produção nacional. Os bivalves, organismos filtradores, dependem fortemente da qualidade da água no seu habitat. Para além do stress fisiológico potencialmente gerado pela redução dos níveis de oxigénio, como 1

resultado da decomposição de matéria orgânica proveniente das ETAR, estes organismos têm capacidade de acumular vários compostos a partir da água, nomeadamente microrganismos patogénicos ou espécies de fitoplâncton toxigénico. Apesar da melhoria do sistema de tratamento dos efluentes urbanos na RF nas últimas décadas, sabe-se que o excesso de nutrientes inorgânicos pode promover a ocorrência de florescências nocivas de fitoplâncton, incluindo espécies toxigénicas, pondo em causa a salubridade dos bivalves existentes na área de influência das ETAR. O presente estudo, integrado no projeto CONPRAR, pretendeu avaliar o efeito da descarga das duas ETAR urbanas existentes na zona de Olhão (Fig. 1), a área de maior produção de bivalves na RF, onde se concentram cerca de 75% dos viveiros (licenciados). A qualidade da água nas áreas adjacentes às duas ETAR, Olhão Poente (OP) e Olhão Nascente (ON), foi avaliada no período entre setembro de 2018 e abril de 2019, com base em variáveis químicas, bacteriológicas e fitoplâncton. Fig. 1. Localização das ETAR da área urbana de Olhão, com a indicação dos locais de amostragem (círculos brancos) e pontos de descarga (triângulos azuis) nas áreas de Olhão Poente (OP) e Olhão Nascente (ON). As áreas delimitadas a vermelho indicam as zonas de viveiros de bivalves 2. ENQUADRAMENTO DO ESTUDO: O PROJETO CONPRAR O Projeto CONPRAR (PO Mar2020; ref. MAR-01.04.02-FEAMP-0003) utiliza uma abordagem integrativa, conjugando observações e modelos numéricos (Fig. 2). O projeto inclui a avaliação da qualidade da água nas áreas de envolvência das principais ETAR urbanas na RF, associadas a três cidades (Faro, Olhão e Tavira), durante um período de 2 anos, a partir de setembro de 2018. Os dados serão explorados para: (i) avaliar o impacto espacial de cada ETAR, individualmente; (ii) identificar períodos de maior impacto das ETAR; (iii) comparar a qualidade da água na RF; e (iv) identificar o risco global das ETAR na qualidade da água e bivalves, usando um Índice de Qualidade integrativo. Esse índice considerará, conjuntamente, a contaminação química e microbiana (fecal) e a existência de espécies de fitoplâncton potencialmente toxigénicas. A influência das descargas das ETAR será também analisada para diferentes cenários e condições reais, utilizando o sistema de modelos numéricos SCHISM para a simulação da circulação (Zhang et al., 2016) e da 2

contaminação fecal (Rodrigues et al., 2011). Os resultados serão disponibilizados numa plataforma WebSIG destinada a entidades gestoras, grupos de interesse e público em geral, e incluirá: (i) mapas do índice de qualidade da RF para bivalves, previsto para vários cenários; (ii) mapas mensais do índice de qualidade para bivalves (último mês); e (iii) evolução temporal da qualidade ambiental da RF para os bivalves. Esta plataforma de disseminação e divulgação pretende apoiar a gestão e proteção do ecossistema RF e, da ameijoa-boa Ruditapes decussatus, em particular. Fig. 2. Diagrama Conceptual do projeto CONPRAR 3. ESTRATÉGIA DE AMOSTRAGEM 3.1. Áreas de estudo e locais de amostragem Na área de influência das duas ETAR de Olhão (OP e ON), foram selecionadas várias estações de amostragem, localizadas ao longo do gradiente longitudinal de dispersão do efluente (~1 km), a partir do seu ponto de descarga (Fig. 1). É de referir que a ETAR de Olhão Poente foi desativada em outubro de 2018, sendo o seu afluente posteriormente conduzido para a nova ETAR Faro-Olhão. 3.2. Frequência de amostragem, variáveis analisadas e métodos A qualidade da água foi avaliada, ao longo do gradiente longitudinal da dispersão do efluente (~1 km) de OP e ON, no período entre setembro de 2018 e abril de 2019. As amostras foram colhidas em maré viva e maré morta, nas situações de baixa-mar e preia-mar, uma (outubro-março) ou duas vezes por mês (setembro e abril). A qualidade da água, em cada ponto amostagem, foi avaliada em amostras colhidas à superfície, onde a influência da descarga dos efluentes será potencialmente máxima. Incluiu a medição in situ da temperatura, salinidade, ph e oxigénio dissolvido (com sonda multiparamétrica EXO2 -YSI) e a recolha de amostras para posterior análise laboratorial de macronutrientes inorgânicos dissolvidos (amónia, nitrato, nitrito, fosfato e silicato), clorofila-a (usada como indicador da biomassa total de fitoplâncton), composição específica do fitoplâncton, incluindo espécies potencialmente toxigénicas, e indicadores bacteriológicos de contaminação fecal (coliformes totais, Escherichia coli e Enterococos). A concentração de nutrientes e clorofila-a foi medida através de métodos espectrofotométricos (Grasshoff et al., 1983 e Lorenzen, 1967, respetivamente). As amostras para avaliação da abundância e composição do fitoplâncton foram fixadas com solução de Lugol, imediatamente após a recolha, concentradas em câmaras de sedimentação e observadas (ampliação: 400x) por microscopia de inversão (Zeiss Axio Observer A1), de acordo com Utermohl (1958). 3

A concentração de indicadores de contaminação fecal incluiu a estimativa do número mais provável (NMP) para Coliformes fecais, Escherichia coli e enterococos com base na aplicação do método Quanti-Tray, usando os sistemas Colilert e Enterolert (IDEXX Laboratories, Westbrook, Maine), segundo as orientações do fabricante (IDEXX). 3.3 Cálculo do Índice TRIX O índice trófico (TRIX), proposto por Vollenweider et al. (1998), foi utilizado para avaliar a evolução temporal do estado trófico das áreas de estudo. Este índice foi aplicado apenas aos resultados obtidos em baixa-mar, a situação potencialmente mais problemática ao nível da qualidade da água. Este índice, integra os valores da concentração de clorofila-a (Chl-a), saturação de oxigénio dissolvido (desvio absoluto da percentagem da saturação de oxigénio, 100-% DO ), concentração total de azoto inorgânico dissolvido (AID, amónia + nitrato + nitrito) e fósforo inorgânico dissolvido (FID) (ver Eq. 1). TRIX = [Log (Chl-a x 100 -% DO x AID x FID) - (- 1,5)] / 1,2 [Eq. 1] 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste período, os valores do índice TRIX são representativos da pior situação ao nível da qualidade da água, mas esta melhorou em preia-mar, devido ao efeito de diluição provocado pela mistura com água oceânica. A ETAR de Olhão Nascente apresenta um caudal muito inferior ao da ETAR Olhão Poente e, pelo facto do efluente se dispersar num canal principal da Ria Formosa, com velocidades mais elevados, a qualidade da água para as componentes química, microbiológica e fitoplanctónica foi superior à registada na área da ETAR de Olhão Poente. No geral, não se detetaram problemas graves de qualidade de água na área dos viveiros de bivalves. A partir de novembro de 2018, após a desativação da ETAR de Olhão Poente, registou-se uma melhoria substancial da qualidade da água, ao nível dos vários componentes avaliados, facto que contribui para melhorar e proteger os bivalves nos viveiros existentes nas proximidades desta ETAR. A comparação dos valores do TRIX, nas duas áreas de estudo, com dados obtidos nas mesmas áreas nos anos 2005 e 2006, indicou uma ligeira diminuição da qualidade da água. Contudo, no presente trabalho foi utilizado um número de amostras inferior ao considerado no período 2005/2006, facto que que pode enviesar parcialmente os resultados deste índice trófico. AGRADECIMENTOS O trabalho foi financiado pelo PO Mar2020 (ref. MAR-01.04.02-FEAMP-0003 CONPRAR). Agradecemos a todos os alunos voluntários que nos têm ajudado nas amostragens e na análise das variáveis químicas do projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cloern JE (2001). Our evolving conceptual model of the coastal eutrophication problem. Mar. Ecol. Progr. Ser., 210, 223 53. Grasshoff K, Erkhardt M, Kremling K (1983). Methods of Seawater Analysis. Verlag Chemie, New York. Lorenzen CJ (1967). Determination of chlorophyll and pheo-pigments: spectrophotometric equations. Limnology and Oceanography, 12(2), 343 346. Newton A, Icely JD, Falcão M, Nobre A, Nunes JP, Ferreira JG, Vale C (2003). Evaluation of eutrophication in the Ria Formosa coastal lagoon, Portugal. Continental Shelf Research, 23, 1945-1961. Rodrigues M, Oliveira A, Guerreiro M, Fortunato AB, Menaia J, David LM, Cravo A (2011). Modeling fecal contamination in the Aljezur coastal stream (Portugal). Ocean Dynamics, 61(6), 841-856. Vollenweider R.A., Giovanardi F., Montanari G. And Rinaldi A. (1998). Characterization of the trophic conditions of marine coastal waters with special reference to the NW Adriatic Sea: proposal for a trophic scale, turbidity and generalized water quality index. Environmetrics, 9, 329 357. Utermöhl H (1958). Zur Vervollkomnung der quantitativen Phytoplankton-Meyhodik. Mitt Internat Ver Limnol 9, 1-38. 4

Zhang YJ, Ye F, Stanev EV, Grashorn S (2016). Seamless cross-scale modeling with SCHISM, Ocean Modelling, 102, 64-81. 5