Teoria geral do controle. de constitucionalidade



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Transcrição:

Teoria geral do controle de constitucionalidade 53 Capítulo II Teoria geral do controle. de constitucionalidade SUMÁRIO 1. Pressupostos do controle de constitucionalidade 2. Espécies de inconstitucionalidade: 2.1 Inconstitucionalidade por ação e por omissão: 2.1.1 Vício material ou nomoestático; 2.1.2 Vício formal ou nomodinâmico; 2.1.3 Vício de decoro parlamentar 2.2 Inconstitucionalidade total ou parcial; 2.3 Inconstitucionalidade originária e superveniente; 2.4 Inconstitucionalidade valorativa 3. Modalidades de controle de constitucionalidade: 3.1 Quanto ao momento do exercício do controle: 3.1.1 Controle prévio ou preventivo; 3.1.2 Controle posterior ou repressivo 3.2 Quanto à natureza do órgão com competência para o controle: 3.2.1 Controle político ou não judicial; 3.2.2 Controle judicial ou jurisdicional 3.3 Quanto ao órgão judicial que exerce o controle; 3.3.1 Controle difuso; 3.3.2 Controle concentrado 3.4 Quanto à forma ou modo de controle: 3.4.1 Controle concreto; 3.4.2 Controle abstrato 4. Peculiaridades do controle de constitucionalidade: 4.1. Normas materialmente e formalmente constitucionais; 4.2. O fenômeno da recepção e o controle de constitucionalidade. 1. PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE O controle de constitucionalidade consiste num instrumento capaz de fazer prevalecer a supremacia das normas constitucionais 1, retirando do ordenamento as normas inferiores que as contrariam, suprindo a ausência da lei ou declarando a sua constitucionalidade, interpretando conforme à Constituição ou ainda garantindo o cumprimento de preceitos fundamentais. Em breve síntese, verifica-se a compatibilidade vertical das normas constitucionais com os demais atos normativos. Como o ordena- 1. Nota-se que não existe uma referência à Constituição Federal de 1988, uma vez que, atualmente, as normas constitucionais não estão adstritas a tal documento. Consoante a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fala-se em um bloco de constitucionalidade, ou seja, um conjunto de documentos e princípios implícitos que possuem status constitucional. O chamado bloco de constitucionalidade, no Brasil, é composto pela Constituição Federal de 1988, suas Emendas Constitucionais, os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito da Emenda Constitucional e os princípios implícitos da ordem constitucional vigente. Tal questão será mais bem analisada ao longo deste livro.

54 Bruno Taufner Zanotti mento jurídico é escalonado e, em seu ápice, têm lugar exclusivo as normas com status constitucional, os demais regramentos devem com elas estar compatíveis. De maneira geral, é possível apresentar quatro pressupostos para o controle de constitucionalidade: Constituição rígida ou semirrígida: O processo de alteração das normas constitucionais (ou de parte delas, no caso da Constituição semirrígida) deve ser diferenciado e mais rigoroso quando comparado com as demais leis do ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988, classificada como Constituição rígida, possui um procedimento diferenciado previsto em seu art. 60. Princípio da supremacia da Constituição: Em razão da Constituição ser rígida ou semirrígida, consagra-se a ideia de que a Constituição é o vértice do ordenamento jurídico, devendo todas as demais leis a ela se subordinar. É a ideia consagrada por Kelsen 2 ao afirmar que a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. Atribuição de competência para o controle de constitucionalidade a um órgão: De nada adianta o princípio da supremacia da Constituição se inexiste um órgão capaz de efetivar o controle das normas infraconstitucionais em desacordo com a Constituição. No ordenamento jurídico brasileiro, esse órgão depende do tipo de controle de constitucionalidade. No controle concentrado, tal órgão é exclusivamente o STF, quando em face da Constituição Federal de 1988, e dos Tribunais de Justiça, quando em face da Constituição do respectivo Estado no qual o Tribunal de Justiça está localizado. Já no controle difuso, o órgão competente é o Poder Judiciário, ou seja, todos os juízes e tribunais possuem competência para declarar a inconstitucionalidade da norma. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis: Em um Estado Democrático de Direito, a lei desempenha função singular, visto que só ela pode impor ao indivíduo a obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Também no Estado Democrático de Direito, o povo tem exatamente as leis que deseja, pois são elaboradas 2. KELSEN, 1999, p. 247.

Teoria geral do controle de constitucionalidade 55 em seu nome e pelos seus representantes. Com base em tais postulados, é possível afirmar que as leis e os atos normativos estatais devem ser considerados constitucionais, válidos e legítimos até que venham a ser declarados inconstitucionais por um órgão competente. No entanto, trata-se de uma presunção de constitucionalidade relativa, uma vez que o controle de constitucionalidade pode retirar tal presunção e declarar a norma inconstitucional. Do exposto, sendo a Constituição rígida ou semirrígida, o controle de constitucionalidade é o meio apto para garantir a supremacia da Constituição e retirar a presunção de constitucionalidade das leis. COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO PÚBLICO? (Procurador da Fazenda Nacional/2007) A supremacia jurídica da Constituição é que fornece o ambiente institucional favorável ao desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade. A assertiva foi considerada verdadeira. 2. ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.1. Inconstitucionalidade por ação e por omissão O vício de inconstitucionalidade emanado pelo Poder Público pode estar relacionado com uma ação positiva (inconstitucionalidade por ação), com a inexistência dessa ação (inconstitucionalidade por omissão total) ou com uma ação positiva incompleta (inconstitucionalidade por omissão parcial). A inconstitucionalidade por omissão (parcial ou total) tem por base a ausência de lei ou ato que torna inviável o completo exercício de certo direito, decorrente de uma norma constitucional de eficácia limitada. Os principais instrumentos para solucionarem tal vício de inconstitucionalidade são o Mandado de Injunção (controle difuso de constitucionalidade) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (controle concentrado de constitucionalidade). A inconstitucionalidade por ação tem por objeto a edição de lei ou ato normativo que viola uma norma constitucional. Esse vício pode ser classificado em vício material, vício formal e vício de decoro parlamentar.

56 Bruno Taufner Zanotti 2.1.1. Vício material ou nomoestático Diz respeito ao conteúdo veiculado pela lei, que está incompatível com as normas constitucionais (incompatibilidade vertical). Por exemplo, uma lei penal é publicada, determinando a majoração da pena de um crime com eficácia retroativa (incide nos fatos anteriores a sua vigência). Tal hipótese denota uma clara violação ao art. 5º, XL, da Constituição Federal ( a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu ), havendo incompatibilidade entre o conteúdo presente na Constituição e aquele veiculado pela lei penal. Outro exemplo ocorre quando determinada lei viola o princípio da proporcionalidade (ou da proibição de excesso) 3. Ao vício material aplica-se o princípio da divisibilidade da lei, uma vez que somente será expurgado do ordenamento jurídico a parte da lei que possui seu conteúdo contrário à Constituição. A parte da lei que está hígida será mantida, desde que não seja hipótese de aplicação da inconstitucionalidade por arrastamento (instrumento do controle de constitucionalidade, a ser estudado dentro do capítulo das técnicas de decisão). 2.1.2. Vício formal ou nomodinâmico Consiste no desrespeito ao devido processo legislativo, isto é, a criação da norma não seguiu o regramento previsto constitucionalmente. A Constituição traz regras específicas de competência, trâmite, quorum para votação, dentre outros, e o desrespeito a qualquer uma dessas regras enseja a inconstitucionalidade da lei por vício formal. Por exemplo, caso uma Emenda Constitucional seja aprovada com votação em um turno em uma das casas do Congresso, haverá hipótese de inconstitucionalidade formal, com fundamento no art. 60, 2º da Constituição Federal 4. 3. Na ADI 855, julgada em 6/3/2008 (Inf. 497 do STF), o STF declarou a inconstitucionalidade da lei estadual que determinou a pesagem de botijões entregues ou recebidos para substituição à vista do consumidor, com pagamento imediato de eventual diferença a menor. O exemplo será mais bem analisado no capítulo que trata das técnicas de julgamento, ao se mencionar o princípio da proporcionalidade. 4. Com base nesse fundamento, o STF (ADI 2135) declarou, liminarmente, a inconstitucionalidade da modificação do art. 39, caput, da Constituição Federal, perpetrada pela EC n 19/1998. No caso, a Câmara dos Deputados não observou a exigência de aprovação em dois turnos (CF, art. 60, 2º) determinada pela Constituição para o trâmite de uma Emenda Constitucional. A decisão liminar do STF em 2/8/2006 fez retornar o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos. Ademais, à decisão

Teoria geral do controle de constitucionalidade 57 Ao vício formal não é possível aplicar o princípio da divisibilidade da lei, pois ele é capaz de viciar tudo o que for veiculado pela lei, como se observará nos diversos exemplos abaixo. Reconhecido o vício formal, todo o ato normativo será retirado do ordenamento jurídico. O vício formal é classificado 5 em: a) Vício formal orgânico ou de competência: Trata-se da inobservância de regra de competência dos entes políticos (União, Estado, Município e Distrito Federal). Por exemplo, o Município publica uma lei que era de competência da União, o que por si só é fundamento para sua inconstitucionalidade. b) Vício formal propriamente dito ou do processo legislativo: Também conhecido como vício ritual ou processual, está relacionado ao procedimento, abrangendo a propositura e o trâmite até sua final publicação. Esse vício se subdivide em: Vício formal subjetivo: É aquele que se verifica na fase de iniciativa da lei, relacionado com o início do processo legislativo. Diferentemente do vício formal orgânico que tem relação com as regras de competência dos entes políticos (União, Estado, Município e Distrito Federal), no vício formal subjetivo a regra de competência está perfeita, mas a iniciativa da lei equivocada. Por exemplo, Deputado Federal inicia projeto de lei reservado ao Presidente da República (art. 61, 1º da Constituição Federal). Ambos estão no âmbito da União (não há vício formal orgânico), mas não houve respeito à iniciativa privativa do Presidente da República (há vício formal subjetivo). Nesse ponto, um problema deve ser levantado: ainda no exemplo acima, a sanção do chefe do executivo ao final do processo legislativo é capaz de convalidar o vício formal na iniciativa da lei que foi proposta pelo Deputado Federal, quando essa iniciativa era da competência do Presidente da República? Não, pois, consoante posição pacífica do STF, a ulterior aquiescência do Chefe do foram concedidos efeitos prospectivos (ex nunc), isto é, toda a legislação editada durante a vigência do artigo 39, caput, com a redação da EC n 19/1998, continua válida para aquelas pessoas contratadas sem a vigência da regra do Regime Jurídico Único. 5. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 206-210.

58 Bruno Taufner Zanotti Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade. 6 Vício formal objetivo: É aquele que se verifica nas demais fases do processo legislativo, ressalvada a iniciativa. Está ligado com a tramitação, quorum para votação, entre outros. Cita-se, como exemplo de vício formal objetivo, quando o projeto de lei, votado na Câmara dos Deputados, sofre substancial alteração no Senado e não retorna à Câmara dos Deputados para novas deliberações. Essa regra geral, todavia, não se aplica na hipótese julgada pela ADI 2182 7 : a modificação do projeto iniciado na Câmara dos Deputados se dera, no Senado Federal, basicamente pela pormenorização, adoção de uma técnica legislativa, em que o conteúdo se alterara muito mais no sentido formal do que material, razão pela qual não há motivo da volta do projeto para votação na Câmara dos Deputados. Na técnica da pormenorização, por exemplo, a redação do caput de um parágrafo é subdividido e o mesmo conteúdo passa a compor dois parágrafos. Nessa técnica, não existe alteração do conteúdo, mas, tão-somente, da forma. COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO PÚBLICO? 1. (PGE/ES/Procurador/2008) O fato de o governador haver sancionado a lei lhe retira a pertinência temática para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade. A assertiva foi considerada falsa, uma vez que a sanção do chefe do executivo, ao final do processo legislativo, não é capaz de convalidar qualquer tipo de vício existente na lei. Do mesmo modo, a pertinência temática não sofre qualquer alteração pela sanção da lei. 2. (TRF2/Juiz/2009) De acordo com a doutrina, quando o projeto de lei for modificado em sua substância pela casa revisora, a emenda deve retornar para a análise da casa iniciadora, sob pena de configuração de vício formal subjetivo, passível de controle de constitucionalidade. A assertiva foi considerada falsa, pois não se trata de vício subjetivo, mas de vício objetivo. 6. ADI 2867, julgada em 3/12/2003, Rel. Ministro Celso de Mello. 7. ADI 2182, julgado em 12/5/2010, Rel. para acórdão Ministra Cármen Lúcia, conforme noticiado no inf. 586 do STF.

Teoria geral do controle de constitucionalidade 59 c) Vício formal por violação a pressupostos objetivos do ato normativo: Tratam-se de elementos que não dizem respeito ao processo legislativo classicamente estudado, mas que são verdadeiros pré-requisitos (pressupostos) para que o ato ao final publicado não esteja eivado de inconstitucionalidade formal. Por exemplo, aprovação de uma Medida Provisória sem que haja relevância e urgência (art. 62 da Constituição Federal), bem como a criação de Município via lei estadual sem a presença da lei federal (art. 18, 4º, da Constituição Federal). Esses dois exemplos serão alvo de análise mais detalhada ao longo desta obra. 2.1.3. Vício de decoro parlamentar Trata-se de vício relacionado com o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas 8. Como exemplo, tem-se o esquema do mensalão, divulgado em jornais de todo o país. Não existe, até a presente data, jurisprudência do STF sobre a consequência das leis editadas com tal vício, mas Pedro Lenza 9 entende ser perfeitamente possível o reconhecimento dessa inconstitucionalidade ao fundamento de estar maculada a essência do voto e o conceito de representatividade popular. O principal instrumento para declaração dessa inconstitucionalidade é a Ação Direta de Inconstitucionalidade. COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO PÚBLICO? (STF/Analista/2008/modificada) O presidente da República promulgou a Lei W, de sua iniciativa, que cria uma rádio pública. Ocorre que a Lei W foi aprovada, pela Câmara dos Deputados, com a votação favorável de 200 deputados, sendo que, desses, pelo menos, 80 teriam recebido vantagens econômicas para votarem pela aprovação dessa lei. Com base na situação hipotética apresentada, julgue, a respeito do controle de constitucionalidade e do processo legislativo: ( ) A Lei W possui, de acordo com a doutrina, o chamado vício de decoro parlamentar, o que geraria sua inconstitucionalidade. Posteriormente, a questão foi anulada pelo CESPE, pelo equivocado uso da letra W, o que prejudicou o entendimento da assertiva, mas a questão foi considerada verdadeira. 8. Art. 55, 1º, da Constituição Federal de 1988. 9. LENZA, 2010, p. 211.

60 Bruno Taufner Zanotti 2.2. Inconstitucionalidade total ou parcial Essa classificação tem consequências diferentes, caso seja hipótese de inconstitucionalidade por ação ou por omissão. No caso de inconstitucionalidade por ação, se total, abrange toda a lei. Geralmente ocorre em vícios de iniciativa, vícios de competência ou, ainda, por veicular a lei, em sua totalidade, um conteúdo contrário à Constituição Federal. Nessas hipóteses não se aplica o princípio da divisibilidade da lei. Se a inconstitucionalidade for parcial, somente uma parte da lei está viciada e somente essa parte poderá ser objeto de controle de constitucionalidade, concretizando a aplicação do princípio da divisibilidade da lei. Na inconstitucionalidade por omissão, quando esta for total, não houve qualquer cumprimento do dever constitucional de legislar, como se dá no art. 37, inciso VII e no art. 18, 4, ambos da Constituição Federal de 1988, que, até a presente data, não foram regulamentados. Já a inconstitucionalidade por omissão parcial ocorre quando houve a regulamentação da norma constitucional de eficácia limitada, mas essa não foi suficiente para torná-la amplamente eficaz. Essa omissão pode ser: (a) parcial propriamente dita, em que a lei existe, mas regula o texto de forma deficiente, v.g., o art. 7, inciso IV, da Constituição, que trata do salário mínimo, é regulamentado por lei, mas esta é incapaz de abranger todos os direitos presentes no inciso; (b) parcial relativa, em que a lei existe, regula o direito de forma ampla, mas não abrange todas as pessoas (fere a isonomia), v.g., quando determinada lei prevê um benefício para uma categoria sem contemplar outra que também teria o direito 10. Não se pode, no caso de omissão parcial, declarar a nulidade do ato que regulamenta parcialmente a situação, pois agravaria o estado de inconstitucionalidade, mesmo que seja visível a violação ao princípio da igualdade 11. 10. Nesse ponto, a Súmula 339 do STF é de salutar relevância: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia. 11. Evidentemente, a cassação da norma inconstitucional (declaração de nulidade) não se mostra apta, as mais das vezes, para solver os problemas decorrentes da omissão parcial, mormente da chamada exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade. É que ela haveria de suprimir o benefício concedido, em princípio licitamente, a certos setores, sem permitir a extensão da vantagem aos segmentos