ANÁLISE OU INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DO DISCURSO?



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Transcrição:

ANÁLISE OU INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DO DISCURSO? SOBRE OS CONCEITOS DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO EM FAIRCLOUGH E WIDDOWSON Marcel Alvaro de Amorim (UFRJ) marceldeamorim@yahoo.com.br Chama-se análise do discurso parte da lingüística que determina as regras que comandam a produção de seqüências de frases estruturadas (Dubois et alii, 2006, p. 50). Chama-se interpretação a atribuição de um sentido a uma estrutura profunda (interpretação semântica) ou a atribuição de traços fonológicos e fonéticos a uma estrutura de superfície (interpretação fonética): a primeira dessas duas operações consiste em aplicar regras semânticas a uma estrutura profunda determinada; a segunda consiste em realizar pela fala (fonicamente) uma estrutura gramatical interpretada semanticamente (Dubois et alii, 2006; p. 350). INTRODUÇÃO Já é quase consenso entre os pesquisadores contemporâneos da linguagem a necessidade de enxergar o texto, o discurso, não só do ponto de vista estrutural, mas também como um produto localizado e determinado por fatores históricos e sociais. A análise do discurso, entre outros campos dos estudos da linguagem, tem exatamente a preocupação de conjugar o a análise das estruturas textuais com a percepção crítica sobre os modos de produção e circulação dos discursos, estes sempre considerados construtos sociais. Dentre os analistas do discurso mais comentados e estudados na atualidade, encontra-se Norma Fairclogh que, há pouco mais de duas décadas, vem procurado desenvolver um modelo teórico para analisar o discurso entendido como...o uso de linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variedades situacionais. (...) Isso implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as 1

pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação (Fairclough, 1994). Tal modelo de análise, esboçado em seu livro Discourse and social change (1992), tem conquistado adeptos, bem como chamado a atenção de críticos que procuram, através de sistematizações lógicas, desacreditar o método desenvolvido por Fairclough como princípio de análise. Dentre esses lingüísticas encontra-se Henry Widdowson, reconhecido por seu trabalho dentro do campo da Lingüística Aplicada e um dos precursores do método comunicativo do ensino de línguas. Para Widdowson o discurso deve ser entendido como um envolvimento pessoal, individual e não social. O sujeito, segundo esse autor, seria uma parte do processo de negociação de sentidos, parte de um ato elocutório. Ou seja, para esse autor, o termo discurso ou a linguagem consistiria em...uma combinação de ato elocutório que constitui uma unidade aceitável de comunicação. Isto é, dado o número de textos, todos os quais coesivos, o mais aceitável como unidade de discurso vai ser aquele que é mais coerente (Widdowson, 1978). Widdowson explicita sua opinião sobre o método de análise empregado por Fairclough ao publicar, ainda em 1992, sua resenha da obra Discourse and social change no periódico Applied Linguistics. Tendo como base os apontamentos levantados acima, o objetivo desse trabalho é, além de levantar o conceito de discurso para ambos os pesquisadores, discutir o conceito de análise desenvolvido por Norman Fairclough, levando em consideração as criticas levantadas por Henry Widdowson que apontam tal análise como mero exercício de interpretação não sistemática e, portanto, não científica. OS CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE PARA FAIRCLOUGH E WIDDOWSON A Análise Crítica do Discurso (ACD) surge na década de noventa, procurando ampliar os pressupostos, considerados limitados, de algumas teorias da Análise do Discurso (AD) que não 2

consideravam o papel central da linguagem nas relações de poder na sociedade (Cf. Fairclough, 2001). A ACD tem como principal objetivo estudar a linguagem como prática social e, para tanto, se interessa pela relação que há entre a linguagem, poder e sociedade. Entre os vários trabalhos publicados no início dos anos noventa tendo o trabalho de Van Dijk na revista Discourse and Society como um dos precursores foi publicado, em 1992, o livro Discourse and Social Change de Norman Fairclough. Desenvolvendo pontos superficialmente levantados em sua publicação anterior, Language and Power, o autor expande seu pensamento, apresentando pela primeira vez sua teoria crítica para análise do discurso. Em sua obra, Fairclough (2001) enxerga o discurso como uma prática ideológica 1 e política que auxilia no estabelecimento, na manutenção e na transformação das relações de poder assim como das entidades coletivas em que existem tais relações. Para analisar o discurso como uma prática social tanto política quanto ideológica, Fairclough (2001, p. 100) propõe um modo de análise tridimensional pautado em: a) análise textual, que verificaria fatores como a estrutura textual, coesão, gramática e vocabulário; b) análise discursiva, que seria focada na análise da produção, da distribuição e do consumo do texto, assim como das condições das práticas discursivas e; c) análise social, que se preocuparia em verificar a matriz social do discurso, as ordens do discurso e os efeitos ideológicos e políticos do mesmo, evocando claramente Foucault como um dos principais pressupostos teóricos. A análise textual preocupar-se-ia, basicamente, com a análise dos elementos sistêmicos, primordialmente lingüísticos dos discursos a serem analisados. Para a análise da prática discursiva, Fairclough baseia-se em uma tradição interpretativista de pesquisa visando tornar possível a análise da prática social como algo produzido e construído na interação, intertextualmente, procurando esclarecer como as vozes presentes num texto dialogam entre si e com outros 1 Fairclough (2001) entende por ideologia uma gama de sentidos naturalizados que são veiculados pelo discurso, operando a favor de certos grupos, ou seja, como formas e processos que visam manter certas relações sociais e valores. 3

textos num meio social (Cf. Fabrício, 2004). Por último, a análise da prática social teria como objetivo tornar clara a natureza social na qual a prática discursiva é constituída. Para o autor, ao sermos capazes de identificar tal natureza, nos tornaríamos capazes de entender por que a prática discursiva é como é, entendendo também os efeitos dessa prática discursiva sobre a prática social (Fairclough, 2001, p. 289). É contra esse modo de análise que discursa Widdowson (1992) ao realizar uma resenha de Discourse and social change para o periódico Applied Linguistics, em 1992. Considerando o livro de Fairclough como ambicioso e audacioso, Widdowson se propõe a comentar o modelo de análise apresentado por Fairclough que, segundo ele, é mais sociológico ou sócio-político do que propriamente lingüístico, dado que Fairclough preocupa-se mais com a prática social do que com o texto em si. Widdowson (1995, p. 512) começa sua crítica ao modo tríade de análise chamando atenção para o que ele considera ser inexplicações por parte de Fairclough. Em sua resenha, levanta o fato de que questões como: a diferença entre dimensões textuais e funções textuais; a diferença entre a estrutura textual e a coesão; como o discurso é um elemento por si mesmo, etc., não são respondidas na obra de Fairclough, deixando o leitor na escuridão. O autor considera difícil, dado a grande proliferação de termos na obra de Fairclough, identificar quais conceitos são relevantes e quais são repetições das mesmas coisas. Por fim, assume a postura de que tentar estabelecer os significados desses conceitos seria um processo frustrado, o que torna a teoria de Fairclough elusiva, e chega a conclusão de que todo o primeiro capítulo da obra resenhada teria sido concebido como uma forma de introduzir os leitores à aceitação das descrições textuais oferecidas na segunda parte de Discourse and Social Change. Na continuação de sua resenha, Widdowson apresenta uma crítica quanto ao modo de análise empregado na segunda parte do livro de Fairclough. O autor considera as análises apresentadas na 4

obra de 1992, como interpretações 2, não como análises 3, ao postular que todo método analítico deve ser determinado por um modelo teórico, modelo esse que considera falho ou inexistente na obra resenhada. Nesse ponto, Widdowson critica o discurso analítico de Fairclough por sua falta de objetividade, por ser de natureza interpretativa e descritiva, estando ao lado de uma causa, carregando também convicções como os discursos analisados pela ACD e, por isso, não considera a teoria de Fairclough como compreensível e coerente. É notável no discurso de Widdowson, ao considerar as análises apresentadas por Fairclough, a presença de uma visão positivista de pesquisa, que busca separar o sujeito do mundo em que está inserido, procurando garantir objetividade científica (Moita Lopes, 2006, p. 24). Widdowson (1995: 513) questiona, então, a necessidade de uma teoria social do discurso para embasar o tipo de trabalho de interpretação que Fairclough apresenta em Discourse and Social Change e credita à aclamação deste para que seu trabalho seja reconhecido como teórico como um dos pontos fracos da obra que, segundo Widdowson, promete mais do que necessariamente entrega. As críticas de Widdowson não passaram despercebidas por Fairclough que decidiu, então, responder a resenha do primeiro no periódico Language and Literature. A resposta de Fairclough a Widdowson concentra-se, principalmente, na acusação do primeiro de que a ACD seria mais um exercício de interpretação do que propriamente uma análise e acusa Widdowson de confundir dois sentidos diferentes de interpretação: a) interpretação como parte inerente do uso da linguagem, realizada por todos - inclusive pelos analistas -, sendo um processo de construir sentidos com/dos textos escritos ou falados -; b) interpretação como a busca por conecções entre as propriedades textuais e as práticas de interpretação situadas em um espaço sócio-cultural particular, empregada por analistas. Fairclough chama atenção para o fato de que o primeiro modelo de interpretação faz parte, também, do segundo modelo e, 2 Entendido por Widdowson como uma questão de significados particulares convergentes como tendo algum tipo de validade privilegiada (Widdowson, 1995). 3 Por análise, Widdowson entende a demonstração de diferentes interpretações do que pode ser selecionado como evidência em dados lingüísticos (Widdowson, 1995). 5

mesmo assumindo que a ACD procura trazer a tona as relações entre a pratica social, as relações de poder e a ideologia, sendo ela também emergida numa conjuntura política particular, nega a afirmação de Widdowson de que suas análises favoreceriam meras interpretações particulares. Fairclough (1996: 51) afirma, também, que a ACD não é somente um exercício de interpretação no sentido apontado por Widdowson (1992) e postula a visão de análise defendida pelo segundo como estreita, clamando que a ACD não poderia assumir a visão de Widdowson por seu modelo analítico não suprir os objetivos da ACD. Fairclough vai além ao argumentar que nem a lingüística do texto tradicional baseia-se no modelo teórico de análise defendido por Widdowson e alega que, se interpretarmos análise como uma aplicação sistemática razoável de procedimentos razoavelmente bem definidos em dados também razoavelmente bem definidos, a ACD pode ser entendida como análise, já que oferece um modelo de procedimentos analíticos aplicáveis sistematicamente a vários tipos de dados. Em sua resposta, Fairclough pontua, também, a importância do reconhecimento, por parte dos analistas críticos do discurso, de que a ACD também é comprometida ideologicamente, porém não enxerga tal comprometimento como prejudicial, conforme apontado por Widdowson (1992). Fairclough (1996) não vê essa posição de comprometimento como tendida a favorecer certos tipos de interpretação e clama aos praticantes da ACD a explicitação de seus comprometimentos políticos, pois, assim como Widdowson, esses também escrevem de práticas discursivas particulares, desenvolvendo interesses particulares, compromissos, inclusões, exclusões e etc. E é essa autoconsciência do próprio comprometimento político em suas análises que tornaria, segundo Fairclough (1996), a ACD um lugar melhor. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a exposição teórica apresentada acima, conclui-se que as críticas de Widdowson direcionadas ao lingüista Norman Fairclough tem origem no conceito de discurso defendido por cada 6

um ao longo de seu trabalho. Ou seja, ao propor o discurso como um jogo de compreensão de significados num ato comunicativo, Widdowson escolhe deixar de lado o social em seu método de análise, privilegiando os aspectos intrinsecamente textuais como os marcadores de coesão e, principalmente, os indicadores de coerência. Já Fairclough ao propor um modelo de análise que se preocuparia não somente com o textual e o discursivo, mas também com o social, procura desenvolver um método de análise tríade que dê conta de tal proposta ao englobar os três fatores constituintes de sua concepção de discurso. Como exposto no texto, é essa fuga do material textual para abranger o social que preocupa Widdowson, originando as críticas apresentadas acima já que o autor considera superficial a abordagem dada por Fairclogh à fatores intrinsecamente textuais promotores de coesão e coerência. É importante ressaltar que o método tríade de análise de Fairclough, hoje já mundialmente conhecido, continuou a ser desenvolvido dando origens a outros livros do autor e de outros autores que, como Fairclough, procuram entender a relação entre o discurso e o mundo social no qual vivemos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUBOIS, J. GIACOMO, M. GUESPIN, L. MARCELLESI, C. MARCELLESI, J. MEVEL, J. Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix, 2006. FABRÍCIO, Branca F. Mulheres emocionalmente descontroladas: identidades generificadas na mídia contemporânea? Revista D.E.L.T.A.: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada: PUC-SP, vol. 20 (2), 2004, p. 235-263. FAIRCLOUGH, N. Discourse and social change. Cambridge: Polity Press, 1999. FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. 7

MOITA LOPES, L. P. Uma lingüística aplicada mestiça e ideológica: interrogando o campo como um lingüista aplicado. In. MOITA LOPES, L. P. (org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. WIDDOWSON, H. Discourse analysis: a critical view, Language and Literature 4 (3): 157-72. WIDDOWSON, H. Review of Fairclough: Discourse and social change, Applied Linguistics 16 (4): 510-516, 1992. WIDDOWSON, H. Teaching English as communication. Oxford: Oxford University Press, 1978. 8