XIII SUSTENTABILIDADE. Embora a expressão desenvolvimento sustentável traduza preocupações. crescentes, existem grandes riscos da sua banalização.



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Transcrição:

Embora a expressão desenvolvimento sustentável traduza preocupações crescentes, existem grandes riscos da sua banalização. Esta tendência conduz à adulteração do significado que presidiu à sua génese e representa a existência de contradições quanto à maneira de o medir e de o realizar. Confunde-se desenvolvimento sustentável e desenvolvimento sustentado, este último surgido em meados do século passado com forte cariz económico-financeiro. Isto significa que em nome da sustentabilidade não podem ser resolvidos problemas conjunturais sem objectivos a mais longo prazo. Como se transpõe então esta ideia no sentido da sustentabilidade da área metropolitana de Lisboa? Três valências servem de alicerce a uma resposta. A primeira assenta no reconhecimento de que a Natureza foi generosa ao oferecer, sem contribuição do trabalho humano, um capital natural de excepcional valor. A segunda associa-se à ideia de que a apropriação deste território conduziu à acumulação de exemplares valiosos de um património construído, fruto da acção das gerações que construíram Lisboa e os seus termos, urbanos, agrícolas e florestais. Por último, a da dinâmica dos grupos políticos e sociais, principal realidade geradora das diferentes oportunidades de desenvolvimento mas susceptível, pelo contrário, de poder criar dinâmicas destruidoras da coesão social. Na perspectiva transdisciplinar que caracteriza o conceito de sustentabilidade, este capítulo do Atlas da área metropolitana de Lisboa pretende contribuir para que trunfos e estrangulamentos, ameaças e SUSTENTABILIDADE tendências, oportunidades existentes ou a criar, possam ser objecto de geo-referenciação, no sentido de localizar para decidir e optar pelos cenários mais desejáveis. XIII

Vantagens COMPARATIVAS E COMPETITIVAS da área metropolitana de Lisboa João Reis MACHADO Doutorado em Ciências do Ambiente (Área do Ordenamento do Território) Investigador Principal, Instituto Geográfico Português Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Univ. Nova de Lisboa. 1. TRUNFOS Importa contrapor às correntes mais pessimistas a ideia de que Portugal não é um país periférico, sem possibilidades de competição. Na realidade ele tem condições para ser geograficamente cada vez menos periférico em relação à Europa, tendo igualmente condições para melhorar a sua centralidade, no cumprimento das suas vocações históricas nas rotas do Mediterrâneo, do Oriente, do Norte e do Sul do Atlântico. Ao conceito de vantagens comparativas, desenvolvido por David Ricardo, devemos agregar o das vantagens competitivas que Michael Porter recomendou há alguns anos para Portugal. As primeiras são-nos em grande parte oferecidas pelo capital natural e patrimonial; as segundas conquistam-se, dependendo da vontade de bem gerir o que existe e de abrir novas oportunidades através da inovação. Contribuições teóricas actuais, como as que foram encomendadas e recomendadas por este autor no seu trabalho sobre as vantagens competitivas de Portugal, constituem exemplos de trunfos culturais, potenciadores incontornáveis do desenvolvimento sustentável. Embora nem tudo o que falta se possa fazer ao mesmo tempo, a experiência mostra que o desenvolvimento não depende só do crescimento económico, mas que resulta do progresso, conduzido com persistência e coordenação em todos os sectores. As vantagens comparativas podem assim ser dadas como adquiridas, embora resultem da existência de valores naturais e construídos, limitados, frágeis e perecíveis. As vantagens competitivas resultam na maior parte dos casos de valores imateriais que são, principalmente, os trunfos políticos e sociais, os trunfos económicos, os trunfos culturais. Todos eles fazem parte de um único sistema onde, por definição, predominam as interdependências. grande importância no contexto da rede hidrográfica peninsular; A morfologia do solo, valorizadora da paisagem, de cenários e de pontos de vista, as linhas de festo e os vales, as barreiras naturais indissociavelmente ligadas a acontecimentos históricos decisivos que, como as Linhas de Torres, contribuíram para a história da Europa e da defesa da soberania nacional; Os recursos geomorfológicos através dos quais se opera a recarga das águas subterrâneas, os vales aluvianares, o Maciço Eruptivo de Sintra, exemplo único de granitos nesta região, sobressaindo das plataformas calcárias que o rodeiam, os solos de grande capacidade para a agricultura, as grutas e arribas do litoral, entre elas a Arriba Fóssil da Costa da Caparica, uma das cinco Áreas Protegidas. Para além dos factores humanos, as condições naturais oferecidas encontram-se de facto na origem dos outros trunfos que a seguir irão ser mencionados. Programar o futuro por meio do planeamento e da redução do grau de incerteza Fotografia XIII.1 Serra de Sintra. Castelo dos Mouros. 2001 Acaso Estratégia, estrutura e competição empresarial Fotografia XIII.2 A cidade de Lisboa vista do Tejo. 1998 Fotografia XIII.3 Os flamingos do Estuário do Tejo. 2001 Objectivos individuais e das empresas Estratégias empresariais Trunfos naturais Os valores naturais ainda existentes são consideráveis. Para além do clima, que contrasta com a hostilidade das condições atmosféricas de outros países, muitos outros valores devem ser mencionados: Cinco Áreas Protegidas, entre elas o Estuário do Sado e o Estuário do Tejo; este último, o mais amplo estuário da Europa que mereceu ser abrangido pela Convenção de Ramsar; Outros valores naturais ainda não protegidos, alguns dos quais já identificados no âmbito do Programa Natura 2000; A biodiversidade, que se traduz em densidades muito elevadas de espécies, da fauna e da flora, em contraste com o que se passa com o declínio acentuado das espécies na maior parte da Europa industrializada; A rede hidrográfica a Norte e a Sul do Tejo, as superfícies húmidas, os rios e as ribeiras que em grande número existem em todo o território da área metropolitana. O Oceano, os solos irrigados pelo Tejo e pelo Sado, os seus tributários, surgem como recursos de Recursos Humanos Naturais Ciência e Tecnologia Custos Energéticos Capital Infra-estruturas Características dos Factores Importantes clusters regionais Interligação entre indústrias relacionadas Indústrias motoras em cada cluster Indústrias relacionadas e de suporte Características da Procura Governos Procura exigente (individual e industrial) Decisões fundamentadas Figura XIII.1 Desafios determinantes das vantagens competitivas [adaptação do Modelo do Diamante de Michael Porter]. 1994 XIII SUSTENTABILIDADE 295

Fotografia XIII.4 Praia da área metropolitana de Lisboa. 1998 Trunfos construídos Um dos capítulos deste Atlas aborda o tema do património construído e da sua relação com as preocupações, actualmente crescentes, no sentido de conseguir a persistência ou a criação de novas identidades. Industrialismo e terciarização, migrações internas e transfronteiras, crescimento urbano e peri-urbano, desurbanização, polarização, urbanização difusa, são fenómenos de grande intensidade que coexistem. Eles são, simultaneamente, causas e efeitos de desequilíbrios na qualidade de vida e de uniformização, em aspectos não desejáveis da sociedade global. A esta uniformidade insustentável opõe-se a diversificação, como um dos factores determinantes da competitividade. Territorializar significa, de facto, a existência de um passado, de um presente e de um futuro. As raízes dos valores mais estimulantes da História e da Cultura encontram-se presentes, ao longo do tempo, na base dos comportamentos, do equilíbrio psicológico, e alimentam a convergência das vontades individuais e colectivas, indispensáveis à construção deste presente e do futuro. A sustentabilidade da área metropolitana de Lisboa encontra-se assim indissoluvelmente dependente das atitudes a tomar perante os valores construídos, não apenas os que nos são oferecidos pelos séculos passados mas, igualmente, aqueles que agora vão sendo preparados para as gerações futuras. Mapa XIII.1 Localização das fortificações das Linhas de Torres. Século XIX Fotografia XIII.5 Terreiro do Paço. Exemplo histórico, arquitectónico e urbanístico de importância europeia. 1998 Fotografia XIII.6 Serra de Sintra. Palácio da Pena (séc. XIX). 2001 Fotografia XIII.7 Vila de Sintra. Palácio da Vila (séc. XIX). 2001 296

Trunfos políticos e sociais Algumas teorias defendem que as sociedades evoluem inevitavelmente por degraus e que, no percurso que separa a fase agrícola e tradicional da fase da maturidade e da era do consumo de massa, o aparecimento de uma geração preocupada em afirmar não apenas a sua independência, mas também disposta a criar uma sociedade moderna, constitui um factor essencial na mobilização de todos os talentos, recursos e potencialidades. As críticas a um tal modelo salientam, entre outros aspectos, o quanto é indesejável a meta final do consumo de massa, estádio associado ao determinista e já desmentido fim da história (Fukuyama, 1992). O que parece não haver dúvida, porém, é que se torna necessária a existência de uma ou mais gerações que, depois de provocarem o arranque, conseguem manter o desenvolvimento das actividades motoras que induzem cadeias de outras actividades, geradoras de convergências reais. Serão assim atingidos os indicadores que caracterizam as metas desejáveis para os modelos das sociedades mais desenvolvidas. Lisboa constitui plataforma privilegiada de ligações internacionais, tendo Portugal aumentado a sua visibilidade internacional, em grande parte devido à sua História e pelo facto de ser membro da União Europeia. A proximidade entre as duas nações ibéricas e o desaparecimento das fronteiras comuns constitui um grande desafio. Salvaguardadas as identidades nacionais, esta liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e capitais, permite tirar partido das vantagens comparativas e competitivas conjuntas, sem prejuízo do estabelecimento e reforço das ligações com outros países, quer europeus, quer de outros continentes, com os quais também existe uma muito antiga tradição de ligações históricas, políticas, sociais e culturais. Neste âmbito internacional, Portugal tem igualmente procurado como objectivo o reforço das ligações com a comunidade portuguesa, espalhada por todos os continentes. É de facto especialmente importante, como membro das Nações Unidas, a sua posição de interlocutor preferencial na discussão e harmonização dos interesses em que ocupam posição central os que se relacionam com as nações de língua portuguesa. Políticas semelhantes têm sido adoptadas por outros países europeus aos níveis nacional e regional. Neste sentido, a área metropolitana de Lisboa tem mantido um amplo leque de cooperações internacionais, entre as quais as técnicas e científicas, com regiões possuindo princípios, valores e problemas comuns, nomeadamente, regiões metropolitanas e regiões que dispõem de importantes estuários. A competitividade a existir resulta, sobretudo, do aparecimento de uma ou mais gerações em que os diversos agentes políticos e sociais são capazes de inovar e de integrar os novos métodos e as novas tecnologias, como recomenda Michael Porter, nos processos tradicionais. E tal como acontece com os países, a competitividade entre regiões não se mede, hoje, pela dimensão dos seus territórios, pelo número dos seus habitantes, pelas taxas de urbanização ou pela dimensão do parque automóvel. Mede-se através de indicadores compostos, como começa a acontecer com o índice de desenvolvimento adoptado pelas Nações Unidas, em que se verifica já a presença de factores imateriais, como a saúde e a educação. Outros trunfos encontram-se dependentes destes últimos, como sejam as capacidades de estabelecimento de relações e fluxos de diversa natureza, não na perspectiva da filosofia mercantilista e especulativa dos séculos anteriores, em que para haver quem ganhe tem que haver quem perca, mas na perspectiva da subsidiariedade, na base de acordos e de alianças, entre regiões e respectivas instituições, do reforço das coesões sociais e políticas. Trunfos económicos Os modelos de localização das actividades económicas continuam a distinguir diversos factores relacionados com os recursos humanos, os recursos naturais, os capitais, as tecnologias. Lisboa dispõe de potencialidades importantes em alguns destes domínios, que permitem competir com outros centros europeus e peninsulares. A disponibilidade de uma organização territorial eficaz tem sido considerada essencial para uma articulação coerente entre todos estes factores. A ideia central de um tal modelo assenta na interacção de cinco processos fundamentais que em conjunto concorrem para modelar a evolução económica e social, a médio e a longo prazo, na sua aplicação sobre o espaço geográfico: A localização das actividades; O funcionamento espacial dos mercados de trabalho; O suporte fornecido pela rede de transportes e de telecomunicações; Os serviços prestados pelos equipamentos sociais; A preservação dos valores naturais. A Grande-Lisboa, a Norte, com o seu Parque de Ciência e Tecnologia (TagusPark), e a Península de Setúbal com o seu Parque Industrial da AutoEuropa são exemplos da emergência de pólos de atracção estruturantes, embora não claramente precedidos de um planeamento regional, tal como aconteceu noutras áreas metropolitanas europeias exemplares. Outros trunfos económicos estratégicos existirão porém, no que se refere à localização de novas indústrias e serviços, ligados a vocações e a infra-estruturas existentes. Fotografia XIII.8 Parque Industrial AutoEuropa. Vista aérea. 2002 Lisboa, como região-capital internacional, oferece algumas condições para poder aumentar as suas vantagens competitivas e candidatar-se, equitativamente, a uma quota parte de sedes de empresas, nomeadamente, de sedes das instituições europeias. A negociação sobre a localização da Agência Europeia do Mar é um bom exemplo. Diversos trunfos específicos, com grande importância económica, merecem ser salientados, entre eles as infra-estruturas de ligação ao exterior, a agricultura metropolitana vocacionada para produtos de qualidade, o turismo como actividade indutora de numerosas outras actividades económicas e culturais. Fotografia XIII.10 Parque de Ciência e Tecnologia. TagusPark. Núcleo Central. 2001 Fotografia XIII.11 Porto de Lisboa. Movimento de mercadorias. 2001 Fotografia XIII.9 Parque Industrial AutoEuropa. 2002 XIII SUSTENTABILIDADE 297

Mapa XIII.2 Localização de Portugal no quadro geopolítico mundial

Fotografia XIII.12 Porto de Lisboa. Movimento portuário. 2002 Trunfos em infra-estruturas de ligação ao exterior Três portos com excelentes potencialidades atlânticas, que são Lisboa, Setúbal e Sines, todos eles localizados à ilharga de uma das principais rotas mundiais do transporte marítimo; Uma rede de auto-estradas em vias de conclusão inseridas nas grandes estradas de tráfego europeu; Um nó ferroviário que está a ser objecto de anunciados melhoramentos, quer com possibilidades de constituir um terminal de alta velocidade a nível europeu, quer ao nível interno regional a Norte e a Sul do Tejo; Um aeroporto internacional em franca expansão que constitui já um centro de ligações inter-modais com vocação intercontinental. Fotografia XIII.13 Porto de Lisboa. Doca. 1998 Fotografia XIII.15 Rede Rodoviária Nacional. Nó de ligação. 1998 Figura XIII.2 Aeroporto de Lisboa. Ortofotomapa. 1998 Fotografia XIII.14 Porto de Lisboa. Movimento de mercadorias Fotografia XIII.16 Porto de Lisboa. Movimento de passageiros XIII SUSTENTABILIDADE 299

Trunfos agrícolas e florestais Esta será talvez uma ideia inovadora entre nós porque não tem tido apoio, nem tão pouco se encontra generalizada. Contudo, tem sido recomendada a nível internacional, nomeadamente na II Conferência das Nações Unidas sobre Estabelecimentos Humanos, realizada em Istambul em 1996. A existência de capacidades edafo-climáticas, com um conjunto conhecido de vocações e especializações nos domínios agro-florestais, permite afirmar que existem na Região de Lisboa e em Portugal factores que tornam indispensável a preparação cuidadosa e o exercício destas actividades. Entre os territórios de grande capacidade para as actividades agrícolas e pecuárias devem ser destacadas as lezírias do Tejo e do Sado, os muitos milhares de hectares da Companhia das Lezírias, territórios de grande beleza e valor ecológico, caracterizados por produções de elevada qualidade. Fotografia XIII.18 Campo agrícola a Sul do Tejo. 1998 Fotografia XIII.20 Superfícies húmidas. 2001 Fotografia XIII.17 Montado a Sul do Tejo. 2002 Trunfos turísticos O turismo e as estadias de carácter profissional são actividades que envolvem, directa e indirectamente, mais de 10% da população activa portuguesa, contribuindo com uma quota parte considerável para a formação do produto nacional. Lisboa ocupa lugar cimeiro na estatística do número de estrangeiros que visitam o nosso país. A sua importância resulta da variedade, qualidade e quantidade de condições oferecidas clima, património cultural e natural, hotéis, centros de congressos, sedes de empresas, universidades, parques de ciência e tecnologia. Constituindo uma actividade transversal, depende não só de equipamentos específicos, como também do envolvimento, humano, natural, histórico, construído, nomeadamente dos transportes, das comunicações, da segurança. Lisboa, devido às capacidades instaladas e às suas potencialidades, resolvidos os estrangulamentos existentes, alguns dos quais irão a seguir ser mencionados, poderá continuar a aumentar a sua importância como pólo de atracção internacional. Fotografia XIII.19 Costa de Caparica. 2002 Fotografia XIII.21 Sesimbra. Marina. 1998 300

Figura XIII.3 Lisboa. Parque das Nações. Ortofotomapa. 1998 Fotografia XIII.22 Lisboa. Parque das Nações. Oceanário. 1998 desses territórios. A importância deste património revela-se não apenas no contexto local, mas muitas vezes, também, aos níveis de interesse regional, nacional e internacional. A serra de Sintra é um desses exemplos, que devido a um conjunto de monumentos de épocas variadas, inseridos num meio natural invulgar, mereceu a classificação pela UNESCO de Património Mundial da Humanidade (1995). Muitos monumentos que se localizam a Norte e a Sul do Tejo, embora com características diferenciadas, pré-históricas ou contemporâneas, eruditas ou não, agrícolas ou industriais, encerram memórias que não são esquecidas pela população, e que constituem, em vários casos, testemunhos da cultura portuguesa e europeia, da sua influência e expansão em todos os continentes. Outros trunfos culturais verificam-se no domínio da educação. A experiência mostra que, apesar das muitas vicissitudes que têm sido reveladas, algumas universidades e institutos com prestígio internacional estão a dar resposta de forma crescente a necessidades críticas no que se refere a profissionais competentes, capazes de ingressar com sucesso na investigação, na produção, no ensino; em síntese, no mercado de emprego público e privado. Apesar das estatísticas referirem valores ainda elevados de analfabetismo, de abandono e de iliteracia, diversos problemas críticos revelam-se também na existência de muitos valores individuais subaproveitados ou mesmo não utilizados por serviços públicos e privados administração pública, empresas antiquadas e mal geridas. E a experiência diz-nos ainda que vários indicadores muito positivos existem, como é o caso do número de estudantes e profissionais portugueses em actividade noutros países, que se colocam, quase sempre, entre os melhores. Tal como é revelado por alguns estudos prospectivos, outros trunfos culturais devem ser salientados, nomeadamente o facto da população estar a consumir de forma crescente os produtos oferecidos pelos espaços e actividades culturais e de tempos livres: actividades promovidas por museus, onde se guardam e mostram exemplares únicos de valor europeu, actividades realizadas por bibliotecas, salas de concerto, recintos de tempos livres e de espectáculos. A sede em Lisboa do legado de Calouste Gulbenkian é um dos exemplos do conjunto de fundações de grande importância já criadas ao longo do tempo. Tudo são factores que devem ser relacionados entre si na perspectiva da promoção cultural e das vantagens comparativas desta área metropolitana. Ao nível de cada um dos outros concelhos desta região têm-se multiplicado as iniciativas de carácter cultural, que permitem a consolidação da diversidade dos seus valores, quer naturais quer construídos. Fotografia XIII.24 Lisboa. Teatro de S. Carlos. Um dos principais teatros de ópera europeus. 2001 Fotografia XIII.25 Faculdade de Ciências da Universidade Técnica de Lisboa. Antigo Colégio dos Nobres (séc. XVIII). 2001 A possibilidade de criar percursos e corredores estruturantes atraentes, ligando os patrimónios culturais e naturais, quer por estrada, quer por outros caminhos não acessíveis aos transportes motorizados e apenas permitidos a peões, ciclistas e cavaleiros, constituem uma associação de trunfos bióticos e abióticos Trunfos culturais Os trunfos culturais de que dispõe esta área metropolitana resultam do seu património natural e edificado, mas igualmente dos acontecimentos e actividades que se vão sucedendo: de criação científica, artística e profissional. Resulta ainda de outros muitos factores, entre os quais os comportamentos quotidianos das pessoas e instituições. Trata-se assim de um domínio complexo e abrangente, em que os inventários dos patrimónios natural e edificado são talvez as contribuições mais acessíveis e passíveis de consensos. Lisboa contém de facto um património histórico e cultural valioso, em termos quantitativos e qualitativos. De acordo com a investigação por nós realizada, na sua totalidade foram identificados e geo-referenciados perto de 6 000 elementos, um terço dos quais se localizam na cidade de Lisboa. Os restantes dezoito municípios apresentam, quando comparados entre si, uma distribuição desigual mas em todos eles se encontram exemplares únicos, de grande valor, que simbolizam e fazem perdurar tradições, actividades e vocações específicas de cada um Fotografia XIII.23 Monte da Caparica. Campus da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. 2002 XIII SUSTENTABILIDADE 301

inter-relacionados, na perspectiva do ordenamento, da promoção cultural, da criação de sinergias económicas, da competitividade e da sustentabilidade. A Cidade de Lisboa foi distinguida em 1994 com o estatuto de Capital Europeia da Cultura. Porque não começar desde já a planear esta Área Metropolitana para distinção idêntica, propondo-se que para tal sejam criadas na Europa condições para semelhantes candidaturas? Mapa XIII.3 Alunos matriculados no ano lectivo de 1998/1999 Fotografia XIII.26 Actividades de tempos livres. Ponte Vasco da Gama. Meia Maratona. Vista aérea. 2001 Fotografia XIII.27 Actividades de tempos livres. Ponte Vasco da Gama. Meia Maratona. 2001 Mapa XIII.4 Estabelecimentos de ensino no ano lectivo de 1998/1999 302

2. ESTRANGULAMENTOS Sob o ponto de vista da organização espacial, Lisboa tem-se expandido em redor da Baixa Pombalina e estuário do Tejo e, simultaneamente, ao longo dos principais eixos rodoviários. Os espaços interiores às malhas assim definidas vão sendo urbanizados, o que conduz à formação de uma imensa e desordenada expansão urbana, com o despoletar de aglomerados urbanos pontuais nas coroas rurais mais afastadas do centro. Esta situação é comprovada por diversos estudos, nomeadamente por observação comparada das imagens satélite que captaram a evolução dos últimos decénios. É um fenómeno dinâmico que se inicia com maior intensidade em Lisboa no final dos anos 1950 e que segue o modelo igualmente verificado no século XIX nas áreas metropolitanas de outros países, nomeadamente no Reino Unido, em Londres, em Liverpool, em Manchester, em Glasgow, em resultado dos efeitos perversos da segunda revolução industrial, numa época em que o planeamento urbanístico ainda não existia como disciplina técnica e científica. Simultaneamente, observa-se a densificação das áreas centrais desta imensa Metrópole, quer em termos de renovação urbana (com grandes aumentos de densidade de construção), quer em termos da urbanização dos terrenos expectantes. Face ao desequilíbrio dos preços do solo e das rendas habitacionais, e às incompatibilidades entre a qualidade dos bairros residenciais tradicionais e o crescimento de escritórios e de comércios em antigas habitações, de armazéns, de automóveis, de garagens transformadas em oficinas, Quadro XIII.1 Evolução da população activa portuguesa por sectores de actividade. 1890/1991 Primário Secundário Terciário Total (%) (%) (%) Milhões 1890 61,9 17,7 20,4 2,5 1900 62,4 18,5 19,1 2,4 1911 57,8 21,5 20,7 2,5 1930 51,2 18,6 30,2 2,6 1940 53,2 20,1 26,7 2,9 1950 50,0 23,7 26,3 3,1 1960 44,7 28,3 27,0 3,3 1970 32,1 31,9 36,0 3,1 1981 19,4 39,1 41,5 3,6 1991 10,5 38,5 51,0 4,4 surge a expulsão da população residente das classes médias e mais favorecidas, a desertificação das áreas centrais, o fenómeno plurifacetado da peri-urbanização. Numa área metropolitana que cresce sem estrutura de cidade, são simultaneamente elevadas as necessidades de renovação urbana e de infra-estruturas, quer nas áreas centrais quer nas áreas suburbanas. As receitas dos municípios encontram-se em grande parte dependentes, entre outras taxas, da concessão de licenças de loteamento, de licenças de obras de urbanização e da execução de obras particulares. Os municípios mais desfavorecidos aspiram naturalmente a dispor de novas rodovias e frentes de urbanização, especialmente aqueles municípios que dispõem nos seus territórios de grandes percentagens de reservas naturais e de áreas protegidas. As últimas alterações introduzidas na Lei das Finanças Locais não garantiram ainda as medidas de equidade necessárias que permitam garantir a autonomia financeira dos municípios, face à expansão urbana e à sustentabilidade dos valores naturais. Encontramo-nos assim perante estrangulamentos de ordem estrutural: perante mutações brutais e muito rápidas entre os três sectores de actividade (o sector primário ocupava no País 45% da população activa de 1960), a evolução da economia, ao contrário do que aconteceu nos outros países europeus mencionados, não foi acompanhada por medidas compensatórias de ordenamento do território e de urbanismo. Recorde-se que em 1964 foi concluído o primeiro Plano para a Região de Lisboa e que só cerca de trinta anos depois surgiu um novo Plano para a Área Metropolitana (1992), de resto também não aprovado. Mais recentemente é elaborado um novo Plano, cuja aprovação pelo Governo teve lugar em 8 de Abril de 2002. Desta evolução resultam graves estrangulamentos no funcionamento de serviços e circulações internas, elevadas carências em equipamentos urbanos diversos, e muito provavelmente elevadas des-economias. Os estudos necessários não se encontram realizados mas é admissível a hipótese de que, tendo em perspectiva o primado do interesse público, tais estrangulamentos e disfunções representem um saldo custo-benefício muito negativo, conferindo a áreas metropolitanas como Lisboa um estatuto de centros poderosos geradores de inflação. Estrangulamentos funcionais e financeiros O prosseguimento das tendências verificadas na evolução da estrutura existente tem implicado o crescimento das necessidades: de serviços públicos e privados, de meios humanos, de quadros e agentes, de edifícios e instalações públicas, de suportes logísticos vários, o recurso infindável a infra-estruturas de grande porte para manter o sistema em funcionamento, atrasando nalguns Figura XIII.4 População activa por sector de actividade para Portugal. 1890/2001 casos, temporariamente, a sua rotura. Este crescimento constitui um risco, em que as variáveis relativas à procura, à oferta e aos preços, são de natureza exponencial, com todas as consequências negativas que lhe são inerentes. Sabe-se que os fenómenos de natureza exponencial não perduram indefinidamente, e que ao seu desaparecimento se sucedem situações de depressão. Na realidade, existem modelos analíticos que descrevem a dinâmica dos sistemas metropolitanos e que identificam a existência de poderosos multiplicadores na origem destes crescimentos exponenciais. De acordo com estes modelos, os empregos criados em sectores básicos são considerados como variáveis exógenas que, por sua vez, determinam o aparecimento de actividades em sectores não básicos ou residenciais, uns e outros geradores de necessidades de habitações, de equipamentos vários, de maiores extensões de solos urbanizados, com oscilações por vezes gravosas para os mercados fundiários e imobiliários. Na medida em que a expansão não é organizada, crescem, simultaneamente, as necessidades de mobilidade das populações, e as novas acessibilidades, criadas para lhes dar resposta, fragmentam o território e geram adicionais frentes de urbanização. Agravam-se assim as concentrações sem que, neste processo, intervenham orientações efectivas de ordenamento e de urbanismo. Se há equipamentos urbanos com exigências muito elevadas, no que se refere às dimensões mínimas que os viabilizam, e que por isso exigem e beneficiam de uma tal concentração, outros caracterizam-se por limiares e capacidades de carga limitados, e que cedo revelam efeitos muito negativos, geradores de intensos congestionamentos. Daqui resultam disfunções e, consequentemente, pesados custos políticos, económicos e humanos. Entre os equipamentos de maiores exigências na dimensão das populações-base, citam-se as grandes superfícies comerciais; entre os segundos, citam-se os hospitais, os centros de saúde, as escolas, as universidades, as administrações públicas várias, os tribunais, as polícias. Quanto às infra-estruturas necessárias a um tal crescimento, elas dizem respeito ao abastecimento de água e de energia, ao saneamento básico, às telecomunicações, à circulação rodoviária, ferroviária, fluvial. Todas elas caracterizam-se por capacidades e custos que obedecem a uma evolução por limiares. Uma das situações mais evidentes é visível no sector dos transportes. Lisboa dispõe actualmente de uma rede de radiais e circulares, em que predominam os movimentos em direcção ao centro, movimentos que envolviam no início da actual década valores da ordem das muitas centenas de milhar de pessoas por dia. Em comparação com o caminho de ferro, verifica-se que estas deslocações se realizam sobretudo pelo modo rodoviário, sendo o concelho de Lisboa o mais importante pólo de emprego regional. Os estrangulamentos estruturais apontados a sobre-ocupação das áreas centrais, as novas expansões que acompanham as novas vias, a falta de ligações secundárias, e todas as expansões urbanas periféricas, designadamente as mais dispersas fazem crescer as necessidades de maior mobilidade e, sobretudo por via da dispersão das origens dos fluxos gerados, tornam inviável a resolução de muitos problemas por recurso aos transportes públicos, tal como seria desejável e tem sido unanimemente recomendado. Deste modo a utilização do automóvel privado continua a ser condição indispensável de acesso ao emprego e a outros destinos fundamentais. As perguntas que se impõem são as seguintes: Quais os custos de um tal crescimento espontâneo? São as grandes concentrações economicamente viáveis em termos nacionais? Que alternativas são possíveis? Que capacidades financeiras são XIII SUSTENTABILIDADE 303

Figura XIII.5 Ocupação do solo da área metropolitana de Lisboa. Imagem LANDSAT TM. Maio de 1987

Figura XIII.6 Ocupação do solo da área metropolitana de Lisboa. Imagem LANDSAT ETM+. Junho de 2000

Figura XIII.7 Evolução do parque automóvel na área metropolitana de Lisboa. 1987/1997 necessárias para manter o sistema em boas condições de funcionamento e de competitividade? Existem meios e recursos suficientes para resolver os estrangulamentos, meios compatíveis com a satisfação das necessidades, das actuais e futuras gerações, de acordo com o principío da sustentabilidade? Os estudos que venham a ser realizados para responder a estas questões poderão de facto concluir se é ou não sustentável o actual cenário de evolução. Os estrangulamentos habitacionais O problema habitacional não se restringe à construção ou à renovação das habitações. Ele implica uma intervenção num conjunto vasto de actividades, que quase sempre excedem os limites dos territórios municipais e que envolvem a resolução de estrangulamentos em diversos sectores económicos, sociais e ambientais. Por este facto, o presente Atlas implicaria a desagregação completa e espacialização, entre outros, dos seguintes domínios: Dimensionamento das carências - Com base nos dados fornecidos pelas estatísticas, quantas e quais são as casas a disponibilizar, tendo em consideração que as áreas habitacionais são uma das componentes mais significativas dos usos do solo das áreas urbanas; Planeamento urbanístico - Outro domínio importante refere-se à determinação das localizações do que deve ser construído e renovado, em função das diferentes tipologias e condições a observar, informação esta a cruzar com o planeamento ecológico, em sede dos planos regionais e municipais; Figura XIII.8 Evolução da taxa de motorização por distrito do Continente. 1990/1998 Infra-estruturas - Localização, evolução e previsão das necessidades e custos do abastecimento de água, do saneamento, da energia, das telecomunicações, em função de um crescimento estruturado e não disperso, a fim de tornar possível a racionalidade de qualquer uma destas infra-estruturas; Transportes - Do mesmo modo, por idênticos motivos, torna-se necessário que, face às localizações dos usos do solo e aos movimentos das populações e das actividades, sejam identificadas as pressões exercidas sobre as infra-estruturas e sobre os transportes, com a elaboração do correspondente planeamento e sua gestão; Equipamentos urbanos - Em função da dinâmica das localizações e migrações, quais as carências e quais os equipamentos tornados devolutos, quais os efeitos espaciais da racionalização necessária, no que se refere à carta escolar, à carta da saúde e às cartas de outros serviços públicos e privados, sejam eles de necessidade diária ou eventual; Espaços verdes - A avaliação das capitações existentes, ao nível das diferentes categorias de espaços, é também necessária. Esta avaliação é feita por confronto entre as normas recomendadas e a observação da estrutura espacial mais conveniente, em termos de grandes espaços e das suas interligações, na perspectiva da criação de sinergias de vária ordem, já mencionadas a propósito dos trunfos culturais; Alcochete Almada Amadora Azambuja Barreiro Cascais Lisboa Loures Mafra Moita Montijo Oeiras Palmela Seixal Sesimbra Setúbal Sintra V. F. de Xira Aveiro Beja Braga Bragança Castelo Branco Coimbra Évora Faro Guarda Leiria Lisboa + Setúbal Portalegre Porto Santarém Viana do Castelo Vila Real viseu Figura XIII.9 Número de fogos licenciados por concelho. 1994/1998 Mapa XIII.5 Pressão construtiva. 1991 306

Fotografia XIII.28 Bairro residencial. Amadora. 2001 Aparelho institucional e arquitectura jurídica - Identificação de quais as necessidades a satisfazer, em termos de serviços e de diplomas legais, capazes de definir políticas, de promover e de coordenar o conjunto das acções decorrentes de um plano de habitação metropolitano, ajustado às carências dos diversos estractos populacionais e à actuação eficaz de actores públicos, privados, e cooperativos; Aparelho empresarial - A existência de um tal plano, possuindo um carácter indicativo, permite planear e viabilizar investimentos e empregos a criar pelos actores privados, relacionados com a produção e distribuição de materiais de construção, com a concepção de projectos, com a produção de cartografia, e também com as diversas operações de construção e de renovação; Custos-benefícios - Quais os custos e benefícios, qual a disponibilidade dos investimentos necessários para resolver os estrangulamentos criados pelo modelo de expansão urbana actualmente praticado, em confronto com as alternativas que possam estar de acordo com a necessária economia da construção. Só assim, o equilíbrio entre qualidade ambiental e economia pode assumir maior importância, objectivo que é inerente ao conceito de sustentabilidade. O Programa Especial de Realojamento (PER), lançado em 1993, permitiu um levantamento sistemático da quase totalidade Mapa XIII.6 Famílias residindo em barracas no início do Programa PER. 1993 das situações de habitação degradada no território da área metropolitana de Lisboa. Cerca de 32 000 famílias vinham nessa altura mentos e ameaças. Naquele Encontro se afirma que as desigual- situação, constituindo um alerta importante quanto a estrangula- residindo em barracas. Contudo, apesar do empenhamento dos dades sociais e espaciais desta realidade poderão vir a ter um municípios, dos estudos realizados e do grande interesse deste desenvolvimento imprevisível, criando novas periferias de marginalidade e de degradação. Se é certo poderem ser as periferias Programa, os problemas habitacionais ainda se encontram longe de estar resolvidos. alfobres de novas culturas, não será menos verdade poderem O Encontro sobre Habitação na Área Metropolitana também constituir pólos de explosão de conflitos sociais, tornando de Lisboa realizado em Oeiras em 1995 e A Caracterização do ingénuos os propósitos e os esforços agora desencadeados Programa, documento publicado em 1997, permitem conhecer a (Morais, 1995). Fotografia XIII.29 Loures. Quinta do Mocho. Habitações degradadas demolidas. 1998 Fotografia XIII.30 Loures. Quinta do Mocho. Realojamento no âmbito do PER. 2002 XIII SUSTENTABILIDADE 307

Os problemas da habitação não se esgotam de facto com programas de realojamento dirigidos às populações mais carenciadas. Envolvem todos os tipos de habitação, na perspectiva do ordenamento espacial da contemplação das necessidades dos vários estractos sociais, da qualidade e economia da construção. Porque de acordo com o princípio dos vasos comunicantes, e na ausência de algum progresso em aspectos fundamentais, como seja o do equilíbrio entre habitação arrendada, própria e cooperativa, toda a produção habitacional é afectada em diversos aspectos em termos de preços finais, de terrenos disponíveis, de empresas preparadas para cooperar na resolução dos problemas. 3. TENDÊNCIAS E AMEAÇAS Tentar construir o futuro, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, implica conhecer o estado da situação e identificar tendências. Entre estas encontram-se as tendências favoráveis que devem ser reforçadas e pelo contrário as que sejam avaliadas como desfavoráveis, e que, por isso, devem ser combatidas. As primeiras podem traduzir-se em oportunidades, e serão tratadas no capítulo seguinte. Elas permitem dar origem à simulação de cenários fundamentados em que se fixam metas possíveis e desejáveis. As segundas conduzem a cenários do inaceitável e devem ser consideradas como ameaças. Entre elas encontram-se os excessos de desregulamentação e o predomínio das actuações sectoriais, que não favorecem tirar pleno partido dos trunfos existentes, entre eles, as vantagens comparativas resultantes dos recursos naturais. Existem de facto alguns casos muito difíceis de resolver, no campo da divisão internacional do trabalho, nas áreas da criação de emprego, do planeamento central e regional, no campo da coordenação e integração das economias. Qualquer destes dois grupos de cenários, desde que sejam plausíveis, permitem que as decisões a tomar sejam mais fundamentadas. Por um lado as metas desejáveis serão tornadas mais viáveis. Por outro, perante as evoluções desfavoráveis, preparar medidas preventivas permite que determinados fenómenos não venham a acontecer ou que, caso isso não seja possível, as intervenções em tempo oportuno possam minimizar os efeitos produzidos. O futuro não é previsível. Mas o planeamento, apoiado nas novas tecnologias de informação, dispõe de processos que permitem simular alternativas e enfrentar com maior sucesso as ameaças que existem ou que poderão surgir. Fotografia XIII.31 Crescimento da concentração e dos congestionamentos. Eixo Norte-Sul. 2002 Fotografia XIII.32 Crescimento da concentração e dos congestionamentos. Ponte 25 de Abril. 1998 Os Relatórios do Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território são desde há algumas décadas prática instituída por parte dos países membros da União Europeia, e também ao nível de outras instituições internacionais. Neles se evidenciam problemas e ameaças, de carácter económico, social, cultural e ambiental, este último considerado muitas vezes em sentido restrito ou seja na perspectiva exclusiva da poluição do solo, do ar, da água e dos recursos vivos. Na realidade o conceito de desenvolvimento sustentável implica atribuir ao ambiente a mais ampla das abrangências, nomeadamente a ideia de que a pobreza é a mais grave das ameaças e das poluições. Este sub-capítulo irá tratar apenas algumas das ameaças que surgem na sequência dos aspectos anteriormente focados, salientando-se a existência de tendências de natureza exógena, sobre as quais são menores as possibilidades de controlo, por parte da autoridade metropolitana, bem como as que sendo de natureza endógena, mais facilmente permitem a intervenção. Ameaças exógenas As ameaças exógenas podem ter, ou não, origem em opções e comportamentos humanos muito diversos, eles próprios considerados como causas das outras formas de ameaça que obedecem a leis deterministas e que são os acidentes naturais. Os acidentes naturais que ocorrem à escala regional e global podem caracterizar-se por um elevado grau de incerteza, sobretudo no que se refere à sua magnitude e significância, localização e horizontes temporais da respectiva ocorrência. É o caso do efeito de estufa, das alterações climáticas, da subida do nível do mar. É também o caso dos fenómenos sísmicos que constituem ameaças, especialmente graves na área metropolitana de Lisboa. Nela se localizam as zonas de maior risco sísmico do país. Nela também se concentram as maiores densidades de construção, muitas das quais em estado de conservação precário. Um dos exemplos mais significativos é o da Baixa Pombalina, conjunto de grande valor histórico, arquitectónico e urbanístico, sujeito ao longo dos anos a alterações estruturais, que põem em risco as condições de segurança anti-sísmica que presidiram à sua construção. A Baixa Pombalina aguarda desde há vários anos que o país a inscreva na lista de candidaturas a Património Mundial da Humanidade. Outras formas exógenas de ameaças têm origem noutras acções e comportamentos humanos relacionados com políticas e movimentos internacionais, que privilegiam economias de escala sectoriais que atingem limiares a partir dos quais surgem estrangulamentos e des-economias gerais. Em nome da eficácia dos investimentos a curto prazo ignoram-se as ameaças ligadas às grandes concentrações urbanas, colocando-se em risco o desenvolvimento sustentável, quer dos municípios do interior do país, quer da própria área metropolitana. Os primeiros assistem ao êxodo dos mais novos; estes últimos são sujeitos a enormes Quadro XIII.2 Evolução do uso do solo. 1964/1992 CLASSE Somatório das Áreas km 2 Áreas especiais 12,4618 Aeroportos existentes 18,5690 Aeroportos propostos 38,3518 Aglomerados rurais 35,6038 Zona histórica/descobrimentos 1,1183 Estrutura urbana regional proposta 15,8896 Zonas industriais existentes 21,0157 Zonas industriais propostas 23,6135 Centro de Lisboa 5,8497 Matas e parques públicos existentes 73,9135 Matas e parques públicos propostos 52,3678 Não identilicado 6,8163 Elevado potencial agrícola 312,8675 Potencial agro-florestal a preservar 867,8299 Zonas portuárias existentes 4,4928 Protecção de infraestrutura paisagísticas 675,0818 Zonas portuárias propostas 16,5093 Zonas rurais de regime especial 309,7868 Zonas turísticas especiais 64,1484 Canal Tejo - Sado 138,5247 Zona universitária 1,7086 Zonas urbanas edificadas 79,7529 Zonas extensões urbanas propostas 73,0739 total 2849,3474 CLASSE do PROT Somatório das Áreas km 2 Recreio e lazer 31,9631 Urbano consolidado 151,8394 Urbano equipamento metropolitano 81,6321 Urbano industrial 93,3383 Urbano livre 250,0085 Urbano não-consolidado de expansão 405,6316 Verde agrícola 506,1069 Verde agro-florestal 594,5704 Verde florestal 577,7212 Verde indústria extractiva 9,5988 Verde zona única 385,7861 total 3088,1964 Espaços agrícolas e agro-florestais: decresceu 511,9770 km 2 Espaços florestais: decresceu 223,6420 km 2 Espaços urbanos e urbanizáveis: aumentou 432,4963 km 2 Áreas urbanizáveis: aumentou 238,1935 km 2 308

pressões urbanas, à instabilidade do emprego e a crescentes exigências das populações. É o ordenamento do território que se encontra ausente, não na acepção urbanística inadequada que lhe é atribuída vulgarmente, mas de acordo com o amplo significado de coordenação que lhe está atribuído pela Carta Europeia de Ordenamento do Território. Ameaças endógenas Tal como anteriormente mencionado, as ameaças endógenas têm origem em acções e comportamentos humanos que provocam, entre outros, também acidentes naturais. Estes acidentes relacionam-se com as cheias, a erosão das encostas, a salinização das toalhas de água subterrâneas, o assoreamento das zonas húmidas ou, pelo contrário, o desaparecimento das praias e das dunas, destruição que abre caminho ao avanço do mar e ao recuo do litoral. Outras ameaças consistem na persistência das tendências de agravamento da circulação automóvel, com tendências para o congestionamento total, quer nas vias internas das cidades, quer nas artérias regionais. As ameaças residem aqui também na não aceitação de que as soluções não residem no privilégio às grandes e caras obras de engenharia mas, ao contrário do que tem acontecido, num esforço de descentralização estruturada, de indústrias e de serviços, de armazéns, de oficinas, no interior das cidades, criando condições sustentáveis à habitação, aos serviços e à circulação. Ameaças atingem também as áreas agrícolas e florestais. Embora essenciais à economia e qualidade de vida das populações, encontram-se em franca regressão, a favor das áreas impermeáveis, ameaçadas pelas auto-estradas e pelo cerco provocado pela expansão urbana. No que se refere à Conservação da Natureza, alguns detalhes permitem compreender as ameaças com que se defrontam as instituições responsáveis (PROBIO, 2001): Fragilidade da autoridade necessária para impedir as actuais formas de expansão urbana e má qualidade de muitas construções; Povoamentos florestais novos e antigos inadequados, com propagação das espécies infestantes; Fraca promoção do turismo rural e do agro-turismo, actividades que são as mais consentâneas com os valores naturais; Fraca educação cívica dos visitantes, lixos e entulhos invadem as Áreas Protegidas; Insuficiente transparência na consulta pública inerente à aprovação de planos e projectos; Número insuficiente de acções destinadas a evitar e a combater os fogos florestais, nomeadamente quanto a acessibilidades e a pontos de água; Insuficiência do apoio judicial; Ausência de coordenação institucional, devido à multiplicidade de tutelas e à instabilidade governativa. Em resumo, as ameaças traduzem-se num aumento não sustentável de competências coexistindo com a falta de meios humanos, técnicos e financeiros. Além da gestão das Áreas já classificadas, as instituições competentes pela Conservação, são responsáveis pela aplicação das Convenções Internacionais, pela Rede Natura 2000, pela emissão de pareceres sobre diferentes assuntos sem que a estas atribuições corresponda o aumento dos meios necessários. 4. TENDÊNCIAS E OPORTUNIDADES OU A EMERGÊNCIA DE NOVAS POLÍTICAS Como referido, tendências favoráveis e inovadoras constituem oportunidades que não podem deixar de ser identificadas no sentido do desenvolvimento sustentável. Estas oportunidades se aproveitadas através de novas políticas, algumas delas já emergentes, acabarão por conduzir ao desenvolvimento sustentável e à inevitabilidade da organização espacial, na perspectiva defendida pela Carta Europeia do Ordenamento do Território. De acordo com esta Carta, que foi aprovada ao nível do Conselho da Europa, o Ordenamento do Território é encarado como uma responsabilidade incontornável de coordenação ao nível dos Governos. Como plataforma transversal reveladora da coerência ou incoerência das políticas sectoriais, cabe ao Ordenamento do Território a tarefa fundamental de preparar e viabilizar o funcionamento da última instância que é o conjunto das macro-decisões a assumir espacialmente a nível regional e nacional e até europeu. Este capítulo pretende identificar alguns factos que parecem mostrar a existência de tendências e oportunidades, capazes de mobilizar os trunfos disponíveis e de fazer face aos estrangulamentos, bem como às ameaças anteriormente referidas. Três oportunidades vão ser propostas como realidades emergentes. O progresso dos conhecimentos As aquisições das ciências e tecnologias verificadas nas últimas décadas têm contribuído não apenas para o rigor dos diagnósticos, mas igualmente para consideráveis melhorias das estratégias do planeamento e da sua gestão. As ciências exactas, as ciências naturais, as ciências da engenharia e tecnologias, as ciências da saúde, as ciências humanas e sociais, e muitas outras, têm contribuído para o avanço dos conhecimentos necessários ao ordenamento do território e ao urbanismo. Várias contribuições foram referidas ao longo deste capítulo, como é o caso da Teoria dos Diamantes de Michael Porter, em que quatro grandes desafios determinantes das vantagens competitivas se articulam, tendo como factores subjacentes as acções dos Governos e a integração no modelo da incerteza e do acaso. Uma oportunidade encontra-se na emergência de um outro conjunto de ideias: as teorias do planeamento ecológico. Elas surgem como um dos ramos da biologia e visam a biodiversidade e a travagem da extinção das espécies, da fauna e da flora, factores essenciais da salvaguarda da vida e da saúde, e ao mesmo tempo da sustentabilidade da economia. As tecnologias espaciais de observação da Terra que fornecem em tempo real dados de grande detalhe e os muito recentes desenvolvimentos dos Serviços Baseados na Localização (LBS) associados à mobilidade, são outros exemplos da dinâmica das ciências e das tecnologias, e da demonstração das grandes oportunidades que através delas são abertas. Dada a rapidez da evolução científica e tecnológica, estes três exemplos ilustram a necessidade da investigação poder realizar-se sem sobressaltos e de forma continuada. Deste modo, tem sido possível reduzir as barreiras ou lacunas que sempre têm existido, de uma maneira geral em todos os países, entre os avanços científicos, as práticas correntes e os seus actores. A investigação, a inovação e a iniciativa como tributárias do desenvolvimento sustentável A inovação tem sido considerada factor fundamental de progresso, encontrando-se na base das ciências e tecnologias, nomeadamente ao nível dos seus desenvolvimentos e aplicações. Nas disciplinas tributárias do planeamento das cidades e do ordenamento do território, existem desde há muito ideias inovadoras, propostas por pioneiros mais criativos, que em alguns países mais desenvolvidos encontraram continuidade e foram postas em prática com êxito mas que, noutros casos, por diversas razões, nomeadamente de oportunidade histórica, não encontraram eco suficiente e não conseguiram ser realizadas. Entre os exemplos de maior sucesso encontra-se a política de ordenamento do território, concebida e realizada em França nas últimas três décadas do anterior século. Também, com origem noutros países europeus e norte- -americanos, surgiram novas ideias para resolver os problemas resultantes da expansão urbana, nomeadamente as ideias defendidas pelos movimentos de Conservação da Natureza, que deram origem em Inglaterra e nos Estados Unidos à criação de numerosos Parques Nacionais e Áreas Protegidas. Mais recentemente, e face à intensificação da expansão das áreas urbanas e metropolitanas e dos seus efeitos negativos, a evolução dos problemas conduziu mais uma vez a uma nova ideia: o conceito de Greenways ou de Corredores Verdes. Fotografia XIII.33 Lisboa. Corredor Verde ao longo do rio. Avenida Ribeira das Naus. 2000 Fotografia XIII.34 Montijo. Pista ciclável. 2001 XIII SUSTENTABILIDADE 309

N Áreas de conflito (GAP) Corredores verdes Urbano existente Urbano previsto 0 1 km Figura XIII.11 Proposta de uma rede de Corredores Verdes para o município de Cascais. 2000 Mapa XIII.7 Rede de Corredores Verdes para a área metropolitana de Lisboa. 1996 N N 0 1 km Elementos de património Áreas de elevada concentração de recursos históricos e culturais Áreas de interesse recreativo Áreas de protecção de recursos naturais Limite da bacia Constrangimentos existentes Baixa Média Média-Alta Áreas Preferenciais Alta Muito Alta Excelente 0 2,5 km Constrangimentos propostos (PDM) Urbano proposto Industrial proposto Figura XIII.10 Proposta de uma rede de Corredores Verdes para o município de Almada. 1999 Figura XIII.12 Proposta de uma rede de Corredores Verdes na bacia da Vala Real/Malpique. 2001 310

N Parques Urbanos Áreas Florestais, Matas e mato REN "líquida" Zonas com concentração de valores histórico-culturais Linha Panorâmica Moinhos Quintas Património Classificado Núcleos Históricos Estrutura do Corredor Verde Figura XIII.14 Património Metropolitano, Inventário Geo-referenciado do Património da Área Metropolitana de Lisboa (CD-ROM). Fevereiro de 2002 0 2 km Conflito - Urbano Conflito - Urbanizável Conflito - Vias Rodoviárias Áreas de estudo em pormenor Figura XIII.13 Proposta de uma rede de Corredores Verdes na sub-bacia do rio da Costa. 1999 Trata-se de um movimento de dimensão internacional que se encontra em grande expansão, contando já com numerosos projectos realizados na Europa (incluindo países do Centro e do Leste) e sobretudo nos Estados Unidos, onde abrange já realizações Tal como passou a ser desenvolvido, representa um caso exemplar de recolha, de análise e de forma inovadora de apresentação de resultados, que se justifica possa ser continuado e amplamente seguido, ao nível dos restantes municípios e regiões do país. a nível Federal. O Plano Regional de Ordenamento da Área Metropolitana de Lisboa (PROT-AML) de Setembro de 2001 inclui uma proposta de Rede Ecológica que estabelece uma Rede Primária, uma Rede Secundária e Áreas e Ligações/Corredores Vitais. A proposta contida neste Plano contou com muita da informação disponibilizada pela base de dados construída pela Junta da Área Metropolitana de Lisboa, no âmbito do seu Sistema de Informação Geográfica (SMIG-AML). Para a construção deste SMIG-AML foi possível contar com a colaboração do Centro Nacional de Informação Geográfica (CNIG) que, entre outros resultados, conduziu à digitalização de todos os Planos Directores Municipais desta área metropolitana. Este facto integrou-se em projecto de investigação, que entre 1995 e 1997 teve também o apoio da ex-jnict, e que teve como principal resultado, uma Visão Esquemática Estruturante para a Área Metropolitana, baseada numa Rede de Corredores Verdes. Trata-se de uma proposta inovadora, concebida de acordo com o novo conceito de Corredores Verdes, e diferente em diversos aspectos da que se encontra contida naquele Plano Regional de Ordenamento. O levantamento do Património Histórico e Cultural desta região, já realizado com o apoio das novas tecnologias de informação, é um outro exemplo de um trabalho colectivo iniciado no Centro Nacional de Informação Geográfica (CNIG) em 1994 mas que em boa hora foi chamado a si pela Junta da Área Metropolitana de Lisboa. Quem são os actores da mudança? Face ao número e à complexidade dos problemas da moderna sociedade urbana, a experiência demonstra que não é possível à Administração Central e aos municípios gerirem respectiva e simultaneamente com eficácia, quer os níveis nacional-regional, quer os níveis regional-local. Isto significa que o reforço do funcionamento autónomo e solidário dos diversos actores e de cada um dos três níveis nacional, regional e local é indispensável para uma boa gestão. Verifica-se que, ao contrário de algumas opiniões apoiadas em grandes números, existem muitos exemplos de que as escolas e o ensino superior em Portugal têm permitido, relativamente à procura, contribuir para uma oferta de profissionais com boas capacidades para colaborar neste e noutros programas, desde que o sistema em que se insiram facilite essa integração. Em matérias tão vastas e importantes como são o ambiente e o território, a existência de valores humanos e a aquisição de formação não são porém suficientes. É necessário também que exista informação e que as instituições estejam preparadas para a transformar em conhecimentos e decisões. Alguns casos devem assim ser identificados, a título de demonstração, de que existem oportunidades de aplicação de novos conhecimentos e metodologias. São casos que surgem aos níveis da Administração Central e Regional, Empresas Públicas, Municípios e suas Associações, Cidadãos, quer individualmente, quer reunidos em organizações não governamentais. Mencionaremos apenas algumas oportunidades e exemplos do inventário que poderá ser feito a nível mais amplo. As instituições europeias estão a ser cada vez mais precisas no que se refere a orientações nos domínios do Ambiente e do Ordenamento do Território, influenciando e dinamizando a aplicação de bases teóricas, e determinando mesmo por meio de Directivas a adopção de medidas concretas transpostas para a legislação nacional. São exemplos destes factos, os projectos de investigação e relatórios que vão sendo produzidos (CE, 1996; CE, 1999), a obrigação de elaborar Programas de Desenvolvimento Regional (PDR) para acesso aos Fundos Comunitários, o Programa Natura 2000, a Directiva da Água, etc. Nalguns domínios e ao nível da Administração Central, as oportunidades criadas em Portugal são porém pioneiras. Existem hoje com efeito em Portugal grandes capacidades no domínio da utilização das novas tecnologias de informação espacial, instrumentos instalados em rede que são capazes de armazenar e analisar grandes quantidades de dados geo-referenciados. Estes instrumentos permitem contribuir para a instalação de Observatórios de Ambiente e Ordenamento e igualmente foram concebidos para o planeamento e possibilitar a construção de alternativas de apoio à decisão. Na actual fase da história do desenvolvimento, em que a chave do progresso reside na informação e aquisição de conhecimentos, e em que se assiste a diversas iniciativas tendentes a dotar os países das correspondentes infra-estruturas, Portugal foi o primeiro país da Europa e do Mundo a criar (em 1990) e a lançar na Internet (em 1995) uma rede nacional de informação geográfica (SNIG) vocacionada para o ordenamento do território e o ambiente. Tudo isto aconteceu quando a generalização do uso da Internet dava os seus primeiros passos, sendo então quase totalmente desconhecida da Administração Pública portuguesa. A Infra-estrutura Nacional de Dados Geográficos dos Estados Unidos foi inaugurada na Internet no Outono de 1995, seis meses após a inauguração do SNIG. Infra-estrutura idêntica não existe ainda em 2002 a nível europeu, embora diversas organizações nacionais lutem ainda por criar a Infra-estrutura Europeia de Informação Geográfica. XIII SUSTENTABILIDADE 311