Pátria minha: sedutora pelo clichê e o mito



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Transcrição:

Pátria minha: sedutora pelo clichê e o mito Eloá Muniz 1 Introdução Este trabalho tem por objetivo principal a aplicação teórica da Semiótica da Cultura, especificamente o texto de Harry Pross aplicado à análise dos quatro minutos finais do último capítulo da novela Pátria Minha. No Brasil, nas últimas décadas, a telenovela tem tido uma grande influência na vida quotidiana da população, bem como na cultura popular. Os clichês e os mitos veiculados pelas telenovelas tem alterado o comportamento das pessoas e fazendo com que elas fiquem cada vez mais isoladas da realidade do mundo. Elas passam a não necessitar mais das informações diretas provenientes do contato humano, e se satisfazem com as informações mediatizadas pela televisão e já transformadas no discurso banalizado, que os telespectadores se acostumaram a ouvir e a ver. Um cidadão cansado de um dia inteiro de trabalho quer descansar sua mente em frente à televisão, e o ficar silencioso à frente da telinha o fascina, pois assiste e participa dos diálogos sem precisar responder, nem comprometer-se. É uma rotina tranquilizadora, acessível como lazer e que traz segurança e relaxamento. A família reunida, o serão sem ter que contar histórias, a televisão faz isso através da novela, e muito melhor do que qualquer ser humano. Ela é esteticamente sedutora através da iconicidade de seu discurso verbal e visual. É preciso saber se o homem moderno é feliz ou somente um ser solitário desfrutando dos benefícios da sociedade industrial que vive hoje. 2 Descrição do Objeto Último capítulo da telenovela Pátria Minha, da Rede Globo, no horário das 20h30min. Será usado para efeito deste trabalho somente os quatro minutos finais da novela. Primeira seqüência: Alice, Rodrigo, Nando e Lú sentados à mesa num jantar regado a vinho, que se supõe Alice e Rodrigo estejam oferecendo a Nando e Lú que voltaram de lua-de-mel. Sobreposta à imagem é projetada a frase: 8 meses depois. Alice: Ah Gente! Conta mais aí da lua-de-mel. Rodrigo: Vale à pena mesmo. Tô achando, assim... esse negócio de Fazenda, em Goiás, tão longe, né! Hotel- Lú: Olha! A gente achou maravilhoso, né! E que história é essa de vale à pena. Lógico que vale à pena Rodrigo.

Nando: Péra aí, Lú! A gente ainda não contou o melhor. Você sabe quem é que estava trabalhando lá no Hotel? (pergunta dirigindo a Rodrigo) Rodrigo: Não. Não sei. Quem? Nando: Raul. Raul Pelegrini. Lú: É Alice, eu nunca poderia imaginar Raul Pelegrini trabalhando num Hotel-Fazenda. Nando: Péra aí, Lú. Trabalhando mas já é dono. Ele tava comprando, é dono. Tava comprando terra. Esse cara é forte. Tô achando que ele vai subir de novo, dessa vez sem maracutaia. Enquanto Nando fala, a imagem de Alice aparece em close. Seu rosto vai desaparecendo e aparecendo a imagem de Raul andando a cavalo em seu Hotel-Fazenda. O hotel tem o estilo de uma construção colonial antiga, rodeado de beleza natural, num cenário rural. Segunda Seqüência: Pelo lado direito do vídeo, Raul vem cavalgando, em direção à frente do hotel, vestido de calça e camisa de jeans e botas pretas de cano longo. Pelo lado esquerdo do vídeo, vem um carro Parati e encontram-se no centro da tela, em frente ao Hotel. Alice desce do carro e Raul do cavalo. A babá de Alice desce do carro e pega o filho Léo. Rodrigo desce do carro e vem ao encontro deles. Raul entrega o cavalo ao seu empregado e caminha em direção aos recém chegados. Alice, com passos determinados, firmes, com o filho no colo, a babá e Rodrigo andam em direção a Raul. Param. E Raul continua andando em direção a eles. A câmera começa a dar planos em detalhe aproximando cada vez mais do primeiro plano. Raul: Se vocês quiserem há um hotel aqui perto que eu posso recomendar. Alice: A gente veio te procurar. O Léo já vai fazer dois anos, e eu me lembro que você queria conhecer. Ambos sorriem e Raul aproxima-se. Raul sorri e os óculos caem-lhe sobre o nariz, e a imagem do bisavô carinhoso se estampa em close no vídeo. Raul: Ei! Ei! Olha esse vô aqui. (Sorri). Você quer dar uma volta no cavalo. Léo: Não. Raul: Não? Vamo lá! Eu tomo conta de você. Não quer? Alice: Também, tem uma pessoa que está sentindo muito a sua falta. Todos olham para a Parati e Selene desce do carro. Ela está usando um vestido branco, simples, curto, modelando a cintura e sapatos também brancos. Raul tira os óculos e caminha, lentamente, em direção a Selene. Ela, por sua vez, caminha decidida em direção a Raul e abre os braços. Abraçam-se apertado e ela o beija. Raul: Mas eu ainda não posso (em sobressalto). Não posso te dar uma Selene: Meu amor, não tem importância nenhuma. Eu amo você! Fica vida de rainha. comigo. Fica comigo. Raul sorri comovido. Abraçam-se. Beijam-se. A câmera vai se afastando e mostrando o plano geral e a imagem congela a cena em que Raul-Selene e Alice-Rodrigo estão abraçados se beijando. A babá e Léo ficam brincando no chão verde.

F I M 3 Análise Teórica 3.1 Considerações gerais 3.1.1 Televisão A televisão é considerada hoje o meio de comunicação de massa mais poderoso e mágico. A condição que a televisão tem de comunicar pela imagem e de conviver com as pessoas na intimidade de suas casas, torna-a um veículo com força de comunicação muito mais através do emocional e do afetivo do que pelo racional. Esta característica facilita o desencadeamento dos processos psicológicos da projeção e da identificação. É a televisão que se presta, mais do que qualquer outro meio de comunicação, para o exercício do pensamento simbólico. É por intermédio dos símbolos que se formam os ritos na sociedade. A televisão, por ser o veículo de comunicação de massa com maior possibilidade de penetração na vida quotidiana das pessoas, possui a capacidade de ritualizar este cotidiano da mesma forma que os ritos penetravam na vida quotidiana tribal primitiva.(fischer:1984, p.36). O ato de ver televisão é um ritual já tão assimilado culturalmente pela família moderna brasileira, que um novo padrão de comportamento foi criado e desenvolvido a partir do hábito cotidiano de reunirem-se para assistir televisão. Este novo comportamento da família que se emociona diante da telinha, abrange todas as classes sociais, pois é um fenômeno que atinge pela emoção, pela vivência dos dramas, mobilizando os membros da família pela identificação da realidade que cada um deles tem escondida intimamente com a realidade mostrada na televisão. A televisão se relaciona com o telespectador através da sua multiplicidade de gêneros. Atua, ora para definir e reforçar os valores defendidos pela classe dominante, ora para comunicar ao espectador posições dos vários segmentos da sociedade, tanto em valores éticos e estéticos, como dos interesses dos grupos sociais, ou ainda, em termos de mostrar os problemas universais que envolvem e afligem o ser humano. 3.1.2 Telenovela O gênero que mais fascina o telespectador brasileiro é a telenovela, embora este formato esteja, constantemente sendo modificado e redefinido. Segundo os parâmetros da Rede Globo, a telenovela é feita para um telespectador definido como: mulher, casada, pouco mais de 30 anos, católica. Vai uma vez por mês ao cabeleireiro, faz as unhas em casa e acompanha o marido ao cinema nas noites de sábado... é compreensiva, do filho espera que se forme; da filha, que se torne aliada. (Ondina: 1986 p. 52). Entretanto, as pesquisas do IBOPE demostram uma variação neste perfil, onde o telespectador também é do sexo masculino e pode ou não pertencer a uma classe social culturalmente privilegiada para a qual existem outras formas de lazer. A novela é um discurso compensatório que trata de noções abstratas como o mal, o amor, a felicidade, e onde se organizam e se resolvem afetos de personagens junto a um público que encontra, nas intimidades e nas soluções oferecidas pelas imagens, diferentes níveis de gratificação e que acredita na autoridade de narração televisiva. (Ondina: 1986. p 48-9). A telenovela herdou um procedimento característico do melodrama que é a cumplicidade, onde o suspense era criado a partir das informações que o espectador tinha da trama da história e que os

personagens envolvidos na situação não conheciam. Assim, os segredos dos personagens exerciam sob o espectador um forte fascínio. Da mesma forma o telespectador de novelas detém informações e interage com um mundo de fantasias e de poderes fictícios. A televisão trabalha com dois sistemas básicos de comunicação que passam para sua linguagem os fatos da realidade que pretende transmitir. São os signos e os clichês. O signo atua em dois lados: na cabeça do telespectador e no produto de comunicação que o telespectador vê, pois o produto é realizado por pessoas que também elaboram os pensamentos como signos. A produção sígnica só tem efeito se realiza essa dualidade de forma plena. (Marcondes: 1988. p. 45). O Clichê é o segundo mecanismo básico da linguagem da televisão. Contrariamente ao signo, em que o telespectador não sente violência das mensagens televisivas porque mantém um escudo contra elas, aqui, ele se entrega à estória, sente emoção, se entristece, chora, sente saudade, vive com a personagem. Ou seja, se na linguagem dos signos ele se separa da emoção, na linguagem dos clichês ele se funde com ela, se entrega a ela. O que distingue essa fusão dos sentimentos reais, das emoções verdadeiras, é seu caráter de clichês, que significa que as tristezas, as dores, as lágrimas, relembram inconscientemente ao telespectador momentos emocionalmente fortes de sua vida. Essas emoções, entretanto, permanecem mentais, platônicas e não retornam à realidade atual; funcionam como sonhos secretos. Vários são os clichês que aparecem nos produtos de televisão e que apelam para os sentimentos das pessoas fazendo-as se emocionar. (Marcondes: 1988.p. 48). 3.1.3 Ordem simbólica Desde muito cedo as crianças são expostas ao que se quer dizer com as representações de acima e abaixo, dentro e fora, claro e escuro e tudo mais que a sociedade produz coletivamente. Esta manifestação é identificada como amor à ordem e não quer ser perturbada, mas se for perdida esta ordem interiorizada, ou seja, se for retirado do sujeito seu objeto, ele confrontar-se-á com o nada, e se sentirá privado de certeza de que ali existe algo que representa outra coisa. A televisão ritual. Ela é ligada sempre à mesma hora, para se assistir o mesmos gêneros de programas. A TV coloca ordem na vida das pessoas. Uma ordem verticalizada que passa a sincronizar o tempo do telespectador e sua vida passa a ser ordenada simbolicamente pelo veículo. A novela faz parte deste processo de ordenação, quando se apresenta ao público de forma seriada criando um espetáculo polissêmico a cada dia e a cada capítulo. Neste sentido o processo ritual é o encadeamento de discursos e gestos facilmente reconhecidos pelo público que se desenrolam num espaço e numa temporalidade próprios distintos, portanto, dos espaços e dos momentos da vida quotidiana. A força da ordem simbólica que os gestos e os discursos rituais adquirem quando apropriados por um campo social resulta do distanciamento que se dá entre a funcionalidade originária do telespectador e a ritualização a que os veículos e o gênero telenovela se prestam e proporcionam. 3.1.4 Rede A sinalização vertical erguida como objeto, transforma o espaço em contornos. E o espaço circundante sinalizado pelos quatro cantos, será designado como campo. A ocupação do campo já marcado com signos identifica-se como sendo a apropriação simbólica. E o campo assim apropriado como sendo símbolo de espaços maiores; coisa que permite transferir a outras relações sociais decisões adotadas ali. Neste escalonamento simbólico do domínio do campo, a rede, artificial e de longa duração que cobre com símbolos todo o campo, designará a presença do mito. O campo de ação simbólica da televisão está no vídeo. E neste campo se dá a apropriação simbólica da mente do telespectador. Na medida que a novela é seriada e está lá esperando pelo telespectador, no mesmo lugar e no mesmo horário diariamente, ela proporciona a tranqüilidade e a segurança da rotina, ao

mesmo tempo em que ela se revela fascinante pela novidade de cada capítulo. 3.1.5 Ritualidade A massificação da imprensa, rádio e televisão está predeterminada pelos ritos do calendário, tendo que reproduzir a mesma forma e o mesmo conteúdo. Mostram o digno e o indigno de imitação, tudo mesclado, de forma esboçada e ambígua, porém sinalizando sempre a significação. A significação do símbolo é o significado. Não dizem o que devem ou não fazer, porém reproduzem o que é feito e pensado, e só a repetição sugere que poderia tratar-se de algo que é correto fazer. A vinculação do orgânico e a ordem sócio-moral se realizam também aqui mediante a ritualização. Neste aspecto, há que entender como equivalentes a simultaneidade de informações sensacionalistas e a transformação do passado na televisão. A insegurança que resulta de exposição acumulada de delitos através da mídia, desde jornal até o filme policial televisivo, e cuja finalidade é assegurar ao cidadão seus contornos, induz que ele busque segurança em seu passado mítico. O mito, para explicar o presente partindo de um passado, tem acontecido sempre e em todas as épocas, conecta com as experiências primárias sobre o acima e abaixo, dentro e fora, claro e escuro, e opera com ele, como algo viável e estabilizado. 3.1.6 Considerações sobre Pátria Minha O gênero televisivo de novelas sempre cria uma relação de dualidade. O pensamento dual é a origem mais remota do homem. A linguagem da telenovela estabelece uma relação entre o bom e o mau, o rico e o pobre, o bobo e o esperto, o íntegro e mau-caráter, etc, caracterizando o positivo e o negativo. Estas relações apresentam-se nos conflitos da novela através de seus personagens, em oposição (o vilão e o mocinho, o traidor e o justiceiro, a vítima e o assassino, amor proibido entre o galã e a estrela), através de situações (terríveis e ternas, excitantes e burlescas) e através dos sentimentos (medo e entusiasmo, lástima e riso). A novela Pátria Minha, desde o início, contou com dois personagens em oposição sistemática, radicalizando em algumas cenas, quais sejam: Alice e Raul Pelegrini. Esta relação de oposição se dava das formas mais diversas, como por exemplo: Alice Raul pobre rico jovem velho boa mau frágil forte sincera mentiroso pura trambiqueiro inocente culpado generosa mesquinho amada odiado moral imoral...... Este conflito acompanhou os personagens durante todo o desenvolvimento da novela, culminando com a transformação do personagem de Raul através do amor de Selene. Este personagem é personificação mítica do amor resignado, apaixonado, que acredita no ser humano, pois o personagem de Raul se apresenta a ela com identidade falsa, ou seja, como um homem pobre e simples. Assim, o amor de Selene resgata Raul para a bondade e a felicidade, que segundo a cultura oriental, "pelo amor permite alcançar-se o perdão divino e produz uma purificação celestial na Terra. Isto o converte num valor universal, além das diferenças culturais e das classes sociais. Quem ama vale mais, por isto. Quem ama é bom. Esta é a maneira com que o amor permite

ao pobre ser rico. (Oroz: 1992.p. 49). Aqui se estabelece uma outra relação dual que é a vida e a morte de um personagem, isto é, no momento em que Raul troca de identidade e encontra-se com Selene com o nome de Roberto, no imaginário do telespectador o personagem mau desapareceu e em seu lugar renasceu um Raul bom. A troca de identidade do personagem de dá de forma bem caracterizada e apresentada ao público com simplicidade para que possa ser entendida. Desta forma pela ritualidade estabelecida no gênero telenovela, seriada e simbólica, fica evidenciada a influência da televisão no cotidiano do telespectador. O cidadão fica exposto à presença dos mitos durante 150 capítulos, para nos últimos quatro minutos o personagem mau-caráter se redimir. O público ficou muito mais tempo exposto à possibilidade de acostumar-se as safadezas do que aos elevados padrões éticos que possa ter adquirido o personagem no final da exibição da novela. Assim, num primeiro momento, a forma como são ordenadas as disposições de relações culturais, identifica o papel do ritualismo, na comunicação como anestésico e num segundo momento, atua como um processo para criar credibilidade. E o personagem de Raul ganha força e todos acreditam na sua recuperação (inversão simbólica). O ritual é a base da credibilidade. Neste momento da história a própria personagem Alice, tal como o público, já está convencida que Raul se modificou e pelo seu caráter justiceiro e generoso, fica incomodada sabendo que seu avô está em dificuldades, solitário e abandonado. Seu olhar melancólico e triste comove o público e indicia o perdão. Perdão que todos esperavam. Novamente a justiça se faz, pois quem sofre merece uma nova chance, precisa ser perdoado. Quando os personagens Alice, Rodrigo, Léo e a babá chegam ao hotel encontram um Raul modificado, homem rural, com características simbólicas que o aproximam do público, ou seja, ele está empobrecido, portanto, deixou de ser mau. Ao se aproximar humildemente do bisneto, caem-lhe os óculos sobre o nariz e nasce o estereótipo do bisavô, carinhoso, de voz mansa e feições suaves. Pobre, humilde e bondoso. Ao encontrar Selene, Raul tira os óculos, o personagem precisa assumir agora um tipo mais jovem e esguio, é o príncipe encantado de Selene, mas ele não pode dar-lhe uma vida de rainha, mas isso não importa. Ela o ama acima de tudo e serão felizes. Raul pobre, humilde, bondoso, amado e feliz. Em oposição a esta imagem está a figura de Raul Pelegrini que deixa de ser um homem rico urbano para ser um homem rico rural (implícito na fala de Nando, quando diz ele vai subir de novo e desta vez sem maracutaia). E esta forma simbólica explicitar através da roupa que ele está usando: jeans azul, simplicidade e integridade e a bota preta de cano longo como símbolo de poder, coragem e dignidade. Os heróis e os príncipes usam bota. Tanto o jeans como a bota são imagens icônicas que estão na memória cultural popular. Raul continua caracterizando poder, só que agora é poder com dignidade. A cena final congelada mostra o resgate final de Raul com a família através da figura da sanção, aqueles que obedecem são recompensados. Raul violou a ordem preestabelecida e foi punido, mas no momento que se arrepende e volta a obedecer às normas de conduta estabelecidas pela ordem cultural ele está perdoado e novamente aceito pela sociedade. Por isso a câmera sobe e o público o vê de cima em seu campo contextualizado pela relação simbólica. Esta imagem simboliza a diferença psicológica existente entre a postura humana na vida real e a ficcional do vídeo. 4 Conclusão A novela é o gênero televisivo de maior sucesso de audiência no Brasil. Teve sua origem no percurso temporal realizado pelo melodrama desde a pantomima, o teatro falado de feira, o folhetim, a radionovela, o cinema e até a telenovela. A telenovela, tal como o melodrama, funciona como uma catarse social que substitui a contestação e a reflexão pela anestesia e fascínio que a televisão provoca através da sedução pela imagem esteticamente composta e ritualizada. Assim, a novela elabora uma nova ordem simbólica e apropria-se do tempo e do espaço do telespectador, criando em sua vida quotidiana um vínculo e uma relação comunicacional com o

veículo televisão. A televisão fascina o homem moderno muito mais que as outras formas de comunicação. Ela introduz uma nova linguagem, que inicialmente seduz o telespectador e depois é incorporada por ele. Desta maneira ela influencia e agrega novos hábitos de recepção e percepção da sociedade e da cultura. O gênero que mais reflete esta absorção e influência no público é a novela e, neste momento se estabelece uma contradição importante, o melodrama que surge como uma forma de contestação e dramatização do sofrimento popular, torna-se agora um instrumento da classe dominante para divulgar sua ideologia através dos personagens que são apresentados durante o desenvolvimento do discurso narrativo e da identificação estabelecida entre o público. Enquanto a vida real transcorre de forma regular, repetitiva, quotidiana, a mente do homem, ao contrário, trabalha ansiosa por inovações, melhorias, mudanças de vida. As pessoas vivem permanentemente em conflito entre esses dois mundos. O prazer de ser o outro e por alguns momentos ter a ilusão do poder. A novela cria a ilusão e possibilita ao telespectador fundir-se com o personagem e experimentar outra identidade. Tal como os jogos de mimicry, a novela não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança, o fingir perfeito. O espelho da realidade, a história contada através dos personagens filtrados pela imagem icônica. Desta forma as grandes redes de televisão que detém o poder e mantêm a população sob controle interferem na sociedade através da cultura popular acionando o comportamento dos personagens e influenciando diretamente na segunda realidade do telespectador, uma vez que ele está vinculado afetivamente ao veículo. A ritualização, a ordem simbólica estabelecida e a rede fascinam cada vez mais o homem e o tornam sempre mais solitário, pois ele deixou de preocupar-se com seus vizinhos e seus amigos, para preocupar-se com os problemas dos personagens da televisão. A relação com a televisão é mais fácil, pois possui o controle da ação, se estiver incomodando é só desligar, com a relação humana é diferente, ela é real. O homem moderno vive uma solidão distinta - é uma solidão existencial. Bibliografia MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo, Moderna. 1988. OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. Rio de Janeiro, Rio Fundo Ed., 1992. PROSS, Harry. La violencia de los símbolos sociales. Barcelona, Anthrpos, 1989.. Estructura Simbólica del poder. Barcelona, Gustavo Gili, 1980. RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da Comunicação. Lisboa, Presença, 1990.