Artigo Original Prevalência e caracterização do trismo no câncer de cabeça e pescoço Prevalence and characterization of trismus in head and neck câncer Mayara Gonçalves 1 Telma Ribeiro Rodrigues 2 Celena Freire Friedrich 3 Dov Charles Goldenberg 4 Luiz Paulo Kowalski 5 Resumo Introdução: Câncer de cabeça e pescoço e seu tratamento podem levar a diversas alterações funcionais, inclusive o trismo. Objetivos: Avaliar pacientes com câncer de cabeça e pescoço quanto à presença de trismo, identificar características associadas a essa complicação e seu impacto na qualidade de vida. Material e Método: Estudo de série transversal descritivo que avaliou pacientes submetidos a tratamento oncológico com intenção curativa em um hospital oncológico terciário. As avaliações constaram de anamnese, medida de abertura de boca, avaliação da dor e da qualidade de vida. Resultados: Trinta dos 111 indivíduos apresentaram trismo. Não foi encontrada relação entre presença de trismo e tipo de tratamento (p = 0,43), presença de dor (p = 0,97), realização de reconstrução (p = 0,74) ou dose de radioterapia (p = 0,44). Houve relação do trismo com maior tempo de uso de alimentação enteral (p = 0,02) e o estádio tumoral avançado (p = 0,025). Pacientes com trismo apresentaram um significativo pior escore no questionário de qualidade de vida (p = 0,021). Conclusão: A prevalência de trismo foi de 27% e os fatores associados foram estadio tumoral avançado e maior período de sonda de alimentação. Trismo mostrou associação com piora significativa na qualidade de vida. Descritores: Trismo; Complicações Pós-Operatórias; Radioterapia; Neoplasias de Cabeça e Pescoço. Abstract Introduction: Head and neck cancers and their treatment can lead to functional impairments, including trismus. Aim: To evaluate patients with head and neck cancers for the presence of trismus, indentify characters associated with this complication and its impact on quality of life. Materials and Methods: This is a series study, a cross-sectional descriptive study, assessing trismus in patients submitted to surgery, radiotherapy or combined therapy with curative intent at a tertiary cancer hospital. The evaluations consisted of an interview, a measurement of mouth opening, pain assessment and a quality of life evaluation. Results: Thirty of the 111 subjects (27%) presented trismus. No relationship was found between the presence of trismus and the type of treatment (p=0.43), presence of pain (p=0.97), type of reconstruction (p=0.74) or radiotherapy dosis (p=0.44). The presence of trismus was correlated with increased time of enteral feeding dependency (p=0.02) and advanced tumor stage (p=0.025). Patients with trismus had significant worse quality of life scores (p=0.021). Conclusion: The prevalence of trismus was 27%, and the risk factors were advanced tumor stage and length of time on a feeding tube. Trismus significantly impaired quality of life scores. Key words: Trismus; Postoperative Complications; Radiotherapy; Head and Neck Neoplasms. Introdução O trismo foi inicialmente definido como espasmo tetânico prolongado dos músculos da mastigação resultando em uma limitação na abertura da boca. 1 Atualmente, o termo é utilizado amplamente em uma grande variedade de estudos como uma dificuldade na abertura da boca. 2 A prevalência do trismo após o tratamento do câncer de cabeça e pescoço varia de 5% a 30,7%. 3 Essa grande variação na prevalência pode estar relacionada a diferentes critérios utilizados para a avaliação e classificação. Dijkstra Kalk e Roodenburg (2004), em uma revisão de literatura, descrevem 12 estudos, em que nove critérios diferentes para trismo foram encontrados. 4 Embora não exista consenso, atualmente o critério mais amplamente utilizado 1) Bacharelado. Fisioterapeuta AC Camargo Cancer Center. 2) Pós Graduação Lato Sensu em Insuficiência Respiratória e Cardiovascular em UTI: Monitorização e Tratamento Hospital A.C.Camargo, 2002. Fisioterapeuta AC Camargo Cancer Center. 3) Pós Graduação em Fisioterapia em Uroginecologia CBES. Diretora do Departamento de Fisioterapia AC Camargo Cancer Center. 4) Professor Livre docente pelo Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (2010). Cirurgião Crânio-maxilo+facial Titular do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital A.C.Camargo. 5) Professor Livre Docente em Oncologia pela FMUSP. Diretor do Núcleo de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do ACCamargo Cancer Center. Instituição: A.C. Camargo Cancer Center São Paulo / SP Brasil Correspondência: Luiz Paulo Kowalski - Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia A.C. Camargo Cancer Center - Rua Prof. Antonio Prudente 211 - São Paulo /SP - Brasil CEP: 01509-900 - Telefone: (+5511) 2189-5172 - Fax: (+55 11) 5541-3341 / 5541-0326 - E-mail: lp_kowalski@uol.com.br Artigo recebido em 23/04/2014; aceito para publicação em 15/07/2014; publicado online em 15/04/2015. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há 158 e Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 158-162, Outubro / Novembro / Dezembro 2014
é a que considera diagnóstico de trismo uma distância interincisivos com abertura menor que 35 mm. 2 Em uma revisão de literatura, Vissink et al. (2003) relataram que o trismo foi atribuído à fibrose dos músculos mastigatórios e cicatrizes em resposta à radiação, bem como a fibrose dos tecidos moles ao redor da articulação temporomandibular (ATM) e rafe pterigóide-mandibular. 5 Em outra revisão, Bensadoun et al. (2010) consideram que o trismo causado pela radioterapia estava relacionado a lesão e fibrose dos músculos mastigatórios, que foi associado com o tecido cicatricial devido à radioterapia ou cirurgia, lesão nervosa, e a hipomobilidade mandibular levando à degeneração tanto articular como muscular. 3 Na literatura científica, o trismo radio-induzido é discutido com mais frequência em comparação ao trismo pós-cirúrgico. No entanto, o trismo tem sido avaliado após o tratamento cirúrgico do câncer da cabeça e pescoço. 6,7 HO (2009) relataram que os déficits na mobilidade articular ocorrem frequentemente após glossectomia, ressecção da base da língua, ressecção do assoalho da boca, mucosa bucal e mandibulectomias. 8 Adicionalmente a isso, sabe-se que quaisquer elementos que interferem na mobilidade, fatores que restringem tecidos moles, podem levar a atrofia muscular dentro de alguns dias ou semanas. Especificamente, a atrofia muscular pode ocorrer devido a aderências cicatriciais em torno das articulações e do tecido mole, assim como a mudanças de colágeno na cavidade articular. 9 O trismo pode prejudicar diversas atividades de vida diária, como a higiene oral, a fala e os hábitos alimentares. Portanto, o trismo tem um impacto significativo na qualidade de vida, o que pode ser demonstrado por meio dos questionários de qualidade de vida (QV), como o EORTC QLQ-H&N 35 e o questionário de QV da Universidade de Washington (UW-QOL). 10,11,12 O principal objetivo deste estudo foi avaliar pacientes com câncer de cabeça e pescoço em relação a presença do trismo, identificar características associadas a esta complicação e determinar o seu impacto na qualidade de vida. Método Este é um estudo transversal, que incluiu todos os pacientes elegíveis, que estavam em acompanhamento no período de setembro a novembro de 2011, no Ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia, de um hospital terciário, São Paulo, Brasil. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (protocolo número 1584/11). Os critérios de elegibilidade incluíam pacientes com idade superior a 18 anos, com diagnóstico de tumores malignos da boca, orofaringe, nasofaringe ou seios paranasais submetidos à quimioterapia, radioterapia e / ou cirurgia, há pelo menos um mês. Os pacientes que apresentaram recidivas ou comorbidades não controladas, não foram considerados elegíveis para o estudo. Durante os três meses de coleta de dados, 118 candidatos foram avaliados e seis foram excluídos após avaliação mais aprofundada dos prontuários devido a presença de recorrência tumoral. Apenas um participante desistiu da participação no estudo durante a avaliação. Para avaliar e identificar os fatores associados ao trismo, cada um dos 111 indivíduos elegíveis responderam a uma avaliação composta de anamnese, com uma revisão de prontuários para coletar informações sobre o local do tumor, estadio tumoral e tratamento do câncer, portanto, uma história médica padrão foi realizada. O tempo de alimentação não-oral (nasoenteral ou gastrostomia) foi considerado para incluir tanto o período pós-operatório, assim como o tempo durante e após a radio ou radioquimioterapia. Subsequentemente, a medida da abertura da boca foi obtida por meio de um paquímetro (Jomarca, Guarulhos, SP, Brasil), de acordo com a metodologia descrita por Goldstein et al. (1999). 13 A avaliação da intensidade da dor foi realizada através da Escala Visual Analógica (EVA), e a qualidade de vida foi avaliada com a versão validada na língua portuguesa do questionário de Qualidade de Vida da Universidade de Washington (UW-QOL). 14 O UW-QOL possui 12 questões pontuadas de 0 a 100, sendo a pontuação mais elevada indicativo de melhor qualidade de vida, além de três questões gerais. Em nosso estudo foi realizado análise de alguns domínios individualmente como a dor, a fala e a mastigação. Nesse estudo consideramos a presença de trismo quando o paciente tinha uma média de três medidas de abertura da boca, igual ou inferior a 35 mm, de acordo com o critério proposto por Dijkstra et al. (2006) 2. Análises estatísticas foram realizadas utilizando o teste qui-quadrado para analisar as possíveis associações entre variáveis qualitativas. Associações entre variáveis qualitativas e quantitativas foram avaliadas pelo teste de Mann-Whitney não paramétrico. O nível de significância foi fixado em 5%. Resultados No total, 111 pacientes completaram a avaliação proposta. A maioria dos participantes era do sexo masculino (64%) com idade entre 30 e 86 anos (média, 58 anos), seis (5%) eram fumantes, e 59 (53%) eram exfumantes. Um total de 80 pacientes (72%) declararam que nunca tiveram o hábito de ingerir bebida alcoólica, cinco (5%) mantinham o hábito, e 26 (23%) eram exetilistas. Um total de 63 pacientes (57%) relataram outras doenças crônicas. A queixa principal mais comumente relatada pelos pacientes foi a xerostomia (27 casos, 24,3%). Dor ou limitação de abertura da boca foi relatada como a principal queixa por sete (6,3%) pacientes. No entanto, um total de 36 (32,4%) pacientes referiram a dificuldade, dor ou limitação ao bocejar quando questionados. Os pacientes foram classificados de acordo com a presença (30 casos, 27%) ou ausência (81 casos, 73%) Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 158-162, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 159
de trismo. A medida média de abertura da boca foi de 40,3 mm, sendo que a menor média de abertura foi no grupo de participantes submetidos à cirurgia (C) e radioterapia (RDT) com quimioterapia (QT) (média = 37,9 mm / DP = 8,2 mm). As medidas de abertura de boca, agrupados por tratamento do câncer, são mostradas na Figura 1. O trismo foi encontrado em 33% dos pacientes que se submeteram a C + RDT + QT, 34% dos pacientes submetidos a RDT e QT, mas não a cirurgia, 29% dos pacientes que realizaram cirurgia e radioterapia pósoperatória e 18% dos pacientes que se submeteram a cirurgia exclusiva. Não houve correlação estatisticamente significativa entre a realização de reconstrução cirúrgica imediata e a presença de trismo (p = 0,75). A análise com a presença de dor no momento da avaliação (p = 0,98) e a realização de fisioterapia pós-operatória (p = 0,36) também mostrou resultados semelhantes. Trinta dos 111 participantes (27%) realizaram fisioterapia em algum momento, porém destes, em apenas 13 (43%) casos, o objetivo foi tratamento do trismo. A análise baseada no estadio T revelou correlação de tumores avançados com a presença de trismo (p = 0,03) (Tabela 1). A modalidade de RDT de intensidade modulada (IMRT) foi administrada em 24 pacientes, 39% do número total de participantes submetidos à radioterapia. Destes 24 pacientes, apenas cinco (21%) tinham trismo. Para aqueles indivíduos que realizaram modalidade de RDT 2D e 3D, a incidência de trismo foi 6/18 (33%) e 8/14 (57%), respectivamente. O número médio de sessões de radioterapia foi de 35,3 em pacientes que desenvolveram trismo e 31,5 em pacientes que não tiveram trismo (p <0,05). Em relação à dose de radiação, os participantes que foram submetidos à radioterapia e apresentaram trismo receberam uma dose total média de 64 Gy, não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao grupo sem trismo (p = 0,45). Porque alguns pacientes foram submetidos à radioterapia em outras instituições, havia informações incompletas em relação à dose de radiação recebida (quatro em cada 77 pacientes que se submeteram a RT isolada ou associada a outro tipo de tratamento), assim como sobre fracionamento (3/77) e modalidade (14/77) da radioterapia. Um total de 74 cirurgias foi realizado, das quais 35 eram diversos tipos de ressecção de tumor (47,3%) e 12 eram pelveglossectomias (16,2%). Três de cinco pacientes com carcinoma de lábio avançados apresentaram trismo. Para os pacientes com câncer de nasofaringe e orofaringe, a prevalência de trismo foi de 30% e 33%, respectivamente. O tempo de uso de sonda de alimentação (gastrostomia ou sonda nasoenteral) após a cirurgia e durante e após a radioterapia ou radioquimioterapia foi maior nos pacientes que tinham trismo (média de 98,3 dias / DP = 109,2), em comparação com aqueles que não tinham limitação de abertura da boca (média = 45,4 dias / DP = 60,0), essa diferença entre os grupos com e sem trismo foi estatisticamente significativa (p = 0,02). Figura 1. Medidas de abertura de boca relacionadas ao tratamento do câncer. Legenda: C: cirurgia; RDT: radioterapia; QT: quimioterapia. Figura 2. Média dos domínios do UW-QOL relacionado à presença do trismo. A média do escore composto da qualidade de vida dos participantes foi de 78,7 (DP = 14,3, variação de 22,9-100), e os melhores resultados foram obtidos por aqueles que foram submetidos a tratamento cirúrgico exclusivo (média = 85,3, variação de 49,3-100). Em relação à presença ou ausência de trismo, a qualidade de vida dos indivíduos que apresentavam trismo foi significativamente pior [média = 73,8 (DP = 14,7, intervalo 42,3-97,9)] do que aqueles com a abertura da boca sem limitações [média = 80,6 (DP = 13,9, 22,9 gama -100)] (p = 0,02). A média dos escores de cada domínio do questionário UW-QOL são demonstradas na Figura 2. Discussão A prevalência de trismo na amostra estudada (27%) está dentro do intervalo apresentado nas revisões da literatura (a partir de 5% a 30,7%). 3 Outro estudo brasileiro encontrou uma prevalência menor do trismo (14,3%) em doentes submetidos a tratamento do câncer. No entanto, a amostra incluiu apenas 69 pacientes acompanhados em uma clínica odontológica entre 2002-2004. 15 O trismo em paciente com diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço pode resultar da invasão local do tumor na musculatura mastigatória como masseter e pterigóideos, na inervação neural, articulação temporomandibular e / ou em outros tecidos. 6,16 No entanto, a cirurgia e a radioterapia são as causas principais de trismo nestes pacientes. 17 Nosso estudo avaliou pacientes apenas após o tratamento curativo, por isso não foi possível avaliar a presença de trismo devido a tumor. 160 e Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 158-162, Outubro / Novembro / Dezembro 2014
Lee et al. (2011), em um estudo longitudinal, encontraram 71% de pacientes com trismo pósoperatório (6 semanas no pós-operatório), e 79% com trismo 6 meses após a cirurgia ou radioterapia. 18 Nossa análise mostrou que a presença de trismo foi maior em pacientes submetidos radioquimioterapia ou cirurgia seguida por radioquimioterapia, do que naqueles submetidos à cirurgia isolada ou cirurgia e radioterapia pós-operatória, no entanto, as diferenças não foram estatisticamente significativas. Possivelmente o tempo entre o tratamento e o momento da avaliação tenha influenciado nesse resultado. Nosso estudo é transversal, e foi realizado com pacientes tratados de 1 mês até 33 anos após o tratamento. Assim, pacientes com trismo que foram tratados de forma adequada ou até mesmo por meio da abertura da boca de rotina em atividades como a fala, mastigação, higiene oral, podem ter melhorado espontaneamente ao longo dos anos. Os participantes deste estudo foram distribuídos em diferentes grupos cirúrgicos. No entanto, não foi possível analisar a relação de trismo com procedimentos específicos por causa do baixo número de casos incluídos em cada categoria. Um substituto da extensão do procedimento cirúrgico pode ser o estádio da doença loco-regional porque está relacionado com a quantidade de tecido ressecado na cirurgia curativa, além de indicar, muitas vezes, a necessidade de um tratamento adjuvante. Um estudo prospectivo apresentou medidas e registros da abertura da boca em pacientes que realizaram cirurgias primárias por câncer de boca e orofaringe, e o trismo estava presente em 21% dos pacientes antes e após a operação e, em 32% apenas após a cirurgia. 7 A dor orofacial é uma condição comum em pacientes com câncer de cabeça e pescoço e é relatado em até 70% dos pacientes imediatamente após o tratamento curativo. Em um estudo, 36% dos pacientes tiveram dor orofacial contínua até 6 meses após a conclusão do tratamento. 19 A dor aguda após cirurgia envolve geralmente resposta inflamatória relacionada com a extensão da cirurgia e pode estar associada com lesão nervosa concomitante. 20. A dor orofacial influencia significativamente a morbidade e qualidade de vida, e pode alterar funções sociais da comunicação [da fala, expressão facial e interação física (comer e beijar)]. 19,20 Além disso, a disfunção e dor póscirúrgica podem persistir, afetando abertura da boca e a mobilidade dos tecidos moles (como lábios, bochechas, língua e palato mole), causando déficits para mandíbula e alteração da sensibilidade oral 20. Houve uma associação significativa do estádio T e a presença do trismo, como demonstrado em estudos anteriores. 16 Em 2008, Scott et al. também mostraram que a abertura da boca estava associada com o estádio clínico do tumor (média: Tis/T1-2, 35 mm; T3-4, 24 mm) e, além disso, também com a realização da radioterapia (mediana com radioterapia de 27 mm; mediana sem radioterapia de 38 mm). 12 SCOTT et al. (2008) também mostraram que os pacientes que tiveram fechamento primário (mediana: 38 mm), apresentaram uma maior abertura de boca do que os pacientes que necessitaram de retalhos de tecidos moles (mediana: 30 mm) ou retalhos compostos (mediana: 24 mm). 12 Nossa análise não encontrou nenhuma associação de trismo com reconstrução cirúrgica. Diversos estudos na literatura têm mostrado uma relação do trismo com a dose de radiação e o local irradiado. A irradiação da ATM e músculos masseter e pterigóideos, bem como doses superiores a 60 Gy mostram-se como fatores de risco determinantes para trismo. 10,13,21 No presente estudo, a dose total de radiação dentro dos campos cérvico-faciais (CCFF), que inclui as regiões da ATM e músculos da mastigação, foi de 64 Gy naqueles indivíduos que apresentavam trismo, e 61,6 Gy em pacientes sem trismo. Os participantes que apresentaram trismo necessitaram de dose total de radiação mais alta, possivelmente devido ao estádio mais avançado da doença. Assim, a causa de trismo parece ser multifatorial. Notavelmente, os pacientes que foram submetidos a IMRT apresentaram trismo em menor número comparado com pacientes tratados previamente com modalidade convencional (21%). Gomez et al. (2009) reportaram que 17% dos pacientes tratados com IMRT apresentavam trismo. 22 No entanto, a proporção de trismo em nossa amostra ainda é maior do que a observada em outros estudos. 3 O nosso estudo mostrou que a modalidade IMRT foi realizada em 24 participantes (39%), o que é explicado pelo momento do diagnóstico que, na maioria dos participantes, é recente, com uma média de 5,9 anos de seguimento. Fibrose de radiação se refere à esclerose do tecido que muitas vezes ocorre em resposta à exposição à radiação, porém frequentemente a radioterapia é combinada a quimioterapia e / ou cirurgia. Assim, os efeitos tóxicos podem ser cumulativos e de difícil separação clínica. 17 A radioterapia e a cirurgia podem levar a fibrose na região orofacial e, portanto, se mastigação e deglutição tornam-se difíceis, uma modificação da dieta é necessária. A dieta oral pode exigir modificações de textura, dependendo da capacidade do paciente para abrir a boca e mastigar. 23 Bragante et al. (2012) demonstraram que pacientes que se alimentavam através sonda de alimentação nasoenteral (SNE) apresentavam maior restrição na abertura máxima da boca, em comparação com pacientes em que foi administrada dieta por via oral. 24 A hipomobilidade mandibular causada pela utilização da SNE pode acelerar a degeneração dos músculos mastigatórios e da ATM causada pela radioterapia. 3 Em nosso estudo, o tempo total de uso de sonda (nasoenteral ou gastrostomia) foi calculado incluindo o período pós-operatório e o tempo durante e após radio ou radioquimioterapia. Longos períodos de uso de sonda de alimentação foram observados em pacientes que apresentaram mucosite associada à radiação ou quimioirradiação, e este período foi significativamente Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 158-162, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 161
maior no grupo de pacientes com limitação na abertura da boca. O trismo é uma grande preocupação porque influencia e limita diversos hábitos de vida diária. Consequentemente, os pacientes com essa complicação apresentam significativamente piores pontuações no UW- QOL quando comparados com pacientes sem limitação de abertura da boca. Este efeito também foi demonstrado em outros estudos. Kent et al. (2007) afirmam que o trismo induzido por radiação mostrou impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes tratados com radioterapia para câncer da cabeça e pescoço. 10 Weber et al. (2010) relataram altos índices de complicações em pacientes com câncer de boca e orofaringe, 65% dos quais eram problemas na alimentação e 70% no hábito de beber. 25 Estas complicações são associadas com a redução na abertura da boca, pois a mastigação e a deglutição são prejudicadas pela abertura mandibular limitada. Outros estudos relatam consequências do trismo, tais como perda de peso e dificuldade em realizar cuidados de higiene dental. Jager-Wittenaar et al. (2011) demonstraram a relação entre trismo e malnutrição em indivíduos tratados para o câncer de cavidade oral ou de orofaringe. 26 Além disso, Epstein e Huhmann (2012) também relataram que a capacidade de usar uma prótese bucal e sua funcionalidade pode ser afetada. 23 Nossa análise não encontrou associação do trismo com a realização de tratamento fisioterapêutico. No entanto, os exercícios são frequentemente propostos para prevenção ou tratamento do trismo, incluindo exercícios de amplitude de movimento ativo e passivo e, geralmente, algumas ferramentas, como esferas de borracha, espátulas de madeira, abridores de mordida dinâmicos e o TheraBite, que são instrumentos usados como incentivos para melhor cumprimento do exercício ou para aumentar a eficácia terapêutica. Djkistra et al. (2007) demonstraram que a abertura da boca aumenta significativamente após a terapia de exercícios em pacientes com trismo, mas o aumento na abertura é maior em pacientes com trismo não relacionado ao câncer, em comparação com pacientes com trismo relacionados com câncer de cabeça e pescoço. 27 O presente estudo mostrou que uma menor abertura média da boca estava no grupo de participantes submetidos a C + RDT + QT, apesar da ausência de significância estatística, e que o trismo foi associado estádio T. Assim, não fica claro se o trismo poderia ser um risco para a pior qualidade de vida ou se a associação de fatores, como tipo de tratamento e estádio tumoral, podem ser mais importantes para a qualidade de vida. Assim, é necessário realizar um estudo prospectivo longitudinal, envolvendo todos os pacientes submetidos ao tratamento curativo para determinar a real prevalência dessa complicação. Este estudo prospectivo longitudinal também pode fornecer informações sobre a prevalência em diferentes etapas do tratamento (após a cirurgia, após o tratamento adjuvante e, depois de longo prazo de seguimento) e pode ser mais informativo sobre a importância de inúmeros fatores de risco putativos. Conclusão Em conclusão, a prevalência do trismo na casuística estudada foi de 27%, e os fatores significativos associados com trismo foram estadios avançados do tumor e maior tempo com sonda de alimentação. Pacientes com trismo mostraram significativo pior escore de qualidade de vida. Este conjunto de informações é importante para identificar pacientes que apresentam alto risco para o desenvolvimento de trismo e assim, propor métodos adequados para a sua prevenção e controle. 162 e Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 158-162, Outubro / Novembro / Dezembro 2014