Visão estratégica dos públicos



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Transcrição:

Visão estratégica dos públicos FRANÇA, Fábio. Públicos: como identificá-los em uma nova visão estratégica. São Caetano do Sul: Yendis, 2004, 159p. O desenvolvimento e a adoção de conceitos sobre a noção de públicos têm constituído um desafio importante na trajetória da pesquisa em comunicação, particularmente na área de relações públicas. Pesquisadores de diferentes áreas da comunicação convivem com a fragilidade conceitual e a difi culdade na classificação dos diferentes públicos que compõem o ambiente das organizações. A relevância do tema, no entanto, traz à tona a necessidade de um fortalecimento em seu estudo, tendo em vista que o sucesso das diferentes ações de comunicação organizacional depende, cada vez mais, de um conhecimento preciso dos públicos aos quais estas ações se destinam. Nessa obra, o professor Fábio França propõe uma nova conceituação para públicos. Percorrendo referências importantes na conceituação de públicos, França analisa cada um destes conceitos a partir do contexto em que foram construídos, observando seu caráter mais voltado para uma visão sociológica. Surge então o questionamento em relação à validade dos mesmos no contexto atual, visando a realização de negócios em nova lógica organizacional, profundamente impactada pela globalização. O questionamento leva o autor a delinear uma nova proposta de classificação, que toma por base o grau de interação de cada público com a organização. Neste desafio, o autor optou 204 Comunicação e Sociedade 45

por uma pesquisa qualitativa com grandes empresas nacionais e multinacionais sediadas nos municípios de São Paulo e São Bernardo do Campo, dos setores industriais e de prestação de serviços. Foram entrevistados acionistas, fornecedores, empregados, clientes, governo, associações de classe, agências de consultoria, comunidade e mass media. França analisou basicamente os seguintes tópicos: tipo de relacionamento; objetivos de relacionamento; expectativas do relacionamento; nível de interdependência empresa-públicos; nível de envolvimento da empresa com o público; temporalidade (duração) da relação; interpessoalidade da relação; nível esperado de resultados da relação. Distinguindo os dados gerais obtidos das diferentes formas de relação observadas, o autor chega a algumas constatações importantes. Em relação à terminologia utilizada para designar públicos, a pesquisa revelou que não há uma uniformidade nas empresas. Partes interessadas e públicos estratégicos são alguns dos termos utilizados. O termo stakeholder 1 é desconhecido e quando usado, limita-se aos públicos em geral ou acionistas. A pesquisa de França também revelou que algumas empresas dependem essencialmente de alguns públicos para a constituição e implantação de seu negócio. Esta visão de essencialidade serve como base para a conceituação que será apresentada na seqüência da obra pelo autor. Nesta perspectiva, há públicos sem os quais a empresa não pode viabilizar suas atividades e seus negócios e também públicos que estão envolvidos com a organização, no entanto, não são imprescindíveis para o desenvolvimento dos negócios. Nestes diferentes graus de relacionamento, o nível de inter dependência é maior ou menor, de acordo com o grau de envol vimento e participação destes públicos em seus negócios. A temporalidade na relação é outro fator observado na pesquisa. O autor revela que há relacionamentos permanentes, freqüentes ou ocasionais, dependendo da participação dos públicos nos negócios de interesse da organização. 1. Segundo Carrol (apud França, p. 59), é um termo idiomático inglês que define todas as pessoas que possuem interesse em relação às empresas ou organizações. 205

Em uma análise mais específica da questão do rela cionamento com os públicos, França propõe a organização dos dados por: tipos de público, tipos de relacionamento, objetivos da empresa e resultados esperados. Basicamente são analisados os tipos de público acionistas, empregados, fornecedores e clientes. Segundo o autor, este novo enquadramento, que considera fatores antes ignorados ou pouco ressaltados como os objetivos da empresa e os resultados esperados, permite analisar os relacionamentos das organizações com seus públicos em todas as suas fases, eliminando critérios de proximidade (geográficos), e de conceitos ambíguos, como o público misto. Este enquadramento de pesquisa leva a uma nova proposta teórica, que considera a necessidade, em especial da área de relações públicas, de gerenciar de maneira adequada rela cionamentos que podem ser múltiplos, interatuantes, coletivos, efêmeros, duráveis, permanentes, internos ou externos. Na discussão, França leva em consideração, além dos objetivos do relacionamento, três critérios lógicos que permitem estabelecer melhor a compreensão dos públicos e de sua função. O primeiro é o grau de dependência jurídica e situacional da organização em relação aos seus públicos. O segundo critério diz respeito ao maior ou menor grau de participação dos públicos nos negócios da empresa e o terceiro, refere-se ao nível de interferência que determinados públicos podem exercer sobre a organização e seus negócios. Neste último, entram as redes de concorrência e a rede dos mass media, incluindo o poder da imprensa de interferir na legitimação ou no descrédito da empresa junto à opinião pública. A partir dos objetivos e critérios de relacionamento, o autor justifica finalmente o título da obra: Públicos como identificá-los em uma nova visão estratégica ao lançar o que denomina de conceituação lógica de públicos. As novas categorias propostas listam três tipos de públicos: essenciais, não essenciais e redes de interferência. Os públicos essenciais são aqueles ligados juridicamente à organização e dos quais a mesma depende para sua constituição, manutenção de estrutura, sobrevivência e execução de atividades 206 Comunicação e Sociedade 45

-fim. Os públicos essenciais podem se dividir em públicos essenciais constitutivos e públicos essenciais não-constitutivos ou de sus tentação. A diferença básica entre os dois tomaria por base a questão da constituição, sendo que o segundo tipo não teria interferência direta nesta questão, mas na viabilização ou manutenção no mercado. Um exemplo de público essencial de sustentação poderia ser os estudantes em uma instituição de ensino. Públicos de sustentação também podem ser classificados em duas subcategorias: primários e secundários. Nos primários, incluem-se os fornecedores de matérias-primas e os colabo radores diretos. Nos secundários, podem estar os terceirizados e temporários, que não estão envolvidos tão diretamente quanto os primários. Os públicos não-essenciais definem-se como redes de inte res se específico, não participam das atividades-fim e normalmente atuam externamente. Podem ser divididos em quatro tipos: redes de consultoria e de serviços promocionais, redes de setores associativos organizados, redes de setores sindicais e redes setoriais da comunidade. Finalmente, os públicos denominados como redes de interferência representam públicos especiais do cenário externo que, pelo seu poder de liderança operacional ou representativa junto ao mercado e à opinião pública podem gerar interferências indesejáveis ou apoiar a organização, conforme o caso. Incluem-se nesta categoria a rede da concorrência e a rede de comu nicação de massa. Apresentada a conceituação lógica de públicos, França encerra mostrando algumas alternativas de sua aplicação. Evidenciam-se, neste momento, os avanços que esta obra representa, ao apresentar nova fundamentação teórica que classifica mais facilmente públicos antes vistos como híbridos ou com pouco enquadramento nas tipologias utilizadas até o momento. Outro avanço considerável que pode ser apontado é a sinalização clara de uma interferência direta ou mais indireta de redes, inclusive entre os públicos não-essenciais. O conceito de rede, que hoje está sendo tão discutido por diversos autores como nova lógica que compõe o tecido social, aparece aqui claramente em uma categorização de públicos alinhada ao 207

contexto atual. Neste sentido, além da importância acadêmica, ressalta-se a relevância da obra para aqueles que atuam na praxis da comunicação organizacional, em uma realidade de transformações sociais e globalização. A nova categorização permite definir que ações serão absolutamente prioritárias, levando em consideração, inclusive, os recursos financeiros disponíveis para cada ação. A obra de França deixa franco espaço para novas pesquisas, que certamente terão o papel de aprofundar a aplicação desta nova conceituação. O autor reconhece a necessidade de novos estudos para aprofundar a aplicação desta categorização e aponta algumas sugestões para organizações com particularidades específicas, como as instituições de ensino e hospitais. Muitos serão os recortes possíveis e podemos dizer que as novas pesquisas em comunicação que se defrontem com a necessidade de uma conceituação do termo públicos terão que, obrigatoriamente, fazer uma releitura dos clássicos, permeada com a nova proposta lançada nesta obra. Laura Maria Glüer Jornalista e Mestre em Comunicação Social Docente no Centro Universitário Metodista IPA Porto Alegre/RS 208 Comunicação e Sociedade 45