INCLUSÃO E EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Claudia Regina Mosca GIROTO; Beatriz Aparecida Barboza do NASCIMENTO UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC)/ Campus de Marília/SP e Faculdade de Ciências e Letras (FCLAr)/Campus de Araraquara/SP. Eixo 06: A formação de professores na perspectiva da inclusão. claudia.mosca@marilia.unesp.br Introdução Desde 1994, com a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), o contexto educacional tem passado por mudanças para assegurar a educação para todos. Desde então, as políticas públicas brasileiras têm se voltado a essa nova perspectiva educacional, porém, somente em 2008 houve a reorganização do sistema educacional brasileiro, em que a Educação Especial assumiu caráter complementar ao ensino regular, sendo o Atendimento Educacional Especializado (AEE) obrigatório e transversal a todas as modalidades de ensino, ou seja, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior (BRASIL, 1996; 2001; 2008; 2013); bem como ocorreu a ampliação do público-alvo da Educação Especial: pessoas com deficiência; transtornos globais do desenvolvimento; e altas habilidades/superdotação. No que diz respeito à Educação Infantil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), em seu artigo 29, define que é a [...] primeira etapa da educação básica [e] tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Bueno e Maletti (2011, p. 280) corroboram essa ideia ao afirmar que [...] parece não haver dúvidas de que uma das formas de se garantir uma inclusão de qualidade de alunos com deficiências, TGDs, altas habilidades/superdotação no ensino regular é a de que ela ocorra o mais precocemente possível, ou seja, na educação infantil Nesse sentido, Carneiro (2011) alega que as escolas de Educação Infantil não estão preparadas para o atual contexto educacional e que [...] pensar em mudança de paradigma e em consequente transformação da escola implica no reconhecimento de que a educação infantil é o primeiro espaço em que as mudanças devem se efetivar (CARNEIRO, 2011, p. 93). Logo, o presente trabalho teve por objetivo resgatar e analisar os artigos científicos sobre a Educação Infantil frente à reorganização do sistema educacional brasileiro, na perspectiva da educação inclusiva, publicados na Revista Brasileira de Educação 4708
Especial (RBEE) e na Revista de Educação Especial de Santa Maria (REESM), entre os anos de 2008 e 2014 periódicos esses selecionados devido à abrangência que possuem e ao reconhecimento científico alcançado no cenário científico nacional, uma vez que figuram, no Qualis CAPES/CNPq, no extrato A2 e B2, respectivamente. Tal período foi considerado em razão da publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que dispõe sobre a reorganização do sistema educacional e define os alunos público-alvo da Educação Especial. Método Por se tratar de uma revisão bibliográfica, partimos da leitura inicial dos sumários dos números publicados entre 2008 a 2014, da Revista Brasileira de Educação Especial (RBEE), os quais se encontram atualmente disponíveis na biblioteca eletrônica SciELO, na Internet, e da Revista Educação Especial de Santa Maria (REESM), os quais se encontram no site da Universidade Federal de Santa Maria, em busca de artigos de revisão bibliográfica, ensaios e relatos de pesquisa, que fizessem algum tipo de referência à Educação Infantil frente à inclusão, no caso de não se encontrar claramente no título do artigo o tema escolhido, foi realizada a leitura do resumo a fim de verificar se era pertinente ou não ao estudo. Foram encontrados 12 artigos, seis de cada revista, que abordaram o tema escolhido e se tornaram objeto do estudo. A análise dos dados compreendeu a eleição de cinco eixos temáticos, a saber: 1) Quantidade de artigos publicados por ano, para analisar a incidência de publicações sobre o tema investigado; 2) Autoria dos artigos publicados, que compreendeu as parcerias feitas entre autores; 3) Áreas de formação dos autores e coautores, que enfatizou a interdisciplinaridade entre as áreas de conhecimento; 4) Tipos de pesquisas realizadas, que demonstraram quais os tipos mais comuns de pesquisas publicadas; 5) Temas abordados nas pesquisas, que considerou os assuntos discutidos nos artigos; Resultado e discussão 4709
Os resultados da análise dos dados são apresentados de forma detalhada, a seguir, de acordo com os eixos temáticos estabelecidos e seus respectivos subeixos, quando pertinentes: 1) Quantidade de artigos publicados por ano De 2008 para 2014 a Revista Brasileira de Educação Especial teve no total 25 números publicados. Desse total, foram considerados seis artigos dispostos desigualmente entre cinco números de publicação sobre a Educação Infantil frente a Educação Inclusiva. Já na Revista de Educação Especial de Santa Maria, nesse mesmo período, ocorreram 20 publicações, das quais seis continham artigos relacionados ao tema estudado. O gráfico a seguir exemplifica os dados: Fonte: Dados da pesquisa. Nota-se que houve maior incidência de publicação nos anos de 2012 e 2013. 2) Autoria dos artigos publicados A análise da autoria dos artigos referentes à Educação Infantil em relação à Educação Inclusiva revelou a prevalência de artigos redigidos em coautoria, sendo nove (75%) escrito em duplas e três (25%) em trios, conforme o Gráfico 2: 4710
Fonte: Dados da pesquisa. Tal dado indicou que parcerias entre os autores contribuíram para a construção desses artigos. 3) Áreas de formação dos autores e coautores É importante ressaltar o enfoque multidisciplinar nos agrupamentos de autores e coautores que muitas vezes têm diferentes áreas de origens. Dias (2003, p. 2) aponta que o intercâmbio entre as áreas de conhecimento foi um dos motivos que levou à criação de uma revista nacional sobre a Educação Especial, já que a Pós-Graduação nessa área está vinculada a diversas outras, dessa forma, as produções relacionadas à Educação Especial estariam em uma única revista e não espalhadas, caso contrário a produção [...] dificilmente conseguiria atingir, com rapidez, os estudiosos, profissionais e professores da área, promovendo as trocas entre produção de conhecimento e prática profissional. No que diz respeito à formação inicial, dos 27 autores encontrados nos artigos considerados nas duas revistas, foi possível obter informações, através dos currículos disponíveis na Plataforma Lattes/CNPq, de 21 desses autores. Prevaleceu a graduação em Psicologia, que englobou nove (42,86%) autores, seguidos de Terapia Ocupacional e Pedagogia, com quatro cada (19,05%), Fisioterapia dois (9,52%), Física, Fonoaudiologia e Direito com um de cada área (4,76%), conforme demonstra o Gráfico 3: 4711
Fonte: Dados da pesquisa. Em relação à pós-graduações stricto sensu, dos 21 autores dos quais foram encontradas informações, 20 (95,24%) possuem mestrado, 19 (90,48%) doutorado e dois (9,52%) pós-doutorado. No mestrado a linha que mais se destacou dentre os autores foi a de Educação Especial com oito (40%); Educação e Psicologia com três autores em cada (15%); Ciências médicas e Saúde com dois cada (10%); Sociologia e Desenvolvimento Regional com um cada (5%), os dados são exemplificados no Gráfico 4: Fonte: Dados da pesquisa. No doutorado prevaleceu a linha de Educação com sete autores (36,84%); Psicologia com seis (31,58%); Saúde com três (15,79%); Educação Especial com dois (10,53%); e Medicina com um (5,26%), conforme o Gráfico 5: 4712
Fonte: Dados da pesquisa. Dos dois autores com pós-doutorado, um foi realizado na linha de Saúde Pública e o outro em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano. Percebe-se que, na maioria, os pesquisadores sobre a Educação Especial são advindos da formação da área da saúde, tal fato pode ser explicado pela história da educação de pessoas com deficiências, que ocorria segregada da educação geral, sem contar o processo de institucionalização, em muitas situações não superado, cuja prática frequente da medicalização supervalorizava o caráter orgânico em detrimento do pedagógico e justificava o encaminhamento a profissionais da saúde que pouco tinham a ver com a educação (OMOTE, 1994). Porém, com as mudanças de paradigmas e o fortalecimento da inclusão, surgem também novas concepções e o professor da sala regular é o responsável pelo acesso ao currículo por parte do público-alvo da Educação Especial, em parceria com os demais profissionais. 4) Tipos de pesquisa realizadas Dos 12 artigos selecionados, nove (75%) são relatos de pesquisa e três (25%) ensaios, sendo quatro relatos de pesquisa e dois ensaios da RBEE e cinco relatos de pesquisa e um ensaio da REESM. Tal dado pode ser justificado pela necessidade de trocas de conhecimentos salientado por Dias (2003), uma vez que os relatos de pesquisa demonstram os resultados obtidos através de investigações realizadas, enquanto que os Ensaios são levantamentos bibliográficos que podem ou não condizer com a realidade. 5) Temas abordados nas pesquisas 4713
Após realizar a leitura dos títulos e dos resumos dos artigos selecionados, surgiu a necessidade de agrupá-los em subeixos, de acordo com o predomínio do assunto. Nas situações em que se fizeram pertinentes, foi realizada a leitura integral dos artigos, em que o assunto não estava explicitado de modo suficiente no título e/ou no resumo, a fim de confirmar a classificação inicial. Logo, foram elencados cinco temas conforme demonstrado no Gráfico 6: Fonte: Dados da pesquisa. a) Interação da criança na escola: A interação da criança com seus pares e com o ambiente foi evidenciado em três artigos, sendo eles relatos de pesquisa, dois com crianças com Síndrome de Down e um com criança surda que frequenta o ensino regular de Educação Infantil. Acredita-se que um dos maiores benefícios da inclusão é proporcionar a interação do deficiente para com os demais (FREITAS; MENDES, 2009; ANHÃO, PFEIFER; SANTOS, 2010; SILVESTRE; LOURENÇO, 2013). b) Reflexões acerca da Inclusão: Reflexões sobre o atual contexto educacional por parte dos professores de Educação Infantil e pesquisadores, sendo os três relatos de pesquisas, a partir de questionários e observações (DE VITTA; DE VITTA; MONTEIRO, 2010; MATTOS; NUERNBERG, 2011; FRAGOSO; CASAL, 2012). c) Condições de acessibilidade da escola: Caracterizou-se por um relato de pesquisa e um ensaio e discorrem sobre análise das rotas utilizadas pelas crianças na escola e mecanismos para avaliar com qualidade a Educação Infantil (CORRÊA; MANZINI, 2012; GENNARO; GIL, 2012). d) Inclusão dos alunos com Necessidades Educacionais Especiais; São dois relatos de pesquisa e um ensaio que analisam como está a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares de Educação 4714
Infantil e a importância de uma escola que atenda às necessidades de seus alunos. (PEREIRA; GRAVE, 2012; BRANDÃO; FERREIRA, 2013; PEREIRA; MATSUKURA, 2013). e) Língua Brasileira de Sinais: É um ensaio sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como mediadora do conhecimento e comunicação entre a criança surda e seus pares, uma análise acerca do ensino de Libras nas escolas regulares de Educação Infantil (MARQUES; BARROCO; SILVA, 2013). Considerações finais Dentre os resultados obtidos se evidenciou que mesmo havendo a regulamentação sobre a Educação Infantil fazer parte da educação básica do aluno, ainda se constitui numa área pouco investigada, principalmente no que se refere ao contexto educacional inclusivo, à relação com a Educação Especial e com o AEE, quando comparada às outras modalidades de ensino que compreendem outras idades escolares. Obviamente precisa-se de maiores investimentos e investigações sobre a organização da Educação Infantil no contexto educacional inclusivo, uma vez que a infância é parte fundamental do desenvolvimento humano. É interessante ressaltar também que grande parte dos autores e coautores não são da área da educação ou professores, em relação à graduação, ou seja, não são os profissionais mais diretamente envolvidos na mediação da apropriação de conhecimentos para que o aluno atinja o currículo. Referências ANHÃO, P. P. G.; PFEIFER, L. I.; SANTOS, J. L. Interação social de crianças com Síndrome de Down na Educação Infantil In: Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.16, n.1, p.31-46, 2010. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, 1996.. Parecer CNE/CEB nº 17/2001, aprovado em 3 de julho de 2001.. Política Nacional de Educação especial na perspectiva da educação Inclusiva. 2008.. Nota Técnica nº 055 / 2013. Orienta a atuação dos Centros de AEE, na perspectiva da educação inclusiva, 2013. 4715
BRANDÃO, M. T.; FERREIRA, M. Inclusão de crianças com Necessidades Educativas Especiais na Educação Infantil. In: Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 19, n. 4, p. 487-502, 2013. BUENO, J. G. S.; MELETTI, S. M. F. Educação infantil e educação especial: uma análise dos indicadores educacionais brasileiros. In: Revista Contrapontos - eletrônica, v. 11, n. 3, p. 278-287, 2011. CARNEIRO, R. U. C. Educação inclusiva na educação infantil. In: Práxis Educacional Dossiê temático: Educação Inclusiva. 2011. CORRÊA, P. M.; MANZINI, E. J. Um estudo sobre as condições de acessibilidade em pré-escolas. In: Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.18, n. 2, p. 213-230, 2012. DE VITTA, F. C. F.; DE VITTA, A.; MONTEIRO A. S. R. Percepção de professores de Educação Infantil sobre a inclusão da criança com deficiência In: Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 16, n. 3, p. 415-428,2010. DIAS, T. R. S. Porque uma revista de Educação Especial: o início. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.9, n.1, p.1-15, 2003. FRAGOSO, F. M. R. A.; CASAL, J. Representações sociais dos educadores de infância e a inclusão de alunos com Necessidades Educativas Especiais. In: Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 18, n. 3, p. 527-546, 2012. FREITAS, M. C.; MENDES, E. G. Interação entre uma criança com deficiência e seus pares em uma creche regular. In: Revista de Educação Especial de Santa Maria, Santa Maria, v. 22, n. 35, p. 339-350, 2009. GENNARO, L. R. M.; GIL, M. S. C. A. Análise teórica de itens de uma escala americana para avaliação do atendimento em creches inclusivas brasileiras. In: Revista de Educação Especial de Santa Maria, Santa Maria, v. 25, n. 44, p. 531-544, 2012. MARQUES, H. C. R.; BARRACO, S. M. S.; SILVA, T. S. A. O Ensino da Língua Brasileira de Sinais na Educação Infantil para crianças ouvintes e surdas: considerações com base na psicologia histórico-cultural. In: Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 19, n. 4, p. 503-518, 2013. MATOS, L. K.; NUERNBERG, A. H. Reflexões sobre a inclusão escolar de uma criança com diagnóstico de autismo na educação infantil. In: Revista de Educação Especial de Santa Maria, Santa Maria, v. 24, n. 39, p. 129-142, 2011. OMOTE, Sadao. Perspectivas para conceituação de deficiências. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, n. 4, p. 127-135, 1996. PEREIRA, L. C. L.; GRAVE, M. Q. Encaminhamento de crianças com Necessidades Educacionais Especiais em idade de estimulação precoce a escolas de Educação Infantil de um município de médio porte do Vale dos Sinos. In: Revista de Educação Especial de Santa Maria, Santa Maria, v. 25, n. 42, p. 101-114, 2012. PEREIRA, P. C.; MATSUKURA, T. S. Inclusão escolar e Educação Infantil: um estudo de caso. In: Revista de Educação Especial de Santa Maria, Santa Maria, v. 26, n. 45, p. 125-144, 2013. 4716
SILVESTRE, C. O. J.; LOURENÇO, E. A. G. A interação entre crianças surdas no contexto de uma escola de Educação Infantil. In: Revista de Educação Especial de Santa Maria, Santa Maria, v. 26, n. 45, p. 161-174, 2013. UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, 1994. 4717