O Papel do Sensemaking nos Processos de Mudança nas Organizações



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Transcrição:

O Papel do Sensemaking nos Processos de Mudança nas Organizações Autoria: Marcos Vinícius Pereira Correa, Natália Rese, Josué Alexandre Sander, Jane Mendes Ferreira Resumo A mudança organizacional é entendida como uma ruptura no fluxo organizacional e como tal exige que os sujeitos envolvidos neste processo resignifiquem suas atividades a fim de reestabelecer a rotina organizacional. O sensemaking, explica que é através da interação social que os sujeitos buscam atribuir sentido às novas informações visando reduzir o grau de ambiguidade, possibilitando assim a análise de elementos do cotidiano organizacional do nível micro. O presente trabalho se caracteriza como estudo teórico, e tem por objetivo descrever a construção de sentido (sensemaking) de processos de mudança, a partir da construção de uma racionalidade narrativa 1

1. Introdução Com o advento das organizações modernas, as interações entre as organizações e o ambiente se tornaram mais dinâmicas e complexas (CHANDLER, 1962). Com isso, os estudos no campo das organizações objetivam através de um arcabouço teórico diverso, apresentar elementos que possibilitem analisar a complexidade dos fenômenos organizacionais, mediantes lentes de análise que busquem desvelar não necessariamente o todo, mas ao menos parte da realidade das organizações (MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL, 2007). Um dos fenômenos analisados pela teoria organizacional são as mudanças organizacionais, que interrompem práticas estabelecidas nas organizações (MAITLIS; SONENSHEIN, 2010). Uma das teorias organizacionais que auxilia a compreensão dos processos de mudança é o trabalho de Weick acerca do fenômeno da construção de sentido nas organizações (sensemaking). Como destacam Montenegro e Casali (2008, pg. 12): Weick oferece uma perspectiva bastante inovadora e interessante para se analisar as organizações. Apesar de seu caráter abstrato, o modelo de Weick estimula a reflexão sobre aspectos pouco observados nas práticas organizacionais cotidianas e enfatizam a relação entre a ação e a comunicação na constituição da realidade organizacional. Os aspectos pouco abordados são as regras, ciclos de comportamento e padrões de comunicação, que são constituintes da realidade organizacional. Sendo assim, esse aporte teórico proposto por Weick (1995) possibilita analisar a realidade organizacional não como estática e pré-definida, mas como um processo que se constrói mediante a dinamicidade das interações sociais, de forma a buscar um sentido no fluxo de informações que advém do contexto organizacional. Desse modo, o conceito de sensemaking destaca-se como uma possível base analítica para se compreender diferentes fenômenos organizacionais. Devido à dinâmica organizacional e pressões ambientais, a construção de significados no cotidiano das organizações, pode vir a passar por estados de ruptura devido aos processos de mudança. Essa ruptura de significados ocorre não em sua totalidade, mas através elementos pontuais, de modo que os sujeitos pertencentes a uma organização, ao passarem por processos de mudança, sejam eles ocasionados por questões macro como, por exemplo: crises econômicas, nova estrutura hierárquica, downsizing, fusões, bem como por questões de nível micro como a implementação de uma nova tecnologia, mudança nos espaços físicos de trabalho, entre outros podem vir a estabelecer um novo arranjo de significados compartilhados entre os sujeitos. O processo de sensemaking, conforme descrito por Weick (1995) busca tornar o desconhecido em conhecido, mediante um framework de significados compartilhados pelos sujeitos nas organizações. Para o autor, essa construção de sentido envolve aspectos cognitivos e de ação em dado contexto organizacional, resultando em significados e definição dos propósitos da organização. A construção de sentido é o processo de criar, manter e dissolver a coletividade social, a organização (WHITTINGTON; MELIN, 2003). Nesse contexto, é através dos processos de socialização que a construção de sentido se dá no campo social (BERGER; LUCKMAN, 1985). A construção de sentido nas organizações é permeada por elementos próprios como linguagem, crenças, signos, símbolos e, o sensemaking busca compreender o como, o porquê e os desdobramentos da construção de sentido. Nesse contexto, a construção de sentido é tida como algo contínuo, em construção (ongoing), de modo que o sensemaking nunca começa, é sempre uma constante, uma atividade contínua presente nas rotinas organizacionais (WEICK, 1995). 2

Os processos de mudança organizacional podem fazer com que ocorram rupturas no cotidiano e conseqüentemente na constelação de significados compartilhados. A partir das rupturas os sujeitos passam a resignificar e a construir novos significados que, na relação social, passam a ser compartilhados e a dar sentido a uma nova configuração que emerge deste processo. Desse modo, a construção de sentido nos processos de mudança nas organizações pode se constituir através das narrativas compartilhadas entre os sujeitos, pois o sensemaking estabelece uma relação intrínseca e dinâmica entre a ação e os atos de fala, já que é nessa interação que os sujeitos buscam estabelecer sentido à realidade organizacional. Assim, o presente artigo tem como objetivo descrever como a compreensão do processo de construção de sentido (sensemaking) pode levar à compreensão aprofundada do processo de mudança (cujos estímulos podem ser internos ou externos à organização). 2. Sensemaking nas organizações As organizações modernas podem ser analisadas enquanto sistemas de construção de sentido, que mediante o fluxo dinâmico de informações seja nas rotinas organizacionais ou nos processos de mudança identificam os eventos que a circunscrevem para que dessa maneira possa estabilizar e tornar seus ambientes mais previsíveis (WEICK, 1995). Partindo-se do caráter dinâmico das organizações, Montenegro e Casali (2008) afirmam que Weick opta em utilizar o termo organizing ao invés de organization, pois a opção por um verbo no gerúndio e não por um substantivo visa demonstrar que a organização está em um processo contínuo de mudança. Nesse sentido, a temática central tanto do organizing e do sensemaking se fundamenta nos modos pelos quais os sujeitos se organizam para fazer sentido das informações recebidas (inputs), ordenando as informações novamente no contexto, constituindo um mundo mais ordenado. Dessa forma, os sujeitos interagem entre si para atribuir significado no fluxo de informações da organização (WEICK; SUTCLIFFE; OBSTFELD, 2005). Colville, Brown e Pye (2012) argumentam que o organizing refere-se aos processos pelos quais as pessoas fazem sentido do seu mundo, visando reduzir a ambiguidade, já que a organização está inserida em mundos ambíguos. Desse modo, para os autores, o organizing faz mais sentido do que a própria organização, pois capta o processual, a dimensão temporal mediante o uso de advérbios e gerúndios em oposição ao substantivo organização. Cunliffe e Coupland (2012), ao discutirem a natureza narrativa do sensemaking, complementam argumentando que as organizações são espaços de múltiplas narrativas e histórias e que a construção do sentido se dá nas interações cotidianas e não somente em momentos formais da atividade de organizar. É nesta interação cotidiana, neste movimento contínuo da vida organizacional que se constrói algo que pode ser chamado de racionalidade narrativa: O sensemaking narrativo nas organizações refere-se também a reconhecer e responder a múltiplas narrações: um processo usualmente mais de contestação do que de consenso [ ]. Sentido e organizing emergem quando uma história começa a completar-se, identidades começam a fazer sentido, identidades e ações passam a dar sentido a racionalidade narrativa e nós podemos conectar trama e personagem. No entanto, devemos estar conscientes sobre histórias dominantes apresentadas sob uma visão unívoca, se por um tempo estas histórias podem inspirar ordem, elas podem limitar outras formas de construção de sentido e ação. (CUNLIFFE; COUPLAND, 2012, p. 81). A narrativa desempenha um papel preponderante para tornar o organizing possível, pois é através dessa relação entre a ação e a narrativa que a realidade se estrutura e se organiza, possibilitando organizar os eventos em dado espaço de tempo (CZARNIAWSKA; 3

GAGLIARDI, 2003). Essa narrativa situa-se na dimensão cronológica em que os fatos acontecem e são interpretados, de modo que ela, não se dá de maneira estanque, mas a partir de um contínuo delineado tanto por eventos passados como por eventos que estão ocorrendo (ongoing). Diante disso, a narrativa nos estudos organizacionais possibilita dar voz aos atores de uma organização, de modo a desvelar as interpretações acerca da realidade organizacional (SODERBERG, 2003). Para se desenvolver um conhecimento profundo sobre o fenômeno organizacional, se faz necessário considerar os sentidos e significados estabelecidos e compartilhados entre os sujeitos e grupos inseridos no contexto organizacional. De modo que as organizações só podem ser investigadas, sob esta perspectiva, tendo como base de análise os sujeitos em ação, que criam, sustentam e são capazes de modificar a interpretação da realidade objetiva (BULGACOV; BULGACOV, 2007). O estudo empírico desenvolvido por Gioia e Chitipeddi (1991) em uma universidade pública americana, possibilitou afirmar que sensemaking pode ser definido como a construção e a desconstrução de significados das partes envolvidas, estabelecendo um quadro de significados (framework de conhecimento) para entender a natureza da mudança estratégica de uma universidade, de modo que evidencia o caráter social da construção de sentido em uma organização. O estudo de Silva e Vergara (2010), destaca a necessidade das empresas públicas lidarem com a questão da mudança, de modo que se faz necessário um processo de estabelecer novos significados através da comunicação entre os membros da organização. Weick (1995) afirma que o sensemaking se diferencia da interpretação, pois se pauta no modo como as pessoas geram o que elas interpretam, sendo considerado um processo ou uma atividade. Em contrapartida, a interpretação pode ser considerada um processo que apenas descreve um objeto ou fenômeno que se estabelece em determinado contexto, aguardando apenas para ser descoberto. Diante disso, o sensemaking parte do pressuposto que o conjunto de significados se dá mediante a interação dos sujeitos em dado contexto social e através da ação que se constitui o significado, pautando-se mais na invenção do que na descoberta, na compreensão concreta e não metafórica. Para tanto, Weick (1995) define sete propriedades do sensemaking, sendo: baseado na construção da identidade; retrospectiva; criado em ambiente sensatos; social; dinâmico; foco na e em pistas extraídas; guiado pela plausibilidade ao invés da precisão. Assim, Montenegro e Bulgacov (2009) sintetizam de forma clara as sete propriedades do sensensemaking apresentadas por Weick (1995), sendo elas: (1) baseado na construção da identidade um sensemaker constrói não sua identidade através da interação com os demais sujeitos, mas resulta também em uma identidade coletiva; (2) retrospectiva o significado é criado mediante a retomada de um processo do que já ocorreu em dado ponto específico no tempo, ou seja, um processo de lembrar fatos experiências passadas; (3) criado em ambientes sensatos as pessoas constroem seu próprio ambiente, logo, não há um ambiente fixo, monolítico, separado da interação social; (4) social o sensemaking é inerentemente um processo coletivo, oriundo das interações sociais, ou seja, nunca é solitário; (5) dinâmico o sensemaking não tem um ponto de início, pois é compreendido como um processo em que as pessoas estão sempre no meio das coisas mediante um fluxo contínuo; (6) foca na e por pistas extraídas dicas extraídas são tidas como estruturas familiares e simples, em que, as pessoas acabam por desenvolver um sentido de caráter amplo com relação ao que está ocorrendo; (7) guiado pela plausibilidade ao invés da precisão o sensemaking constrói-se não sobre a busca por uma verdade, mas sobre uma reformulação contínua e dinâmica sobre uma estória emergente, tornando-a mais compreensiva. Com relação à construção de significado nas organizações, Bulgacov e Bulgacov (2007) consideram que as organizações são uma rede de significados estruturados 4

historicamente e negociados a partir dos sentidos da associação humana envolvida, ou seja, as organizações constituem uma rede de significados criados e sustentados pelos sujeitos. Sendo assim, Bulgacov e Bulgacov (2007, p. 83) afirmam que a mudança organizacional depende das pessoas envolvidas e das culturas organizacionais subjacentes que constituem seu sujeito e são governadas por significados e valores compartilhados. Logo, para os autores, o significado é reforçado culturalmente através dos aspectos conceituais armazenados pela organização e pelas condições interpretativas de cada participante, seu mito, sua tipologia de compromissos humanos, mas também de maneiras usuais de se definir e estabelecer interpretações dos fenômenos e condições divergentes. As organizações permanecem amarradas por significados de controle em forma de incentivos e mensurações, da mesma forma que, as organizações também têm sua própria linguagem e símbolos com importantes efeitos no sensemaking (WEICK, 1995). Este por sua vez pode ser compreendido como uma sequencia de eventos que acontece ao longo do tempo, interagindo informações, atribuindo significados e ações. Para Weick (2005), a ação e a fala são tratadas como ciclos ao invés de uma sequencia linear, constituindo o sensemaking, pois relaciona-se não só ao ato da fala e narrativas, mas também ao aspecto da ação. Logo, essa relação se estabelece de maneira conjunta já que a comunicação é um elemento constituinte tanto do sensemaking como do organizing. No que se refere ao aspecto da ambiguidade, Weick (1973) define que os atores organizacionais realizam sua atividade através da interação, por conseguinte, essa atividade coletiva reduz a ambiguidade do fluxo constante de informações, pois são esses atores que interligam diferentes conjuntos de comportamentos. Conforme Montenegro e Bulgacov (2009), quando os sujeitos na organização buscam construir um sentido compartilhado sobre questões ou processos estabelecidos, esses mesmos sujeitos estarão preparados para confrontar situações de ambiguidade que possam surgir em dado contexto organizacional. Com isso, as autoras afirmam que mesmo em uma determinada situação ambígua, o indivíduo irá estabelecer um sentido de forma contínua ao processo de sensemaking, ao passo que, no processo denominado de organizing, que ocorre na organização, o indivíduo de maneira dinâmica irá agir, definir escolhas e conservar informações importantes para ações futuras, reduzindo a ambiguidade social. Montenegro e Casali (2008) afirmam que Weick analisa o aspecto dinâmico das organizações e as caracteriza predominantemente por um processo e menos como elemento objetivo, monolítico, estático. De certo modo, as autoras complementam afirmando que Weick não busca definir exatamente o que é uma organização, pois para o autor, as organizações e seus ambientes estão em constante movimento, alterando-se de maneira contínua. Montenegro e Casali (2008) afirmam que Weick não se atém em definir a organização, já que em um momento futuro ela poderá ser diferente. Assim, para as autoras é possível estabelecer uma aproximação da ideia de organização para Weick, em que se analisam os processos que criam, conservam e dissolvem as coletividades sociais e são esses processos que compõem as organizações. Por conseguinte, pode-se sintetizar a noção de sensemaking através da frase apresentada por Weick (1973) How can I know what I think until I see what I say?, ou seja, "Como posso saber o que eu penso, até eu ver o que eu posso dizer?, pois esta colocação demonstra a ação na fala, uma construção de sentido pautada na relação do sujeito com o contexto em que está inserido, sendo uma realidade que se constrói na fala e que desvela significados (Enactment). Weick (2012) afirma que essa reflexão apresenta fortes laços entre o organizing e sensemaking. O autor demonstra que se fosse apresentada como uma receita de bolo, o organizing seria tido como algo que ocorre de forma inesperada, em seguida há uma mudança do ambiente (ecologial change), pessoas atribuem sentido a algo (enact), 5

selecionam (select) partes desse sentido e retém (retain) algum significado do que foi atribuído sentido. Como consequência disso, para o autor, as pessoas aplicam ou alteram o que eles mantêm nos próximos enactments e seleções. Weick (2012) complementa afirmando que o sensemaking se dá quando as pessoas estão em vivenciando uma experiência social contínua (ongoing) em uma interrupção, elas atribuem sentido a algo (enact), retrospectivamente (retrospect) percebem sinais significativos do que anteriormente foi atribuído sentido (enacted), interpretam e retém versões significativas do que os sinais significam para o indivíduo e para a identidade coletiva (identity) e aplicam ou alteram significados plausíveis (plausible) na construção de sentido subsequente (enactement) e da retrospectiva percebida. 3. Mudança organizacional e Sensemaking A mudança organizacional se dá tanto no curto como no longo prazo, de modo que as rápidas mudanças de curto prazo, podem ser necessárias para a sobrevivência a longo prazo (LUSCHER; LEWIS, 2008). Diante disso, a mudança organizacional pauta-se na tentativa de modificar a forma atual de pensar e de agir dos membros da organização. Na medida em que a mudança estratégica envolve mudanças nos modos de cognição e ação, permitem que organização tenha uma sustentação para agir com relação às oportunidades e ameaças oriundas de dado contexto ambiental (GIOIA; CITTIPEDDI, 1991). Assim, o ambiente é compreendido a partir das informações que a organização dispõe, ou seja, a organização procura resolver a ambiguidades das informações significativas recebidas (WEICK, 1973). Logo, o autor sustenta que para que ocorra a ação, é necessário reduzir as diferentes interpretações e mensagens duvidosas, tornando-as unívocas. Araújo (1982) compreende que a mudança organizacional envolve uma transformação significativa partindo-se de um planejamento formalizado e direcionado pela alta gerência, envolvendo os agentes internos e externos de uma organização, ao passo que visa alterar os aspectos comportamentais, estruturais, tecnológicos e estratégicos. Lima e Bressan (2003) definem que a mudança organizacional: É qualquer alteração, planejada ou não, nos componentes organizacionais pessoas, trabalho, estrutura formal, cultura ou nas relações entre a organização e seu ambiente, que possam ter conseqüências relevantes, de natureza positiva ou negativa, para a eficiência, eficácia e/ou sustentabilidade organizacional (LIMA, BRESSAN, 2003, p. 25) Pelos excertos apresentados acima percebe-se que a mudança é compreendida pela literatura tradicional sobre organizações como um processo funcional à existência e sobrevivência organizacional. No entanto, é preciso ressaltar que, sob a perspectiva deste artigo, a mudança é compreendida em um sentido dialético, a qual faz parte do cotidiano da atividade organizativa. Assim, ao mesmo tempo em que os sujeitos, em interação e desempenho de suas atividades cotidianas, reproduzem os padrões significativos vigentes, também podem modificá-los de forma incremental, resignificando e dando espaço para a ocorrência da mudança que emerge do próprio organizing. Ao abordar a mudança no âmbito da estratégia, o que de certa maneira também pode vir a afetar a mudança organizacional, o estudo empírico desenvolvido por Gioia e Cittipedi (1991) apresentam o conceito de sensegiving, contribuindo para se analisar a maneira como a construção de sentido se dá na organização, pois o termo delineia a possibilidade de um indivíduo inserido na organização, mais especificamente a figura do CEO, alterar através de suas ações e comportamentos, a visão da organização e de seus membros. Os autores 6

estabelecem uma relação recíproca entre o sensemaking e o sensegiving, de modo a evidenciar a relação dinâmica que se estabelece ao longo dos níveis organizacionais, nesse caso há o envolvimento dos membros da organização (CEO, membros do time da alta gerência, grupos de membros da organização, outros constituintes e stakeholders organizacionais). Diante disso, a proposta de Gioia e Cittipedi (1991), possibilita ampliar a compreensão envolvendo a construção de sentido nas organizações, pois não só destaca seu caráter social, relacional e integrativo entre os membros de uma organização, mas destaca que um indivíduo, nesse caso o CEO, ao mesmo tempo em que está integrado nesse dinâmica, pode estabelecer um novo arranjo de significados através de suas decisões, afetando a maneira como os sujeitos apreendem e interpretam a realidade organizacional. É nesse contexto que o CEO destaca-se como importante figura no processo de construção de sentido, pois é o sujeito que toma as decisões e diretrizes a partir das informações coletadas e interpretadas pela organização. Todo esse processo de interação social visa reduzir o grau de ambiguidade das informações, tornando a realidade organizacional coerente e estável, possibilitando se antecipar a possíveis eventos partindo-se de experiências vivenciadas no passado pela organização. A relação recíproca entre o sensemaking e sensegiving estabelecida por Gioia e Cittipeddi (1991) corroboram com a concepção dinâmica da construção de sentido nas organizações apresentadas por Weick (1995), pois a construção de sentido ocorre tanto bottom-up como top-down e não há um ponto de partida, mas um processo contínuo que ocorre a partir dos ciclos de cognição e ação das partes envolvidas. De modo que a figura do CEO pode ser vista como um facilitador da mudança organizacional (sensegiving). Para Weick (1973) há três processos que separadamente compõe os ciclos comportamentais e que podem reduzir o grau de ambiguidade das organizações. Segundo o autor, o processo de criação gera a informação pela qual o sistema se adapta, reduzindo uma fração da ambiguidade. Já o processo de seleção reduz uma parcela maior da ambiguidade das informações, pautando-se nos critérios estabelecidos através da experiência passada, sendo que, separa as informações que satisfazem, ordenando também as informações ambíguas. Assim, o processo final é a retenção, que consiste em um processo de armazenamento e que também reduz parte da ambiguidade, já que integra novos itens que foram conservados anteriormente. Weick (1973, p. 92) complementa afirmando que qualquer informação que passe pelo processo de seleção tem potencial para contradizer ou reafirmar conteúdo existente, ao passo que esses três processos estão inter-relacionados e formam um sistema. Diante dessa perspectiva, Kanter et al. (1992 apud Soderberg, 2003) discute que é possível que a mudança organizacional ocorra mediante a participação de três agentes: aqueles que tomam as decisões para a mudança (diretores), em seguida aqueles que implementam a partir da visão da organização, e aqueles que interpretam as mudanças induzidas a eles. Outro exemplo da atuação de diversos agentes na mudança organizacional é a implementação de políticas públicas. Inicialmente os legisladores definem um programa público que é institucionalizado pela criação de uma legislação própria. Após aprovada, a lei é interpretada pelos burocratas públicos que precisam converter o texto da lei em ações para implantação da política pública. Este processo pode gerar ambiguidades fazendo com que a ação implantada pelo poder público seja distinta da ação proposta inicialmente pelos legisladores. Tendo em vista a dinâmica da mudança organizacional, Weick (1973) argumenta que a flexibilidade e a estabilidade são elementos mutuamente excludentes. Para o autor, a flexibilidade se faz necessária para alterar práticas atuais que possibilitem a organização se adaptar as mudanças significativas do ambiente. Contudo, a flexibilidade impossibilita a organização preservar certo grau de sentido de identidade e continuidade. De certa forma, para Weick (1973) a estabilidade permite a organização responder às novas pressões por 7

mudança, mediante regularidades pautadas em padrões do passado (memória) e capacidades de repetição. É através dessa contradição discutida por Weick (1973), que é possível evidenciar que as organizações não ressignificam a todo momento, apesar de serem consideradas como sistemas abertos e, que por sua vez, mesmo inserida em um ambiente turbulento e de constantes mudanças, se faz necessário permanecer certo grau de ancoragem dessa estrutura de significados compartilhados, preservando assim, o grau de identidade e continuidade. Ainda com relação ao aspecto da mudança, Weick (1998) destaca a questão da crise, já que o sensemaking se torna mais difícil, pois ao invés de possibilitar compreender dada situação, pode em muitos casos intensificá-la. Além disso, para o autor, as crises podem ser caracterizadas por uma baixa ou alta probabilidade de ocorrer eventos que gerem consequências e ameacem os objetivos de uma organização, ou seja, apresentando baixa probabilidade, esses eventos podem vir a desafiar interpretações e impor severas exigências sobre sensemaking. Assim, quanto menos adequado for o processo de sensemaking direcionado à crise, mais a crise pode vir a ficar fora do controle. Logo, para o autor esses elementos estabelecem um dilema, pois para resolver uma crise que se desenrola muitas vezes, é requerido uma ação que gera de forma simultânea a matéria-prima que é usada para sensemaking e influencia a própria crise que se constitui. Os sujeitos ao tomar alguma ação, transformam uma tarefa mais complexa em uma tarefa mais simples, pois a ação desvenda o que de fato um problema pode ser, ou seja, uma ação em específico pode gerar diversas sugestões e opções irrelevantes, ao passo que, a ação consolida um novo ordenamento, ou até mesmo desordem, dos conjuntos dos elementos ambientais (Weick, 1998). Esse elemento da ação em tempos de mudança contínua e até mesmo de mudança descontínua segundo Colville, Brown e Pye (2012), podem vir a representar um obstáculo para o organizing e para a organização, pois o fluxo de acontecimentos passados já não pode ser utilizado como guia confiável para compreender o que está acontecendo. Entretanto, a mudança contínua também é uma mudança descontínua, pois dificulta a maneira de atuar em um mundo que não é apenas equivocado, mas que apresenta equívocos imprevisíveis. 4. Narrativas organizacionais Para Colville, Brown e Pye (2012), uma organização não consegue se ater a tudo o que acontece em seu ambiente. Desse modo a organização seleciona quais partes e aspectos do ambiente vai desenvolver atividades e ações, pautando-se para isso, em comportamentos e experiências passadas, bem como na narrativa (storytelling) para atribuir sentido a dada situação. Diversas vezes a nova narrativa é construída com a utilização de um novo vocabulário. Nigam e Ocasio (2010) identificaram na pesquisa empírica que a mudança de vocabulário é um mecanismo crítico pelo qual o processo de teorização emerge. As narrativas organizacionais possibilitam que os sujeitos explorem o significado de maneira coletiva, de modo a reduzir a ambigüidade das informações nas atividades cotidianas, bem como estabelecer novos objetivos e até mesmo maneiras de realizar as atividades. (LA VILLE, 2003). Nesse sentido, as narrativas possibilitam organizar e atribuir sentido à seqüência de eventos que ocorrem na organização como um todo, de modo a evidenciar tanto as narrativas em sua especificidade como em um nível macro (ELLIOT, 2005). O significado atribuído a seqüência de eventos pauta-se em um enredo circunscrito e estabelecido pelo autor, ou seja, o sujeito ao narrar determinado evento, o situa mediante um relato, de um ato de fala que se baseia em relações causais e que posteriormente será interpretado pelo indivíduo ouvinte (VAARA, 2002). 8

O ato de organizar os eventos através das narrativas, possibilita aos sujeitos atribuírem sentido não só aos eventos, mas também às ações e rotinas organizacionais. Logo, os eventos ligados aos processos de mudança podem ser compreendidos na dinâmica envolvendo sensemaking, a ação e narrativas, já que é através dos atos de fala que os sujeitos relatam suas experiências no campo social e que atribuem sentido à realidade. É através dessa abordagem pautada em Jean-François Lyotard - que compreende um mundo como um texto (world-as-text) que Czarniawska (1997) discute a realidade social, como constituída a partir da narrativa dos eventos compartilhados entre os sujeitos, de modo a organizar a vida em sociedade. Czarniawska (1998) afirma que as narrativas visam organizar os eventos no contexto organizacional, de modo que estão vinculada à ação, institucionalizando e reconhecendo determinadas práticas organizacionais. Desse modo, as narrativas organizam a realidade mediante um processo de comunicação que visa integrar os diversos fragmentos de significação que atravessam a organização enquanto sistema de significados compartilhados e com isso formam os quadros vivos pelos quais a organização se apóia para significar e ressignificar a si mesmo, tanto nas rotinas quanto nos processos de mudança. É relevante destacar ainda que a análise de narrativas apoia-se em cinco pontos fundamentais correspondentes à estrutura da narrativa: (1) a sequência temporal, (aspecto em que muitas análises detêm-se, sem extrapolar para os demais, perdendo a riqueza de análise da narrativa), que significa dizer que a narrativa tem um começo, um meio e um fim que lhe confere uma sequência temporal específica e a localiza em um tempo e espaço; (2) os atores focais ou o ator focal, relacionado ao fato de que a narrativa é sempre sobre alguém ou sobre algo, e nesse caso podem ser identificados protagonistas (e antagonistas) na sequência da história; (3) a voz narrativa é identificável, o que significa dizer que em uma narrativa aquele que narra está o fazendo de seu lugar, de seu ponto de vista, e a sua fala personifica o indivíduo que é; (4) padrões de referência para avaliação, que significa dizer que as narrativas carregam valores culturais e significados que conferem certo padrão para as avaliações, ou seja, toda a narrativa carrega uma moral, ou expressões do que pode ser julgado como certo ou errado; (5) outros indicadores de conteúdo e contexto, que extrapolam um conjunto de eventos e possuem uma série de instrumentos capazes de indicar tempo, lugar, atributos dos atores, atributos do contexto etc., os quais são fundamentais para a interpretação dos eventos (PENTLAND, 1999; RESE, 2012). Partindo de todo o delineado até aqui, entende-se que ao compreender a realidade como um produto da construção social (BERGER; LUCKMANN, 1985) sem desprezar a historicidade neste processo que confere o caráter situado de toda e qualquer ação entendese que o sujeito tem papel central na constituição da realidade organizacional. Dada esta centralidade, longe de uma análise atomística, é preciso ressaltar que o papel do sujeito é sempre analisado na relação (sempre social). Neste ponto, o sensemaking, enquanto uma abordagem que permite a compreensão do processo de construção de sentidos pelos sujeitos, sempre nesta relação social, torna-se a abordagem coerente para a compreensão de processos de mudança organizacional. No entanto, a abstração comentada a respeito do construto do sensemaking, bem como seu caráter de racionalização e objetivação (CUNLIFFE; COUPLAND, 2012), neste estudo, são superados a partir da proposição de que para o desenvolvimento desta análise é necessária a observação dos sujeitos no desempenho ativo de suas atividades e papéis cotidianos, de onde nasce a preocupação com a natureza narrativa deste processo. Assim, partindo da perspectiva de Michel de Certeau (1994), analisa-se o processo de consumo dos sujeitos em suas práticas cotidianas daquilo que lhes é imposto pelos produtores neste caso o consumo que se faz da nova configuração imposta pela mudança. Como em um processo de escrita e leitura, os discursos dominantes que veiculam 9

os pontos de mudança, são lidos e consumidos pelos sujeitos da organização, reinterpretados e reescritos em narrativas organizacionais, que possuem elementos tanto de aquiescência quanto de resistência analogamente ao que La Ville e Mounoud (2006) propõem para o processo estratégico (muitas vezes atrelado ao processo de mudança organizacional): Pautando-se em suas [Michel de Certeau] definições não usuais de tática e estratégia que enfatizam a anti-disciplina e a resistência à dominação, nós podemos considerar melhor a lógica subjacente de dominação que é escondida pelos discursos da grande estratégia [ ]. Além disso, Michel de Certeau constantemente reflete a relação de escrita e leitura para a relação de produção e consumo. Diante disso, ele sugere que discursos, assim como bens em um mercado, são produzidos por produtores e impostos aos consumidores, assim, impondo fortemente seu consumo. Construindo a partir desta metáfora, a estratégia [e os processos de mudança organizacional] pode ser concebida como um processo criativo contínuo envolvendo não somente o que os estrategistas produzem ou escrevem (orçamentos, planos, estratégias) mas também os meios pelos quais os membros da organização consomem ou lêem suas produções. [ ] Seguindo esta linha de raciocínio, nós sugerimos que a mudança de foco do discurso da grande estratégia para a minúcia das práticas cotidianas necessariamente conduzem à escrutinização das diferenças entre discursos e narrativas. (LA VILLE; MOUNOUD, 2003, p. 97). Em todo este processo é fundamental o resgate de outro ponto que permite casar o sensemaking enquanto concepção de que os sujeitos, diante de rupturas na trajetória cotidiana do desempenho de suas atividades, precisam construir sentido diante do fluxo de informações estranhas àquelas previamente existentes com os eventos de mudança organizacional (sejam eles relativos à estratégia e aos elementos formais da organização, ou advindos de aspectos que fogem ao controle dos próprios gestores da organização): a dimensão temporal, que significa dizer que a narrativa tem um começo, um meio e um fim que lhe confere uma sequência temporal específica e a localiza em um tempo e espaço (PENTLAND, 1999). O reconhecimento desta dimensão temporal, característica da narrativa, permite o resgate do tempo, do espaço, da historicidade, que não podem ser perdidas, arriscando-se à uma análise atomizada do sujeito. Ao casar, assim, sensemaking e narrativas é possível aprofundar o entendimento sobre a mudança organizacional, dados os seguintes pontos: (1) descortinando o papel ativo e criativo dos sujeitos no processo de mudança; (2) realizando o entendimento da mudança organizacional como um processo de construção organizacional, oposto ao entendimento gerencialista deste aspecto, dando espaço à agência e às consequências não intencionais da ação; (3) reconhecendo que a mudança organizacional não pode ser compreendida, de acordo como um visão positivo-funcional, como um aspecto completamente dentro do controle gerencial, dado que no uso, no processo de produçãoconsumo os sujeitos são ativos, não são neutros, portanto, neste processo criativo podem tanto aquiescer quanto resistir ao grande discurso da mudança; (4) situando a mudança no tempo e no espaço, possibilitando o entendimento dela não como um evento, mas como parte do fluxo do cotidiano organizacional (ongoing e organizing), parte do contexto sócio histórico; (5) consequentemente, o estudo e a análise da mudança organizacional precisa ser pautado na investigação das práticas e atividades organizacionais, do processo em uso, de produção e consumo, exigindo que metodologias qualitativas que analisem a realidade organizacional em profundidade sejam utilizadas (DE CERTEAU, 1994). Por fim, entende-se que reconhecendo a importância da dimensão narrativa na constituição da realidade organizacional, é possível desvelar dimensões que fogem à aparência primeira que o fenômeno apresenta e permite-se o aprofundamento da compreensão, da análise e consequentemente da prática dos sujeitos em ação nas organizações, dado o entendimento recursivo entre teoria e prática. 10

5. Considerações finais Tendo em vista os elementos apresentados, nesse estudo teórico buscou-se contribuir para a o entendimento da construção de sentido (sensemaking) a respeito de processos de mudança, a partir da construção de uma racionalidade narrativa. De certa maneira, bem como salienta Weick (1995; 1998; 2005), as organizações são vistas como um processo, uma ação constante (ongoing) de atribuir significados a partir do fluxo de informações, o que de certa forma, se contrapõe ao modelo cartesiano de uma racionalidade pautada no método e exatidão dos fatos, pois está embasada em uma perspectiva interpretativista. Sendo assim, Weick contribui para o campo dos estudos organizacionais ao trazer perspectiva sensemaking para os estudos organizacionais, oferecendo novas possibilidades para os fenômenos organizacionais. Entende-se, portanto, que o processo de mudança é inerentemente guiado pelo sensemaking, já que, conforme afirmam Montenegro e Bulgacov (2009), a organização é vista como um sistema aberto e que ao se deparar com as pressões ambientais, os sujeitos na organização mediante ao fluxo de informações, utilizam o organizing para reduzir o grau de ambiguidade, com isso, quanto maior e melhor os sujeitos interagem na ação do cotidiano com as informações, menor é ambiguidade organizacional. Essa ambiguidade pode ser reduzida através do processo de comunicação, em que os sujeitos utilizam-se das narrativas para relatar suas experiências com os demais membros. Nesse sentido, através da interação social os sujeitos se utilizam dos processos de comunicação para estabelecer coerência e reduzir o grau de ambigüidade desse conjunto de informações, constituindo um mundo mais ordenado. As regras, os ciclos de comportamento e comunicação se destacam para compreender o modo como a realidade organizacional se constitui, já que se parte da compreensão de que ela não é estática, pré-definida, mas que se constitui na dinamicidade das interações sociais. A construção de sentido nesse processo, enquanto contínuo (ongoing) pode tanto criar, manter ou dissolver a coletividade social (WEICK; 1995, WHITTINGTON; MELIN, 2003). É nesse sentido que a compreensão acerca do sensemaking amplia a analítica acerca da mudança organizacional, pois contrasta com a noção clássica de mudança, em que se é situada como objeto passível de planejamento, que possibilita mensurar suas variáveis constituintes e a organização se antecipar aos eventos, ou seja, mudança aqui é vista não como uma função da organização, mas como algo intrínseco ao processo de organizing. O sensemaking então, evidencia que as organizações podem passar por processos de mudança não planejados, e que fazem com que os significados compartilhados passem por uma ruptura, seja oriundo de estímulos internos ou externos à organização. É nesse sentido que os processos de comunicação se destacam, já que o sensemaking estabelece uma relação entre a ação e fala dos sujeitos. Essa relação é permeada por narrativas que buscam relatar os sentidos ocultos e evidenciar as experiências dos sujeitos, de modo a dar voz para que possam organizar a maneira como apreendem e interpretam os eventos organizacionais (SODERBERG, 2003). Assim, as histórias relatadas conectam os enredos organizacionais e seus atores, de modo a dar sentido à racionalidade narrativa (narrative rationality) partindo-se do processo de organizing (CUNLIFFE; COUPLAND, 2012). Por sua vez, nos processos de mudança, os enredos são organizados de maneira cronológica, trazendo novas percepções acerca das experiências passadas da organização para com os novos eventos da organização (CZARNIAWSKA, 1997; 1998). A partir desses elementos, pode-se evidenciar o processo dialético da mudança nas organizações, pois os sujeitos organizacionais buscam atribuir novos sentidos aos eventos, criando e legitimando uma nova estrutura de significação. 11

As propriedades do sensemaking propostas por Weick (1995), proporcionam aprofundar a compreensão acerca da mudança, em que os sujeitos atribui sentido à mudança partindo-se de uma noção de identidade (baseado na construção de identidade) constituída na relação consigo e com os demais sujeitos, e que busca nas experiências passadas (retrospectiva) e construir e apreender o ambiente o ambiente organizacional (ambientes sensatos) na interação com o outro. Logo, o caráter social da mudança se evidencia nesse processo, principalmente no seu caráter dinâmico (ongoing) e através estruturas de significado familiares (foco na e por pistas extraídas) que guiam não o estabelecimento de uma realidade organizacional fixa e de verdades incontestáveis, mas uma realidade que se reformula a partir das experiências relatadas dos sujeitos. Dessa forma, os significados compartilhados na organização estão intrinsecamente ligado aos quadros de referência que os sujeitos se baseiam para lidar com as informações dos eventos que os circunscrevem e podem advir tanto do sensegiving como do sensemaking, seja da visão e valores dos líderes da organização, ou dos demais membros. Durante processo de mudança o gestor pode vir a atuar na construção de um discurso com elementos que apóiem a mudança a ser implementada. Este discurso precisa construir pontes com os quadros de referência atuais dos atores sociais organizacionais para que seja compreendido por estes. Pautando-se no arcabouço teórico apresentado, principalmente na noção de ongoing em que a construção de sentido se dá de maneira constante, percebe-se possibilidades de estudos empíricos no campo das organizações. Todavia, Montenegro e Bulgacov (2009) afirmam que é necessário realizar um recorte temporal e especificar o processo estudado para se analisar o sensemaking. Além disso, pode-se refletir com relação às bases epistemológicas pelas quais o sensemaking está sendo utilizado nos estudos empíricos, pois mesmo com o objetivo de desvelar elementos constituintes da realidade organizacional, essa perspectiva pode ofuscar elementos de análise quando utilizada de modo generalista, relativizando o aspecto interpretativo das relações sociais. Por fim, tendo em vista o objetivo do artigo, e a discussão da aproximação do construto do sensemaking com os processos de mudança organizacional, a partir da racionalidade narrativa, podem ser sugeridos alguns caminhos para pesquisas futuras: (1) empreender pesquisas em contextos de mudança organizacional, a partir dos construtos do sensemaking, observando o fluxo cotidiano da ação organizacional; (2) reconstruir processos de mudanças organizacionais ocorridos a partir da narrativa dos sujeitos envolvidos; (3) delinear os grandes discursos organizacionais que conduzem o processo de mudança e as narrativas construídas para significa-los e orientar a ação; (4) desvelar a dimensão criativa do processo de mudança, a partir de uma análise no nível micro, em que, por meio da análise das narrativas dos sujeitos, seja possível compreender os componentes de aquiescência e resistência que conduziram aos resultados (intencionais ou não) alcançados pela organização. 6. Referências ARAÚJO, L. G. C. Mudança organizacional na administração pública federal brasileira. São Paulo, Eaesp/FGV, 1982 (tese). BERGER, P. I.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1985. BULGACOV, S.; BULGACOV, Y. L. M. B. A construção de sentido nas organizações. Revista Faces, Belo horizonte, v. 6, n.3, p.81-89, set/dez, 2007. CZARNIAWSKA, B; GAGLIARDI. Narratives we organize by. Amsterdam; Philadelphia, PA: JohnBenjamins, 2008. 12

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