CICLO ANUAL DE OCORRÊNCIA DOS VETORES DA DENGUE EM BELO HORIZONTE E SUAS RELAÇÕES COM AS VARIÁVEIS METEOROLÓGICAS 1 Rubens Leite Vianello 1 José Eduardo Marques Pessanha 2 Gilberto C. Sediyama 3 RESUMO - No presente estudo, dados entomológicos coletados pelo Serviço de Controle de Zoonoses e de Epidemiologia da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte foram correlacionados com os dados meteorológicos observados e tratados, estatisticamente, com o propósito de conhecer o papel de cada variável meteorológica na ocorrência dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. Uma associação estatística foi estabelecida entre a ocorrência dos mosquitos da dengue e as estações chuvosas, altas temperaturas e umidade relativa do ar. Os estudos mostraram a existência de ciclos climáticos sazonais e de ciclos de ocorrência de infestações por aedinos em Belo Horizonte, com valores mínimos no inverno seco e frio e valores máximos no verão quente e chuvoso. Os meses de início da estação chuvosa (outubro-novembro) e da estação seca (abril-maio) marcam a ascensão e queda, respectivamente, da curva de ocorrência dos vetores. O ciclo de ocorrência dos aedinos em Belo Horizonte acha-se sintonizado com o ciclo climático, ou seja, a máxima ocorrência dos mosquitos causadores da dengue coincide com a estação quente e chuvosa e, as mínimas ocorrências, com a estação seca e fria. Isso foi verificado nos três anos de observações e concorda com estudos realizados em algumas localidades do Brasil, do Japão e da Tailândia. Para os dados meteorológicos defasados de um período de coleta de quatorze dias, em relação dos dados de ovitrampas positivas, todos os coeficientes de determinação foram superiores àqueles obtidos com os dados sincrônicos, destacando-se as chuvas e as temperaturas mínimas como os parâmetros ambientais mais importantes, seguindo-se a umidade relativa do ar, as temperaturas médias e as máximas. Os limites térmicos de ocorrência dos aedinos em Belo Horizonte se situaram entre 2,2 C e 29,6 C, em boa concordância com os resultados obtidos em estudos laboratoriais para o Aedes albopictus, entre 2 C e 3 C. 1 Instituto Nacional de Meteorologia, INMET/5ºDISME; Rua Curitiba,1588, ap. 162, Bairro de Lourdes, Belo Horizonte, MG, CEP: 317-122; tel/fax:(31) 3291-155; 3291-1493; vianello@inmet.gov.br. 2 Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Secr. Mun. De Saúde; Av. Afonso Pena, 2336, Funcionários, Belo Horizonte, MG, CEP: 313-7; tel/fax: (31)3277-8214; 3277-9546; edumar@uai.com.br. 3 Universidade Federal de Viçosa, UFV, Departamento de Engenharia Agrícola, Campus Universitário, Viçosa, MG, CEP:3657-; tel/fax(31) 3899-195; 3899-2735; g.sediyama@ufv.br.
2 SUMMARY: In the present study, the collected entomological data of the Serviço de Controle de Zoonoses e de Epidemiologia de Belo Horizonte, were used as data base for study of the stochastic relationships between dengue mosquitoes (Aedes aegypti and Aedes albopictus) occurrence and the climatic data observed in Belo Horizonte metropolitan area, in Minas Gerais. A statistical association was established between the dengue incidence, rainfalls, air temperatures and relative humidity of the air. The studies clearly showed the existence of seasonal climatic cycles and of cycles of occurrence of aedinos infestations in Belo Horizonte, with minimum values in the dry and cold winter and maxima values in the hot and rainy summer. The months at the beginning of the rainy season (October - November) and the dry season (April - May) were marked as the curve of occurrence of the vectors ascension and fall, respectively. The cycle of the aedinos outbreaks in Belo Horizonte is synchronized in with the climatic cycle, in other words, the maximum occurrence of the mosquitoes causes of dengue coincides with the hot and rainy season and, the low occurrences, with the dry and cold season. Those results were verified in the three years of observations and they agree with studies accomplished at some locations of Brazil, Japan and Thailand. For the meteorological data lag of an entomological week of fourteen days, in relationship to the data of positive ovitrampas, all of the determination coefficients were superior the those obtained with the synchronous data, standing out the rainfalls and the minimum temperatures as the more important environmental parameters, followed by relative humidity of the air, the averages and the maxima temperatures. The thermal limits of the aedinos occurrence in Belo Horizonte is located between 2,2 C and 29,6 C, in good agreement with the results obtained in labs studies for the Aedes albopictus, which is between 2 C and 3 C. Palavras-chave Dengue - Belo Horizonte - Elementos climáticos. INTRODUÇÃO No Município de Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Saúde, por meio de seus Serviços de Controle de Zoonoses e de Epidemiologia, Informação e Vigilâncias, vêm atuando no monitoramento e no controle da dengue, reduzindo riscos e gerando estatísticas de distribuições espacial e temporal. Assim, as primeiras coletas sistemáticas de dados de ovitrampas iniciaram-se em agosto de 22 e se tornaram regulares a partir de 23, com pequenos períodos de interrupção entre novembro de 25 e março de 26. Com base nos dados coletados, relatórios periódicos têm sido gerados para fins prognósticos e para a elaboração de propostas de intervenção (PMBH, 23). No presente estudo, esses dados epidemiológicos foram comparados aos dados meteorológicos observados em Belo Horizonte e tratados, estatisticamente, com o propósito de conhecer o papel de cada variável meteorológica na ocorrência dos mosquitos vetores.
3 METODOLOGIA As coletas de dados de ovitrampas positivas foram realizadas no período de agosto de 22 a novembro de 25, com a periodicidade de duas semanas entomológicas, organizadas em um período de coleta. Cada período de coleta teve duração de 14 dias, período em que as armadilhas foram distribuídas em toda a zona urbana de Belo Horizonte. Ao final de cada período de coleta, foram obtidos os percentuais de armadilhas positivas, isto é, a razão entre o número de armadilhas nas quais se constataram presenças de ovos ou larvas e o número total de armadilhas distribuídas naquela semana. Os dados meteorológicos foram observados na Estação Climatológica Principal de Belo Horizonte. Como os percentuais de ovitrampas positivas são representativos de um período de 14 dias, correspondendo a duas semanas entomológicas, os dados meteorológicos foram também preparados para representarem o mesmo período, isto é, as temperaturas e a umidade relativa foram organizadas em médias para 14 dias, coincidindo com o período de duração das coletas entomológicas. Para a chuva, os valores diários foram acumulados ao longo do mesmo período de coletas entomológicas. Assim, dispõe-se de pares de dados de ovitrampras positivas e parâmetros meteorológicos, prontos para serem correlacionados separada ou conjuntamente. Foram realizadas análises de regressão entre as variáveis meteorológicas (chuvas acumuladas, temperatura mínima, temperatura média, temperatura máxima e umidade relativa) e os percentuais de ovitrampas positivas coletadas ao longo de 16 semanas entomológicas (8 períodos de coleta). Para cada variável independente, foram realizados ajustes estatísticos para a equação da reta, para as funções exponencial e potência ou para a equação quadrática. RESULTADOS Ao contrário do que se esperava, os ajustes estatísticos para os dados síncronos mostraramse precários, com baixos coeficientes de determinação, variando de,16 a,48. Baseando-se no ciclo de desenvolvimento dos aedinos, em torno de 17 dias, para temperaturas de 27,5 C (CALADO & SILVA, 22), os dados foram reorganizados, tal que as variáveis meteorológicas, antecipadas de 14 dias, foram correlacionadas com os dados entomológicos, repetindo-se o ajuste estatístico das funções. A Figura 1 mostra a nova distribuição temporal dos dados assíncronos.
4 1 9 8 7 6 5 4 3 2 1 AGO/2 VALORES RETARDADOS DE TEMPERATURAS M ÍNIMAS, M ÉDIAS, MÁXIMAS, UM IDADE RELATIVA E CHUVAS VERSUS OVITRAMPAS POSITIVAS EM BELO HORIZONTE, DE AGO/22 A NOV/25 NOV/2 FEV/3 JUN/3 AGO/3 NOV/3 FEV/4 JUN/4 AGO/4 NOV/4 FEV/5 JUN/5 AGO/5 NOV/5 5 45 4 35 3 25 2 15 1 5 mm U.R.(%) Tmed.( C) Tmin.( C) Tmax.( C) Ov.Pos.(%) Chuv.(mm) Figura 1 Valores médios das variáveis meteorológicas retardas de um período de coleta em relação aos percentuais de ovitrampas positivas. No eixo das ordenadas, à esquerda, podem ser lidos os valores das temperaturas ( C), umidade relativa (%) e ovitrampas positivas (%); à direita lêem-se os valores das chuvas acumuladas (mm). As temperaturas médias dos períodos oscilaram entre 12,3 C e 31,5 C, enquanto os valores diários situaram-se entre 1,2 C e 35,1 C. Considerando as temperaturas mínimas, médias e máximas, separadamente, seus extremos diários foram os seguintes: temperaturas mínimas (1,2 C e 23,3 C); temperaturas máximas (18,5 C e 35,1 C); temperaturas médias (14, C e 28,4 C). A umidade relativa média dos períodos esteve entre 42,3% e 86,6%, e seus valores diários entre 26,3% e 1%. As chuvas acumuladas para 14 dias localizaram-se entre, mm e 497,8 mm e as diárias entre, e 84,4 mm. Observa-se também a existência de ciclos climáticos sazonais e de ciclos de ocorrência de infestações por aedinos em Belo Horizonte, com valores mínimos no inverno seco e frio e valores máximos no verão quente e chuvoso. Os meses de início da estação chuvosa (outubro-novembro) e da estação seca (abril-maio) marcam a ascensão e queda, respectivamente, da curva de ocorrência dos vetores. Para a análise estatística, cada parâmetro meteorológico foi tratado como uma variável independente (X), sendo a ovitrampa positiva a variável dependente (Y). Modelos de regressão linear simples e múltiplos, exponenciais e de potência foram analisados. Todas as análises estatísticas foram conduzidas no nível de 95% de confiabilidade. Para assegurar que a variação de X influencia significativamente a variação de Y, realizou-se a análise de variância da regressão, valendo-se do Teste F para a validação da equação final. Os melhores ajustes para as funções linear, quadrática, potencial e exponencial podem ser vistos da Figura 2.
5 8 7 6 5 4 3 2 1 OVITRAMPAS POSITIVAS E CHUVAS DA SEMANA EPIDEMIOLÓGICA ANTERIOR, OBSERVADAS EM BELO HORIZONTE, DE AGO/ 22 A NOV/ 25 y = -,4x 2 +,322x + 17,674 R 2 =,6121 1 2 3 4 5 6 CHUVAS ACUMULADAS (mm) 8 7 6 5 4 3 2 1 OVITRAMPAS POSITIVAS E TEMPERATURAS MÍNIMAS DEFASADAS DE UMA SEMANA EPIDEMIOLÓGICA EM BELO HORIZONTE, DE AGO/22 A NOV/25 y =,844e,3123x R 2 =,553 1 15 2 t emperat uras mí nimas ( C) (a) (b) 8 7 6 5 4 3 2 1 OVITRAM PAS POSITIVAS E TEM PERATURAS M ÁXIM AS DEFASADAS DE UM A SEM ANA EPIDEM IOLÓGICA EM BELO HORIZONTE, DE AGO/22 A NOVA/25 y = 9E-7x 5,1594 R 2 =,246 19 21 23 25 27 29 31 33 TEMPERATURAS MÁXIMAS ( C) OVITRAMPAS POSITIVAS E TEMPERATURAS MÉDIAS DEFASADAS DE UMA SEMANA EPIDEMIOLÓGICA EM BELO HORIZONTE, DE AGO/22 A NOV/25 8 7 y =,728e,2633x 6 R 2 =,3982 5 4 3 2 1 15 2 25 TEMPERATURAS MÉDIAS ( C) (c) (d) OVITRAM PAS POSITIVAS E UM IDADE RELATIVA DEFASADA DE UM A SEM ANA EPIDEM IOLÓGICA EM BELO HORIZONTE, DE AGO/22 A NOV/25 8 7 6 y = 1,747x - 79,926 R 2 =,5941 5 4 3 2 1 4 45 5 55 6 65 7 75 8 85 9 UMIDADE RELATIVA (%) (e) Figura 2 - Funções de melhor ajuste entre as variáveis meteorológicas retardadas de um período de coleta e os percentuais de ovitrampas positivas em Belo Horizonte: a) chuva; b) temperatura mínima; c) temperatura máxima. d) temperatura média; e) umidade relativa. Segundo Teng & Aperson (2), citados por CALADO & SILVA (22), estudos em laboratórios mostraram que a faixa mais adequada para o desenvolvimento de imaturos do Ae. Albopictus situa-se entre 2 C e 3 C. Citado pelos mesmos autores, Gomes et al (1995), em condições de campo, apontam a faixa entre 17 C e 23 C como a mais adequada ao desenvolvimento do mesmo mosquito. Os resultados mostrados apontam, para condições de campo em Belo Horizonte, a faixa de máxima ocorrência dos aedinos (Ae. aegypti e Ae. Albopictus) entre 19,5ºC e 27,4 C. A mais alta
6 correlação em Belo Horizonte ocorreu com as chuvas (Figura 2a), contrariamente ao observado no Estado de São Paulo, onde as chuvas apresentaram pequena influência na ocorrência do Aedes aegypti (DONALISIO & GLASSER, 22). Destaquem-se ainda, como condições ideais para o registro de altos níveis de infestação, a alta umidade relativa do ar (média semanal de 85,5%) e a grande pluviosidade (valores diários em torno de 35,6 mm), no decorrer do período anterior. CONCLUSÕES O ciclo de ocorrência dos aedinos em Belo Horizonte acha-se sintonizado com o ciclo climático, ou seja, a máxima ocorrência dos mosquitos causadores da dengue coincide com a estação quente e chuvosa e, as mínimas ocorrências, com a estação seca e fria. Isso foi verificado nos três anos de observações e concorda com estudos realizados em algumas localidades do Brasil, do Japão e da Tailândia. Para os dados meteorológicos defasados de quatorze dias, em relação dos dados de ovitrampas positivas, todos os coeficientes de determinação foram superiores àqueles obtidos com os dados sincrônicos, destacando-se as chuvas e as temperaturas mínimas como os parâmetros ambientais mais importantes, seguindo-se a umidade relativa do ar, as temperaturas médias e as máximas. Os limites térmicos de ocorrência dos aedinos em Belo Horizonte se situaram entre 2,2 C e 29,6 C, em boa concordância com os resultados obtidos em estudos laboratoriais para o Aedes albopictus, entre 2 C e 3 C. É mais importante o uso dos dados defasados, pois permitem monitorar os surtos epidêmicos com 14 dias de antecedência. Adicionalmente, as relações estatísticas estabelecidas entre os percentuais de ovitrampas positivas e as variáveis meteorológicas chuva, temperatura mínima e umidade relativa são mais robustas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALADO, D. C., SILVA, M. A. N. A Avaliação da Influência da Temperatura sobre o desenvolvimento do Aedes albopictus, Revista de Saúde Pública, v. 36(2), p. 172-179, 22. DONALÍSIO, M. R., GLASSER, C. M. Vigilância Entomológica e Controle de Vetores do Dengue; Revista Brasileira de Entomologia, v. 5, n.3, p.259-272, 22. PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. A dengue em Belo Horizonte, situação em julho de 23 e propostas de intervenção. Belo Horizonte, 23.