Careta Mulheres Protestando



Documentos relacionados
CURSO FORMAÇÃO CIDADÃ DEMOCRACIA REPRESENTATIVA. Victor Barau

A percepção dos acadêmicos de Direito acerca das instituições jurídicas. Ingrid Fagundes Ziebell 1 - Universidade Federal de Pelotas

Federalismo e Descentralização

Jimboê. História. Avaliação. Projeto. 5 o ano. 3 o bimestre


O DIREITO DE ACESSO AOS DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS

CIDADANIA, INCLUSÃO SOCIAL E ACESSO À JUSTIÇA

A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

SEGURANÇA PÚBLICA PESQUISA

Disciplina: HISTÓRIA Professor (a):rodrigo CUNHA Ano: 9º Turmas: 9.1 e 9.2

PROJETO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA EM COMUNICAÇÃO E PUBLICIDADE INSTITUCIONAL Nathalia Fagundes Jornalista

mais MULHERES na política 1 Maioria dos brasileiros apoia reforma política para garantir maior participação das mulheres IBOPE Mídia e Direitos

SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PRIMARIA À SAÚDE NO BRASIL. Dr Alexandre de Araújo Pereira

MATERIAL DE APOIO História 8ª Série

A reforma política em questão

Atividade Colaborativa. Aula-tema 3: As Liberdades Públicas A Declaração de 1789

Reforma Política, Eleitoral e o Financiamento Político Prof. Dr. Ricardo W. Caldas Departamento Ciência Política Universidade de Brasília (UnB)

Acesso à informação sobre alimentação no Brasil: Obstáculos para o consumo alimentar saudável Ana Paula Bortoletto Martins

Regulação Bimestral do Processo Ensino Aprendizagem - 2º Bimestre Ano: 9º ano Ensino Fundamental Data:

ANTP COMISSÃO DE TRÂNSITO GT SEGURANÇA O REGISTRO DEACIDENTES NOBRASIL:

CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPUTADA FEDERAL ALICE PORTUGAL - PCdoB/BA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

AS ATIVIDADES FINANCEIRAS DO ESTADO. Papel do ESTADO 3 Pressupostos Papel do Cidadão

Famílias em busca de justiça, segurança e paz

CADERNO DE EXERCÍCIOS 2E

Jornal do Servidor O documento, que foi construído com ampla participação dos servidores através de inúmeras reuniões

Resumo Aula-tema 01: Ciência econômica conceitos e correntes de pensamento econômico

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E DA DEFESA DOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO

República Velha das Oligarquias: dominação e resistência

Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara de Vereadores, (Vereadores, Secretários, Servidores, Platéia, Imprensa...)

CAPITULO 11. A intervenção do Estado na Economia. Funções e organização do estado A intervenção do estado na economia

PERSISTÊNCIA DO PODER POLÍTICO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O CASO DA TRANSIÇÃO DE REGIME NO BRASIL

ESTADO DEMOCRÁTICO Desde 25 de Abril de 1974

COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PROJETO DE LEI N o 1.193, DE 2011 I - RELATÓRIO

A Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude. Laís Abramo Diretora do Escritório da OIT no Brasil Porto Alegre 29 de abril de 2014

DD. PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

CURSO E COLÉGIO ESPECÍFICO

Trabalho 001- Estratégias oficiais de reorientação da formação profissional em saúde: contribuições ao debate. 1.Introdução

BIOLOGIA QUÍMICA HISTÓRIA GEOGRAFIA SOCIOLOGIA

Percepção Social da Segurança Pública no Brasil. 02 de dezembro de 2010

Rio de Janeiro (RJ) - Reforma do Hotel Glória está atrasada

Plano Integrado de Capacitação de Recursos Humanos para a Área da Assistência Social CAPACITAÇÃO CONSELHEIROS MUNICIPAIS.

FILOSOFIA - 3 o ANO MÓDULO 14 A DEMOCRACIA GREGA

Patrimônio em questão

CONTEÚDOS DE FILOSOFIA POR BIMESTRE PARA O ENSINO MÉDIO COM BASE NOS PARÂMETROS CURRICULARES DO ESTADO DE PERNAMBUCO

VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PREVENÇÃO DAS DST/AIDS Belo Horizonte - Minas Gerais Novembro de 2006

CIDADANIA: será esse o futuro do desenvolvimento do País?

NACIONALIDADE. Inicialmente, para compreender a matéria é precisa-se de alguns conceitos:

O Contencioso administrativo e seu Papel no Estado Democrático de Direito

2. COMPARAÇÃO DE PERFIL ENTRE ADIMPLENTES E INADIMPLENTES

Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia

Liliana Jubilut fala sobre a pesquisa Migração no Brasil

ANÁLISE DE AMBIENTE e Ferramentas administrativas. Profª Gislaine Rossetti Madureira Ferreira

Discussão de gênero com olhar na sustentabilidade: O papel da mulher no Sistema Unimed. Heloisa Covolan

Jean-Jacques Rousseau (1753) de Maurice Quentin de La Tour Da vontade geral surge o Estado

Representatividade nas vinhetas da Copa do Mundo: uma proposta pedagógica para interpretação de filmes publicitários

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO CONSELHO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO SECRETARIA DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS

INTRODUÇÃO A CONTABILIDADE

Símbolo Acessível em Libras

UNIVERSIDADE DO CONTESTADO UnC. Aluno: REGINALDO VEZARO ANÁLISE DO AMBIENTE INTERNO E EXTERNO

TRANSPARÊNCIA E CONTROLE SOCIAL

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE CUBA Escola Básica Integrada c/ Jardim de Infância Fialho de Almeida, Cuba Ano Lectivo 2007/2008

UNESCO Brasilia Office Representação da UNESCO no Brasil A imprensa, a democracia e a cidadania

EXERCÍCIO CIDADÃO E OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELA COMUNIDADE DO BAIRRO NOSSA SENHORA DA VITÓRIA EM ILHÉUS-BAHIA

Ação do Saúde da Família para o Fortalecimento do Controle Social e da Participação Comunitária no SUS

PESQUISA EM HISTÓRIA REGIONAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL

ÉTICA E MORAL. profa. Karine Pereira Goss

5 - O que significa ser voltado para orientação, análise e avaliação dos serviços?

Informações sobre Beneficiários, Operadoras e Planos

Resenha. A teoria e a prática do jornalismo público. Ana Carolina de Araujo Silva

NotícIA. Um Jornal para filosofar. E como março é o mês das mulheres, nada mais justo que homenageá-las!

Os dados quantitativos também podem ser de natureza discreta ou contínua.

AULA 09 O que é pesquisa qualitativa?

Representação de organizações não governamentais e suas relações com o Poder Legislativo um estudo de caso da APAE

Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses - PCTP/MRPP

Temas Diversos. Dia do MERCOSUL. Cartilha da Cidadania do MERCOSUL Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul

PLANO DE CURSO. Disciplina: Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Prof. Esp.: Anderson de Queirós e Silva. Rio Verde/GO 2014/01

Conexão campo - cidade

Universidade de São Paulo USP/RP. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto FEA-RP

Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas

PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL VIOLÊNCIA NO BRASIL

A QUESTÃO SOCIAL 1 APONTAMENTOS ACERCA DA QUESTÃO SOCIAL

CARTA DO DIRETOR DA ESCOLA JUDICIÁRIA ELEITORAL TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

PROVA ESCRITA DE NOÇÕES DE DIREITO E DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

Intervenção do Deputado do Partido Socialista Berto Messias. Participação Cívica dos Jovens

PARECER Nº, DE RELATOR: Senador JOSÉ PIMENTEL I RELATÓRIO

ECONOMIA EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO. Prof. Thiago Gomes. Economia EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO

Classificação da Pesquisa:

REFLEXÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO LIVRO RARO EM EXPOSIÇÕES E VISITAS ORIENTADAS

CONVOCATÓRIA DE CANDIDATURAS PARA O GRUPO ASSESSOR DA SOCIEDADE CIVIL (BRASIL)

Texto 1. Perspectivas para o trabalho integrado com a questão do crack e outras drogas

Alfabetização matemática e direitos de aprendizagem no 1º ciclo. Luciana Tenuta lutenuta@gmail.com

Base para estudo do Direito Financeiro

Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes, ECA-USP

Palavras-chave: Paulo Freire. Formação Permanente de Professores. Educação Infantil.

Unidade IV ECONOMIA E NEGÓCIOS. Prof. Maurício Felippe Manzalli

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

DEMOCRACIA, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

RELAÇÃO DOS CONTEÚDOS DE MATEMÁTICA - 8ª SÉRIE 1º E 2º TRIMESTRE

Seminário Universalização do saneamento: Desafios e metas para o setor

Transcrição:

Neste painel há notícias de jornais que tratam da violência e domínio do tráfico e da milícia nos morros do Rio de Janeiro. Essas manchetes de jornais contrastam com fotos recentes do projeto TRE CIDADÃO nas comunidades em que foram implantadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A proposta é mostrar a segurança pública como um direito de cidadania do qual os moradores das favelas foram secularmente excluídos. Com o projeto social desenvolvido pelo TRE-RJ, a presença do Estado é reforçada nessas comunidades. O projeto facilita o acesso dos moradores locais aos serviços prestados pela Justiça Eleitoral e lhes garante o direito de votar e serem votados. A tela de fundo é Morro da Favella, de Tarsila do Amaral. Na obra, a paisagem é representada de forma colorida e agradável, bem diferente de outras representações que circulavam na época, em que a favela é metaforizada como ambiente de doenças, vadiagem e crimes. O quadro mereceu alguma teorização sobre arte e conhecimento, porque sintetiza algumas das principais características do movimento modernista, que completou 90 anos em 2012: a plena liberdade de tema e criação (com algo de iconoclasta e transgressor), engajamento social e experimentação de novas linguagens.

Este painel lembra a ação fiscalizadora do TRE-RJ nas Eleições 2012 nas favelas do Rio de Janeiro e em toda a cidade. O aparato de fiscalização reuniu tropas federais e um forte efetivo policial. Batizada de política de tolerância zero, a estratégia do TRE-RJ foi de utilizar o poder dissuasório do Estado para impedir a ação de grupos criminosos que costumam intimidar eleitores. A política de tolerância zero acabou por mandar um recado a toda a sociedade: não há democracia ou cidadania sem ordem social, autoridade do Estado e respeito à legislação. Na tela de fundo, o quadro O Café, de Portinari, homenageia os trabalhadores que cultivavam e colhiam a principal riqueza brasileira durante a República Velha. A tela também traz as inovações do modernismo, como o engajamento social e a ousadia na linguagem, em especial as deformações dos pés e mãos que procuram representar a força dos trabalhadores. Nada de pintura tradicional e realista, mas um universo próprio, criado pela pintura do autor.

O painel trata das propagandas política e institucional, temas que merecem atenção da imprensa e da sociedade em geral. A ideia é mostrar que política e publicização caminham juntas. Políticos à direita e à esquerda necessitam divulgar seu projetos e propostas, o que é possibilitado pelas campanhas eleitorais. A informação é abordada como um bem de interesse público, que deve circular com transparência. Isso também é verdade para os atos dos governantes, que devem ter publicidade. O painel aponta para essa tensão entre o respeito ao direito à informação e um certo oportunismo político, que leva a gastos abusivos e à tentativa de alguns de se valerem da máquina pública para autopromoção. Uma charge publicada na revista Careta mostra a indignação com a poluição visual das campanhas políticas já na década de 1940 do século passado. No quadro de fundo, a tela Mulheres Protestando, de Di Cavalcanti, remete a um elemento histórico presente nas circunstâncias do nascimento da Justiça Eleitoral, o da emancipação da condição feminina.

Neste painel, algumas breves linhas sobre temas fundamentais: voto feminino, voto de cabresto e o contraste entre a higienização da favela e a política assisntencialista do ex-prefeito Pedro Ernesto, na década de 1930. A representação do eleitor como passivo e ludibriado pelos coronéis é questionada. Muitas vezes essa imagem é utilizada para desqualificar o eleitor da República Velha. Oprimido por um sistema autoritário e excludente, esse eleitor é, na verdade, vítima também de um sistema de poder que institucionalizava as fraudes eleitorais, a Política dos Governadores, consolidada por Campos Salles. Neste sistema, o voto servia para dimensionar o poder das oligarquias locais, com quem os governadores se relacionariam. Nesse jogo de barganhas, o governadores davam sustentação ao governo federal. Mesmo assim, nas cidades havia pressões por direitos e modificações no sistema eleitoral. Também no campo, consideradas a muitas restrições econômicas e sociais, o eleitor costumava usar, pragmaticamente, a campanha eleitoral para barganhar melhorias para sua vida pessoal, como mostram estudos já clássicos sobre o coronelismo. Na tela de fundo, mais uma obra da artista Tarsila do Amaral, Operários. Reparem como ela usa o quadro como um eixo cartesiano. As cabeças dos operários vão sendo organizadas de modo a formar uma curva ascendente. A obra inaugura a pintura social no Brasil e faz uma clara referência ao crescimento do movimento operário à época, um fenômeno que teve grande influência política nos centros urbanos do país.

Os dois painéis são autoexplicativos. Eles trazem a narrativa da comparação que quisemos traçar entre o momento atual e o do nascimento da Justiça Eleitoral. Falta-nos apenas explicitar os pontos de vista adotados e que orientaram toda a pesquisa. A principal interpretação aceita nesta exposição é a de que a sociedade brasileira vive um processo de americanização, no sentido proposto por Alexis de Tocqueville, de uma constante igualitarização. Por isso, a referência direta, entre outras, aos valores americanos e à modernidade. Não se trata apenas da força que a tecnologia tomou junto à Justiça Eleitoral, em especial com o advento das urnas eletrônicas. Os autores que são referência nesta forma de interpretar a trajetória histórica do processo político republicando são Maria Alice Rezende de Carvalho e Luís Werneck Vianna. Outra interpretação importante procura explicitar a mistura entre o arcaico e o moderno nas formas políticas republicanas no Brasil. Pensadores como José Murilo de Carvalho e Roberto da Matta defendem tal ponto de vista. Embora não seja a posição aqui adotada, acreditamos que seja relevante observar a forma com que práticas políticas arcaicas resistem e se hibridizam com as práticas que hoje chamamos de republicanas, ou seja, igualitárias, eticamente orientadas e modernas. Sem deixar, no entanto, de reconhecer a evolução igualitária e democrática da sociedade brasileira. O conceito de cidade escassa também permeia o texto dos painéis. Elaborado por Maria Alice Rezende de Carvalho, o conceito coloca a questão da privação da liberdade como fator central para que os excluídos fossem impedidos de lutar por seus direitos e por sua incorporação à comunidade política. Trata-se de refletir sobre as relações históricas entre um Estado excludente, uma sociedade civil frágil e a população. Pouco democratizado, afastado dos interesses populares, o Estado tem servido a interesses patrimoniais e assistencialistas, sem legitimar a sua autoridade. Da mesma forma, a interpretação estreita das carências populares como falta material dificulta o entendimento dos vários aspectos dos direitos da cidadania. Tratar a diferença apenas no aspecto econômico, sem vínculos com as desigualdades políticas e jurídicas, reduz o papel da participação política e do acesso à Justiça, enfim, dos direitos políticos e civis. Direitos que são fundamentais na efetivação dos direitos sociais, pois garantem a participação e o controle da população sobre os serviços públicos.