Nº 5472/2014 ASJCIV/SAJ/PGR Relator: Ministro Presidente Requerente: Município de Maceió Requerido: Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. DECISÃO QUE DETERMINOU AO PODER PÚBLICO QUE ARCASSE COM O CUSTEIO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO A PORTADOR DE DOENÇA DE PARKINSON. INTERVENÇÃO QUE SE MOSTRA IMPRESCINDÍVEL PARA A MELHORA DA SAÚDE E MANUTENÇÃO DA VIDA DO PACIENTE. Pedido de suspensão formulado em face de decisão que determinou ao Poder Público que custeasse cirurgia para implante de eletrodo cerebral profundo e de gerador de neuroestimulação para tratamento de Doença de Parkinson. Beneficiário que não apresentou melhora com o tratamento medicamentoso, com rápido agravamento da enfermidade. Comprovadas, na espécie, a necessidade vital e a impossibilidade de o paciente custear o tratamento. Periculum in mora inverso. Parecer pelo indeferimento do pedido de suspensão. O Município de Maceió requer a suspensão de decisão proferida pelo Juízo da 14ª Vara Cível da Capital, mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, em que concedida a antecipação de tutela para determinar ao requerente que arcasse com o custeio de procedimento cirúrgico para tratamento de paciente portador de doença grave.
Conforme consta dos autos, Mario Correia Costa, por intermédio da Defensoria Pública do Estado de Alagoas, ajuizou ação cominatória em face do Município de Maceió, pugnando pelo custeio de cirurgia para implante de eletrodo cerebral profundo e de gerador de neuroestimulação para tratamento de Doença de Parkinson, afirmando a imprescindibilidade do procedimento para melhora de sua saúde e manutenção de sua vida. A antecipação da tutela foi concedida pelo Juízo da 14ª Vara Cível da Capital para determinar ao Município ora requerente que fornecesse o procedimento cirúrgico pleiteado nos seguintes termos: Sendo assim, CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEI- TOS DA TUTELA requerida, determinando que o Município de Maceió forneça no prazo de 10 (dez) dias, o procedimento de implante de eletrodo cerebral profundo e de gerador de neuroestimulação, bem como com os materiais procedimentos de que necessita a parte autora descritos às fls. 19-20 dos autos (Faça o cartório constar cópia quando da instrução do mandado), abstendo-se o Município, ainda, de criar qualquer fato que cause embaraço, óbice ou que desvirtue os efeitos desta medida, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), a incidir após o transcurso do prazo acima assinalado. Entretanto, considerando que os recursos destinados ao cumprimento da presente decisão tem origem pública, sendo ademais limitados, de modo que devem ser empregados da melhor forma possível no atendimento das necessidades da população em geral, determino que o município de Maceió forneça o exame preferencialmente em estabelecimento conveniado com a rede pública de saúde, utilizando-se, outrossim, do preço estabelecido na tabela do SUS para seu pagamento. 2
Dessa decisão, aviou-se agravo de instrumento para o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas que, negando a tutela recursal, manteve a determinação de custeio da intervenção cirúrgica. Daí o presente pedido de contracautela, onde se sustenta risco de grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas, bem como afirma-se a possibilidade de concretização do chamado efeito multiplicador da decisão concessiva. Além disso, o requerente alega não ter ficado demonstrada a gravidade do estado de saúde do paciente, asseverando, ainda, não haver urgência na realização do procedimento cirúrgico pleiteado, uma vez que, segundo argúi, a doença de Parkinson não tem cura e o tratamento pleiteado apenas teria a função de amenizar os seus sintomas, mas não garantiria a manutenção da vida do beneficiário. Ressalta que a legislação veda o custeio de medicamento, produto ou procedimento cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVI- SA, bem como a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na referida agência. Salienta que o deferimento da tutela pleiteada gerará imenso dano à saúde e à economia públicas, uma vez que os recursos alocados para tal pagamento são justamente aqueles que seriam destinados ao cumprimento de políticas públicas de saúde, argumen- 3
tando que o elevado gasto para o atendimento de um único indivíduo implicará em prejuízos à coletividade. Sobrevindo despacho do Relator para oportunizar a participação do interessado, transcorreu o prazo sem qualquer manifestação, vindo os autos, em seguida, à Procuradoria-Geral da República para parecer. Preliminarmente, a matéria discutida na ação originária evidencia a competência dessa Suprema Corte para examinar o presente pedido de suspensão, uma vez que tem como fundamento a inviolabilidade do direito à vida e à saúde (arts. 5º, 6º e 196, da Constituição Federal). O deferimento dos pedidos de suspensão de segurança, de liminar e de antecipação de tutela tem caráter sabidamente excepcional, sendo imprescindível perquirir a potencialidade de a decisão concessiva ocasionar lesão à ordem, segurança, saúde e economia públicas, não cabendo nesta sede, em princípio, a análise do mérito. Essa Suprema Corte, entretanto, fixou orientação no sentido de ser possível um juízo mínimo acerca da matéria de fundo analisada na origem, para concluir-se pela viabilidade ou inviabilidade da suspensão da decisão concessiva. A controvérsia em causa aplicação imediata do direito fundamental à saúde, com fornecimento pelo Poder Público de medicamentos, tratamentos e terapias a pacientes portadores de doenças 4
raras ou graves quando demonstrada a necessidade vital e a impossibilidade de os beneficiários custearem o tratamento tem sido reiteradamente discutida no âmbito desse Supremo Tribunal Federal, tendo, inclusive, ensejado a convocação de audiência pública para o debate da matéria por representantes dos diversos setores envolvidos na realização de políticas públicas de saúde. Com base nas informações colhidas na mencionada audiência pública, a Presidência dessa Suprema Corte fixou algumas orientações sobre a questão, concluindo ser necessário redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil, destacando pontos fundamentais a serem observados na análise das demandas de saúde. O que ficou evidente nos debates e nas conclusões do Supremo Tribunal Federal, como anotou a Procuradoria-Geral da República nos pareceres oferecidos nos muitos pedidos de suspensão de segurança, de liminar e de antecipação de tutela sobre o tema, é que são as circunstâncias específicas de cada caso que serão decisivas para a solução da controvérsia. Haverá casos, pois, em que o atendimento da postulação de determinado doente, ante as especificidades verificadas nos autos, poderá significar injustificado embaraço às prestações de saúde devidas a toda a coletividade, diante, evidentemente, do quadro de notória e permanente escassez de recursos, a recomendar a provisória suspensão dos efeitos da decisão até que se torne definitiva. 5
Noutras hipóteses, porém, e igualmente em face das particularidades que os autos revelarem, forçoso será concluir que, a despeito da extrema limitação de recursos, não poderá o Poder Público eximir-se, ainda que provisoriamente, da obrigação incontestavelmente sua de tornar efetivas as prestações de saúde em favor de cidadãos considerados individualmente, sem prejuízo daquelas devidas à comunidade em geral, dando concretude aos comandos constitucionais pertinentes. Na presente hipótese, verifica-se que o paciente, apesar de ter 56 anos de idade, já apresenta o diagnóstico da Doença de Parkison há 10 anos e o tratamento pela via medicamentosa não tem surtido efeito satisfatório, permitindo o progressivo avanço de sua patologia. Ficou demonstrado que, diante da ineficiência dos medicamentos, a enfermidade do paciente tem-se agravado bastante, tendo o médico, por essa razão, indicado o procedimento cirúrgico pleiteado como única alternativa para a melhora de sua saúde e qualidade de vida. A cirurgia em questão, ao contrário do alegado pelo requerente, tem sido utilizada para o tratamento de doenças do sistema nervoso nos casos de comprovada ineficiência da terapia medicamentosa, tendo algumas unidades federadas, inclusive, passado a 6
oferecer a intervenção cirúrgica por meio do Sistema Único de Saúde SUS 1. Isso porque a estimulação cerebral profunda, feita por meio da instalação de eletrodos no cérebro do paciente, controla os movimentos involuntários resultantes da doença de Parkinson, diminuindo as complicações motoras decorrentes tanto da evolução da doença quanto do uso crônico de medicamentos, além de prolongar a vida do portador. Artigos médicos mostram que o procedimento é indicado para casos específicos, sobretudo para pacientes mais jovens com tremores incapacitantes ou para aqueles que não responderam adequadamente ao tratamento medicamentoso. Além disso, em geral, não se indica a cirurgia para pacientes com menos de cinco anos de doença. 1 Sítios eletrônicos de veículos de comunicação, bem como de hospitais conveniados ao SUS, informam que o procedimento em questão tem sido oferecido pelos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo: http://saude.ig.com.br/minhasaude/2014-09-12/sus-implante-cerebralrecupera-na-hora-movimentos-de-pacientes-com-parkinson.html http://www.einstein.br/einstein-saude/em-dia-com-asaude/paginas/cirurgia-reduz-sintomas-de-parkinson.aspx http://www.isaude.net/pt-br/noticia/28332/geral/rio-grande-do-sulpassa-a-oferecer-cirurgia-para-mal-de-parkinson-pelo-sus http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/09/13/noti cia_saudeplena,150354/portadores-do-mal-de-parkinson-em-sao-paulocontam-com-transplante-que-minimiza-sintomas-da-doenca.shtml 7
Na espécie, portanto, ficou comprovado que o beneficiário se enquadra nos critérios para a indicação. Ao analisar a presença dos indispensáveis requisitos de verossimilhança do direito invocado e do periculum in mora para a concessão da antecipação de tutela, a decisão questionada evidenciou a ineficácia do tratamento convencional e afirmou a necessidade da cirurgia para a melhora da saúde e manutenção da vida do autor, fazendo essas considerações: Por mais que se comungue o entendimento de que não é lícito ao Poder Judiciário interferir no mérito das políticas públicas a serem concretizadas pelo Poder Executivo, tal regra comporta exceções. Dessa forma, e diante da situação excepcional do caso apresentado, pode ser razoável garantir à parte autora a realização do exame pleiteado em tempo hábil a fim de que não sofra as consequências de um tratamento tardio. Quanto à prova inequívoca, esta se encontra consubstanciada nos autos, dando conta da necessidade de realização do procedimento pleiteado como forma de tratar com precisão a patologia apresentada pela parte autora. Finalmente, quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, não há como não verificar o perigo de ocorrência de dano à parte autora, tendo em vista que a documentação carreada dá conta da necessidade insofismável daquela ser urgentemente submetida ao exame médico recomendado para a efetivação do seu tratamento, e, por conseguinte, para a preservação de sua integridade física. Além disso, tratando-se de pretensão que visa garantir o direito constitucional à saúde, está caracterizada a necessidade de concessão da tutela antecipatória como forma de se evitar o perecimento desse direito, resguardando sua integridade física e a própria dignidade humana, ou, no mínimo, para garantir a instrumentalidade do feito até o provimento de mérito final. 8
A ponderação dos valores em conflito, no caso, portanto, leva ao indeferimento do pedido de contracautela, uma vez que, não obstante tratar-se de tratamento excepcional e específico, fica evidenciada sua imprescindibilidade para a melhora da saúde e manutenção da vida do paciente em questão, mostrando-se indubitável, na espécie, o chamado perigo de dano inverso. Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República pelo indeferimento do pedido. Brasília (DF), 26 de setembro de 2014. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República VCM 9