As ideias de Émile Durkheim sobre a sociedade e a educação 1 Radamés de M. Rogério 2. Caros(as) alunos(as),



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Transcrição:

As ideias de Émile Durkheim sobre a sociedade e a educação 1 Radamés de M. Rogério 2 Caros(as) alunos(as), A partir de agora, passaremos ao exame das contribuições de grandes intelectuais que refletiram acerca da educação e dos processos sócio-históricos e culturais que a subjazem. Essas contribuições, embora estejam submetidas ao imperativo do tempo e do espaço geográfico, ou seja, mesmo que estejam circunscritas em tempos históricos e realidades sociais específicas, conforme veremos, têm servido como eixos norteadores da reflexão sobre o papel social da escola. Em acréscimo, eles têm propiciado, ao longo de muitos anos, importantes elementos teóricos e pedagógicos para se pensar projetos educacionais destinados a diferentes nações e a sociedades das mais diversas. Iniciaremos este exame pelos postulados daquele que é considerado o pai do método sociológico e o primeiro sociólogo da educação, a saber: Émile Durkheim. Para este autor, o ensino da boa sociedade estava intimamente ligado à atividade de análise científica do fenômeno social e isso se refletiu em sua própria trajetória de vida como professor de filosofia e sociologia. O contexto sócio-histórico no qual viveu Durkheim foi bastante influenciador de sua leitura sobre a realidade social. Alguns autores chamam de o lugar de fala o aspecto da relação entre quem fala e o contexto de onde fala. Para você saber: Todo intelectual escreve a partir de uma série de implicações sócio-históricas e culturais. O lugar de fala é determinante para o seu posicionamento diante de todos os dilemas que se impõem a sua formulação teórica, seja científica ou filosófica, e se constitui do contexto histórico da sociedade em que viveu, de sua formação religiosa, da formação de seus pais etc.. Desse modo, nenhum desses pontos isolados é obrigatoriamente determinante para o posicionamento do sujeito, mas todos juntos podem sêlo. No caso de Durkheim, o contexto de conflitos sócio-políticos, pelos quais passava a França de sua época, influencia o autor no sentido de uma ênfase à ordenação em sua compreensão sociológica do fenômeno social, bem como o influencia a dar maior ênfase à sociedade/estrutura em detrimento do indivíduo na relação entre ambos, ou ainda, a enfatizar o caráter social dos fenômenos em detrimento de seus aspectos individuais ou psicológicos. Um dos grandes questionamentos ao qual a sociologia durkheimiana tentou responder foi: por que os agrupamentos humanos não costumam desfazer-se facilmente e, ao contrário, desenvolvem mecanismos para lutar contra ameaças de desintegração? O momento histórico no qual viveu o autor foi marcado por grandes mudanças, conforme já afirmamos, que puseram em xeque a moral, os valores, os costumes e, principalmente, a organização produtiva de toda uma sociedade. Entre essas mudanças, estava a que se operava especialmente na forma de os indivíduos se associarem para sobreviver, ou seja, na divisão social do trabalho. Esta trazia consequências tamanhas 1 Esse texto foi escrito para compor a aula no ambiente virtual Solar da Universidade Federal do Ceará da disciplina Escola, cultura e sociedade: abordagem sociocultural e antropológica II do curso de pedagogia coordenada pelo Prof. Dr. Messias Holanda Dieb. 2 Professor assistente da Universidade Estadual do Piauí, mestre em sociologia pela Universidade Federal do Ceará.

que o autor parecia entendê-las como capazes de pôr em perigo a harmonia da sociedade de seu tempo. O processo que Durkheim chamou de solidariedade social correspondia ao fator de coesão social de todas as sociedades humanas. Tal solidariedade variava de acordo, principalmente, com divisão social do trabalho. Desta forma, havia, para o autor, a solidariedade mecânica e a orgânica. Vejamos o quadro abaixo, para compreendermos melhor: Para Durkheim, cada pessoa é o resultado da tensão entre a consciência individual e a consciência coletiva da sociedade na qual se vive. A consciência individual contém os desejos e paixões mais íntimos enquanto, em contrapartida, a consciência coletiva abriga os sistemas de hábitos grupais, práticas morais, tradições e crenças de uma sociedade. Para que qualquer sociedade possa se manter coesa, segundo esse raciocínio, a consciência coletiva deve exercer sobre as consciências individuais um poder coercitivo de forma a determinar-lhes as maneiras de ser, de agir, de pensar e sentir, ou seja, a consciência coletiva deve prevalecer sobre as individuais, de forma que o bem e/ou interesse comum prevaleça sempre em detrimento dos desejos individuais. O processo de industrialização das nações europeias, resultante da revolução industrial inglesa, poderia trazer consequências ambíguas e essa ambiguidade poderia ser inferida na própria leitura do autor sobre esse processo. Assim é que Durkheim é considerado um otimista quanto às potencialidades da industrialização no que diz respeito ao bem-estar das populações das sociedades onde esta estava a se desenvolver, mas ao mesmo tempo parecia recear que o aumento exacerbado da especialização fomentasse o individualismo, fazendo com que a consciência coletiva perdesse ou diminuísse bastante sua capacidade de refrear as consciências individuais. Isso geraria uma situação de desajuste social, de enfraquecimento ou, nos termos durkheimianos, de patologia social.

Assim sendo, toda sociedade necessita assegurar as bases de suas condições de existência e de sua perenidade. Para Durkheim, ao nascer, o ser humano é um ser egoísta e associal e, em razão disso, é necessário que a sociedade acrescente a este uma natureza capaz de aceitar a vida moral e social. Mas como ela fará isso? Através do processo de socialização da criança. A socialização primária é realizada no seio da família, mas será a escola a instituição social primordial para esse processo, pois é na educação que ocorre a socialização metódica da jovem geração (DURKHEIM, 1965). A educação é, na visão do sociólogo francês, o lugar central da continuidade social, assim, seu objetivo principal é criar no homem um ser novo, é constituir em cada membro da sociedade o ser social, realizar, em cada um deles, portanto, o segundo nascimento. Estes são alguns dos muitos segundos nascimentos aos quais cada indivíduo é submetido durante toda a sua vida. De maneira geral, os rituais geram a sensação de coesão social ao ratificar, oxigenar ou recuperar a importância dos valores nele celebrados. Segundo DaMatta (1974), trata-se de uma moldura especial da sociedade humana sem a qual ela não existiria como algo consciente; e um dos fatores que mais ajudam a corroborar com essa sensação é a repetição. Segundo Filloux (2010), Durkheim trabalhava com a ideia de que cada sociedade fixava certo ideal de homem e o que ele deveria ser, sob os mais variados pontos de vista intelectual, físico, moral, profissional etc. sendo esse ideal o próprio norteador da atividade educativa. A sociedade só poderia existir se houvesse entre seus membros uma suficiente homogeneidade, e caberia ao sistema educacional desenvolvêla, daí a afirmação do autor que veremos a seguir: O homem que a educação deve realizar, em cada um de nós, não é o homem que a natureza fez, mas o homem que a sociedade quer que ele seja; e ela o quer conforme o reclame a sua economia interna, o seu equilíbrio (1965). Imagem: http://3.bp.blogspot.com/_7ulsgaoyzbm/tb_qhnjdmwi/aaaaaaaaay4/rh7kfksbol4/s320/durkhei m.gif

É necessário ressaltar que na análise e determinação da função social, das mais diversas instituições sociais que compõem a sociedade, Durkheim tinha como parâmetro a correspondência entre tais instituições e as necessidades gerais do organismo social. Assim, a função intrínseca da educação é a de perpetuar e reforçar essa homogeneidade, fixando, antecipadamente, na alma da criança, as alianças fundamentais exigidas pela vida coletiva (FILLOUX, 2010, p. 15). Nesse sentido, Rodrigues (2007) afirma que a educação assume, para Durkheim, a condição de pedra fundamental de preservação da coesão social, sendo, portanto, o processo social pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade, bem como a respeitar e a seguir seus mandamentos, sacrificando parte de nossa individualidade em nome do bem comum. Como obra da sociedade, seu objetivo, da educação, é a manutenção, a permanência da própria sociedade (WEISS, 2009). A esta altura, caro(a) aluno(a), você pode estar se perguntando sobre a autonomia do sistema educacional e da potencialidade deste em termos de inovação, já que parece estar muito ligado à manutenção do status quo social. É neste sentido que Filloux (2010) aponta a originalidade do pensamento durkheimiano, pois para este autor, Durkheim mostra que, embora o subsistema educação fosse, como os demais, dependente daquilo que consideramos o todo social, ele possui características estruturais próprias que lhe dão uma autonomia relativa. Assim, um sistema escolar, qualquer que seja, é formado por duas espécies de elementos. De um lado, há todo um conjunto de disposições definidas e estáveis, de métodos estabelecidos, ou seja, em uma palavra, de instituições; mas, ao mesmo tempo, dentro da máquina assim constituída, há ideias que trabalham e que a solicitam para que mude (DURKHEIM, 1975, p. 122). A problemática da mudança não está ausente da análise durkheimiana, pois o autor reconhece a presença de forças de estagnação ou continuidade, como também forças de evolução. Há três patamares de cristalização da consciência coletiva a serem analisados e seus elos representam ora o movimento de uma força, ora a de outra, a saber, as representações, as instituições e as necessidades sociais. Desse modo, a necessidade de coesão social demanda instituições que a fortaleçam, como é o caso da escola, por exemplo, gerando-se, a partir daí, representações coletivas sobre tais instituições, bem como sobre sua necessidade, o que acaba por reforçar todo o ciclo. Entretanto, as representações coletivas novas, ou seja, aquelas que emergem a partir de um determinado fato social, tendem a traduzir-se em novas instituições. Para que se cristalizem, então, basta que tais representações tenham a capacidade de gerar novas necessidades sociais. Assim, Filloux (2010, p. 18) nos concede o seguinte exemplo: a intensificação da divisão do trabalho nas sociedades modernas exige que se dê uma importância maior ao indivíduo [necessidade social], o que dá origem a ideologias individualistas [representação], que, por sua vez, suscitam a emergência de instituições protetoras dos direitos humanos. Na análise sociológica durkheimiana, a divisão social do trabalho corresponde a uma necessidade social, ou seja, a divisão entre trabalho intelectual e manual é

necessária e deve ocorrer naturalmente porque corresponde a uma importante demanda social advinda do nível de complexidade que a atividade produtiva moderna alcança. Assim, afirma Filloux que sem embargo, a partir do momento em que a vida intelectual das sociedades atinja certo grau de desenvolvimento, há e deve haver, necessariamente, homens que se consagrem de modo exclusivo ao pensamento, homens que não fazem senão pensar (FILLOUX, 2010, p. 75). A divisão do trabalho é condição sine qua non, portanto, para a manutenção das sociedades modernas. Dito isto, obtemos que, a partir de certa idade, a educação que outrora desempenhara o papel de inserção do ser humano na sociedade, sendo, pois, a mesma para todos, passa a se diferenciar de forma a preparar a criança para a função a qual será chamada. Para Durkheim, esse processo representa um desenvolvimento civilizatório das forças produtivas, mas, neste momento, você aluno(a) poderá estar a se perguntar: se a especialização recai desde cedo sobre os membros da sociedade, não há aí um forte reforço do individualismo, temido pelo autor, e, consequentemente, não haverá a corrosão paulatina das bases da coesão social, justamente pelo sistema que deveria mantê-la, ou seja, a educação? A resposta de Durkheim está na interdependência. Nessas sociedades, o fator que fomenta a coesão social é o fato de que especialistas precisam uns dos outros para sobreviver. Assim norteados, por um sistema moral e jurídico, construíram uma sociedade coesa e solidária. E aqui entra o papel do Estado. Segundo Azevedo (2004), em Durkheim encontra-se, pela primeira vez, uma formulação mais precisa sobre a educação como uma política pública. Assim, para Durkheim, se a educação é uma função essencialmente social, o Estado não pode estar ausente dela, de modo que tudo que seja educação deve estar sob sua influência. Isto não quer dizer, por sua vez, que o Estado deva monopolizar o ensino, pois a iniciativa privada tem sua importância na medida em que o indivíduo é sempre mais renovador que o Estado. No entanto, outro fator interessante no pensamento durkheimiano é que, em sua teorização, o que importa é o aspecto coletivo da vida em sociedade e não a pessoa do indivíduo. Desse modo, só pode ser considerado como normal na vida em sociedade, o que é ao mesmo tempo obrigatório ao indivíduo e superior a ele. Ou seja, não é a vontade do indivíduo que deve prevalecer para o bem da sociedade, mas a própria vontade social. Assim, para que ocorra a normalidade social e a consequente felicidade dos indivíduos é preciso que haja solidariedades (relações positivas) entre os membros de uma sociedade. Como vimos, o autor nos apresenta dois tipos de solidariedade: SOLIDARIEDADE MECÂNICA (automática) consciência coletiva acerca das obrigações morais/sociais ORGÂNICA (conformação) consciência no indivíduo acerca de suas obrigações funcionais na sociedade Assim sendo, a normalidade social, bem como a transformação de toda e qualquer sociedade, só poderia ocorrer, segundo Durkheim, com a passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica, ou seja, com a passagem do agir mecanicamente para o agir conscientemente na sociedade. E para isto acontecer seria preciso entrar em cena a educação e seu legítimo papel: o de formar o individuo para a vida em sociedade. No entanto, essa formação estaria aqui sendo entendida como a

conscientização do individuo sobre a importância de sua participação na vida social, por meio de uma função social específica e orgânica, do ponto de vista da divisão social do trabalho. De modo bem sintético, poderíamos dizer, à guisa de conclusão deste tópico, que para Durkheim a sociedade é vista como um corpo cujos órgãos (as instituições) devem funcionar muito bem, a fim de que tenhamos saúde social. Neste sentido, sendo a sociedade vista como um corpo, é possível que este corpo adoeça e os sintomas dessa doença venham a ser representados por meio da criminalidade, da violência, do suicídio e de outros males que a possam afligir. Portanto, seria possível restabelecer a saúde social por meio da educação dos indivíduos, uma vez que a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais que lhe exigem a sociedade política no seu conjunto e o meio especial ao qual está particularmente destinada (DURKHEIM, 1975, p. 52). Como, então, podemos pensar a função social da escola, a partir das ideias de Durkheim? Teria a educação escolar a função de ajustar, pura e simplesmente, o indivíduo à vida social, conformando-se a ela sem questionamentos, críticas ou resistências? Qual seria o papel do educador: um formador de opinião ou um mero orientador social? Parem um pouco e reflitam sobre o que vocês aprenderam neste tópico. Referências AZEVEDO, Janete Lins de. A educação como política pública. Campinas: Autores Associados, 2004. Da MATTA, Roberto. Prefácio In: TUNNER, Victor. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 6ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1975. FILLOUX, Jean-Claude. Émile Durkheim. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. RODRIGUES, Alberto T. Sociologia da educação. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. WEISS, Raquel. A concepção de educação em Durkheim como chave para passagem entre positivo ao normativo In: MASSELLA, A. B. Durkheim 150 anos. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.