R E L AT Ó R I O DE POLÍTICA Criando mercados para um crescimento econômico sensível à infância Abordando o trabalho infantil através de contratos públicos no âmbito do G20 Relatório de Política da Visão Mundial Internacional Abril/2014
RESUMO EXECUTIVO Na Cúpula de São Petersburgo em 2013, os líderes do G20 afirmaram o que já sabemos há muito tempo: para que o crescimento seja forte, sustentável e equilibrado, ele também precisa ser inclusivo. 1 Como uma organização com foco na criança, a Visão Mundial concorda que todos devem ter a oportunidade de se beneficiar do crescimento econômico; porém, mais importante que isto, nós cremos que o progresso econômico nunca deve acontecer às custas de uma criança. O G20 representa mais de 85% do PIB global. Mais de 10% das crianças do mundo com 5 anos de idade ou mais trabalham em detrimento de seu desenvolvimento físico, mental e econômico. Em nosso mundo cada vez mais interconectado, o trabalho árduo de 168 milhões de crianças pode ser encontrado em quase todo estágio da produção de vários dos bens de consumo mais comuns. Os governos estão entre os maiores e mais influentes consumidores mundiais desses produtos e, como tal, as políticas e práticas de contratação e compras dos governos do G20 possuem um grande impacto sobre a economia global e sobre as vidas dessas crianças. Na trajetória para a Cúpula de Brisbane em 2014, a Visão Mundial convoca os líderes do G20 a trabalharem juntos para desenvolver uma abordagem comum a fim de assegurar que as cadeias de valor das compras públicas não contribuam com a demanda de bens produzidos através do trabalho infantil. O trabalho infantil não afeta somente as crianças, mas as próprias economias que se desenvolvem em torno delas. Trabalho infantil e crescimento econômico O trabalho infantil é "um trabalho que rouba das crianças sua infância, seu potencial e sua dignidade, e isto é prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental". 2 É alarmante que 73 milhões (44 % do total) das crianças que trabalham tenham entre 5 e 11 anos de idade. Esses fatos por si só deveriam ser suficientes para motivar os líderes mundiais a foca- 1 Declaração dos Líderes do G20, setembro de 2013. https://www.g20.org/sites/default/files/g20_resources/library/saint_petersburg_declaration_eng.pdf (Acessado em 20 de fevereiro de 2014). 2 Organização Mundial do Trabalho, What is Child Labour [O que é Trabalho Infantil, http://www.ilo.org/ipec/facts/lang--en/index.htm (Acessado em 5 de outubro de 1023). Relatório de Política da Visão Mundial Internacional Abril/2014 1
rem seus esforços nos diversos fatores que causam esse problema, já que o trabalho infantil não afeta somente as crianças, mas as próprias economias que se desenvolvem em torno delas. Entre outros impactos macroeconômicos negativos, o trabalho infantil tem sido associado a: redução no potencial de rendimentos ao longo da vida e maior possibilidade de pobreza posteriormente; salários reduzidos, limitações ao empreendedorismo e surgimento de economias estagnadas e de baixos salários; aumento do desemprego entre adultos; e desencorajamento aos investimentos estrangeiros. Além disso, o acúmulo do capital humano na economia, considerado como "o mais importante fator determinante do (...) sucesso econômico a longo prazo, mais do que qualquer outro recurso", 3 fica gravemente limitado pelos efeitos a longo prazo do trabalho infantil. Não é mera coincidência que muitos dos países com os mais baixos índices de capital humano do Fórum Econômico Mundial estejam entre aqueles onde predomina o trabalho infantil. Trabalho Infantil em um mundo economicamente interconectado Em nossa economia global cada vez mais interconectada e interdependente, esses impactos negativos não são problema apenas para os países onde predomina o trabalho infantil. Em 2013, os líderes do G20 identificaram o fraco crescimento, a falta de crescimento inclusivo em diversas economias e o alto nível de desemprego como os principais desafios para que a economia global atinja maior crescimento, mais sustentável e equilibrado. 4 Como foi demonstrado nesse relatório, cada um desses obstáculos a um crescimento mais forte, sustentado e equilibrado pode ser associado ao trabalho infantil e é exacerbado por ele. O importante papel que as cadeias globais de valor (CGV) desempenham no crescimento econômico foi bem observado nas últimas Cúpulas do G20. Elas são uma característica fundamental de nossa interconexão e interdependência econômicas. O G20 é um símbolo disto e seus membros representam cada vínculo de cadeias globais de valor complexas, desde o design de produtos e a extração e processamento de matéria-prima até a fabricação e comercialização dos produtos finais. Anteriormente empresas individuais e mesmo países inteiros se especializavam em determinadas indústrias e na fabricação de produtos acabados; hoje, porém, grande parte dos produtos que compramos pode ser considerada como fabricada no mundo. Quando cumprem seu papel, as CGVs podem ajudar as empresas a reduzir seus custos e aumentar seus lucros, oferecendo ao mesmo tempo oportunidades para que as economias emergentes acessem mercados de exportação, levando com elas o potencial de criação de empregos. No entanto, CGVs longas e complexas podem também ocultar o uso do trabalho infantil e diluir a aparente responsabilidade por ele. A intensificação das oportunidades resultantes das cadeias globais de valor deve, portanto, ser acompanhada por responsabilidades adicionais, a fim de garantir que os direitos humanos, inclusive os direitos das crianças, sejam protegidos da exploração econômica, e respeitados em toda a cadeia de valor. 3 Fórum Econômico Mundial (2013), The Human Capital Report (Relatório do Capital Humano), p.1 4 Declaração dos Líderes do G20, setembro de 2013. https://www.g20.org/sites/default/files/g20_resources/library/saint_petersburg_declaration_eng.pdf (Acessado em 20 de fevereiro de 2014). Relatório de Política da Visão Mundial Internacional Abril/2014 2
Como principais atores, e benefi ciários, das CGVs e das economias interconectadas que surgiram em torno delas, os governos do G20 têm a responsabilidade e o interesse de reduzir o mercado global dos produtos fabricados por meio do trabalho infantil. Por que as compras públicas são importantes Em 2014, os governos do G20 devem gastar entre 10 e 15 trilhões de dólares em contratos públicos; esse número corresponde aproximadamente ao PIB total dos Estados Unidos da América. Embora nem todos os produtos ou serviços que o governo compra estejam particularmente expostos ao trabalho infantil em suas cadeias de valor, vários produtos que são comumente adquiridos envolvem o trabalho de crianças, particularmente aqueles originários dos setores agrícola e industrial. Aproximadamente dois terços das crianças que trabalham encontram-se nesses setores, incluindo o trabalho em fazendas e plantações, bem como em minas, na pesca, em fábricas e fundições. Dada a escala das despesas relativas às compras públicas, os governos não apenas compram nos mercados, eles criam mercados. Como os principais criadores de mercados, os governos do G20 têm a oportunidade e a responsabilidade de usar seu poder de compras coletivo para reduzir a demanda global por produtos fabricados por meio do trabalho infantil. Os governos do G20 têm a oportunidade e a responsabilidade de usar seu poder de compras coletivo para reduzir a demanda global por produtos fabricados por meio do trabalho infantil. Benefícios de uma abordagem comum Embora alguns países estejam tentando tratar do trabalho infantil em suas compras públicas e cadeias de valor, as políticas tendem a ser desenvolvidas isoladamente e temos visto surgir um sistema altamente fragmentado. As empresas estão enfrentando diferentes exigências nas diversas jurisdições, tanto em termos de padrões básicos como no que diz respeito às exigências de certificação. Uma abordagem comum enfrentaria este problema, facilitando para as empresas tratarem de forma mais adequada as instâncias de trabalho infantil em todas as cadeias de valor do produto. Isto seria alcançado assegurando que os diversos padrões nacionais e os padrões específicos da indústria se baseiem nos mesmos princípios básicos, harmonizando e simplificando assim as exigências de due diligence e de prestação de contas. Isto significa que uma empresa que entrar numa licitação em busca de contratos nos vários países do G20 devem enfrentar os mesmos requisitos de due diligence para cada licitação. Relatório de Política da Visão Mundial Internacional Abril/2014 3
Uma abordagem comum também aumentaria a transparência, criando um campo nivelado para as empresas que buscam contratos além de suas fronteiras municipais e nacionais. Seria também uma proteção contra o uso inadequado dos critérios relativos ao trabalho infantil a fim de promover agendas protecionistas de comércio, oferecendo uma base sólida para que as autoridades possam selecionar mecanismos de certificação apropriados. O que queremos do G20 À medida que os líderes dos governos do G20 preparam-se para o encontro em Brisbane em 2014, pedimos que eles deem um primeiro passo importante para demonstrar seu compromisso com as crianças vulneráveis e exploradas, desenvolvendo e implementando uma abordagem comum à reforma das políticas de compras públicas, que: 1. Obrigue as autoridades dos países do G20 a introduzirem requisitos de elegibilidade em seus processos licitatórios que garantam que as empresas atuem no sentido de identificar, reportar e tratar do trabalho infantil em cada estágio das cadeias de valor de seus produtos. 2. Tenha como base o referencial de Proteção, Respeito e Reparação, de acordo com os Princípios Norteadores da ONU para Empresas e Direitos Humanos e o Comentário Geral N o 16 sobre as Obrigações do Estado com Relação ao Impacto do Setor Empresarial sobre os Direitos da Criança; 3. Assegure que as autoridades públicas sigam o exemplo estabelecido pelas principais iniciativas multi-stakeholders, tratando das questões referentes aos padrões de trabalho da rede de abastecimento de uma forma que priorize claramente os melhores interesses das crianças, atuando junto aos fornecedores e utilizando o término do relacionamento entre contratante e fornecedor como um último recurso; e 4. Utilize as melhores práticas internacionais com relação à formulação e implementação dos regimes de conformidade, a execução de due diligence adequada, a verificação e monitoramento da conformidade corporativa (inclusive através de comunicação e prestação de contas sobre o desempenho), bem como o tratamento de reclamações. Essa abordagem comum ajudaria os membros do G20 a desenvolverem regimes individuais adequados a esse fim, atendendo a um objetivo compartilhado, reduzindo a burocracia sobre as empresas, podendo ser administrados de forma eficaz e eficiente pelas autoridades públicas competentes. Mais importante que isto, essa abordagem forneceria um referencial claro através do qual os governos poderiam cumprir sua responsabilidade de proteger as crianças da exploração econômica, promovendo e tornando possível o ambiente necessário para um melhor acúmulo de capital humano e crescimento econômico inclusivo. ------------------------------ Visão Mundial Internacional 2014. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida de qualquer forma, salvo pequenos trechos usados em análises, sem a prévia permissão dos editores. Para maiores informações sobre esta publicação ou as demais publicações da Visão Mundial, favor contatar: transformacao_vmb@wvi.org. Retirado do Relatório de Políticas Criando Mercados para um Crescimento Econômico Sensível à Infância, publicado em abril de 2014 pela equipe de Pesquisa em Políticas da Visão Mundial Austrália, em nome da WVI. Autor: Nat Burke. Gestora: Susan Anderson. Assistentes Técnicos: Melissa Stewart, Jennifer Zerk. Pesquisadores e Colaboradores: Olivia Bush, Sally James. Editor Sênior: Heather Elliott. Gestão de Produção: Katy Kee. Revisão Textual: Margaret Spencer. Design: Friend Creative. Layout: Katy Kee. Leitura de provas: Alan Yoshioka. Foto da capa Visão Mundial Brasil/Evandro Teixeira. Tradução: Valéria Bacon. Revisão Técnica: Flávio Conrado e Maria Carolina Silva. Supervisão Editorial: Nilza Valéria Zacarias. Adaptação de Layout: Olga Loureiro. Relatório de Política da Visão Mundial Internacional Abril/2014 4