Reflexões Sobre uma Polêmica Inesgotável: A Terceirização. Paulo Sérgio Jakutis.



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Transcrição:

Reflexões Sobre uma Polêmica Inesgotável: A Terceirização Paulo Sérgio Jakutis.

É curioso como a idéia de terceirização leva a opiniões tão contrárias, quando os debatedores, em geral, partem sempre de uma premissa comum: a defesa do que é melhor para a nossa sociedade. Por que isso acontece? Como se pode compreender esse fenômeno presente e, ao que tudo indica, inevitável da terceirização e qual seria a melhor postura para conviver com ele? Para tentar responder a essas perguntas, melhor fixar-se, desde logo, o que se entende por terceirização, para evitar divergências com relação ao alcance do tema. Aqui, tratarei da terceirização como um fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata esse obreiro, firmando com ele vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido 1. Na descrição feita pelo Ministro do TST, Godinho Delgado, transcrita acima, percebe-se que a principal característica da terceirização é a criação de uma distância (um degrau) maior entre o beneficiário do serviço (o tomador) e o prestador (o trabalhador) deste, distância esta inexistente na relação de emprego tradicional. E é nessa distância, justamente, que reside o maior número de questões polêmicas para os defensores e os detratores da terceirização. Mas por quê? Basicamente, o grande problema da terceirização está na confrontação dessa forma de contratação com a decorrente do contrato de emprego, ou mesmo na utilização desse sistema em substituição a outras formas mais seguras (para o trabalhador) de 1 Delgado, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, SP, LTr, 2007, pág. 430.

relação de trabalho (como o vinculo estatutário do funcionário público, por exemplo). Isso acontece porque na relação de emprego e na relação estatutária o empregado conta com uma rede de proteção, decorrente de uma complexa legislação específica, acontecendo, em grande número de casos, que a terceirização leva à precarização (expressão muito utilizada nos estudos relacionados à terceirização) dessa rede de proteção. Dois exemplos singelos para tentar aclarar essa situação: a) o empregado terceirizado, que é empregado da empresa x, de segurança, que presta serviços ao TRT/SP, não tem estabilidade no emprego, enquanto o funcionário público que faz semelhante função, tem; b) o empregado da empresa y, que faz serviços de malote (terceirizado) para o Banco w, não é bancário e, por conta disso, não tem direito ao piso salarial dos bancários, nem a nenhum direito previsto pela convenção coletiva dessa categoria. Essa situação trouxe e traz grande aflição para o universo trabalhista, na medida em que, como se sabe, a legislação trabalhista existe para tornar menos desigual a efetiva desigualdade de forças existentes entre a empresa e o trabalhador. Afastar-se o trabalhador dessa rede de proteção significaria, então, torná-lo mais sujeito a um possível abuso de direito pela parte economicamente mais forte, condição que poderia fazer surgir uma gama de conflitos sociais de conseqüências imprevisíveis, que ao direito não interessa. É óbvio que esse contexto poderia ser objeto de legislação que viesse a regulamentar a situação, estabelecendo o alcance da terceirização e, principalmente, evitando que a precarização já mencionada ocorresse. Ninguém discute que, em princípio, é possível vislumbrarem-se realidades onde a terceirização se faça presente, sem, necessariamente, representar uma opção imposta às partes apenas pelo desejo de minorar os custos com a mão de obra. A especialização, por exemplo, é um fator que pesa em favor de trabalhos terceirizados. Poucas são as vozes dissonantes, por exemplo, quando certas empresas preferem contratar grandes escritórios de advocacia, para representá-las em determinadas ações, em vez de manter um departamento jurídico interno, cuidando do caso. Da mesma forma, não parece razoável se exigir que uma empresa que fabrique cimento se preocupe com o cardápio que deve ser servido aos trabalhadores, todos os dias, em vez de permitir que ela contrate uma empresa especializada em alimentação para resolver

a questão. É preciso estar atento, entretanto, para outros aspectos dessa contratação, especialmente aqueles mencionados anteriormente, de sorte a não se permitir que a utilização do terceiro venha a representar, unicamente, a idéia de diminuição de custos, ainda que tal diminuição implique, ao mesmo tempo, em sacrifício de direitos caros à nossa sociedade, muitos deles consagrados, inclusive, no texto constitucional. Do pouco material legislativo que existe sobre o tema, destacase a lei 6.019/74, que cuida da contratação de mão de obra temporária. Esse diploma trata, especificamente, da contratação de trabalhadores, através de agências de colocação de mão de obra temporária (empresas que precisam, inclusive, de autorização do Ministério do Trabalho para funcionar 2 ), limitando as hipóteses em que a contratação pode ocorrer, bem como o tempo de contrato (geralmente apenas de três meses 3, embora permitindo exceções). Nele tem destaque o artigo 12, onde se lê: 2 Art. 12. Ficam assegurados ao trabalhador temporário os seguintes direitos: a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora, ou cliente, calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional; b) jornada de oito horas, remuneradas as horas extraordinárias não excedentes de duas, com acréscimo de vinte por cento; c) férias proporcionais, nos termos do artigo 25 da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966; d) repouso semanal remunerado; e) adicional por trabalho noturno; f) indenização por dispensa sem justa causa ou término normal do contrato, correspondente a um doze avos do pagamento recebido; g) seguro contra acidente do trabalho; h) proteção previdenciária nos termos do disposto na Lei Orgânica da Previdência Social, com as alterações introduzidas pela Lei Art. 5º O funcionamento da empresa de trabalho temporário dependerá de registro no Departamento Nacional de Mão-de-Obra do Ministério do Trabalho. 3 Art. 10. O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo órgão local do Ministério do Trabalho, segundo instruções a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão-de-Obra.

nº 5.890, de 8 de junho de 1973 (artigo 5º, III, c, do Decreto nº 72.771, de 6 de setembro de 1973). 1º Registrar-se-á na Carteira de Trabalho e Previdência Social do trabalhador sua condição de temporário. 2º A empresa tomadora ou cliente é obrigada a comunicar à empresa de trabalho temporário a ocorrência de todo acidente cuja vítima seja um assalariado posto à sua disposição, considerando-se local de trabalho, para efeito da legislação específica, tanto aquele onde se efetua a prestação do trabalho quanto a sede da empresa de trabalho temporário. (Grifei) Da lista de direitos relacionados acima, percebe-se a inclusão, na letra a do mencionado artigo 12, a proibição de pagamento de valores inferiores ao trabalhador, contratado via empresa interposta, e do pagamento feito em favor do empregado não temporário, pertencente ao quadro efetivo da empresa. Essa disposição, desnecessário dizer, constitui-se em forte desincentivo à utilização dos instrumentos da lei 6.019/74 na intenção de mera diminuição de custos com a mão de obra. Como base nessa legislação e na falta de disposições mais específicas a respeito de situações de terceirização, a jurisprudência trabalhista vem criando procedimentos visando completar esse vazio legal. Merece destaque a seguinte decisão da SDI-1 do TST: PROCESSO: E-ED-RR NÚMERO: 655028 ANO: 2000. PUBLICAÇÃO: DJ - 25/05/2007 PROC. Nº TST- E-ED-RR-655028/2000.1C: A C Ó R D Ã O - SDI- EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ISONOMIA. TERCEIRIZAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. ATIVIDADES TÍPICAS DA CATEGORIA PROFISSIONAL DOS BANCÁRIOS. ARTIGO 12, ALÍNEA A, DA LEI Nº 6.019/74. APLICAÇÃO ANALÓGICA. A Constituição da República consagra o princípio da igualdade (art. 5º,caput), ao mesmo tempo em que proíbe o tratamento discriminatório (art.7º, XXXII). A execução das mesmas tarefas, bem como a submissão a idênticos encargos coloca o empregado da tomadora de serviços e o empregado terceirizado em

situação que enseja tratamento eqüitativo. A submissão a concurso público distingue tais empregados no que toca aos estatutos jurídicos reguladores de suas relações de trabalho, o que não afasta o direito ao tratamento isonômico, adequado às peculiaridades das atividades desenvolvidas. (Grifei) Nesse mesmo diapasão, mas com muito mais força, tendo à vista que se trata de questão sumulada, o TST publicou, em 2003, a súmula 331 que é, no universo trabalhista, a principal fonte de regulamentação do assunto terceirização. Ei-la: SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). Como se percebe pelo texto da transcrita súmula, há três pontos fundamentais no entendimento do TST:

a) A terceirização de atividade meio é permitida, enquanto a de atividade fim não; b) Qualquer que seja o tipo de terceirização, jamais haverá, por conta desse procedimento, vínculo de emprego entre o ente público e o trabalhador terceirizado; c) Sem embargo disso, qualquer que seja a espécie de terceirização (com tomador sendo ente público, ou mesmo privado), o tomador dos serviços sempre responderá economicamente (responsabilidade subsidiária, como se fosse um fiador) pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa interposta. Assim, se a empresa de limpeza, contratada pelo TRT/SP, não pagar os salários do empregado, a União que foi quem contratou a empresa de limpeza responderá pelo débito. Duas palavras precisam ser apresentadas, por fim, em relação à terceirização nos serviços prestados aos entes públicos. Como se sabe, a Constituição Federal, no artigo 37, proíbe a contratação de trabalhadores sem concurso (tanto o trabalhador celetista, como o estatutário), salvo poucas exceções 4. Essa é a razão pela qual no item II, da súmula 331, transcrita acima, está dito que não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional mesmo a contratação irregular de mão de obra. Entrementes, esse fato a ausência do vínculo não retira a responsabilidade patrimonial do contratante. O inciso IV da súmula 331 não deixa dúvida: mesmo o ente público, desde que tenha participado do processo de conhecimento e conste do título executivo, responderá pelo eventual crédito do trabalhador, bastando para tanto que o devedor principal (a empresa terceirizada) não tenha patrimônio para honrar o pagamento. Outra observação relevante, transcrita das páginas da mesma doutrina já citada linhas acima: O Decreto-Lei 200/67 dispõe que a (...) execução das atividades da Administração Federal deverá ser 4 CF, art. 37, II a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

amplamente descentralizada (...) Completa esse preceito da reforma administrativa: Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, mediante contrato, a execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacidade a desempenhar os encargos de execução (art. 10, pra. 7º, Dec.-Lei 200/67). O texto do diploma, como se percebe, induz a administração estatal a desobrigar-se de tarefas executivas, instrumentais, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato. Na medida em que a administração estatal esta submetida ao princípio da legalidade e na medida em que surge lei determinando o procedimento de descentralização dos encargos de execução aventados pelo Dec. Lei n. 200, resta claro que um certo conjunto de tarefas enfrentadas pelos entes estatais poderia ser efetuado através de empresas concretizadoras desses serviços, portanto, mediante terceirização. A dúvida que se mantinha situava-se quanto à extensão da terceirização autorizada na administração pública, isto é, o grupo de tarefas, atividades e funções que poderiam ser objeto de procedimento terceirizante. A posterior lei 5.645/70 veio exatamente exemplificar alguns desses encargos de execução sugeridos pelo diploma legal anterior: As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato de acordo com o art. 10, par.

7º, do Decreto-lei 200... (Lei n. 5.645/70, art. 3º, parágrafo único). Observe-se o rol lançado pela Lei n. 5.645/70: atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia (...) e outras assemelhadas. Trata-se de claro rol exemplificativo, como se vê. Não obstante isso, é também inquestionável que todas as atividades referidas nesse rol encontram-se unificada pela circunstância de dizerem respeito a atividades de apoio, instrumentais, atividade-meio. A autorização legal à terceirização no âmbito das atividades estatais é, como visto, limitada exclusivamente a atividade-meio, atividades meramente instrumentais. Não há na ordem jurídica até então qualquer permissivo à terceirização de atividades-fim dos entes tomadores de serviço 5. A conclusão, diante do quadro rapidamente aqui apresentado, é que a terceirização tem precária regulamentação na esfera dos contratos de trabalho entre particulares e insuficiente regulamentação na esfera pública. Por conta disso, a jurisprudência do TST desenvolveu alguns mecanismos de proteção ao trabalhador, utilizando-se, por vezes, de expressões nem sempre muito claras, como, por exemplo, as definições de atividade-meio e atividade-fim. Ainda que assim seja, é fácil concluir que a jurisprudência trabalhista se alicerça na intenção de não proibir integralmente os movimentos de terceirização, mas, de forma bastante acentuada, tem buscado evitar, tanto quanto possível, que a ausência da relação de emprego entre o tomador e o prestador de serviços venha a tornar esse trabalhador um cidadão de segunda classe, sem os direitos mínimos que a rede de proteção trabalhista e previdenciária confere ao trabalhador empregado ou ao funcionário público. 5 Godinho Delgado, Mauricio, op. cit., pág. 435.

Sobre o autor: Paulo Sérgio Jakutis é juiz federal do trabalho e professor de Direito e Processo do Trabalho, atuando na cidade de São Paulo como professor convidado nos cursos preparatórios para concursos Robortella e Damásio, bem como nos cursos de pós-graduação da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/SP e da EMATRA2 (Escola da Magistratura do Trabalho da 2ª Região). De 1989 a 1994 trabalhou como advogado no escritório Jakutis & Rossi Advogados Associados S/C Ltda, onde foi responsável pela área trabalhista, atuando tanto na área consultiva quanto na condução de processos em dissídios individuais e coletivos. Em 1995 foi aprovado no concurso de ingresso na carreira de Juiz do Trabalho Substituto, na Segunda Região, onde, desde 2002, ocupa o lugar de juiz titular da 18ª Vara do Trabalho. Formou-se em Direito (bacharel) em 1986, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde também se tornou especialista em Direito do Trabalho em 1991. Posteriormente, através dessa mesma faculdade, recebeu o título de mestre em Direito do Trabalho, apresentando a dissertação Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos no Processo do Trabalho, em 2000. Em 2004 foi escolhido como bolsista da Fundação Rotary International e passou dois anos estudando Direito na Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia Berkeley, onde recebeu os títulos de mestre (Master os Laws - LLM), com a dissertação Globalization, Discrimination and Hope e doutor (Juris Scientiae Doctor - JSD), com a tese A Study of Discrimination and Its Possible Remedies in Brazilian Legislation in Comparison with the United States Law. Retornou ao Brasil em 2006, retomando as atividades como juiz do trabalho e como professor. É autor do livro Manual da Discriminação no Direito do Trabalho, publicado em outubro de 2006, pela LTr e de artigos publicados em revistas especializadas em direito do trabalho. Tem trabalhado como voluntário, desde 1990, para a organização não governamental Amigos do Bem e para o Serviço Social Perseverança que auxiliam crianças na periferia de São Paulo, além de desenvolver trabalhos junto a comunidades carentes do sertão nordestino. Contatos: paulojakutis@gmail.com