Processos de construção identitária, gênero e sexualidade de jovens alunas do ensino médio que vivenciam a prática do futebol



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Transcrição:

Processos de construção identitária, gênero e sexualidade de jovens alunas do ensino médio que vivenciam a prática do futebol Resumo Karina de toledo araújo 1 O trabalho ora apresentado relata as principais idéias e perspectivas de uma de pesquisa a qual têm como objeto o estudo dos processos de construção identitária, gênero e sexualidade de jovens alunas do ensino médio que vivenciam a prática do futebol. Pretende-se identificar as representações de corpo, gênero e sexualidade e observar as manifestações corpóreas dessas jovens considerando suas trajetórias e experiências vivenciadas nas práticas escolares e não escolares e, a partir de então que seja possível compreendermos o sentido e o significado dessa prática na constituição de suas identidades e, ainda, as possíveis diferenças desses processos. O futebol, por ser uma atividade considerada masculina, quando praticado por mulheres é alvo de práticas de exclusão e preconceitos de gênero e sexualidade das jogadoras. Diante disso, a principal questão que a pesquisa procurará responder é: de que maneira as jovens na condição de jogadoras de futebol escolar significam, problematizam e diferenciam-se a partir de suas experiências e vivências no processo de construção identitária em termos de representação de corpo, gênero e sexualidade? Como elas se sentem, pensam, significam e problematizam sua prática em espaço escolar e não escolar? Para tanto, são etapas da pesquisa: analisar como as jogadoras pensam, significam e sentem sua prática em espaço escolar e não escolar; identificar como as jogadoras entendem as representações dos demais grupos sociais espaços escolar e não escolares - sobre as suas práticas enquanto jogadoras de futebol; averiguar como a escola lida com a prática das jogadoras de futebol e como isto influencia em suas representação sobre a própria prática. O trabalho será realizado através de observações diretas e entrevistas semiestruturadas. Serão participantes da pesquisa atores sociais representantes de três grupos: as garotas praticantes do futebol, os atores que pertencem a instituição escolar em suas diferentes esferas (professores, gestores, agentes educacionais, demais alunos, pais de alunos), e o terceiro grupo os pertencentes a grupos sociais não-escolares (familiares e grupo de convívio). As proposições teóricas serão situadas no âmbito das Representações Sociais e da Teoria da Psicologia Social, as quais procuram explicar como se dá a mediação entre o individual e o social com ênfase no estudo das práticas e representações que ordenam a vida social. 1 Discente do Curso de Doutoramento em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura GEPAC/UEM, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação PPE/UEM. Professora do Depto. de Estudos do Movimento Humano (EMH) do Centro de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina UEL. katoledo11@yahoo.com.br

Palavras-chave: Gênero. Educação. Futebol. Introdução Neste trabalho nos propomos a estudar sobre processos identitário, ou a constituição da identidade de jovens jogadoras de futebol a partir de suas representações de corpo, gênero e sexualidade com a intenção de conhecermos e analisarmos as particularidades e a pluralidade dos atores sociais em questão e o enredo de suas histórias em diferentes grupos sociais, entre os quais, aqueles constituídos por laços afetivos e que estão presentes na esfera da vida particular de cada jogadora (família, amigos, etc.), o outro grupo é a escola e, o terceiro, a própria equipe de jogadoras. Somente assim, será possível entendermos e percebermos minimamente as características e as representações das jogadoras, as suas diferenças em posição aos demais grupos sociais e as diferenças entre as próprias jogadoras de futebol na constituição de suas identidades. As jogadoras de futebol já fazem parte de um grupo diferenciado. Esta é a uma das características que as diferenciam das outras jovens, pois este é um grupo minoritário tanto na escola como na sociedade em geral, dado ao fato de que são mulheres que jogam futebol e no Brasil a cultura perpetua o machismo e estigmatiza os grupos e as pessoas que vão de encontro à situação social e o comportamento culturalmente determinado e aceito pela maioria: futebol é coisa de homem. É nesta diferença que procuro as demais diferenças. O que as diferem umas das outras? Para cada uma, qual é a representação de sua condição? O que a prática desta atividade significa para cada uma? Qual o sentido de jogar futebol para suas vidas e para a formação de suas identidades de gênero e da sexualidade? A inquietação que se configura como motivação para este trabalho está diretamente ligada ao processos de diferenciação, classificação e exclusão social supracitados. Gulo (2008) chama atenção para o fato da existência de poucos trabalhos que se propõem a abordar discussões sobre sexualidade na perspectiva da educação escolar. Valendo-se das idéias de Weeks (1986) citadas por Cavalero (2009), a questão de gênero na escola reveste-se de insistências de que formas de masculinidades e feminilidades devem ser estabelecidas como opostas e as identidades não normativas a

sexualidade e práticas sexuais - aparecem como assuntos privados, de pouca importância e que compõem a intimidade distante das políticas públicas. Corpo, gênero e sexualidade: a constituição da identidade de jogadoras de futebol no ensino médio Para Foucault (1987), o corpo está inserido numa teia de poderes que lhe ditam proibições e obrigações. Trata-se de coerções que determinam seus gestos e atitudes e que delimitam e promovem seu exercício e suas práticas; são mecanismos de se construir o corpo num campo político de utilidade-docilidade. Tal análise se refere a um sistema que impõe uma sujeição/disciplina corporal dentro de uma relação de poder. Nas atividades realizadas por esse corpo (andar, dançar, seus gestos e comportamentos), estão impressas as marcas de toda uma estrutura social, portanto sobre esse corpo sexuado serão construídos os mitos de feminilidades e/ou masculinidades, o que o torna um formidável instrumento para que se constitua uma hierarquia e, portanto distinções e desigualdades na formação de homens e mulheres. O corpo é moldado por comportamentos socialmente aceitáveis, que restringem suas utilidades e suas atividades. Desse modo, são sempre criadas e/ou reforçadas expectativas para o que é mais adequado a cada gênero. Os significados construídos para o gênero irão moldar em homens e mulheres os comportamentos, as atitudes, os movimentos corporais, as falas e os lugares determinados a cada um, naturalizando as noções do que é masculino e do que é feminino e gerando normas e expectativas sociais para os modos de ser mulher e para os modos de ser homem. Em torno de sua associação com sexo, corpo e sexualidade, é edificada uma visão binária, dicotômica e fixa para as identidades de gênero. É importante salientar que a construção dessas noções se consolida em práticas discursivas referidas a processos sócio-educativos em geral família, escola, igreja, mídia etc. e que as noções mais hegemônicas de feminino e de masculino podem variar de cultura para cultura e também segundo o momento histórico. Os homens são pressionados socialmente para manter uma postura firme e rígida, afastando-se de qualquer comportamento feminino. As modalidades apropriadas para os homens envolvem atitudes como agressividade, espírito competitivo, disciplina

e devoção ao time; ou ainda se constituem naquelas que ressaltam características biológicas nas quais o homem difere da mulher, como força e velocidade. Entretanto, valendo-se das palavras de Goellner (2006), as práticas esportivas seduziam e continuam a seduzir e desafiar as mulheres que, indiferentes às convenções morais e sociais aderiram e continuam a aderir à sua prática independentemente do discurso hegemônico da interdição ou ainda o incentivo a participação em modalidades esportivas que fortalecessem o corpo sem destituir-lhe a feminilidade. A construção dessa idéia, que qualifica a mulher como sexo frágil, passivo e incapaz para a disputa a qual exige arrojo e coragem é explicada por vários autores que, sob a perspectiva de gênero, indicam a feminilidade como uma construção sociocultural, feita a partir de uma diferenciação e oposição aos atributos considerados masculinos. Ao contrário do homem, a mulher seria feita de contenção, discrição, doçura, passividade, submissão, pudor e silêncio (BEAUVOIR, apud PERROT, 2003, p. 21). A difusão dessa concepção influenciou na formação de crenças sociais e culturais de supremacia masculina, resultando na exclusão da mulher da prática esportiva, principalmente do futebol, justamente por esta ser entendida culturalmente como uma modalidade entendida de ação reservada aos homens, isto é, com tudo aquilo que é considerado como atributos da masculinidade : força, coragem, rapidez de raciocínio e de capacidade motora etc. Tais justificativas que partem da premissa de que as mulheres não teriam tais aptidões ou talento são baseadas nas representações sociais de gênero, isto é, nos significados para as distinções entre padrões de masculinidade e de feminilidade, explicados em função das diferenças biológicas, anatômicas e sexuais. Hoje, primeira década do século XXI, é possível observar cada vez mais mulheres aderindo ao futebol, seja nas escolas, nos clubes, integrando equipes femininas e o sucesso da Seleção Brasileira Feminina de Futebol fora do Brasil, pois, aqui a falta de incentivo e as políticas esportivas ainda estão longe de valorizar as jogadoras de futebol feminino como são considerados os jogadores de futebol masculino. A trajetória do futebol feminino brasileiro foi oposta à do futebol masculino. Segundo Bruhns (1995), enquanto os homens da elite começaram a praticá-lo no final do século XIX, em São Paulo e no Rio, o grupo feminino que aderiu à prática do futebol era pertencente às classes menos favorecidas, de sorte que as mulheres que jogavam eram consideradas "grosseiras, sem classe e malcheirosas". Às mulheres da elite cabia o

papel de torcedoras e só a partir da década de 1990 é que tal prática passa a ser incorporada pela elite. [...] o jogo de futebol é a representação de um confronto que se baseia, no fundamental, na expressão da masculinidade [...] exige resistência viril, músculos fortes e desenvolvidos que, sem dúvida, demonstram um estereótipo atribuído ao jogador de futebol (ELIAS & DUNNING, 1992 apud REIS, 1999, p.115). A Legislação brasileira sempre foi enfática quanto à atuação da mulher em atividades desportivas. Em 14 de abril de 1941, o Decreto-Lei nº 3.199 (que estabeleceu as bases de organização dos desportos em todo país), dispõe, em seu artigo 54, publicado no Diário Oficial da União Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos (CND) baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país (BRASIL, 1941). Mais de duas décadas depois, em 1965, se reafirmam tais disposições. Através da Deliberação nº 07/65, que se refere à prática esportiva por mulheres, o CND (Conselho Nacional de Desportos) estabelece: Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, pólo, rúgbi, halterofilismo e baseball (CASTELLANI FILHO, 1994, p. 63). Em 31 de dezembro de 1979 (BRASIL, 1979), publica-se no Diário Oficial da União a Deliberação nº 10/79 do CND, que revoga a nº 07/65, baixando instruções às entidades desportivas no país, para a prática de desportos pelas mulheres permitindo a prática de desportos na forma, modalidades e condições estabelecidas pelas entidades internacionais dirigentes de cada desporto, inclusive em competições, observado o disposto na presente deliberação. Somente em 11 de abril de 1983 as mulheres conseguem a legalização da prática do futebol. Através do Diário Oficial da União se publica a Deliberação nº 01/83 do CND, que dispõe sobre as normas básicas para a prática do futebol feminino. Nessa deliberação, o CND reconhece o crescente interesse das mulheres pela modalidade, não apenas no Brasil como em todo o mundo, e resolve: Art. 1º O futebol feminino poderá ser praticado nos Estados, nos Municípios, no Distrito Federal e nos Territórios, sob a direção das Federações e Ligas do desporto comunitário, cabendo à Confederação Brasileira de Futebol a direção no âmbito nacional. Entretanto, o fato de não haver respaldo legal para o futebol feminino não é indicador da inexistência de sua prática, durante esse período (BRASIL, 1983).

Os estudos realizados por Moura (apud SUGIMOTO, 2003) mostram que, mesmo sem receber incentivo, muitas foram as partidas realizadas por mulheres, desde a década de 40 até a década de 80, quando receberam o aval da legislação. No Brasil, há apenas vinte anos, o Conselho Nacional de Desportos, através da Deliberação: CND nº 01/83, estabeleceu normas básicas para a prática de futebol feminino, assegurando legalmente às mulheres o direito à realização desse esporte. Contudo, tal deliberação não conseguiu suprimir as desaprovações e as muitas suspeitas acerca das identidades sexuais e de gênero das praticantes de futebol. Para Nogueira (2001), o conhecimento relativo ao gênero poderá permitir uma maior reflexibilidade quanto às desigualdades nesse domínio e actuar no sentido de as (des)naturalizar, isto é, poderá permitir perceber como o que é considerado feminino ou masculino representa uma construção social (apud NOGUEIRA; SAAVEDRA e COSTA, 2008, p. 61). Freqüentemente a ênfase posta sobre o gênero não é explícita, mas ele não deixa de ser uma dimensão decisiva da organização da igualdade e da desigualdade. As estruturas hierárquicas repousam sobre percepções generalizadas da relação pretensamente natural entre masculino e feminino (SCOTT, 1990, p. 18). Com tais definições, busca-se desnaturalizar as diferenças de gênero, indicando para o modo como elas são culturalmente construídas e enfatizando o fato de que fazem parte dos interesses e processos sociais de dominação e exclusão, isto é, dos mecanismos presentes nas relações de poder que permeiam o conjunto das relações sociais. Scott afirma que o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos [e como] um primeiro modo de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1990, p. 14). Já a sexualidade, conforme Louro (2001; 2003) é a forma cultural e historicamente modelada pela qual vivemos nossos desejos e prazeres corporais, enquanto o gênero é a diferenciação social entre homens e mulheres. Os sujeitos constituem suas identidades sexuais através das formas como vivem sua sexualidade, com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de gênero. As transformações nos modos de ser, pensar e agir de cada pessoa estão articuladas com as histórias pessoais, com os pertencimentos de classe, raça, religiosos, geracionais etc. Assim, as identidades estão sempre se constituindo e se produzindo; são

instáveis e passíveis de transformação, [...] falar em sexualidade humana, tal como falar em gênero, remete a uma gama de significações históricas, culturais e sociais que envolvem os processos de constituição das identidades sexuais: a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções... (LOURO, 2003, p.11). Metodologia Como anunciado anteriormente, o foco deste estudo são as representações de corpo, gênero e sexualidade como mecanismos de constituição identitária de garotas jogadoras de futebol que cursam o ensino médio em escolas da rede pública estadual no município de Londrina - Pr. As proposições teóricas utilizadas baseiar-se-ão em conceitos situados no âmbito da Teoria da Psicologia Social (JOVCHELOVITCH, 2008), da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2004; JODELET, 2001), ao procurar explicar como se dá a mediação entre o individual e o social. Áreas como a Psicologia, a História e a Antropologia Cultural serão essenciais na composição do corpo teórico e a análise do objeto que ora pretendemos realizar. Neste sentido, não poderia deixar de citar as proposições teóricas de Foucault (1987) ao analisarmos questões referentes a corpo e sexualidade e o homem enquanto produto dos discursos entra em cena, também a Filosofia. As representações são essenciais pois nos remetem a busca de sentido e o significado da própria vida, da vida do outro e, principalmente da vida em comum e nas relações sociais estabelecidas nos grupos sociais em que cada um vive e, ainda, em grupos diferentes. Neste sentido a memória das vivências e experiências são essenciais. Conforme Lopes (1998) citado por Monteiro, Carelli e Pickler (2006), a memória é a capacidade que os seres humanos tem de reter suas vivências e suas experiências. A partir da memória é que construímos nosso repertório de conhecimentos nos mais variados aspectos da vida e é este repertório que determina as nossas relações com o mundo e o entendimento de quem somos nesse mundo. Por meio da memória é que construímos nossas representações mentais e, posteriormente, sociais e estas, imprescindíveis para a constituição da identidade das jogadoras de futebol, foco do estudo ora apresentado.

As técnicas de coleta de dados que serão utilizadas: a observação, a entrevista e relatos de vida, que serão gravados e transcritos. É objetivo, também, a verificação da existência de um diálogo nas histórias das diferentes participantes que possibilite a identificação a partir de um cruzamento dos discursos e práticas provindos das diferentes entrevistadas - de uma aproximação ou de um distanciamento na manifestação de suas relações sociais e culturais. Considerações finais As significações culturais em termos de gênero - mitos, crenças, valores, tabus -, fundam-se em estruturas sociais fortemente estabelecidas e constituem estereótipos de masculinidade/feminilidade que são internalizados pelos indivíduos sem a devida percepção de seu caráter discriminador e excludente. Tal fenômeno, portanto, também se manifesta no campo das práticas esportivas. Os valores sociais, as relações de poder, questões de gênero, concepções de corpo e a sexualidade precisam ser tratados como questões centrais para o entendimento de discussões sobre a individualidade, a identidade e o pertencimento e a noção de pertencimento. Estes são os fundamentos de nossas referências sociais e culturais. As maneiras como vivemos as experiências das distinções e desigualdades transformam-se ao longo do tempo e devem ser analisadas em conjunturas sociais específicas e localizadas, pois estas vivências e experiências promovem a constituição de saberes daqueles dialogam com a realidade em que vivem. Estes saberes, nestes conhecimentos estão arraigados a noção de pertencimento (FOUCAULT apud JOVICHELOVITCH, 2008), essencial para o entendimento do processo da construção identitária e a possibilidade para tal compreensão depende da análise das representações dos sujeitos envolvidos, de sua história, de seu grupo e da cultura a qual pertencem. Nós percebemos o mundo tal como é e todas nossas percepções, idéias e atribuições são respostas e estímulos do ambiente físico ou quase físico, em que vivemos [...]. Temos a necessidade de avaliar seres e objetos corretamente, de compreender a realidade completamente [...] (MOSCOVICI, 2004, p. 30). Ao buscar a resposta nas diferenças, acabamos por perceber a influência da cultura das formas de representações imbuídas de subjetividades dos atores sociais. As representações individuais resultam em representações sociais daqueles que compõem determinado grupo. As diferenças entre grupos denotam significativas comparações entre grupos e isto acaba em disputa de poder, preconceito, discriminação, etc. que

influenciam significativamente no processo de constituição identitária e no sentido e significado das práticas sociais dos sujeitos individuais e sociais. REFERÊNCIAS BRASIL, Decreto-lei nº 3.199 de 14 de abril de 1941. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo país. Constituição Federal. Brasília, art. 180. BRASIL, Deliberação CND 10/79 de 31 de dezembro de 1979. Baixa instruções às entidades do país, para a prática de desportos pelas mulheres. Diário Oficial. Brasília, p. 20220. BRASIL, Deliberação CND 01/83 de 11 de abril de 1983. Dispõe sobre normas básicas para a prática de futebol por mulheres. Diário Oficial, Brasília, p.5794. BRUHNS, H. T. Corpos femininos na relação com a cultura. In: ROMERO, E. (Org.) Corpo, mulher e sociedade. Campinas: Papirus, 1995. CASTELLANI FILHO, L. Educação física na Brasil: a história que não se conta. 4.ed. Campinas: Papirus, 1994. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 12 ed. Petrópolis: Vozes, 1987. GOELLNER, S. V. Feminismos, mulheres e esportes: questões epistemológicas sobre o fazer historiográfico. GRECO: Grupo de Estudos sobre Cultura e Corpo. UFRS, 2006. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/movimento/article/view/3554/1953. JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.) As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. JOVCHELOVITCH, S. Psicologia social, saber, comunidade e cultura. Psicologia & Sociedade, v. 16, n. 2: 20-31; maio/ago, 2004. JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. (Psicologia Social). MONTEIRO, Silvana; CARELLI, Ana; PICKLER, Maria Elisa. Representação e memória no ciberespaço. Ci. Inf., Brasília, v. 35, n. 3, p. 115-123, set./dez. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ci/v35n3/v35n3a11.pdf. Acesso em: 23 fev. 2011. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. 2 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2004 (Psicologia Social). LOURO, G. L. (Org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. LOURO, G. L. (Org.). Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2003. NOGUEIRA, C; SAAVEDRA, L; COSTA, C. (In)Visibilidade do gênero na sexualidade juvenil: propostas para uma nova concepção sobre a educação sexual e a prevenção de comportamentos sexuais de risco. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56), maio/ago, 2008. PERROT, Michelle. Os silêncios do corpo da mulher. In: MATOS, I. S. & SOIHET, R. (Org.). O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003. REIS, L. da C. A mulher que joga futebol. In: Brasil, Ministério do Esporte e Turismo. I Prêmio Indesp de Literatura Esportiva. V.1. Brasília: INDESP, 1999. SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v.16, n.2, p.5-22, jul./dez. 1990. SUGIMOTO, L. Eva futebol clube: mestrando relaciona o futebol feminino no Brasil com movimentos higienista, eugenista e feminista. Jornal da Unicamp, Campinas,

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