MULHERES DO AXÉ: A liderança feminina nos terreiros de candomblé



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Transcrição:

MULHERES DO AXÉ: A liderança feminina nos terreiros de candomblé Élida Regina Silva de Lima* 1 RESUMO Diante da opressão histórica sofrida pelas mulheres, as mulheres negras sofrem uma opressão ainda maior devido a sua cor e a sua religião. Dentro do candomblé, como em outras religiões, as mulheres também historicamente lutam por uma participação mais efetiva. Dentro desse contexto social e religioso como as mulheres conseguiram ocupar espaços de liderança em uma religião hierarquizada? Qual foi o condicionante histórico para que essas mulheres conseguissem ir além do casamento e da maternidade, chegando a ocupar mais que os homens os postos de lideranças das casas de candomblé? Este trabalho visa traçar os processos históricos que permitiram a participação do gênero feminino enquanto lideranças religiosas e de trazer as mulheres, e neste caso as mulheres negras como personagens históricos, uma vez que dentro deste contexto histórico e social sua participação na historiografia também foi negada, e quase inexistente durante anos. Sendo os debates acerca da temática gênero algo muito recente na historiografia brasileira se faz necessário a ampliação deste campo de debate no sentido de contribuir para a desconstrução da invisibilidade da mulher nos permitindo investigar o exercício de lideranças femininas em determinados espaços. Palavras-chave: Mulheres; Liderança; Candomblé. INTRODUÇÃO A historiografia representa o próprio curso da história. Ela ao longo dos anos sofreu modificações de acordo com os processos históricos da sociedade. No que se refere à inserção das mulheres na historiografia temos uma imensa lacuna, que se dá, pelo processo histórico das mulheres, na sociedade e está refletido na historiografia mundial. Partindo da constatação de que, as mulheres não tiveram em mesmo grau que os homens papel de destaque e importância na investigação histórica, e que, durante muitos anos foi renegada ao quase total silêncio. De onde começaria sua história então? Levanto aqui a questão pelo significado político e subjetivo que ela 1 Graduanda em História pela Universidade Federal da Paraíba. Email: elida_lima89@hotmail.com 3591

representa. Nós, mulheres, não existíamos na história, a história foi escrita por homens, e pelos homens das classes hegemônicas. Entender este processo da exclusão histórica das mulheres na sociedade é entender sua exclusão no campo da historiografia. A História tradicional foi hegemônica até o inicio do século XX. Narrava a historia dos grandes homens, dos grandes feitos, tendendo a transformar esses homens em heróis. As grandes guerras e batalhas também eram enaltecidas, sua perspectiva política se dava a partir do papel do Estado. Dentro deste quadro se tornava difícil a inserção das mulheres nos estudos históricos. Confinadas apenas nos espaços privados, aos quais desinteressava a história. Como aponta Perrot, a narrativa histórica tradicional lhes dá pouco espaço, justamente na medida em que privilegia a cena pública- a política, a guerra-onde elas aparecem pouco. (PERROT, 2005) Em contraposição a esta historiografia tradicional surge em 1929 à escola dos Annales. Este movimento buscou dinamizar o processo de produção histórico, possibilitando a ampliação do uso de fontes, de metodologia, temas e da interação da história com outras ciências. Para Hebe Castro é impossível falar de história social, sem citar o marco que A Escola dos Annales foi para a transformação na produção historiográfica. A referência ao movimento dos Annales se faz necessária por ter se tornado o marco real ou simbólico, de constituição de uma nova história (CASTRO, 1997) A história social expandiu os horizontes do fazer histórico, e das suas abordagens, mas, a história das mulheres levou mais anos para se consolidar enquanto campo de pesquisa da história. Neste sentido Rachel Soihet afirma: À medida que a tradição histórica dos Annales propunha ampliar o leque de fontes e observar a presença de pessoas comuns, ela contribui para que as mulheres, posteriormente, fossem incorporadas a historiografia. (SOIHET, 2007 p. 284) Assinalando que o processo de inserção das mulheres na historiografia não se deu tão rapidamente e tão ligado com o surgimento da Escola dos Annales. São 3592

das transformações historiográficas que se coloca os debates de gênero para dentro da História. "Desta forma, as transformações na historiografia, articuladas à explosão do feminismo, a partir de fins da década de 1960, tiveram papel decisivo no processo em que as mulheres são alçadas à condição de objeto e sujeito da História, marcando a emergência da História das Mulheres." (RBH, p, 285) O quero dizer é que, a inserção da categoria gênero dentro da História é algo recente, e que este fato não é prova de que não somos sujeitas da história. Fomos invizibilizadas pela sociedade patriarcal e por uma historiografia concebida dentro desta lógica, da cultura patriarcal. Mesmo com a cientifização da história a partir dos séculos XVIII, principalmente XIX, pouco se ampliou a participação das mulheres na história conhecimento. Foi a luta e a organização das feministas sobre a importância do reconhecimento da existência das mulheres na história e a importância dista para o fortalecimento da luta feminista, como nos aponta Priore: É a partir de lutas íntimas, portanto, que as mulheres iniciam um questionamento quanto à realidade social, criando os primeiros movimentos feministas, marcados por uma grande diversidade de reivindicações. Antes das historiadoras foram as feministas que fizeram a história das mulheres. O feminismo evidenciou a ausência da figura feminina no território historiográfico, criando as bases para uma história das mulheres feita por historiadoras (Del Priore, 2001). A complexa formação social do Brasil se baseou em elementos de extrema exclusão social e racial. Onde uma elite branca, colonizou nossas terras e nosso povo. A colonização brasileira foi feita por Portugal, que também trouxe o modelo da família patriarcal para o Brasil, um sistema de dominação política, ideológica e econômica sobre as mulheres, e sobre outras minorias (indígenas, população negra e homossexual). O patriarcado é um sistema de exclusão, que coloca as mulheres em nível de inferioridade em relação aos homens e as subordina ao espaço privado, a casa e a prole. "São múltiplos os planos de existência cotidiana em que se observa esta dominação" (SAFFIOTI, 1987, p. 47). Homens e mulheres não ocupam a mesma 3593

posição na sociedade, "A sociedade delimita com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma que escolhe os terrenos em que pode atuar o homem". (SAFFIOTI, 1987, p. 8). As mulheres negras no Brasil vivenciaram experiências diferentes das mulheres brancas. Primeiro, submetidas ao trabalho escravo e a outros tipos de exploração, elas realizavam os piores trabalhos, os mais duros e mal visto. "Desde os tempos da escravidão, as mucamas e criadas dos sobrados eram negras e mestiças, pois tais funções eram consideradas vis e inaceitáveis para a mulher branca" (THEODORO, 2008, p.85). As mulheres negras, que, sempre trabalharam, continuaram nos piores empregos, perpetuando sua condição de pobreza, sendo esta, a categoria mais pobre no Brasil. As mudanças sociais ocorridas no Brasil no último século, levou as mulheres ao mercado de trabalho. Porém, esta nova situação, não alterou a condição das mulheres negra, elas continuaram realizando o trabalho doméstico. " (...) deixou a senzala pelos cortiços das cidades e assumiu, praticamente, as obrigações que tinha na fazenda, dividindo-se entre o quarto, que compartilhava em promiscuidade com os seus, e a cozinha das famílias abastadas." (THEODORO, 2008, p. 86). Se existe um quando de dominação em relação ao povo negro, a situação da mulher negra é de dupla opressão. Na ordem das bicadas neste país, a mulher negra ocupa a ultima posição. Ela é duplamente discriminada: enquanto mulher e enquanto negra. (SAFFIOTI, 1987). É partindo do entendimento de que, as mulheres negras são duplamente discriminadas e da observação de quanto o povo negro e sua cultura são negadas na construção desta nação, que vamos colocar os processos históricos por eles vividos. Patriarcado e racismo tem uma relação simbiótica, e assim como as classes sociais surgiram antes do capitalismo. Porém, este sistema econômico se utiliza destes outros sistemas de dominação para sua consolidação. O racismo é estruturante na sociedade capitalista, excluiu o povo negro das oportunidades, 3594

fundamentadas num ideal de supremacia branca, hierarquizou a cultural, desvalorizando a cultura negra. Quando negros e negras foram trazidos para o Brasil trouxeram consigo elementos de sua cultura, um deles foi a religião, se tornaram aqui a partir do sincretismo religioso, religião afro-brasileira, genericamente conhecido como candomblé. A execução de seus cultos aqui no Brasil ia além da prática de sua religiosidade, era uma forma de resistência a opressão sofrida pelo sistema escravocrata. Como tantas outras expressões negras, as religiões afro-brasileiras são alvo de discriminado e de forte preconceito. Considerando que até a metade do século XX o povo de santo ainda era perseguido pela policia no Brasil e seus cultos proibidos, cai por terra a idéia de democracia racial no Brasil, se negros e negras não podem manifestar sua religião, era considerada inferior por ser de preto. Como se pode afirmar não existe preconceito? Não podemos negar, esconder e nem deixar de dizer em todos os lugares, que o Brasil viveu um processo de higienização, de branqueamento. Um processo excludente, que a população negra ainda vive hoje A não permissão ao culto dos orixás não podia ser permitido, é um elemento discriminatório. Seria vexatório para uma elite branca nascente, viver numa cultura onde o povo negro, tão inferior pudesse influenciar. Esse sentimento de superioridade da elite brasileira, nunca passou, a abolição veio, mas a inclusão do negro nunca chegou. Basta perceber a rejeição das cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, a elite que massacrou um povo, e não os permitiu qualquer possibilidade de avanço econômico, quer continuar no topo da pirâmide social. Ao longo destes séculos de dominação, o povo negro encontrou subterfúgios para exercer sua religiosidade. O candomblé resiste, principalmente nas periferias brasileiras, onde a maioria da população é negra e mestiça. Ele leva consigo uma especificidade um tanto curiosa, são as mulheres, negras, que lideram os Ilês, as 3595

casas de candomblé, são elas as referências religiosas, e por vezes políticas de suas comunidades. Tal afirmação levanta um questionamento: Como foi que, elas, duplamente oprimidas, por serem mulheres, e negras conseguiram ocupar os espaços de liderança nas casas de santo? Antes de apresentar questionamentos para a resolução de tal, faço um comparativo co com relação a participação das mulheres brancas em suas religiões. Nestas as mulheres não são reconhecidas na estrutura da igreja e, além disso, são vistas como uma ameaça ao magistério. Essa posição se mantém ao longo da história da igreja e acredito que, hoje com uma nova roupagem. Elas ainda não podem se sentar à mesa, fazer propostas, participar do debate na hierarquia da igreja CRUZ, 2013) Temos um exemplo da inferiorização das mulheres dentro da igreja católica. O objetivo não é desvalorizar as religiões cristãs, mas, apresentar as diferenças da participação das mulheres nas religiões de seus grupos de origem. E que, mulheres brancas e negras vivenciaram processos históricos diferentes. As mulheres brancas abastadas, estavam sempre tuteladas por um homem, de acordo com o modelo patriarcal. Primeiro seu pai, depois o marido. A tutela se dava com a sua total dependência a uma destas figuras masculinas. As negras de famílias pobres precisavam trabalhar para completar a renda da casa, para a sua sobrevivência, ao contrário das famílias ricas, não existia uma figura masculina que sustentava toda a casa. O espaço público, que para as mulheres não era permitido, para as mulheres negras era uma necessidade. Falando de Brasil colonial, enquanto os homens pobres estavam nas lavouras ou nas criações de animais, as mulheres ganhavam as ruas para fazerem serviços extras, foi possível experimentar os espaços públicos e extrair da contradição, de classe e raça, uma certa vantagem em relação as mulheres brancas. 3596

Dois fatores são bastante importantes para a compreensão de como as mulheres se tornaram lideranças para o candomblé. Primeiro, os fatores históricos e segundo a cosmo-visão africana. 1- fatores históricos No Brasil escravocrata, existiu uma atividade muito comum entre os negros, o pequeno comércio, a venda de produtos de diversos tipos, mas principalmente de alimentos nas cidades. Esta atividade se desenvolveu muito mais entre as mulheres mestiças ou negras, forras ou escravas, essa foi uma atividade bastante expressiva e muito retratada pelos viajantes que passaram pelo Brasil por sua importância. A historiografia costuma retratar o negro de forma estática, como se nunca estivessem tido em outra circunstancia, a não ser a de extrema pobreza. O estigma social que carregavam era muito maior que as possibilidades de sair desta condição. O que vamos encontrar é, que muitos negros, sobretudo as negras, vão fazer do comércio uma possibilidade de juntar bens e de conquistarem a alforria. As escravas de ganho, como eram conhecidas iam com seus tabuleiros cheios de produtos, com essas vendas conseguiam guardar dinheiro e participação maior na vida pública, os homens presos aos espaços de produção não tiveram o mesmo significado para esta atividade. Muitas delas conseguiam comprar suas alforrias, e se tornarem livres. Destaco a importância que as alforrias tiveram neste processo. As mulheres tiveram mais acesso às alforrias do que os homens "(...) é fato que, no geral, mulheres tinham mais condições de se tornarem livres (FARIA, 2007, p 107). Outros motivos sugerem a maior capacidade das mulheres de conseguirem a liberdade: a prostituição, a relação com seus senhores, seu preço mais baixo que os dos escravos. O fato é assim as mulheres negras estavam no espaço público. "Eram as responsáveis pela organização de folguedos, como os lúdicos e sensuais lundus e batuques, em que estariam presente comidas afrodisíacas regadas pelo "liquido espirituoso" mais popular do Brasil - a aguardente de cana." (FARIA, 2007, p. 121). 3597

Já apontado a liderança destas mulheres nos festejos públicos, contribuindo com a resistência de seu povo. Foram elas também as responsáveis pela formação das primeiras casas de candomblé no Brasil. Ocupando até hoje na maioria dos ilês, o mais alto posto na hierarquia do candomblé Foi dessa liberdade conquistada, e de suas vivências nos espaços públicos que as mulheres negras exerceram de liderança, por vezes nem experimentadas pelos homens de sua cor, tampouco pelas mulheres brancas de sua época, que estavam confinadas em suas casas. A necessidade de resistir e de viver levaramnas a buscar meios que lhe permitissem viver em liberdade. Estes fatores influenciaram a centralidade da mulher no candomblé. 2- Cosmo-visão Refletir sobre a mitologia se faz importante para mostrar a imagem das principais deusas do candomblé, uma imagem que foge dos arquétipos sociais do feminino, onde uma deusa africana é mãe, vilã e guerreira. BASTOS, 2011. P.70 Além dos condicionantes históricos que levaram esta mulheres a chefia das casas de candomblé, podemos trazer também o elemento da cosmo visão do povo de santo. "A "mulher", na religião dos orixás, teve na mitologia papel crucial." (BASTOS, 2011, p. 50). Dentro do mito de criação do mundo no candomblé coube a Oxum a tarefa de criar os seres humanos e sua representação se dá de forma diferente da Virgem Maria. Oxum é a deusa da beleza, é sensual, charmosa e cheia de astúcia. A todas as outras também são atribuídos papeis de liderança, força, inteligência e autonomia. Iansã por exemplo é a única orixá que tem coragem de entrar no reino dos mortos, Iemanjá é reverenciada com respeito e admiração. Existe uma forte identidade das mulheres de terreiro em relação as suas orixás. "Oyá Igbalé, entidade feminina também conhecida como Iansã Balé, é cultuada com os ancestrais; considerada rainha e mãe dos egungun, é cultuada num assentamento especial." 3598

A comparação entre o perfil feminino das religiões judaico-cristã com as religiões de matriz africana, mais uma vez vem a tona. Nestas, as mulheres se apresentam de forma frágil, comportadas e submissas; ao contrario encontramos a representação feminina no candomblé. "No contexto de uma sociedade brasileira, caracterizada pelo patriarcado e preconceito de gênero, a liderança dessas mulheres se destaca como um fenômeno inusitado" (GONZALES, p. 92). Ressaltar essas diferenças e o empoderamento das mulheres de terreiro é muito importante. REFERÊNCIAS PERROT, Michelle et al. Minha história das mulheres -1.ed. São Paulo: Contexto 2008. SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. 1ºed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 51ª ed. rev. São Paulo: Global, 2006. PIERRE, Verger. Lendas africanas dos orixás. 4ª ed. - Salvador: Corrupio, 2011. PINSKY, Carla. Fontes históricas. - 3ª ed. - São Paulo: Contexto, 2011 CRUZ, Maria Isabel da. A mulher na igreja e na política. 1ª ed. -- São Paulo: Outras expressões, 2013. BASTOS, Ivana Silva. Mulheres Iabás: Sexualidade, transgressão no candomblé. - João Pessoa: UFPB, 2011. 3599

NASCIMENTO, Elisa Larkin (org). Guerreiras de natureza: Mulher negra, religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo Negro 2008. REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Companhia das Letras, 2003 STEARNS, Peter N. História das relações de gênero. São Paulo: Contexto, 2007. TELLA, Marcos Aurélio Paz (org). Educação, ações afirmativas e relações étnicoraciais no Brasil. - João Pessoa: NEABI/UFPB, 2012. DA SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e umbanda caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1994. LODY, Raul. Xangô: o senhor da casa de fogo. Rio de Janeiro: Pallas, 2010. SOARES, Mariza de Carvalho (org.). Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benin ao Rio de Janeiro -- Niterói: EdUFF, 2007. 3600