Jogos digitais: interfaces gráficas e interação



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Transcrição:

Jogos digitais: interfaces gráficas e interação Thais Arrias Weiller 1 Resumo Há algumas décadas, as novas mídias vêm paulatinamente fazendo parte de nossa vida. Este contato se deu de forma mais poderosa a partir do momento em que estas novas mídias ganharam uma cara, ou seja, uma interface gráfica por meio da qual a interação humanomáquina tornou-se mais intuitiva. Este artigo irá mostrar como jogos digitais (ou vídeo games) foram uma das primeiras formas de contato do grande público com estas interfaces e como se deu este contato. Palavras-chave: GUI. Vídeo games. Jogos digitais. Introdução Computadores passaram a fazer parte de um número expressivo dos cidadãos comuns há pouco mais de 20 anos, mas há muito mais tempo estão presentes na vida de pesquisadores, trabalhadores especializados e aficionados. Hoje, seu uso permeia praticamente todas as atividades humanas, desde explorações em minas de carvão a momentos de lazer familiares. Esta penetração só foi possível graças ao avanço tecnológico e seu conseqüente barateamento, democratizando aparatos que antes eram exclusivamente de uso militar. Há muita dúvida e misticismo ao redor das novas mídias e sua relação com o público. Tal deslumbramento (ou, para os apocalípticos, terror) é comum ao ser humano quando apresentado a uma nova situação, a exemplo da invenção do cinema. Manovich (2001) faz esta mesma relação, mas ressalta o maior impacto das novas mídias tendo em vista que elas permeiam toda a produção comunicacional contemporânea e não apenas um estágio da comunicação, como foi o caso da mídia impressa ou da fotografia. Assim, o autor acaba por definir determinadas características que todo objeto das novas mídias deve ter, sendo elas: 1. Representação numérica os objetos da nova mídia possuem camadas de linguagem, sendo a mais reducionista, o código binário da máquina, e a mais ampla, o objeto em si, que visualisamos/ouvimos/lemos; 1 Mestranda em Interfaces Sociais da Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da USP. thaisweiller@usp.br

2. Modularidade os objetos das novas mídias são compostos por objetos independentes a exemplo de que, antes, um texto era uma folha de papel com letras, indivisível e inalterável, e que o texto da nova mídia é composto por páginas infinitas e caracteres independentes e cambiáveis; 3. Automação a automatização de alguns processos, como efeitos visuais, correções ortográficas etc.; 4. Variabilidade estes objetos não são fixos ou lineares, permitindo diferentes experiências para casa usuário. Ao se observar as definições de Manovich, não é difícil perceber por que jogos digitais são considerados objetos da nova mídia. Desde seu princípio, os jogos digitais usam diferentes camadas de linguagem; tem sua representação numérica, mas se apresentam ao jogador com a interface gráfica. A modularidade é absolutamente explícita neles, já que o jogador controla uma determinada camada do jogo, enquanto o computador se encarrega das demais. Esta característica também comprava a automação; o computador controla várias camadas pré-programadas do jogo, como os inimigos e a resposta do cenário. Por último, a variabilidade é obvia tendo em vista que o jogador controla determinados aspectos do jogo, não só os processos diretamente ligados à jogabilidade, como personagens, mas também os ligados à interface, como nos jogos modernos com a regulagem dos gráficos. Embora apresente todas as características de nova mídia, os jogos digitais são vistos com certa apatia ou, até mesmo, indiferença por muitos escritores da área. O próprio Manovitch, ao mesmo tempo em que cita vários jogos da década de 1990 como exemplos, quase como ignora seus precursores ao se referir à década de 1970 e 1980. Este artigo ambiciona aludir como os jogos digitais foram uma das primeiras possibilidades do grande público de experenciar não só aparatos digitais e realidades virtuais, mais também as interfaces gráficas. Para tanto, ir-se-á traçar uma resumida linha histórica de ambas plataformas e confrontar suas principais características, de forma que o leitor poderá ter um panorama desta evolução. 1 Histórico As primeiras máquinas de pensar elétricas eram enormes, ruidosas e dispendiosas, a exemplo do ENIAC, de 1946, que ocupava uma área de 180m 2, mas que possuía uma capacidade de processamento próxima de uma contemporânea calculadora digital. Um dos

motivos do tamanho avantajado do ENIAC é o fundamento básico de sua tecnologia: foi construído com mais de 17 mil válvulas hidráulicas. A criação e produção dos transistores, que substituíram estas válvulas, foi iniciada em 1954 e foi uma das principais revoluções nesta época para a diminuição do hardware dos computadores (ARANHA, 2004). Aos poucos, esta tecnologia foi aperfeiçoando-se e sendo disposta em equipamentos que poderiam ter um uso mais civil, culminando com o desenvolvimento dos personal computers (PCs). Na década de 1970, a HP desenvolveu um aparelho que cabia inteiramente sobre uma mesa e, durante este período, entusiastas podiam comprar kits e montar seus próprios computadores. Mas o trabalho de montar os PCs envolvia já determinado grau conhecimento de hardware e eletrônica e trabalho manual especializado, diminuindo em muito o número de pessoas com capacitação para tanto. Assim, o próximo passo seria a disponibilização de PCs que poderiam ser comprados prontos para o uso. O primeiro PC a estar amplamente disponível para venda pronto para uso foi o Commodore PET, em janeiro de 1977, e no mesmo ano foi lançado o Apple II (ARANHA, 2004). Na verdade, o Apple I já era um PC vendido pronto para o uso e não em kits, mas em termos de mercado não é considerado o primeiro pois não foi produzido em larga escala. Apesar de comercialmente tangíveis (em partes, já que eram razoavelmente dispendiosos para a época), a maioria destes PCs não tinha um público muito maior do que os envolvidos com pesquisas digitais e entusiastas da tecnologia. Isto por que para poder utilizálos era necessário dominar ou alguma linguagem de programação ou decorar comandos escritos para qualquer ação que precisasse ser feita, restringindo bastante a usabilidade para um usuário sem prévia instrução. Sete anos mais tarde do Commodore PET, em 1984, este problema é atenuado com o lançamento do primeiro PC com interface gráfica (GUI) comercial, o Macintosh da Apple (MANOVITCH, 2001). Por meio da GUI, mesmo um usuário que não conheça o sistema operacional em questão pode utilizar-se da intuição para decifrar as metáforas da tela. Isto por que quase tudo em uma GUI que entra em contado com o usuário faz uma ligação metafórica com situações ou ferramentas físicas, do mundo real. Por exemplo, a área de trabalho se chama Desktop, o editor de texto simula as páginas e a ferramenta de traço no editor de imagens é um lápis. Esta película de representações gráficas, visível ao usuário, não passam de linhas de códigos para a máquina, de forma que a GUI seria uma espécie de tradutor ou de mediador entre o homem e a máquina (MANOVITCH, 2001).

Estes dois desenvolvimentos, o PC e a GUI, são vistos como os dois principais marcos na difusão dos aparatos digitais entre a sociedade comum, que culminou com o desenvolvimento da internet e de toda a cultura cibernética. Porém, o que poucos autores levam em consideração é que outro aparato digital, um que contava com uma GUI desde seu princípio, já estava presente em lares de todo mundo antes mesmo do lançamento do Commodore PET. Claro, este aparato não servia a múltiplas funções, tinha hardware bem mais primitivo e permitia uma quantidade menor de variáveis em seu princípio, porém seu impacto para muitas pessoas como o primeiro contato com o mundo virtual não pode ser descartado. Estamos falando, é flagrante, de jogos digitais. Criações independentes de aparatos digitais que reproduziam pequenas competições apareceram durante a década de 1940 e 1950 nos EUA atraindo o público local, construídos com peças sobressalentes de radares para a diversão de pesquisadores ou para atrair visitantes aos laboratórios em tempos de guerra fria, como o dispositivo de divertimento em tubo de raios catódicos de Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann (U.S. PATENT, 1948) ou o Tennis for Two que Willy Higinbotham criou para o laboratório de Brookhaven National (ARANHA, 2004). Porém estes pioneiros constituem tentativas isoladas e que tiveram pouca repercussão ou impacto maiores. Em 1961, alunos do MIT criaram um programa gráfico cujo desenrolar era controlado pelos cálculos resultantes das variáveis de input do usuário; em outras palavras, criaram uma interface gráfica que respondia em tempo real aos movimentos designados pelo usuário por meio do controle, ou seja, um video game (ARANHA, 2004). Este experimento, chamado na época de Spacewar!, tem grande importância não só porque, diferentemente dos antecessores, cria uma temática para a interação do usuário, sendo o usuário uma nave espacial que deve desviar de asteróides e tomar cuidado com o campo gravitacional de uma estrela, mas também por conta de seu legado.

Figura 1 Spacewar! original. Em 1971 este jogo foi adaptado para máquinas operadas por moedas, nossos arcades ou fliperamas, dando origem ao primeiro jogo virtual nesta plataforma. Esta versão, porem, não foi feita em massa como o Computer Space, um arcade lançado alguns meses depois e também inspirando em Spacewar!, da empresa Nutting Associates. Computer Space fez sucesso entre o público universitário, mas não entre o público em geral tendo em vista seus controles complicados. Por isto que seus desenvolvedores Nolan Bushnell e Ted Dabney, ao saíem da Nutting Associates e fundarem a Atari, se focaram controles mais intuitivos e GUIs mais simplificadas. Antes mesmo da idéia do Spacewar! e durante estes 10 anos em que ele era jogado apenas por um publico reduzido, amigos ou amigos de amigos dos criadores e programadores, o engenheiro elétrico Ralph Baer trabalhava em um projeto que, de certa forma, definiu a forma do mercado contemporâneo de jogos digitais. Em 1949 ele foi encarregado de projetar a melhor TV do mundo, e a aproximação que teve deste desafio foi de que tal TV seria interativa. Em 1966, seus estudos haviam avançado bastante, porém também haviam se distanciando, e muito, da idéia original e por isto foram engavetados pela empresa que havia o contrato. Após apresentar o projeto para diversas empresas sem sucesso, em 1971, a Magnabox (representante americana da Philips) se interessa pelo projeto de Baer e, em 1972 é lançado o Magnabox Odyssey, o primeiro console, ou seja, máquina portátil que processa jogos digitais e os exibe em um aparelho de TV.

A Atari é fundada em 1972 e no mesmo ano, lança o arcade Pong, o qual foi um dos principais responsáveis pela grande popularização dos arcades nos anos seguintes. Pong fez tanto sucesso que em 1976 a Atari lançou um console que possuía apenas este jogo, o chamado Home Pong. Apesar de o console não emplacar a princípio, acabou tornando-se tamanho sucesso que rendeu quatro vezes mais lucros que o arcade e teve inúmeras cópias de outras empresas. O segredo do sucesso de Pong possivelmente foi sua simplicidade; era uma versão simplista de um jogo de ping pong. A tela preta tinha uma linha divisória e dois pequenos traços, um de cada lado, os quais eram controlados pelos jogadores do modo multiplayer ou um por jogador e o outro pelo computador no modo single player (ver figura a baixo). Entre estes traços, um pequeno quadrado se deslocava em uma trajetória física, mudando de sentido quando colidia com um dos traços. Se estes traços controlados pelo jogador deixassem o quadrado passar além, o oponente ganhava um ponto. Figura 2 Gameplay de Pong.

Já em 1977, a Atari lança seu mais famoso console, o Atari 2600 (geralmente conhecido no Brasil apenas como Atari já que os outros consoles da empresa não fizeram tanto sucesso no país) o qual se torna um sucesso, com mais de 30 milhões de unidades vendidas. O 2600 volta a popularizar um conceito que havia surgido com o Odyssey, mas que havia sido deixado de lado com o sucesso do Pong: o de que o console é o tradutor do jogo e que cada jogo vem em uma unidade separada, os cartuchos. Isto possibilita que o lançamento de novos jogos seja desvinculado do lançamento de um novo hardware e que jogos continuem a ser desenvolvidos mesmo depois do lançamento do console. Este é o padrão de consoles hoje; a geração atual (Wii, Playstation 3 e Xbox 360º) está a cinco anos no mercado e os representantes de suas empresas garantem que ficaram sem concorrentes das próprias marcas por mais cinco. Os jogos do Atari 2600, a principio, eram semelhantes ao Pong na jogabilidade ou temática tendo em vista que nestes 5 anos o publico realmente havia se acostumado com tal interface. Porém, conforme as vendas do 2600 foram subindo e jogos mais inovadores também tendo boas vendagens, designers foram sendo instigados a inovar e aproveitar toda a capacidade de hardware do console. Assim surgiram jogos como Pacman, em o jogador controlava uma circunferência que comia pontos em um labirinto enquanto fugia de formas semelhantes a fantasmas coloridos que o matavam, e Pitfall!, em que o jogador controlava um homem se movendo através de uma floresta com muitos obstáculos e inimigos e com mudança de ambiente (troca total de tela quando o personagem chega ao extremo direito ou esquerdo da tela anterior). Space Invaders também é um bom exemplo de jogos desta época, embora tenha sido lançado primeiramente para arcade e só depois ganhou uma versão para o Atari 2600. Neste jogo, controla-se uma nave nos sentidos laterais e o objetivo é atirar em todos os invasores espaciais antes que eles cheguem ao final da tela. Os invasores se movem em bloco da direita para a esquerda e a cada linha de movimento, todos eles descem um pouco. Para adicionar dificuldade, cada um deles atira aleatoriamente para baixo e quando um destes tiros acerta a nave do jogador, ele morre.

Figura 3 Pitfall! e Space Invaders do Atari 2600. 2 Tela e Interação Manovich (2001) relaciona a forma como informações são apresentadas hoje com a criação do conceito de tela no renascimento. Segundo o autor, este conceito foi evoluindo com o tempo, entretanto sem mudar muito suas dimensões. O cinema, por exemplo, introduziu o conceito da tela em movimento, que foi posteriormente apropriado pela TV. Estas novas plataformas de tela apresentaram inovações, mas, a principio, se basearam nos conceitos anteriores (como enquadramento, luz, proporção etc. desenvolvidos nos séculos anteriores pela pintura e fotografia), para então começar a evoluir suas próprias linguagens. A tela interativa permitia que o interagente se relacionasse com o mundo virtual em questão (o jogo ou o desktop) nos conformes planejados pelos desenvolvedores. Porém, esta tela, no caso dos jogos digitais, não permitia a troca de janelas, ou seja, a apresentação simultânea de conteúdos diversos a escolha do interator como no Macintosh, apenas uma troca total de conteúdos (a escolha de um jogo em relação ao outro, assim como a troca de canais em uma TV). Esta interação mais "limitada" não necessariamente significa algo ruim

ou mais primitivo (embora, a principio, também fosse mas antiquado tendo em vista a tecnologia mais de 10 anos mais antiga do Odyssey em relação ao Macintosh), apenas o tipo de interação permitida e necessária em PCs, como a de multifunções, não adiciona nem se faz necessária na interação proposta pela maioria dos jogos (GEE, 2005). Nestes jogos desta época, o interagente, ou jogador, se move no espaço virtual e, caso o jogo tenha um "cenário" maior que o de uma tela (o que se torna mais freqüente a partir do Atari 2600, como no Pitfall!), poderia também explorá-lo. Nesta movimentação, o "eu" do jogador (o objeto ou personagem controlado por ele) se envolve em ações pensadas para serem executadas dependendo do objetivo do jogo. Por exemplo, em Pong o jogador se mexe em dois sentidos visando rebater a "bola", já em Space Invaders! ele tem a mesma mobilidade limitada (apenas dois sentidos), mas também pode atirar. A maior ou menor quantidade de controles não torna um joga melhor, mais complexo ou de determinada dificuldade (seu design faz isso), apenas muda a experiência que o jogador terá. Por exemplo, se adicionássemos a habilidade de atirar em Pong!, teríamos de mudar as regras do jogo (o que este tiro faria? destruiria algo? destruiria exatamente que unidades? a bola? o oponente? o que esta destruição significaria; vitória/derrota/pontos?) mas isto não o tornaria necessariamente melhor, pior, mais complexo ou mais difícil; o jogador teria de interagir de forma diversa com ele, usando controles e estratégias diversas. Conclusão É interessante se ressaltar que, embora providos de uma interface digital, o publico realmente só entrou em contato com uma GUI por meio de PCs em 1984. De qualquer forma, antes da entrada da década de 1980, toda esta tecnologia [de PCs] ainda estava distante da população. Os computadores eram privilégio de grandes instituições empresariais e de experimentações acadêmicas nos avançados laboratórios dos Estados Unidos. A questão dos usos do computador era um tema fechado dentro de uma elite tecnológica. Por outro lado, o cidadão-comum não estava totalmente alijado da experiência tecnológica, de uma relação cibernética mediada pelo elemento interface. (ARANHA, 2004, p.30) Ainda assim, estes Macintoshs de 1984 foram muito populares em determinados círculos, porém o grande público continuou incauto das GUIs por ainda quase uma década. Foi durante a década de 1990 que os PCs tornaram-se comuns em escritórios e casas, sendo utilizados por pessoas sem treinamento formal e, assim, permitindo à uma parcela

considerável da população o contato com este tipo de interface. É interessante frisar que a maioria das GUIs da década de 1990 é muito semelhante, tanto sistemática quanto esteticamente, à do primeiro Macintosh. (REIMER, 2005) Assim, é possível concluir que consoles e arcades apresentaram de forma mais democrática e variada a um público mais amplo as novas interfaces gráficas digitais e que as mesmas tornaram-se fortemente disponíveis ao público desde o lançamento do Odyssey e Pong! e restritamente disponíveis há ainda mais tempo. Evidentemente, porém, as variantes disponíveis por meio destes hardwares eram mais limitadas e simplificadas do que, por exemplo, a interface do Macintosh, já dividia em janelas e com imagens mais elaboradas do que as de 4bits disponíveis no Atari 2600, o console de mais sucesso na mesma época. Ainda sim, se supusermos que os jogos digitais foram o primeiro contato do grande público com a "tela interativa" e ambientes virtuais, podemos ver a tela do Macintosh como um grande passo em um processo evolutivo de entendimento público que havia começado anos antes. Mesmo por que, ambos começaram com metáforas do mundo real, só que enquanto nos jogos digitais a metáfora dizia respeito a uma historia ou a uma atividade (jogo de ping pong, invasão extraterrestre, busca medieval), nos PCs a metáfora era mais direcionada a objetos ou a função dos mesmos (escrivaninha, bloco de notas, lata de tinta). Referências ARANHA, Gláucio. O processo de consolidação dos jogos eletrônicos como instrumento de comunicação e de construção de conhecimento. Ciências & Cognição, vol. 03, p. 21-62, 2004. GEE, James Paul. Why Video Games are Good for Your Soul? Champaign: Common Ground, 2005. Manovich, Lev. The langage of New Media. Boston: MITPress, 2001. PRIMO, Alex. Enfoques e desfoques no estudo da interação mediada por computador. 404NotFound, n. 45, 2005. REIMER, Jeremy. A History of the GUI. Ars Technica. 5 mai. 2005. Disponível em: http://arstechnica.com/old/content/2005/05/gui.ars. Acesso em 2 ago. 2010. U.S. Patent #2,455,992, 1948. Disponível em: http://www.pong-story.com/2455992.pdf. Acesso em 7 jul. 2010.