Portugal: pátria e poesia



Documentos relacionados
A formação moral de um povo

E alegre se fez triste

Sophia de Mello Breyner Andresen: arte poética como procedimento

Dia 4. Criado para ser eterno

UNIDADE I OS PRIMEIROS PASSOS PARA O SURGIMENTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.

Marxismo e Ideologia

NOTA: Leia com muita atenção os textos a seguir: Texto 1 Todas as cartas de amor são. Ridículas. Não seriam de amor se não fossem. Ridículas.

Atividade extra. Fascículo 1 História Unidade 1 Memória e experiência social. Questão 1. Ciências Humanas e suas Tecnologias História 39

A origem dos filósofos e suas filosofias

Disciplina: Matemática Data da realização: 24/8/2015

Disciplina Corpo Humano e Saúde: Uma Visão Integrada - Módulo 3

Sistema de signos socializado. Remete à função de comunicação da linguagem. Sistema de signos: conjunto de elementos que se determinam em suas inter-

Uma História que cheira a Café. Não Desprezes os Provérbios. Autor Isabel Vilarinho e Vanda Novais. Autor Abel de Carvalho

A Alienação (Karl Marx)

Como conseguir um Marido Cristão Em doze lições

ALIANÇA MUNICIPAL ESPÍRITA DE JUIZ DE FORA (AME-JF) AULA No. 38 Departamento de Evangelização da Criança (DEC) IDADES: 7/8 PLANO DE AULA

O TEMPO DIRÁ: CULTURA E POESIA!

Episódio 1: Transformando sua Atitude 1ª Parte: Atitude de Humildade

IDENTIDADE Equipe docente da disciplina Ser Humano em relações Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix

PARINI, Jay. A Arte de Ensinar. Tradução de Luiz Antonio Aguiar. Rio de Janeiro: ENSINAR É UMA ARTE OU REFLEXÕES SOBRE A DOCÊNCIA

PERGUNTAS & RESPOSTAS - FONTE ESTUDOS BÍBLICOS 2015

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

Guia Prático para Encontrar o Seu.

Por uma outra logística: reflexões filosóficas sobre a exclusão e a paixão.

STC5 Redes de informação e comunicação

09/03/2015 DIFERENTES LINGUAGENS. O que é a linguagem? Profa. Ms. Paula Ciol

Imagens de professores e alunos. Andréa Becker Narvaes

PROLEGÓMENOS Uma corrente literária não passa de uma metafísica.

Considerações acerca da transferência em Lacan

#CRIESEUCAMINHO AULA 1 - EXERCÍCIOS DE REFLEXÃO MEDO DE MUDAR VONTADE DE MUDAR

Mosaicos #7 Escolhendo o caminho a seguir Hb 13:8-9. I A primeira ideia do texto é o apelo à firmeza da fé.

Educação Patrimonial Centro de Memória

Meditações para os 30 dias de Elul

2015 O ANO DE COLHER JANEIRO - 1 COLHER ONDE PLANTEI

Esse impalpável mas não menos denso sentimento de lonjura e proximidade: a crítica de uma razão colonial.

Festa da Avé Maria 31 de Maio de 2009

2015 O ANO DE COLHER ABRIL - 1 A RUA E O CAMINHO

CONSTRUÇÃO DO EU LÍRICO E O RETRATO NA POETICA CECÍLIA MEIRELES

Teologia e Prática da Espiritualidade. Unidade 01: Espiritualidade e espiritualidades. Introdução

A escola de Jesus Cristo

Compartilhando a Sua Fé

A MÃE CUIDA DA FAMÍLIA

Lição 07 A COMUNIDADE DO REI

Transição para a parentalidade após um diagnóstico de anomalia congénita no bebé: Resultados do estudo

A TEORIA DA PROPOSIÇÃO APRESENTADA NO PERIÉRMENEIAS: AS DIVISÃO DAS PRO- POSIÇÕES DO JUÍZO.

O sucesso de hoje não garante o sucesso de amanhã

I OS GRANDES SISTEMAS METAFÍSICOS

Aula 1: Demonstrações e atividades experimentais tradicionais e inovadoras

5. Autoconsciência e conhecimento humano de Jesus

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

2.6 Como ensinar às crianças a usar a Bíblia?

Uma volta no tempo de Atlântida

REAÇÕES E SENTIMENTOS DE FAMILIARES frente ao suicídio

1 INTRODUÇÃO. O SENHOR é o meu pastor; de nada terei falta. Sl 23.1

Os Cânticos do Natal # 03 O Cântico de Zacarias Lucas

22/05/2006. Discurso do Presidente da República

PREFÁCIO DA SÉRIE. estar centrado na Bíblia; glorificar a Cristo; ter aplicação relevante; ser lido com facilidade.

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

COMO PREPARAR E COMUNICAR SEU TESTEMUNHO PESSOAL

A MEMÓRIA DISCURSIVA DE IMIGRANTE NO ESPAÇO ESCOLAR DE FRONTEIRA

Fascículo 2 História Unidade 4 Sociedades indígenas e sociedades africanas

Este documento faz parte do Repositório Digital da Rede Nossa São Paulo

O setor de psicologia do Colégio Padre Ovídio oferece a você algumas dicas para uma escolha acertada da profissão. - Critérios para a escolha

MICHEL FOUCAULT: CINISMO E ARTE NA PERSPECTIVA DA ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA

Unidade I ESCOLA, CURRÍCULO E CULTURA. Profa. Viviane Araujo

Douglas Daniel de Amorim A PSICANÁLISE E O SOCIAL

O MUNDO É A CASA DO HOMEM

POR QUE SONHAR SE NÃO PARA REALIZAR?

Desde sempre presente na nossa literatura, cantado por trovadores e poetas, é com Camões que o Amor é celebrado em todo o seu esplendor.

Profª Iris do Céu Clara Costa - UFRN iris_odontoufrn@yahoo.com.br

TRANSFORMANDO CRISES EM OPORTUNIDADES DE CRESCIMENTO. Cremos em um Deus que pode transformar crises

O Planejamento Participativo

André Sanchez Blog Esboçando Ideias E-BOOK GRÁTIS. Uma realização: André Sanchez.

O Pequeno Livro da Sabedoria

** O texto aqui reproduzido é de propriedade do MUD - Museu da Dança e não pode ser copiado ou reproduzido sem a autorização prévia.

E, algumas vezes, a pessoa que mais precisa do seu perdão é você mesmo. Devemos nos lembrar que, ao dormirmos, o corpo astral sai do corpo físico.

COLÉGIO NOSSA SENHORA DE SION LIÇÕES DE MATEMÁTICA E CIÊNCIAS - 3 ano Semana de 23 a 27 de março de 2015.

10+10 MINIGUIA... ATITUDES E PALAVRAS ASSERTIVAS. dar FEEDBACK, dizer NÃO, Veronica Z. Herrera Consultora Treinadora Coach Certificada.

A MUDANÇA SOCIAL EM SOPHIA. UMA PERSPECTIVA DIDÁCTICA DA POESIA DATADA Elisa Gomes da Costa

Cópia autorizada. II

CONSELHO FEDERAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA CONFEA III SEMINÁRIO NACIONAL DE OUVIDORES DO SISTEMA CONFEA/CREA E MÚTUA

PREGAÇÃO DO DIA 08 DE MARÇO DE 2014 TEMA: JESUS LANÇA SEU OLHAR SOBRE NÓS PASSAGEM BASE: LUCAS 22:61-62

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

MÓDULO 1: A INFÂNCIA. Como ocorre a cura no processo de O Grito Essencial? A menos que. você use toda sua. energia em seu próprio

Primeiro Setênio A constituição física da criança

CAPÍTULO 2 DEMOCRACIA E CIDADANIA

Nesta feira, este ano, percebe-se que há novas editoras, novas propostas. Qual a influência disso tudo para o movimento espírita?

COMUNIDADE TRANSFORMADORA UM OLHAR PARA FRENTE

Ensino Religioso História Geografia Auteridade (O Eu, Eu sou, Eu com os outros, Eu e os outros somos Nós)

PROJETO: SANTA MARIA EM FOCO

Quando vemos o mundo de forma diferente, nosso mundo fica diferente.

Há cabo-verdianos a participar na vida política portuguesa - Nuno Sarmento Morais, ex-ministro da Presidência de Portugal

LINGUAGENS FORMA DO SER HUMANO CONHECER O MUNDO;

O RÁDIO COMO INSTRUMENTO DE PERPETUAÇÃO DA CULTURA DOS POVOS ÉTNICOS DE IJUÍ

Palestra Virtual. Promovida pelo IRC-Espiritismo

A PRÁTICA DE JOGOS PARA A INTERIORIZAÇÃO DOS NOMES DE CAPITAIS E ESTADOS DO BRASIL NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Tomada de decisão. O que é necessário para ser bom? Algumas dicas práticas: Por que ser bom? Como tomamos boas decisões?

Na classificação dos sistemas filosóficos...

Transcrição:

Revista eletrônica de crítica e teoria de literaturas Comunicações dos fóruns PPG-LET-UFRGS Porto Alegre Vol. 03 N. 02 jul/dez 2007 Portugal: pátria e poesia Elisabete Carvalho Peiruque * Resumo: O texto aborda a obra de dois poetas portugueses do século XX, Miguel Torga e Sophia Andersen, para quem identificar-se com Portugal durante a ditadura significou denunciar a miséria e a repressão política. Abstract: The text approaches the work of two twentieth-century Portuguese poets Miguel Torga and Sophia Andersen, who identified with Portugal by denouncing poverty and political repression during dictatorship. Palavras-chave: Portugal; poesia; Torga; Sophia. Keywords: Portugal; poetry; Torga; Sophia. Definindo a essência da poesia, diz o grande poeta mexicano Octavio Paz que o poético é poesia em estado amorfo e o poema é poesia que se ergue. Para ele, o poema é o veículo pelo qual a poesia é emitida (PAZ, 1982, p. 17). Poeta dos nossos dias, sua poesia está entre aquilo que se chama poesia moderna marcada pela ruptura que se efetivou no conceito de poesia a partir de Baudelaire. O eu lírico não é mais, necessariamente, aquele que se expressa frente ao mundo de forma direta, mas, sim, aparece nas escolhas lexicais do poeta que passa a falar em nome de um nós lírico. Salete Almeida Cara sintetiza a idéia dizendo que o eu lírico é o que amarra tais escolhas (1986). Baudelaire falava na intencionada impessoalidade de minhas poesias (cf. FRIEDRICH, 1991, p. 37). Fernando Pessoa é quem levará a teoria baudeleriana ao seu extremo com o cultivo da despersonalização. A leitura de Mensagem de Fernando Pessoa, apenas para exemplificar, não deixa aparecer o sujeito Pessoa ao falar do passado português. Ele representa a voz dos portugueses, ou de alguns, pelo menos. A menção ao genial poeta remete para outros poetas portugueses que, grandes também, igualmente falam de Portugal, ainda que noutro contexto e de outra maneira. Os Poemas Ibéricos de Miguel Torga retomam muitas das figuras exaltadas por Pessoa, porém com uma linguagem própria. Contudo, há o Torga de outros poemas em que se refere ao seu país sem que o nomeie, o que os torna universais. E nesta linha estão também alguns poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen. * Elisabete Carvalho Peiruque é professora adjunta do Instituto de Letras da UFRGS. Possui diversos artigos publicados, sobretudo, na área de Literatura Portuguesa. Portugal: pátria e poesia 1

Nau Literária A poesia desses dois poetas é representativa de uma dupla relação identitária, na medida em que seus poemas falam, ainda que metaforicamente, do Portugal onde vivem, e assim, como poetas, constituem elementos formadores da identidade cultural portuguesa. Contudo, em vez de uma poesia laudatória, Miguel Torga e Sophia, paradoxalmente, falam de um Portugal em negativo, o Portugal da ditadura, já que sua poesia mostra que não aceitam a miséria e a repressão política, essa, de certa forma, encobrindo aquela, de vez que falar nas questões sociais era considerado indício de tendências comunistas. Sua obra poética dá voz àqueles milhares que se opuseram ao regime do Estado Novo, clamando por justiça e por liberdade. Em data posterior à obra dos poetas em foco, José Mattoso, discutindo a questão da identidade portuguesa, observou que foi preciso que chegassem os novos tempos da democracia para que o passado fosse aceito em todas as suas dimensões negativas e positivas, em contraposição a um estático passado glorioso, cultuado pela memória portuguesa (2001, p. 102). No presente de sua obra, Torga acusa a miséria do camponês das zonas pobres, esquecidas pelo governo, e Sophia denuncia com a força de sua palavra poética a violência do aparelho repressor do Estado Novo. Poetas que são, e poetas dentro de uma concepção poética que é expressão da modernidade, seus poemas são marcados por palavras fortes que dão a medida daquilo que querem tornar pensamento e sentimento partilhado. Edgar Morin, num belo ensaio sobre a poesia, concebe-a como representação de um estado que ele diz ser o estado poético em oposição a um estado prosaico. Linguagens diferentes as dos dois estados, elas podem ser justapostas ou misturadas, podem ser separadas, opostas (MORIN, 1999, p. 35). Ao estado poético que Morin vê como o que deve ser resgatado em nome da humanização (p. 43) chama de estado de vidência, lembrando Rimbaud (p. 36). O que de alguma forma sugere a conhecida frase de Pound sobre os poetas, vistos como antenas da raça. A imagem de antena, instrumento que capta algo em primeiro lugar, permite pensar naquele que vê além, mais vidente do que simplesmente alguém que vê com os olhos reais. Em Torga e Sophia, o pensar sobre a pátria envilecida carrega a sensibilidade de quem tem ligações afetivas com o seu país verdadeiro não o que é visto, presenciado e quer cantar seu sentimento de modo a que encontre eco nos corações e mentes amortecidos, amordaçados. Quando se lê o poema Data de Sophia, tem-se a impessoalidade mesclada ao subjetivo, já que a sensibilidade da poeta, expressando a de outros, fala de uma realidade que todos vivem naquele momento: Tempo de solidão e de incerteza 2 Elisabete Carvalho Peiruque

Vol. 03 N. 02 jul/dez 2007 Tempo de medo e tempo de traição Tempo de injustiça e de vileza Tempo de negação (ANDRESEN, 1975). A anáfora, marcando o tempo, a data que não pode ser esquecida para que não venha a se repetir, é seguida ao longo das três estrofes de vocábulos de conotação negativa. O eu que manipula a escolha de tais vocábulos para pintar o tempo de dor configura o que Hugo Friedrich nomeia de dramaticidade agressiva, própria do poetar moderno (Cf. FRIEDRICH, 1991, p. 17). E acrescenta sobre a poesia que ela prescinde da humanidade no sentido tradicional, da experiência vivida e até mesmo do eu pessoal do artista. [...] Isto não exclui que tal poesia nasça da magia da alma e a desperte (p. 16). Sophia fala de uma realidade que é de todos que a vivem dolorosamente mas é a sua também, num processo que Friedrich chama de interioridade neutra em vez de sentimento (p. 29). Talvez fosse mais adequado dizer sentimentalismo, já que não se pode negar que quem está por trás desta escolha não só de palavras mas do modo de organizá-las sente dramaticamente a realidade. A despersonalização pregada por Baudelaire não vê mais unidade entre a palavra poética e o sujeito-poeta (FRIEDRICH, 1991, p. 36). Lembre-se Fernando Pessoa explicando seus heterônimos. Dizia ele que as palavras dos vários poetas que ele era não deviam ser tomadas como expressão de seu pensamento ou sentimento, e aqui se referia ao sujeito chamado Fernando Pessoa. A despersonalização permite ver um nós e o poeta como seu porta-voz. O nós lírico representado na voz da poeta portuguesa está bem evidente no pequeno poema intitulado Exílio. Quando a pátria que temos não a temos Perdida por silêncio e por renúncia Até a voz do mar se torna exílio E a luz que nos rodeia é como grades (ANDRESEN, 1975). A referência ao mar como espaço aberto e que significou a extensão do território português deixa clara a identificação da pátria de que ela fala sem nomear. O silêncio que perde essa pátria conota a repressão e remete para a não identificação com este Portugal que não temos. No poema intitulado com o sugestivo nome Pátria, Sophia refere-se mais uma vez ao amordaçamento com o qual não concorda, porque não reconhece nesta miséria espiritual a nação de seu afeto. Pelos rostos de silêncio e de paciência Que a miséria longamente desenhou Rente aos ossos com toda a exactidão Dum longo relatório irrecusável (ANDRESEN, 1975) Portugal: pátria e poesia 3

Nau Literária A impessoalidade, ou seja, este quase descritivismo feito de metáforas altamente sugestivas, mescla-se a um eu que emerge, como que impossibilitado de manter-se no anonimato. A poeta representa a fusão dos dois estados de que fala Edgar Morin. O minha pátria e meu centro grita a voz poética em nome de quantos dizem o mesmo em outras palavras: Onde está o meu Portugal, aquele que sinto como meu? Sophia menciona claramente uma fome real, a daqueles que não podem reclamar, quando fala em rostos marcados pela miséria, uma miséria que aparece rente aos ossos. E esta é a voz de Torga a falar dos milhares de miseráveis que mal sobrevivem na terra madrasta. Na verdade este é o seu grito, em nome dos que são esquecidos. Friedrich menciona a concepção da poesia em vigor até o início do século XIX: [Ela] achava-se no âmbito de ressonância da sociedade, era esperada como um quadro idealizante de assuntos ou situações costumeiras, como um conforto salutar também na representação do demoníaco (FRIEDRICH, 1991, p. 20). A poesia de Torga, como a de Sophia, inquieta. Ele não faz concessões, desidealiza a vida dos que lutam para sobreviver a cada dia. Suas metáforas duras não têm nada de reconfortantes, e não é isto que ele quer. Como Baudelaire frente às misérias da cidade nas quais ele via uma beleza diferente, Torga poetiza o que aparentemente seria destituído de poesia. Os homens que cavam a terra como possessos e que fazem vinho do pranto aparecem, por meio das palavras, desumanizados pelo trabalho que lhes tira as forças e não lhes dá o suficiente para restituí-las. Mas à noite eram regressos Com frutos magros e poucos. (TORGA, 1952) A injustiça, denunciada por Sophia, em Torga se mostra ao nível das necessidades mais elementares insatisfeitas porque a terra natural já não sustenta. E clama: Senhor, quanta injustiça! Aqui, a fome Só a não teve a força e a preguiça (TORGA, 1952). Para os dois poetas, o identificar-se com a nação portuguesa, o assumir a sua portuguesidade, significa não se identificar com ela naquele longo momento de quase meio século. A identidade nacional, amparada sobre os dois pilares que são o passado comum e a cultura partilhada, é reafirmada de modo negativo. Para quem tem um passado como o português, parece ser inadmissível este presente. O poeta, pois, torna-se, nas palavras de Octavio Paz, o fio condutor e transformador da corrente poética (1982, p. 16) e a voz do povo, língua dos escolhidos (Idem, p. 15). 4 Elisabete Carvalho Peiruque

Vol. 03 N. 02 jul/dez 2007 Referências ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Antologia. Lisboa: Moraes, 1975. CARA, Salete de Almeida. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1986. FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna da metade do século XIX a meados do século XX. São Paulo: Duas Cidades, 1991. MATTOSO, José. A identidade Nacional. Lisboa: Gradiva, 2001. MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1999. PAZ, Octavio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. TORGA, Miguel. Alguns poemas ibéricos. Coimbra: Coimbra, 1952. Portugal: pátria e poesia 5