HOMENS NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE



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HOMENS NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE Jorge Lyra (Instituto Papai 1 ; NESC/CNPqAM-FIOCRUZ); Benedito Medrado (UFPE; Instituto Papai); Luciana Souza Leão (UFPE; Instituto Papai); Alexandre Barreto (Instituto Papai); Roberto C. E. de Lima Filho (Instituto Papai). A idéia de que os homens, via de regra, não se interessam por questões relativas a sexualidade e reprodução e de que o planejamento familiar e o cuidado dos filhos são atribuições e responsabilidades das mulheres está embasada numa visão machista e sexista que impede, as mulheres e os homens, o pleno exercício de seus direitos sexuais e direitos reprodutivos, face às limitações impostas por padrões culturais inscritos em práticas preconceituosas. Nem todo homem é ausente ou irresponsável, e muitas vezes, os próprios serviços de saúde não estão dispostos, nem preparados para identificar e responder demandas desses homens que buscam exercer seus direitos sexuais e direitos reprodutivos. Neste sentido, é necessário construir novas práticas, superando diferentes barreiras individuais, de homens e de mulheres, institucionais, culturais e ideológicas, para conseguirmos um maior envolvimento dos homens e a ampliação do debate sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos, no contexto da agenda das políticas públicas 2. Por certo, o interesse por experiências de trabalho com homens em sexualidade e saúde reprodutiva na América Latina e Caribe vem crescendo nos últimos anos, sobretudo, a partir de demandas que tem origem em ações desenvolvidas com mulheres, em diferentes campos. Porém, até o momento, experiências concretas com homens têm sido desenvolvidas prioritariamente por Organizações da Sociedade Civil, através de programas inovadores com recursos de fundações privadas e não lucrativas. 3 Essas iniciativas, no entanto, têm enfrentado vários obstáculos, entre os quais: 1) a falta de preparo dos próprios profissionais de saúde tanto homens como mulheres 1 O Instituto PAPAI é uma organização civil sem fins lucrativos, sediada em Recife, que desenvolve ações políticas, de caráter educativo e/ou informativo, junto a homens jovens em situação de pobreza, bem como estudos e pesquisas sobre masculinidades, a partir da perspectiva feminista e de gênero. Endereço: Rua Mardônio Nascimento, 119 Recife/PE CEP: 50.741-380. Fone/fax: (55) (81) 32714804; papai@papai.org.br; http://www.papai.org.br 2 Ministério da Saúde - Saúde da Mulher (2005). Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma prioridade de governo. Brasília: Ministério da Saúde. 3 WHO ( 1999 ). Survey on Programs Working with adolescent boys and Young Men. Prepared by Gary Barker, Institute PROMUNDO, Brazil, World Health Organization. Department of Child and Adolescent Health and Development. Geneve.

- para atender à clientela masculina; 2) a ausência de material educativo específico; 3) a ausência de uma agenda política referenciada nas atuais propostas do movimento feminista 4 e 4) a falta de interesse da maioria dos homens em cuidar de sua saúde 5 e de se envolverem no movimento pelos direitos sexuais e reprodutivos. Além disso, ainda é notória a ausência de recursos governamentais para formular e executar programas desta natureza. 6 Mesmo entre aqueles/as que concordam sobre a necessidade de focalizar os homens nos serviços de saúde há polêmicas: deve-se priorizar exclusivamente melhores índices de saúde para as mulheres ou atender eventuais demandas dos homens? Nosso ponto de vista é o de que tais programas devem ser desenvolvidos visando a eqüidade e as especificidades de gênero. 7 Isto significa, por exemplo, que desenvolver programas voltados para o uso do preservativo ou incrementar o uso da vasectomia não são suficientes para oferecer amplas alternativas de assistência à saúde dos homens. Tampouco é suficiente para conscientizá-los sobre os seus direitos sexuais e reprodutivos 8. Não se trata, portanto, de criar mais um campo de trabalho voltado exclusivamente aos homens. Ao contrário, é necessário unir esforços às atividades já desenvolvidas em diferentes espaços com populações femininas, reafirmando o princípio da integralidade do Sistema Único de Saúde, maximizando esforços, integrando os homens e, assim ampliando o impacto das ações em gênero, saúde, sexualidade e reprodução. Até o momento, os programas governamentais de saúde integral/saúde reprodutiva voltados para a população feminina têm aberto pouco espaço para a discussão sobre as necessidades específicas dos homens e sobre a importância da participação masculina no compartilhamento de responsabilidades, de compromissos e de direitos. Uma exceção são os serviços que no Brasil trabalham com DST/Aids, mas cuja integração com os serviços mais específicos de saúde da mulher ainda é precária. Outra exceção é a dos programas 4 Plataforma Política Feminista. Brasília: Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, 2002; BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004. 104 p. 5 OLIVEIRA, Maria Coleta, BILAC, Elisabete & MUSZKAT, Malvina. Homens e Anticoncepção: um estudo sobre duas gerações masculinas das camadas médias paulistas. 2000. (mimeo). 6 ARILHA, Margareth. Homens, Saúde Reprodutiva e Gênero: o desafio da inclusão. São Paulo, 1998. In GIFFIN, Karen; COSTA, Sarah. (Org.). Questões de Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1998a. Ver também SIQUEIRA, Maria Juracy Toneli. Saúde e Direitos Reprodutivos: o que os homens têm a ver com isso? Dossiê Relações de Gênero e Saúde Reprodutiva. Revista Estudos Feminista, vol. 8, n.1/2000, CFH/UFSC. 7 ECOS (2001). Saúde reprodutiva. Série Trabalhando com homens Jovens. Rio de Janeiro: Promundo. 8 ARILHA, Margareth. Homens: entre a zoeira e a responsabilidade. In: ARILHA, Margareth; UNBEHAUM, Sandra; MEDRADO, Benedito. Homens e Masculinidades: outras palavras. São Paulo: ECOS/Ed. 34, 1998b (1a ed.) e 2000 (2ª ed.). 2

governamentais de saúde do trabalhador, que, por sua vez, acabam deixando de lado as necessidades específicas de saúde das mulheres e não demonstram sensibilidade para temas de sexualidade e saúde reprodutiva. Seja no contexto da prevenção/assistência as DST/Aids seja no campo da saúde do trabalhador, pouco se reflete sobre como o modelo machista em nossa sociedade expõe também os homens a diferentes situações de vulnerabilidade, ou seja, os homens são vistos na condição de seres humanos e raramente são percebidos em sua especificidade de gênero, como sujeitos inseridos numa ordem de gênero que lhes impõe poderes, mas também regras e restrições. Em consonância com a leitura crítica feminista sobre a medicalização do corpo feminino, é imprescindível desfazer, progressivamente, a perspectiva que define os serviços de saúde como esfera feminina. Profissionais de saúde têm admitido em relatos informais resistência, por exemplo, em reconhecer o direito do pai de assistir ao parto. Argumentam, muitas vezes, que o pai pode desmaiar e atrapalhar todo o procedimento. Além disso, de modo mais amplo, muitos admitem ter dificuldades em obter a empatia e cumplicidade dos homens nos serviços públicos de saúde, o que, por sua vez, dificulta-nos conhecer mais claramente as necessidades específicas dos homens e nos impede também de definir melhores estratégias para envolvê-los. 9 Esta apresentação tem o foco no componente de pesquisa, para tanto foram realizadas entrevistas com nove interlocutores privilegiados, tendo em vista: conhecer através do discurso de profissionais se e como os homens são incorporados nos serviços oferecidos pela instituição; identificar como os profissionais (homens e mulheres) percebem a participação dos homens; quais os significados de masculinidade e ser homem construídos por esses/as profissionais contribuem para este panorama de incorporação/ percepção de homens nos serviços de saúde sexual e reprodutiva. Os discursos foram analisados a partir de sete grandes categorias temáticas: freqüência/presença dos homens nos serviços; espaços e serviços nos quais, o homem participa; dificuldades para a participação dos homens; políticas públicas; profissionais e os homens; significados de ser homem ; homem: utilitarismo x direito. Com o objetivo de facilitar a 9 SCHUTTER, Martine Maria Adriana. El debate en América Latina sobre la participación de los hombres en programas de salud reproductiva. Revista Panamericana de Salud Publica 7(6), 2000. S/L. Essa autora cita no texto a reunião realizada em 1998 em Oaxaca no México Participación Masculina en la salud sexual y reproductvia: nuevos paradigmas, quando chegou-se à conclusão de que os programas de saúde reprodutiva não deveriam focalizar apenas as ações da área de assistência clínica, como muitas das experiências tem feito, mas sim, permitir que os homens identifiquem de que maneira sua identidade masculina bem como as percepções que têm sobre ela influem em suas condutas sexuais, violência, prevenção das DST, e da paternidade. 3

compreensão dos dados, foi realizada uma análise preliminar, agrupando-se conteúdos presentes nas falas dos entrevistados, criando uma espécie de falas coletivas (síntese de várias falas) organizadas em eixos temáticos. 1. Frequência/presença dos homens nos serviços Segundo as/os entrevistadas/os, os homens estão presentes nos serviços, mas ainda timidamente. Em alguns espaços, esta presença é mais fácil e acessível, enquanto em outros programas configura-se de modo mais distante e difícil. perceber os homens dentro do nosso serviço é uma coisa que a gente apesar de fazer há algum tempo, apesar de ser pioneiro, tem conseguido devagar... nosso ambulatório tem tanto homem por causa da vasectomia... tem muitos pais com os meninos, vão muito para o berçário, passam no canguru, a psicóloga conversa com eles... Existe também a impressão de que há uma crescente participação, contudo não se têm informações dentro do próprio serviço sobre isto. o movimento de homens acompanhando as companheiras no pré-natal não é grande, mas é crescente, principalmente entre os casais mais jovens e adolescentes... a presença masculina é crescente e interessante... na medida do possível, eles estão voltando. Eu não tenho esse levantamento estatístico pra te dizer agora, quanto em termos percentuais, mas dentro em breve a gente vai ter condições de dar essas informações 2. Espaços e serviços nos quais o homem participa Segundo os/as profissionais, a presença dos homens nos setores é ainda pouco clara e em pequena quantidade com relação a mulher, existem programas voltados para isso e a gente não vê isso com relação aos homens. Eles vão muito no geralzão... 4

No nosso grupo estamos com 15 adolescentes agora (...) só tem 3 homens e 12 meninas... Segundo as/os entrevistadas/os, a maior presença dos homens é exatamente no serviço destinado a ele, a vasectomia. Tem gente que tem mais de 50 anos e procura o serviço de vasectomia... Agente fez um mutirão de vasectomia (...) muitos homens fizeram. Segundo as/os profissionais, há pouca presença é percebida em outros setores. Por outro lado, tem começado a abrir-se espaço para os homens naqueles serviços que, em princípio, não foram destinados a eles, porém, os serviços deixam claro que o foco é a mulher e a criança. Nestes serviços, o homem ocupa na maioria das vezes o papel de acompanhante, apoio visitante, aparecendo sempre como coadjuvante do processo.... pré-natal e planejamento familiar, todas as atenções estão voltadas para o homem. Agora eu diria que ainda o foco é na mulher (...) Eu diria que o acompanhamento dele na consulta psicológica, por exemplo, é pra que ele dê apoio emocional pra mulher e não pra que esse apoio seja dado a ele. As/os entrevistadas/os relatam certa contradição sobre em que espaços são oferecidos e onde é permitida a presença de homens. O único serviço que tem o homem como foco é no SAE, ele também entra no processo para prevenir as DST`s. no SAE a porta principal é voltada mais pra mulher (...) o companheiro é convidado e as vezes vem espontaneamente, aí aproveita a presença deles 3. Dificuldades para a participação dos homens Nas falas dos/as profissionais, destacam-se quatro principais pontos que dificultam a participação masculina: a resistência de algumas/uns profissionais, a rejeição dos homens, a estrutura inadequada e os horários dos serviços. 5

o problema que a gente encontra aqui são dois: um é a resistência profissional e o segundo é a questão da estrutura física... acho que uns 40% dos profissionais talvez tenham uma certa rejeição dos homens nos serviços (...) os médicos tem essa rejeição A gente encontra dificuldade de várias instâncias por causa da própria desinformação dos pais que não estão preparados para isso ele pode assistir ao parto, ele não tem horário (...) a gente tem que estar de olho o tempo inteiro... supervisionando algumas ações para elas aconteçam... o homem não pode ficar acompanhante porque vai tirar a privacidade das outras mulheres não é? É uma enfermaria aberta... se as enfermarias são coletivas, complica-se a participação dos homens. nós não temos um horário muito rígido para visitas, principalmente para o pai (...) aí vem o confronto com a estrutura física que não é voltada para ter um homem como acompanhante (...) mas não há nenhum local em que o pai não possa entrar, ele só não pode permanecer por causa disso... Ele vem a primeira consulta e diz: Oh, doutora eu não posso vir mais não porque eu estou trabalhando, não tenho como sair do trabalho, não sou dispensado... os que trabalham já tem mais medo de perder o emprego... o horário, principalmente pro homem, é inadequado 4. Políticas públicas Os/as profissionais destacaram a inexistência ou insuficiência de políticas públicas de saúde para homens. existe uma coisa mais fundamentada com relação a mulher, existem programas voltada para isso e a gente não vê isso com relação ao homem (...) não existe um programa de 6

assistência integral à saúde do homem... falta programas voltados para o homem... não há uma política pública voltada para o homem poucos serviços em nível de saúde pública o homem esta contemplado 5. Relação entre os/as profissionais e os homens Existe uma ambigüidade quando trata da relação entre os/as profissionais e os homens nos serviços, na medida que há uma dificuldade de incorporação pelos/as próprios/as profissionais também há uma necessidade de incluí-lo nestes espaços. eu acho que os homens deviam participar mais de todas consultas e todos os serviços (...) Mas isso é uma questão de educação, não acho que exista alguma coisa em que o homem não deveria participar, não. Eu acho que ele deveria participar mesmo, de tudo... eu sempre estimulo é pra vir o pai e a mãe... tem que ter os dois os profissionais não gostam da presença dos homens em determinadas situações (...) talvez receio de estarem sendo julgados e possivelmente processados (...) receio, medo e falta de conhecimento de como lidar (...) a participação do homem tem que ser vista com algumas cautelas 6. Significados de ser homem Os/as entrevistadas/os apontam o machismo como questão cultural existente e que deve ser combatida. Os significados de ser homem são reforçados por valores que o distanciam dos espaços de cuidado. A incompreensão, impaciência e outras características são reforçadas a pensar este modelo de homem que estaria oposto aos espaços e ações produzidas nas instituições de saúde. O homem é mais relapso, ele procura deixar sempre pra última hora, ou quando a coisa realmente está intolerável. Só aí ele vai procurar um auxílio médico (...) o homem é o provedor, então ele está mais preocupado em prover a família, os recursos para sustentá- 7

la... é difícil se ver homens procurando o Serviço de Saúde como uma prevenção, fazer um check-up... parece que o homem se cuida menos... acho que a maioria dos homens acha que não precisa fazer testes e exames... eles tem medo ou alguma coisa assim, tenho a impressão que eles se sentem, o homem não adoece... eles arrumam uma desculpa, é a do trabalho e a de o problema foi da mãe... o trabalho é uma desculpa... homem parece que não gosta de ir ao médico, nunca vi nenhum que gostasse... tem que dar um toque pra abrir a cabeça um pouquinho. eu acho que a mulher amadurece mais rápido que o homem, aí geralmente eles não se envolvem muito não (...) não quer se envolver muito nessa história de internato. Ele quer a mulher em casa cuidando dele. Em contrapartida a este discurso, existe também comentários que reforçam a necessidade de se acolher e receber os homens, apontando para um compartilhamento, mesmo que incipiente, dos cuidados na saúde reprodutiva e sexual. aquele tabu masculino, aquela coisa do machismo, na prática nós não temos visto aqui, mas talvez isso seja uma amostra viciada porque as pessoas que chegam aqui são aquelas pessoas que já têm uma cabeça diferente eu acho que existe uma questão cultural aí de que o homem não participa dessas coisas, que é a mulher quem cuida, é a mulher que tem que ir ao médico, que levar ao médico... cuidar de todos. Ela tem que parir sozinha, tem que gestar sozinha, amamentar sozinha... eu acho que é importante, que a gente tem um papel fundamental nessa mudança de passar experiência, de mudar esses conceitos No entanto, os depoimentos nem sempre apresentam posturas ideológicas condizentes com a fala, indicando certa ambigüidade sobre como trabalhar para reformular a modelo machista implantado na cultura da saúde, que lugares o homem pode transitar. 8

eu acho que, pelo o que eu vejo culturalmente o homem passou essa responsabilidade de reprodução, de engravidar ou não, de tomar conta da gravidez, como uma coisa exclusiva da mulher. Tanto é que engravidou, a culpa é da mulher! como se a mulher engravidasse sozinha... infelizmente nós temos homens que vem com perfil de curiosidade. Está lá mas de olho na mulher dos outros. para o pai a importância é o estado do corpo da mulher voltar mais rápido e evitar gastos com leite e com medicação 7. Homem: utilitarismo x direito A maior parte das falas valoriza a participação masculina na medida em que geraria maior segurança e conforto para a mulher e, em certos casos, para a criança. Neste tipo de concepção o homem serviria como um instrumento para a melhor atenção a mulher e a criança, sem pensar no homem como um sujeito de necessidade, sentimentos e direitos. Poucas, dentre as pessoas entrevistadas utilizam a expressão direito do homem ou se valem da posição política presente nesse termo. a participação do homem pode evitar que a mãe tenha hemorragia pós-parto, o emocional da mãe bem resolvido, para a mulher não se sentir só, sentir-se protegida nessa coisa difícil que é ter um filho pra mulher é um conforto poder ter seu companheiro ao lado, se realmente for tranqüilizador pra ela e é muito importante pro pai esse vínculo, criar esse vincúlo no primeiro momento do reconhecimento do seu filho... eu acho que desde que a mulher queira, desde que ele queira e que os dois estejam preparados, não vejo nenhuma dificuldade a participação do homem é mais voltada pro apoio, conhecimento de facilitar o processo, mas em relação aos dois, mais da mulher... o importante da participação no parto é o homem ficar junto da mulher, passar confiança, presença e não na emoção dele ser pai Em suma, a proposta é que essa experiência possa servir de modelo para outras experiências congêneres e para o próprio Ministério da Saúde através da sistematização desta 9

iniciativa em um dossiê e da articulação política junto ao Ministério, o UNFPA e ao movimento de mulheres e de juventude, de forma que a inserção dos homens em programas de saúde tenha na experiência do presente projeto uma contribuição importante na construção de políticas de gênero. Este estudo está em consonância com tratados internacionais em direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, e a atual plataforma brasileira, na medida em que busca contribuir para implementação de políticas públicas que visem envolver os homens em questões relativas à sexualidade e reprodução, com vistas a garantir e ampliar o exercício dos direitos sexuais e direitos reprodutivos de mulheres e de homens. BIBLIOGRAFIA CITADA 1 O Instituto PAPAI é uma organização civil sem fins lucrativos, sediada em Recife, que desenvolve ações políticas, de caráter educativo e/ou informativo, junto a homens jovens em situação de pobreza, bem como estudos e pesquisas sobre masculinidades, a partir da perspectiva feminista e de gênero. 1 Ministério da Saúde - Saúde da Mulher (2005). Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma prioridade de governo. Brasília: Ministério da Saúde. 1 WHO ( 1999 ). Survey on Programs Working with adolescent boys and Young Men. Prepared by Gary Barker, Institute PROMUNDO, Brazil, World Health Organization. Department of Child and Adolescent Health and Development. Geneve. 1 Plataforma Política Feminista. Brasília: Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, 2002; BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004. 104 p. 1 OLIVEIRA, Maria Coleta, BILAC, Elisabete & MUSZKAT, Malvina. Homens e Anticoncepção: um estudo sobre duas gerações masculinas das camadas médias paulistas. 2000. (mimeo). 1 ARILHA, Margareth. Homens, Saúde Reprodutiva e Gênero: o desafio da inclusão. São Paulo, 1998. In GIFFIN, Karen; COSTA, Sarah. (Org.). Questões de Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1998a. Ver também SIQUEIRA, Maria Juracy Toneli. Saúde e Direitos Reprodutivos: o que os homens têm a ver com isso? Dossiê Relações de Gênero e Saúde Reprodutiva. Revista Estudos Feminista, vol. 8, n.1/2000, CFH/UFSC. 1 ECOS (2001). Saúde reprodutiva. Série Trabalhando com homens Jovens. Rio de Janeiro: Promundo. 1 ARILHA, Margareth. Homens: entre a zoeira e a responsabilidade. In: ARILHA, Margareth; UNBEHAUM, Sandra; MEDRADO, Benedito. Homens e Masculinidades: outras palavras. São Paulo: ECOS/Ed. 34, 1998b (1a ed.) e 2000 (2ª ed.). 10

1 SCHUTTER, Martine Maria Adriana. El debate en América Latina sobre la participación de los hombres en programas de salud reproductiva. Revista Panamericana de Salud Publica 7(6), 2000. S/L. Essa autora cita no texto a reunião realizada em 1998 em Oaxaca no México Participación Masculina en la salud sexual y reproductvia: nuevos paradigmas, quando chegou-se à conclusão de que os programas de saúde reprodutiva não deveriam focalizar apenas as ações da área de assistência clínica, como muitas das experiências tem feito, mas sim, permitir que os homens identifiquem de que maneira sua identidade masculina bem como as percepções que têm sobre ela influem em suas condutas sexuais, violência, prevenção das DST, e da paternidade. 11