FAMÍLIA, TRABALHO E ACESSO AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO BRASIL URBANO EM 2006



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Transcrição:

XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 28 a 31 de Julho de 2009, Rio de Janeiro, RJ GT09 Estratificação e Mobilidade Social Coordenação: Marcelo Medeiros e Felícia Picanço FAMÍLIA, TRABALHO E ACESSO AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO BRASIL URBANO EM 2006 Lucas Wan Der Maas (PUC-MG) André Junqueira Caetano (PUC-MG/CEDEPLAR)

1. INTRODUÇÃO Esta comunicação possui dois eixos de análise. O primeiro relaciona trabalho e o Programa Bolsa Família (PBF) do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), um programa focalizado de transferência condicionada de renda, destinado a famílias pobres e extremamente pobres. Mais especificamente, busca-se analisar os diferenciais de inserção ocupacional de ocupados residentes em domicílios com renda domiciliar per capita elegível ao PBF, beneficiários ou não beneficiários. O segundo eixo relaciona família e trabalho e se refere aos diferenciais de inserção ocupacional por sexo e por tipo de família do ocupado, entendendo que a situação individual no mercado de trabalho tem processos diferenciados em se comparando homens e mulheres e de acordo com a posição que se ocupa na família. Neste sentido, objetiva-se analisar a associação entre o pertencimento a diferentes arranjos domiciliares, segundo recebimento ou não do benefício do PBF, e os diferenciais na inserção ocupacional por sexo e tipo de família. O Programa Bolsa Família tem por objetivo a promoção do alívio imediato à pobreza, através de transferência direta de renda às famílias beneficiárias e do exercício de direitos sociais básicos, notadamente os de educação e saúde, através da aplicação de certas condicionalidades ao recebimento do benefício (MDS, 2009). Desde sua criação em 2003 até setembro de 2006, o programa realizava transferências de valores entre R$20,00 e R$182,00, variáveis de acordo com as características das famílias. O critério de elegibilidade neste período era o de famílias cuja renda per capita fosse de até R$50,00 e famílias de gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de até 15 anos de idade que tivessem renda per capita entre R$50,01 e R$100,00 (MEDEIROS; BRITTO; SOARES, 2007). Atualmente, é considerada extremamente pobre e elegível ao programa, segundo corte de renda, a família com renda por pessoa de até R$69,00 e pobres as famílias de gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de até 17 anos de idade com renda de R$69,01 a R$137,00 (MDS, 2009). As condicionalidades do PBF visam interromper o ciclo intergeracional da pobreza, garantindo às famílias o exercício efetivo da cidadania (op. cit.). Na área da saúde, a condição para o recebimento do benefício é a manutenção regular do calendário vacinal das crianças de até sete anos de idade e a realização, por parte de mulheres grávidas, de consultas de prénatal. Na área da educação, constitui-se como condição a matrícula de crianças e jovens na escola e a frequência mínima de 85% das aulas, para crianças e adolescentes com idade entre 2

seis e 15 anos, e de 75%, para jovens de 16 e 17 anos. Além das condicionalidades, existem as chamadas ações complementares que visam contribuir para a redução da pobreza, tais como atividades de geração de trabalho e renda, capacitação profissional, concessão de microcréditos, entre outras (op. cit.). Uma das principais críticas ao programa, como destacam Medeiros, Britto e Soares (2007), é o desestímulo ao trabalho que o mesmo pode trazer aos beneficiários. Neste aspecto, o acesso ao benefício inibiria o exercício laboral com vistas à permanência no programa e, portanto, a garantia de recebimento da renda vinculada. Ainda segundo os autores, tal visão é equivocada, já que o valor médio do benefício de R$60,00, que impacta em média 11% do orçamento familiar, não se constitui como o suficiente para que uma pessoa deixe de trabalhar. Além disso, dados da avaliação do impacto do PBF evidenciam que adultos residentes em domicílios com pelo menos um beneficiário do PBF têm uma taxa de participação no mercado de trabalho 3% maior do que a de adultos em domicílios sem beneficiários (CEDEPLAR apud MEDEIROS; BRITTO; SOARES, 2007). Por outro lado, Teixeira (2008) destaca que pode haver desincentivo ao trabalho de acordo com o impacto do benefício na renda da família, o que também pode variar de acordo com o sexo. Neste aspecto, o tempo despendido pela mulher aos afazeres domésticos pode aumentar com uma mudança brusca na renda da família após o recebimento de benefício do PBF, em função das condicionalidades a serem cumpridas. Consequentemente, o aumento do tempo despendido à produção domiciliar diminuiria a oferta de trabalho remunerado. Na mesma linha, Tavares (2008) argumenta que o recebimento do benefício pode não afetar diretamente a oferta de trabalho, mas poderia sim fazê-lo à quantidade de trabalho ofertado, e mais, que isso pode ocorrer mais acentuadamente entre as mães, haja vista serem as mulheres privilegiadas ao recebimento legal do benefício e, pelo menos em tese, as responsáveis por administrá-lo. Segundo a autora, as mães beneficiárias reduzem, em média, de 10% a 5% de sua jornada de trabalho, comparativamente às mães não beneficiárias elegíveis ao programa. É fundamental perceber a situação da inserção ocupacional da mulher, uma vez que sua participação em atividades econômicas pode ser influenciada pelo tempo dedicado à família, seja aquele do cuidado, dedicado aos filhos e ou aos idosos, função que ainda é atribuição quase exclusiva da mulher, ou aquele de realização de tarefas domésticas (ARAÚJO; SCALON, 2005). A situação precária da mulher se faz sentir para cada uma de acordo com as relações de gênero e de geração estabelecidas no interior das famílias. Sua 3

inserção ocupacional pode variar em função do tipo de família, de sua posição de chefe ou cônjuge e em função do peso de seu rendimento para o total do rendimento familiar. (MONTALI, 2003). O elevado tempo de dedicação aos afazeres domésticos, observado para as mulheres, pode gerar descontinuidade no tempo de permanência no trabalho, salários mais baixos e empregos precários. Além disso, muitas vezes, por estes fatores supracitados, as mulheres passam a priorizar a esfera privada, abandonando a esfera produtiva (BRUSCHINI, 2006). Tais efeitos podem se reproduzir, pois as mulheres que se encontram em atividades precárias tendem a ter uma maior jornada total de trabalho, constituída pela soma do tempo dedicado ao trabalho remunerado e do tempo dedicado a realização de afazeres domésticos. A maior jornada total de trabalho diminui o tempo que elas podem deslocar às atividades econômicas e à formação escolar, o que está invariavelmente relacionado a uma inserção de pior qualidade no mercado (DEDECCA; RIBEIRO; ISHII, 2008). Além da oferta de trabalho e da quantidade de trabalho ofertado (jornada de trabalho), torna-se necessário discutir a situação da inserção ocupacional do público atendido. Como destaca Fontoura (2008), os beneficiários ocupados que lançam mão de trabalhos precários, caracterizados especialmente por sua descontinuidade e desproteção, são aqueles que mais necessitam do benefício, o que pode trazer maior desestímulo ao trabalho. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PAND) de 2006, 92,2% dos ocupados residentes em domicílios com renda domiciliar per capita elegível ao programa recebia até um salário mínimo mensal, destes, 71,4% trabalhavam sem remuneração ou recebiam até ½ salário mínimo. O percentual daqueles que trabalhavam sem carteira, como conta própria, empregador ou sem remuneração, isto é, como trabalhadores informais, chegava aos 91,3% no mesmo período. Ainda segundo dados da PNAD, entre trabalhadores urbanos elegíveis ao programa, segundo critério de renda domiciliar per capita em 2006, 85,6% possuía trabalhos informais e 88,1% recebia até um salário mínimo. Entre seus pares residentes em áreas rurais, o percentual de ocupados sem carteira, conta própria, empregador e sem remuneração chegava aos 96,1% e os que recebiam até um salário mínimo somavam 96,2%. O trabalho informal está altamente associado à instabilidade no emprego e a baixos níveis de remuneração, isto é, ao trabalho precário, o que pode influenciar a permanência na pobreza. Nesse aspecto, destacando o fato de a população de elegíveis ao PBF encontrar-se em sua grande maioria na informalidade e recebendo baixos salários, e dada a importância das mulheres como responsáveis preferenciais pelos benefícios e condicionalidades vinculadas ao 4

programa, indaga-se se a situação de precariedade do trabalho é mais ou menos acentuada para os beneficiários, comparativamente aos não beneficiários, e quais são os diferenciais entre mulheres e homens. Em suma, o objetivo desta comunicação é analisar os diferenciais de inserção ocupacional de ocupados residentes em domicílios com renda domiciliar per capita elegível ao PBF, beneficiários ou não beneficiários, segundo o sexo do ocupado. 2. FONTES DE DADOS E VARIÁVEIS SELECIONADAS Foram utilizados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma pesquisa amostral domiciliar, de periodicidade anual e de abrangência para todo o território nacional. As unidades de análise investigadas pela pesquisa são os domicílios e seus respectivos moradores. Os dados correspondem à população ocupada com idade entre 25 e 64 anos, na faixa de renda domiciliar per capita elegível ao Programa Bolsa Família e residente em áreas urbanas do país em 2006 1. A população em questão representava 5,8% da população ocupada no Brasil urbano naquele ano. O corte de idade se fez no sentido de captar a população fora do ciclo de formação escolar, haja vista que tal atributo influencia sobremaneira a inserção ocupacional, e dentro do intervalo de idade mais propício ao exercício de atividade econômica. Com o objetivo de analisar os diferenciais ocupacionais da população urbana ocupada, buscou-se diferenciar os ocupados entre aqueles que residiam em regiões metropolitanas 2 e os que residiam em áreas urbanas não metropolitanas. Para definição de recebimento ou não de benefício do Programa Bolsa Família, a PNAD de 2006 lança mão de um suplemento sobre acesso a algumas transferências de renda de programas sociais nos domicílios, no qual consta um quesito com a seguinte pergunta: Em setembro de 2006, algum morador deste domicílio recebeu dinheiro do programa social Bolsa-Família? Neste sentido, a identificação de beneficiário neste trabalho está relacionada à residência em domicílio com existência de beneficiário. Quanto à definição de elegibilidade ao PBF, optou-se por utilizar apenas o corte de renda domiciliar per capita, dada a 1 Para efeitos de comunicação, sempre que for citada a população ocupada daqui por diante, considere-se a população com idade entre 25 e 64 anos, ocupada na semana de referência da PNAD, residente no Brasil urbano e em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. 2 A população residente em regiões metropolitanas considerada neste trabalho se restringe apenas às regiões com abrangência geográfica na PNAD, a saber, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Fortaleza, Recife, Salvador e Belém (IBGE, 2007). 5

impossibilidade de identificar a presença de gestantes no domicílio. Os ocupados foram classificados, portanto, entre elegíveis beneficiários ou não beneficiários, isto é, residentes em domicílios cuja renda domiciliar por pessoa era de até R$100,00 em setembro de 2006 e com presença, ou não, de algum morador que recebeu dinheiro do PBF no mesmo período. É importante ressaltar também que o conceito de família utilizado pelo MDS na gestão do programa tem correspondência com o domicílio na PNAD, isto é, a unidade de consumo, ou de convívio, ou ainda, de ligação doméstica. Atributos sociodemográficos e familiares As variáveis selecionadas podem ser divididas em três blocos. O primeiro bloco, denominado sociodemográfico, ou, atributos de controle, é composto pelas variáveis de idade em anos completos, raça ou cor da pele (branca e não-branca), anos de estudo, definida pela última série/curso concluída com aprovação, situação do domicílio (Região Metropolitana e áreas urbanas não metropolitanas) e macrorregião geográfica. A tabela 1 apresenta as características sociodemográficas da população urbana ocupada no Brasil com idade de 25 a 64 anos residente em domicílio com renda domiciliar per capita de até R$100,00, segundo existência ou não de algum morador beneficiário do PBF. Na composição da população por sexo, observou-se que entre indivíduos em domicílios beneficiários, 40,4% era do sexo feminino e 59,6% do masculino. Já entre os não-beneficiários, a proporção de mulheres era um pouco menor, 38,3%. Em ambos os grupos há sobrerrepresentação de não-brancos, em relação aos ocupados no Brasil urbano, 75,3% de não-brancos entre beneficiários e 69,8% entre não-beneficiários, contra 45,7%. Quando analisada a escolaridade, 51% dos ocupados em domicílios beneficiários e 38,7% dos não beneficiários, em 2006, não possuía instrução ou estudou até três anos completos. A proporção de ocupados com ensino superior incompleto ou completo (12 anos e mais de estudo) não chegou a 1% nesses grupos naquele ano, enquanto dentre o total de ocupados no Brasil urbano chegava a 18,6%. A maioria da população residia na Região Nordeste em 2006, sendo que 63,5% dos beneficiários e 44,4% dos não beneficiários. 6

TABELA 1 Características da população ocupada com idade de 25 a 64 anos elegível* ao PBF, Sexo beneficiária** e não beneficiária, Brasil urbano, 2006 Características Elegíveis* beneficiários** Elegíveis* nãobeneficiários Brasil urbano Feminino 40,4 38,3 44,1 Masculino 59,6 61,7 55,9 Raça/cor da pele Não-branca 75,3 69,8 45,7 Branca 24,7 30,2 54,3 Anos de estudo De 0 a 3 anos 51,0 38,7 14,8 De 4 a 7 anos 33,9 37,5 25,0 8 anos 7,0 8,8 10,1 9 a 10 anos 3,0 4,6 5,1 11 anos 5,0 9,7 26,4 12 anos e mais 0,1 0,8 18,6 Arranjo Domiciliar Tipo casal 82,4 77,8 76,3 Monoparental feminino 15,3 15,6 14,1 Outros 2,4 6,7 9,6 Posição na família Pessoa de referência 66,4 70,7 55,3 Cônjuge ou companheiro/a 26,1 21,8 27,1 Filho/a e outro parente 7,5 7,5 17,6 Região Geográfica Norte 9,8 13,0 6,5 Nordeste 63,5 44,4 21,2 Sudeste 17,7 28,2 48,9 Sul 6,2 7,6 15,9 Centro-oeste 2,8 6,8 7,5 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2006. * População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. ** População residente em domicílios em que algum morador recebeu benefício do PBF no mês de referência. O segundo bloco compreende as características familiares e as mesmas foram selecionadas tendo em vista que a inserção ocupacional de homens e de mulheres é diferenciada de acordo com a posição na família, pois o espaço que cada um ocupa no âmbito 7

domiciliar, mediado por relações de gênero, define os espaços que cada um pode vir a ocupar no mercado de trabalho. As variáveis selecionadas são as de tipo de família (tipo casal; tipo monoparental de chefia feminina; outros arranjos) e posição na família (pessoa de referência; cônjuge ou companheiro/a; filho/a ou enteado/a e outro parente). Essas variáveis foram construídas tendo como parâmetro a pessoa de referência do domicílio. Também foi incluída a variável realização de afazeres domésticos, entendendo que realizar tarefas no âmbito do domicílio, incluindo o cuidado aos filhos, pode influenciar em uma pior inserção no mercado de trabalho, principalmente para mulheres. Como destacado anteriormente, a dedicação por parte de mulheres aos afazeres domésticos, pode gerar descontinuidade no tempo de permanência no trabalho e menor barganha para negociar salários mais altos e conseguir trabalhos não precários. Ainda com referência à Tabela 1, no que diz respeito à estrutura familiar, observou-se uma maioria de pessoas ocupadas pertencentes a arranjos domiciliares do tipo casal ou nuclear, ainda que com uma maior proporção entre os elegíveis beneficiários, em relação aos não-beneficiários, 82,4% e 77,8%, respectivamente. A proporção de pessoas de referência do domicílio entre os elegíveis ao PBF em 2006 se apresentou relativamente maior em comparação ao total de ocupados no Brasil urbano, 66,4% de beneficiários e 70,7% de não beneficiários, contra 55,3%. Enquanto a proporção de ocupados que tinham a posição de filho/a ou outro parente representava 17,6% do total no Brasil urbano, a proporção entre os elegíveis era de 7,5%. Isso pode ser explicado pelo fato de grande parte dos elegíveis se constituírem de domicílios com crianças e jovens de até 15 anos de idade. Indicador de qualidade da inserção ocupacional O terceiro e último bloco de variáveis se refere aos atributos do trabalho, formado por variáveis utilizadas na construção do indicador de qualidade da inserção ocupacional. As variáveis selecionadas são as de posição na ocupação e tempo de permanência no trabalho. Os atributos do trabalho eleitos levam em consideração o trabalho principal, entendido como o único trabalho que a pessoa possuía na semana de referência ou, para os casos de pessoas com dois ou mais trabalhos, como aquele com maior tempo de permanência no ano de referência, ou aquele ao qual se dedicava o maior número de horas semanais, ou ainda, aquele que normalmente proporcionava o maior rendimento mensal. Foi considerado trabalho em 8

atividade econômica a ocupação remunerada em dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios, ou sem remuneração, na produção de bens e serviços, bem como a atividade não remunerada exercida na produção de bens primários para o autoconsumo ou na construção para o próprio uso, e exercida na semana de referência (IBGE, 2007). O indicador de qualidade da inserção ocupacional foi criado com o objetivo de caracterizar e sintetizar a inserção ocupacional da população em questão a partir do que se definiu como uma inserção de qualidade, por um lado, e precária, por outro. As duas variáveis eleitas foram classificadas, cada uma, dicotomicamente e hierarquicamente posicionadas da pior à melhor condição ocupacional. As categorias de cada variável foram assim quantificadas com os valores zero, correspondente à pior condição, e um, referente à melhor posição. As somas provenientes da combinação entre as mesmas produziram uma escala de zero a dois, cujos valores descrevem os níveis de precariedade da inserção ocupacional. No que se refere à variável posição na ocupação, considerou-se formal a pessoa que trabalhou na semana de referência como empregada ou trabalhador doméstico com carteira assinada, estatutário ou militar. Ao passo que foi considerada como informal a pessoa que trabalhou como empregada ou trabalhador doméstico sem carteira assinada, empregador, conta própria, sem remuneração e trabalhador na produção para o autoconsumo e na construção para o próprio uso. No cômputo geral, a variável de posição na ocupação divide os ocupados em protegidos e desprotegidos, entendendo que a proteção trabalhista, mais do que a desproteção, pode permitir ao trabalhador a saída da situação de pobreza. O gráfico 1 apresenta a distribuição da população ocupada, residente em domicílios com renda domiciliar per capita elegível ao PBF, beneficiários ou não beneficiários, por posição na ocupação e sexo. Enquanto 20% dos homens ocupados residentes em domicílios beneficiários e 24,7% dos homens ocupados residentes em domicílios não beneficiários possuía uma ocupação formal em 2006, apenas 6,8% e 13,1% entre seus pares femininos encontrava-se na mesma situação. No cômputo geral, apesar da grande maioria de ocupados em trabalhos informais, o trabalho formal é relativamente maior entre não beneficiários, relativamente aos beneficiários, e entre os homens, comparativamente a mulheres. 9

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2006. * População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. ** População residente em domicílios em que algum morador recebeu benefício do PBF no mês de referência. O atributo de tempo de permanência no trabalho, que indica há quantos anos o entrevistado se encontrava no trabalho é uma proxy de estabilidade no mercado de trabalho, entendida a estabilidade como um elemento que qualifica a inserção ocupacional. Neste sentido, quanto menor é o tempo de permanência no trabalho pior seria a situação ocupacional do entrevistado. O corte de tempo adotado para indicar esta situação foi o de até um ano no trabalho. Inversamente, quanto maior é o tempo de permanência no trabalho, mais bem colocado se encontraria o ocupado, adotando neste caso o corte de mais de um ano no trabalho. Entretanto, tal critério se aplica melhor aos trabalhadores formalizados e pode não se adequar à realidade de trabalhadores informais. No primeiro caso, o maior tempo de permanência no trabalho sugere que haja estabilidade de cobertura dos direitos do trabalho. Já no segundo caso, quanto mais tempo no trabalho, mais tempo desprovido de direitos, o que pode indicar, para muitos ocupados, permanência na precariedade. Optou-se, portanto, pelo critério inverso quando o trabalhador se encontrava informalizado, ou seja, quanto menos tempo de permanência no trabalho, melhor, ou menos agravante, sua situação ocupacional. 10

O gráfico 2 mostra a distribuição da população ocupada segundo tempo de permanência no trabalho, por residência ou não em domicílio em que algum morador recebeu benefício do PBF no mês de referência e sexo. Para mulheres residentes em domicílios beneficiários, 59,9% estava em uma ocupação formal há até um ano, ou estava em uma ocupação informal há mais de um ano, percentual que sofre um leve aumento entre homens, 63,7%. Esse diferencial por sexo também se observa entre ocupadas e ocupados residentes em domicílios não beneficiários e em proporções menores, 53,2% e 57,8%, respectivamente. Em outras palavras, a instabilidade no trabalho ou a permanência na precariedade se observa relativamente maior entre beneficiários, do que entre não beneficiários, e entre homens, comparativamente a mulheres. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2006. * População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. ** População residente em domicílios em que algum morador recebeu benefício do PBF no mês de referência. 11

Em suma, a melhor posição do indicador de qualidade da inserção ocupacional, o nível dois, é composta de indivíduos com carteira assinada ou de estatutários há mais de um ano, o que, em tese, sugere maiores chances de sair da pobreza. A posição intermediária, ou nível um, é formada de trabalhadores com carteira assinada ou de estatutários há até um ano, o que, a despeito da proteção legal, indicaria instabilidade no emprego, e por trabalhadores sem carteira, conta própria, empregadores e sem remuneração há até um ano, situação menos agravante do que aqueles informais que se mantêm por mais tempo nessa situação. Já na pior posição, ou nível zero, os informalizados há mais de um ano, o que pode indicar permanência na precariedade e maiores dificuldades de sair da pobreza. Como mostra o gráfico 3 apenas 4,3% das mulheres ocupadas elegíveis ao PBF que residiam em domicílio em que algum morador recebia o benefício se encontrava no nível dois do indicador, isto é, trabalhavam formalmente há mais de um ano. Por outro lado, 57,5% dessas mulheres se encontrava no nível zero, ou na informalidade há mais de um ano. Entre seus pares masculinos, a proporção no nível dois sobe para 12,9% e no nível zero decresce para 56,6%. Tanto para mulheres quanto para homens, a proporção de não beneficiários no nível dois é maior do que entre beneficiários, entretanto, permanece a diferença entre os sexos, 8,9% de mulheres não beneficiárias no nível dois, contra 15,7% de homens não beneficiários. 12

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2006. * População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. ** População residente em domicílios em que algum morador recebeu benefício do PBF no mês de referência. 3. METODOLOGIA Para análise dos dados, foi utilizado o modelo logístico multinomial, uma técnica estatística que analisa o efeito de variáveis independentes, ou explicativas, sobre uma variável dependente categórica de múltiplas respostas não ordenadas (ALLISON, 1999). A aplicação do procedimento teve por objetivo analisar a associação entre o pertencimento a diferentes arranjos domiciliares segundo o recebimento do benefício do Programa Bolsa Família e a inserção ocupacional. Nesse modelo, toda a população com idade entre 25 e 64 anos, na faixa de renda domiciliar per capita elegível ao PBF e ocupada no Brasil urbano em 2006 foi incluída e os resultados foram comparados por sexo. Interessa aqui, investigar de que forma os atributos pessoais da população ocupada e as características de família, sobretudo o recebimento de benefício do PBF por algum membro do domicílio, associam-se à 13

precariedade do trabalho, comparando-se homens e mulheres. A hipótese é de que há uma associação entre receber o benefício e uma diminuição na chance de ocupar uma situação melhor, ou menos agravante, no mercado de trabalho e que esta associação é maior para mulheres, comparativamente aos homens. Considerou-se como variável dependente o indicador de qualidade da inserção ocupacional, composto pelos atributos de posição na ocupação e tempo de permanência no trabalho. Como explicativas foram consideradas as variáveis dummies de tipo de família, posição na família, realização de afazeres domésticos, recebimento do benefício do PBF, situação do domicílio e região geográfica, além dos atributos de raça ou cor da pele, idade e anos de estudo. Com o intuito de evitar correlação perfeita foram omitidas do modelo as dummies tipo de família outros arranjos (FAM3) ; posição na família Filho/a e outro parente (POS3) ; e região geográfica Sudeste (RG3). Na prática, estima-se a probabilidade de um indivíduo assumir uma categoria da variável dependente em relação à categoria mais alta, tomada como a categoria de referência. O número de equações do modelo é igual ao total de categorias menos um, já que é estimada a chance de assumir cada uma das categorias em relação à de referência (ALISSON, 1999). Neste trabalho, a categoria de referência é o maior nível de qualidade da inserção ocupacional, isto é, o nível dois, que indica que o indivíduo trabalhava com carteira assinada ou era estatutário há mais de um ano. Dessa forma, analisou-se a chance de um ocupado assumir os níveis zero e um, comparativamente ao melhor nível. Apresentando o modelo formalmente segundo Alisson (1999), assume-se que as categorias estão ordenadas na sequência j = 1,..., J e P ij como a probabilidade de um indivíduo i assumir uma categoria j da variável dependente. Assim, o modelo é dado por Pij log( ) = β j xi j = 1,..., J 1 (1) P ij onde x i é o vetor coluna das variáveis para o indivíduo i e β é o vetor linha dos coeficientes para a categoria j. Note que cada categoria é comparada com a categoria J mais alta e que o número de equações é igual ao número de categorias da variável dependente menos um. O conjunto das equações pode ser resumido assim 14

p ij e β j xi = J + 1 1 k = 1 e β j xi j = 1,..., J 1 (2) E ainda, dado que as probabilidades de todas as categorias J devem assumir uma soma igual a um, temos que p ij = J 1+ 1 k = 1 e β j xi (3) 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS Os quadros 1 e 2 apresentam os resultados da aplicação do modelo por sexo, respectivamente entre mulheres e entre homens. Nestes quadros, o coeficiente expressa a variação no logito da variável dependente, qualidade da inserção ocupacional, derivada da variação de cada uma das variáveis explicativas, controlando-se pelas demais. Para cada equação de cada variável explicativa do modelo há um coeficiente correspondente. O coeficiente da primeira equação descreve a chance de um ocupado assumir o nível zero da variável dependente, em relação ao nível dois, dada a variação do atributo explicativo em questão e se controlando pelas outras variáveis do modelo. Consecutivamente, o coeficiente da segunda equação descreve a chance de assumir o nível um em relação ao nível dois. A razão de chance é o coeficiente exponenciado e indica a associação entre a variável independente e a probabilidade de estar na categoria em análise, comparativamente à categoria de referência. Segundo os dados do modelo logístico aplicado à população ocupada do sexo feminino com idade entre 25 e 64 anos elegível ao PBF, ser beneficiário do programa aumenta em 96% a chance de ocupar o nível zero, em relação ao nível dois do indicador de qualidade da inserção ocupacional, comparativamente aos não beneficiários, controlando-se pelas demais variáveis. Em outras palavras, a ocupada residente em domicílio com presença de beneficiário do PBF tem uma chance maior de ser uma trabalhadora sem carteira, conta própria, empregadora ou sem remuneração e há mais de um ano, do que de ser uma trabalhadora com carteira ou estatutário e há mais de um ano, comparativamente a ocupada residente em domicílio sem beneficiário. A chance de ocupar o nível um, em relação ao nível 15

dois, por sua vez, aumenta a probabilidade em 70%. Essa associação é mais acentuada para beneficiários das regiões Norte e Nordeste, em relação à região Sudeste, que têm uma chance 64% e 60% maior de ocupar o nível zero, comparativamente ao nível dois, respectivamente. Residir nas regiões Sul e Centro-oeste não se mostrou estatisticamente significante. QUADRO 1 Coeficientes e razões de chance do modelo logístico multinomial da população urbana ocupada do sexo feminino com idade entre 25 e 64 elegível ao PBF 1, Brasil, 2006 Variáveis Equações Nível 0 vs. Nível 2 Nível 1 vs. Nível 2 Coeficiente Razão de Chance Coeficiente Razão de Chance Intercepto 1,47 4,35 3,54 34,60 FAM1 Tipo Casal (CF =outro) -0,64 0,53-0,36 0,70 FAM2 Monoparental feminino (CF=outro) -0,61 0,54-0,26 0,77 POS1 Pessoa de Referência (CF=filho/a, outro parente) 0,66** 1,93** 0,41 1,50 POS2 Cônjuge (CF=filho/a, outro parente) 0,85*** 2,34*** 0,47 1,60 Afazeres domésticos (CF=Não realiza) 1,03*** 2,81*** 0,70** 2,02** Recebe benefício do PBF (CF=não beneficiário) 0,67*** 1,96*** 0,53*** 1,70*** Idade -0,01 0,99-0,06*** 0,94*** Raça/cor da pele (CF=não branca) 0,22 1,25 0,21 1,23 Anos de Estudo -0,15*** 0,86*** -0,13*** 0,88*** Situação do domicílio (CF=urbano não metropolitano) -0,01 0,99 0,13 1,14 RG1 Norte (CF=Sudeste) 0,50* 1,64* 0,28 1,32 RG2 Nordeste (CF=Sudeste) 0,47** 1,60** 0,00 1,00 RG4 Sul (CF=Sudeste) -0,30 0,74-0,21 0,81 RG5 Centro-Oeste (CF=Sudeste) -0,33 0,72-0,15 0,86 1. População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. Categoria de Referência. * Significante a 10%. ** Significante a 5%. *** Significante a 1%. Número de Observações: 2.977. Likelihood Ratio: 1,0. No que diz respeito às variáveis familiares, observou-se que o tipo de família não é estatisticamente significante para explicar a inserção ocupacional do grupo em questão, relativamente a outros tipos de família que não do tipo casal e do tipo monoparental feminino. Entretanto, o atributo de posição na família mostrou que mulheres chefes de família têm probabilidade 93% maior de estar na informalidade e há mais de um ano, em relação a estar 16

na formalidade e há mais de um ano. Tal associação é ainda maior entre mulheres cônjuges, verificando-se uma chance 134% maior de ocupar o nível zero e 60% maior de ocupar o nível um, comparativamente ao nível dois. Quanto ao atributo de realização de afazeres domésticos, há um aumento de 181% na chance de estar no nível zero, e de 102 % de estar no nível um, em relação ao melhor nível do indicador de qualidade. Destaca-se ainda, que o atributo de escolaridade se mostrou estatisticamente significante nas duas equações do modelo. A cada ano a mais de estudo, diminui 86% a chance de ocupar o nível zero, e de 88% de ocupar o nível um, em comparação ao nível dois. Segundo os dados do modelo logístico aplicado à população ocupada do sexo masculino com idade entre 25 e 64 anos elegível ao PBF, residir ou não em domicílio com beneficiário do programa não é estatisticamente significante para explicar a inserção ocupacional, controlando-se pelas demais variáveis. Quanto à região geográfica, verifica-se que residir nas regiões Norte e Nordeste, comparativamente à região Sudeste, aumenta em 89% e 58% a chance de estar no pior nível do indicador de qualidade da inserção ocupacional, em relação ao melhor nível, respectivamente. Essa associação é mais acentuada para residentes em áreas urbanas não metropolitanas, haja vista que morar em uma Região Metropolitana diminui em 20% a chance de estar no nível zero, em comparação ao nível dois. Destaca-se ainda que a cada ano a mais de estudo, há uma diminuição na probabilidade de ocupar os níveis zero e um, em relação ao nível dois, de 10% e 8%, respectivamente. Analisando-se os atributos familiares, observa-se que o tipo de família e a posição na família estão positivamente associados à probabilidade de possuir um trabalho formalizado e estável. Tal associação é maior para pertencentes a famílias do tipo monoparental feminino do que para do tipo casal, em relação a outros tipos de arranjos. Enquanto a chance de um ocupado pertencente a um arranjo do tipo casal ocupar o nível zero, comparativamente ao nível dois, é 67% menor, a de um ocupado pertencente a um arranjo monoparental feminino é 74% menor. Quando analisada a segunda equação, as probabilidades são 60% e 72% menores, respectivamente. O atributo de realização de afazeres domésticos também se mostrou estatisticamente significante entre os homens. A probabilidade de um ocupado que realiza afazeres domésticos em possuir um trabalho informal e há mais de um ano é 32% maior em relação a possuir um trabalho formal e há mais de um ano, relativamente a um ocupado que não realiza afazeres domésticos. 17

QUADRO 2 Coeficientes e razões de chance do modelo logístico multinomial da população urbana ocupada do sexo masculino com idade entre 25 e 64 anos elegível ao PBF 1, Brasil, 2006 Variáveis Equações Nível 0 vs. Nível 2 Nível 1 vs. Nível 2 Coeficiente Razão de Chance Coeficiente Razão de Chance Intercepto 2,57 13,13 4,57 96,73 FAM1 Tipo Casal (CF =outro) -1,11** 0,33** -0,92** 0,40** FAM2 Monoparental feminino (CF=outro) -1,34* 0,26* -1,27* 0,28* POS1 Pessoa de Referência (CF=filho/a, outro parente) -0,79** 0,45** -1,07** 0,34** POS2 Cônjuge (CF=filho/a, outro parente) -0,50 0,61-0,74* 0,48* Afazeres domésticos (CF=Não realiza) 0,28** 1,32** 0,29** 1,34** Recebe benefício do PBF (CF=não beneficiário) 0,15 1,16-0,03 0,97 Idade 0,02** 1,02** -0,03** 0,97** Raça/cor da pele (CF=não branca) 0,06 1,06-0,04 0,96 Anos de Estudo -0,11** 0,90** -0,09** 0,92** Situação do domicílio (CF=urbano não metropolitano) -0,22* 0,80* -0,22* 0,81* RG1 Norte (CF=Sudeste) 0,64** 1,89** -0,08 0,92 RG2 Nordeste (CF=Sudeste) 0,45** 1,58** -0,28* 0,75* RG4 Sul (CF=Sudeste) 0,04 1,04-0,01 0,99 RG5 Centro-Oeste (CF=Sudeste) 0,08 1,09-0,18 0,83 1. População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. Categoria de Referência. * Significante a 5%. **Significante a 1%. Número de Observações: 4.615. Likelihood Ratio: 0,9831. A comparação dos resultados por sexo foi feita através da relação entre os coeficientes de cada modelo logístico. Para tal, realizou-se um teste estatístico de comparação de médias, cuja hipótese nula é a de que os processos de inserção no mercado de trabalho subjacentes aos coeficientes das variáveis independentes são iguais para ambos os grupos. Isso quer dizer que os processos de inserção no mercado de trabalho podem ser os mesmos para homens e mulheres. A hipótese alternativa é a de que os processos são diferentes, ou seja, haveria mecanismos de inserção ocupacional diferenciados para cada grupo. O teste é feito pela observação da sobreposição ou não dos intervalos de confiança de 95% dos dois modelos. Caso os intervalos se sobreponham, aceita-se a hipótese nula de que os processos podem ser iguais, o que significa que a diferença entre os coeficientes não é estatisticamente significante 18

ou, em outras palavras, aceita-se que os coeficientes são diferentes apenas devido ao acaso. Caso não haja sobreposição dos intervalos de confiança de 95%, rejeita-se a hipótese nula, isto é, a diferença entre os coeficientes é estatisticamente significante e os resultados obtidos refletem diferenças existem na população. O quadro 3 apresenta os valores dos coeficientes de cada equação, no qual os valores em destaque representam os coeficientes cujos intervalos de confiança de 95% dos dois modelos não se sobrepuseram e para os quais, portanto, a hipótese nula de que os processos podem ser iguais foi rejeitada. QUADRO 3 Comparação dos coeficientes do modelo logístico multinomial da população urbana ocupada com idade entre 25 e 64 anos elegível ao PBF 1, por sexo, Brasil, 2006 2 Variáveis Nível 0 vs. Nível 2 Nível 1 vs. Nível 2 Mulheres Homens Mulheres Homens Intercepto 1,47 2,57 3,54 4,57 FAM1 Tipo Casal (CF =outro) -0,64-1,11*** -0,36-0,92*** FAM2 Monoparental feminino (CF=outro) -0,61-1,34** -0,26-1,27** POS1 Pessoa de Referência (CF=filho/a, outro parente) 0,66** -0,79*** 0,41-1,07*** POS2 Cônjuge (CF=filho/a, outro parente) 0,85*** -0,50 0,47-0,74** Afazeres domésticos (CF=Não realiza) 1,03*** 0,28*** 0,70** 0,29*** Recebe benefício do PBF (CF=não beneficiário) 0,67*** 0,15 0,53*** -0,03 Idade -0,01 0,02*** -0,06*** -0,03** Raça/cor da pele (CF=não branca) 0,22 0,06 0,21-0,04 Anos de Estudo -0,15*** -0,11** -0,13*** -0,09*** Situação do domicílio (CF=urbano não metropolitano) -0,01-0,22** 0,13-0,22** RG1 Norte (CF=Sudeste) 0,50* 0,64*** 0,28-0,08 RG2 Nordeste (CF=Sudeste) 0,47** 0,45*** 0,00-0,28** RG4 Sul (CF=Sudeste) -0,30 0,04-0,21-0,01 RG5 Centro-Oeste (CF=Sudeste) -0,33 0,08-0,15-0,18 1. População residente em domicílios cuja renda domiciliar per capita no mês de referência era de até R$100,00. 2. As células marcadas representam valores cujos intervalos de confiança de 95% referentes aos dois modelos não se sobrepuseram. Categoria de Referência. * Significante a 10%. ** Significante a 5%. *** Significante a 1%. 19

Os resultados mostram que os atributos de realizar afazeres domésticos e anos de estudos se associam à qualidade da inserção ocupacional em ambos os modelos e equações, entretanto, tal associação não possui diferenciais por sexo, isto é, muito provavelmente têm processos não comparáveis entre mulheres e homens. Destaca-se, no entanto, que o aumento na chance de possuir um trabalho precário por uma mulher que realiza afazeres domésticos, em comparação a uma mulher que não realiza, é maior do que o aumento na chance de um homem que realiza afazeres, comparativamente a um homem que não o faz. Inversamente, a diminuição na probabilidade de estar na informalidade e há mais de um ano, a cada ano a mais de estudo, é maior entre mulheres elegíveis do que entre homens elegíveis, destacando que a educação tem maior impacto sobre o trabalho para a população feminina. Para a dummy de posição na família pessoa de referência, verificou-se significância estatística na primeira equação dos dois modelos, além da não sobreposição dos intervalos de confiança de 95%. Nesse caso, observa-se que enquanto os homens ocupados e chefes de família têm uma probabilidade de estar na precariedade menor do que os homens cônjuges ou em outra posição na família, o inverso ocorre entre mulheres, ou seja, a chance de estar na precariedade aumenta para mulheres que são chefes de família, em relação às mulheres cônjuges ou em outras posições. Quanto ao atributo de Região Geográfica, verificou-se que residir na Região Norte, em relação a residir na Região Sudeste, aumenta a chance de ocupar o nível zero, em comparação ao nível dois, para ambos os sexos, embora de forma mais acentuada entre os homens. Residir na Região Nordeste se associa à precariedade na ocupação na primeira equação em ambos os modelos, entretanto não há diferenciais por sexo. Finalmente, destaca-se que apenas no modelo logístico da população feminina ocupada e elegível ao PBF foi encontrada associação entre ser beneficiário do programa e inserção ocupacional, neste caso há um aumento na chance de ocupar os níveis zero e um, em relação ao nível dois, controlando-se pelas demais características. No modelo logístico da população masculina ocupada e elegível ao PBF, a associação entre receber benefício e trabalho não se mostrou estatisticamente significante. 20

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A hipótese levantada neste trabalho de que há uma associação entre receber o benefício e uma diminuição na chance de ocupar uma situação melhor, ou menos agravante, no mercado de trabalho e que esta associação é maior para mulheres, comparativamente aos homens, foi parcialmente verificada. Ao passo que não é possível afirmar que residir em domicílio com algum morador beneficiário do PBF influencia a inserção ocupacional de homens, é possível sugerir, com base nos dados analisados, que tal associação ocorre entre mulheres. Levando-se em consideração o aumento na chance de possuir uma ocupação precária entre os beneficiários ocupados do sexo feminino, os resultados sugerem que as mulheres que possivelmente são as responsáveis por receber e administrar o benefício do PBF podem encontrar maiores dificuldade de sair da pobreza através do trabalho remunerado e, portanto, deixar de depender da transferência do programa. E ainda, o aumento na chance de ter um trabalho precário, associado à realização de afazeres domésticos e à posição na família, mostra que as mulheres cônjuges, mais do que as mulheres chefes de família, possuem a pior situação de inserção ocupacional. Isso deve ocorrer porque são estas as mulheres que encontram maiores dificuldades em negociar o trabalho no âmbito do domicílio devido à presença de esposo ou companheiro e, em alguma medida, por ser o acompanhamento das condicionalidades do programa preferencialmente destinadas a elas. O estudo aqui apresentado oferece uma análise transversal da situação ocupacional de elegíveis ao Programa Bolsa Família, beneficiários ou não beneficiários. Nesse aspecto, em que pese o fato de não conhecermos a trajetória da população estuda no programa, como por exemplo, há quanto tempo recebia o benefício, não é possível saber se a pior situação encontrada entre mulheres beneficiárias é efeito da focalização do programa ou mesmo do recebimento do benefício. No primeiro caso, a associação encontrada corrobora em mostrar que o PBF está direcionando seus recursos às pessoas que mais deles necessitam. Por outro lado, caso a associação esteja associada ao recebimento do benefício, o programa pode estar atuando como desincentivo a um trabalho de qualidade ao perpetuar seus beneficiários na precariedade laboral. 21

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